Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ... Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

portaldoprofessor.mec.gov.br
from portaldoprofessor.mec.gov.br More from this publisher
18.08.2013 Views

presente nos lares de casais de pessoas do mesmo sexo, no Brasil e no mundo. Pensamos que a escola precisa se preparar para receber estas crianças em um ambiente livre de preconceitos e de discriminações. Como fio condutor, abordamos sucintamente a seguir aspectos da questão que consideramos fundamentais: . direitos humanos, sexualidades e identidades de gênero não-convencionais; . a família como instituição social e sua diversidade na contemporaneidade; . a liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero como campos de luta política; 4. a especificidade das famílias formadas por adultos homossexuais e seus filhos; . a escola como instituição central na aceitação social de famílias homoparentais. Direitos humanos, sexualidades e identidades de gênero não convencionais Ao refletimos sobre os direitos civis de gays e lésbicas, geralmente temos em mente adultos a quem são negadas prerrogativas elementares de cidadania. Isto se dá, especialmente no âmbito da conjugalidade e da parentalidade, dada a inexistência de arcabouço legal que regulamente as uniões afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por homens e mulheres cuja orientação sexual e identidade de gênero não sejam convencionais. Dificilmente pensamos que jovens e crianças possam também ter seus direitos civis negados por serem filhos e filhas de pais e mães homossexuais. Saímos de nosso adultocentrismo, no máximo, quando ficamos chocados com as informações estatísticas que explicitam o fato de que adolescentes gays, lésbicas e transgêneros têm uma probabilidade significativamente mais alta de cometer suicídio, quando comparados a seus iguais heterossexuais, devido às pressões internas e sociais que são obrigados a enfrentar em conseqüência de sua não-inserção nos padrões dominantes de exercício da afetividade e da sexualidade. Da mesma forma, pouco se aborda na escola a situação de crianças que não se enquadram nos modelos de identidade de gênero hegemônicos, ignorando-se conflitos e sofrimentos decorrentes de preconceitos, discriminações e violências de gênero, homofóbicas ou transfóbicas. Os casos de bullying 4 associados à intolerância sexual e 2 Utilizamos a expressão “orientação sexual e identidade de gênero não-convencionais” para definir escolhas afetivas, sexuais e de identidades corporais de indivíduos que fogem aos padrões culturais vigentes em nossa sociedade, que associam sexo (biológico) ao gênero, construto social que define identidades masculinas e femininas (HÉRITIER, 1996; SCOTT, 1998; BUTLER, 2003b). 3 Artigo publicado na Archives of Pediatric and Adolescent Medicine (GAROFALO et al.,1999) sustenta que o índice de suicídio entre adolescentes homossexuais é três vezes maior que entre seus pares heterossexuais. 4 Entende-se por bullying “o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos agressivos anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre o problema da violência escolar” (FANTE, 2005: 27). 160

de gênero são freqüentes e assustadores no âmbito escolar desde tenra idade, e muitas vezes ainda continuam ignorados em nível institucional. Relatos de estudantes que questionam mais ostensivamente os binarismos de gênero, a partir de suas maneiras de vestir, andar, falar e gesticular – que comumente são chamados na escola de “meninas masculinizadas” ou de “meninos efeminados” – revelam que, em geral, são obrigados a abandonar os estudos devido aos preconceitos que sofrem por não seguirem os modelos de gênero esperados para seu sexo. Sabemos, portanto, que gays, lésbicas e transgêneros não apenas têm menos direitos do que os indivíduos heterossexuais, mas que também estão mais sujeitos à violência, à discriminação e ao preconceito em diversos âmbitos da vida social, tanto na vida adulta quanto na infância e na juventude. Refletimos aqui, porém, sobre uma nova modalidade de preconceito e de discriminação, também associada à orientação sexual e à identidade de gênero não hegemônicas, que é a sofrida por crianças e por jovens em idade escolar – os filhos e as filhas de mulheres lésbicas e de homens gays – seja vivendo em situações de conjugalidade e, portanto, de dupla filiação, seja em situações de monoparentalidade. Tais crianças constituem um conjunto crescente de alunos e alunas das escolas brasileiras, até o momento praticamente ignorado, já que a vivência pública da maternidade e da paternidade por gays e lésbicas ainda é uma realidade recente no Brasil. Na escola, essas famílias são geralmente invisíveis, com pais e mães muitas vezes orientando seus filhos e filhas a omitirem de seus colegas, professores, funcionários e diretores a composição não-convencional de sua família, especialmente nos casos em que as crianças convivem com um casal de indivíduos do mesmo sexo, por receio de que sejam vítimas de preconceito, de discriminação e de violência. Poucas são também as iniciativas, nas escolas voltadas a escutar e a respeitar estas diferenças na organização familiar de seus estudantes, mesmo nos casos em que é visível o compartilhamento da guarda das crianças por casais não-heterossexuais. A dimensão social da família e sua diversidade na contemporaneidade Cientistas sociais de todas as partes do mundo há muito têm constatado que as formas de organização da família variam muito no tempo e no espaço, havendo múltiplas possibilidades de organização dos laços de consangüinidade e de afinidade entre as pessoas (PARKIN e STONE, 004). 5 Pesquisas realizadas em Santa Catarina são ilustrativas sobre este ponto. O trabalho de Fernanda Cardozo (2006) sobre parentalidades travestis recupera depoimentos de travestis que foram obrigadas a abandonar a escola por esta razão. As observações de Débora Sayão (2005) sobre jogos e performances infantis na pré-escola mostram que crianças são consideradas “fora de seu gênero” quando não correspondem aos padrões esperados para meninos e meninas. 161

de gênero são freqüentes e assustadores no âmbito escolar desde tenra idade, e muitas<br />

vezes ainda continuam ignorados em nível institucio<strong>na</strong>l. Relatos de estudantes que<br />

questio<strong>na</strong>m mais ostensivamente os bi<strong>na</strong>rismos de gênero, a partir de suas maneiras de<br />

vestir, andar, falar e gesticular – que comumente são chamados <strong>na</strong> escola de “meni<strong>na</strong>s<br />

masculinizadas” ou de “meninos efemi<strong>na</strong>dos” – revelam que, em geral, são obrigados a<br />

abando<strong>na</strong>r os estudos devido aos preconceitos que sofrem por não seguirem os modelos<br />

de gênero esperados para seu sexo. Sabemos, portanto, que gays, lésbicas e transgêneros<br />

não ape<strong>na</strong>s têm menos direitos do que os indivíduos heterossexuais, mas que<br />

também estão mais sujeitos à violência, à discrimi<strong>na</strong>ção e ao preconceito em diversos<br />

âmbitos da vida social, tanto <strong>na</strong> vida adulta quanto <strong>na</strong> infância e <strong>na</strong> juventude.<br />

Refletimos aqui, porém, <strong>sobre</strong> uma nova modalidade de preconceito e de discrimi<strong>na</strong>ção,<br />

também associada à orientação sexual e à identidade de gênero não<br />

hegemônicas, que é a sofrida por crianças e por jovens em idade escolar – os filhos<br />

e as filhas de mulheres lésbicas e de homens gays – seja vivendo em situações de<br />

conjugalidade e, portanto, de dupla filiação, seja em situações de monoparentalidade.<br />

Tais crianças constituem um conjunto crescente de alunos e alu<strong>na</strong>s das escolas<br />

brasileiras, até o momento praticamente ignorado, já que a vivência pública da<br />

maternidade e da paternidade por gays e lésbicas ainda é uma realidade recente no<br />

Brasil. Na escola, essas famílias são geralmente invisíveis, com pais e mães muitas<br />

vezes orientando seus filhos e filhas a omitirem de seus colegas, professores, funcionários<br />

e diretores a composição não-convencio<strong>na</strong>l de sua família, especialmente nos<br />

casos em que as crianças convivem com um casal de indivíduos do mesmo sexo, por<br />

receio de que sejam vítimas de preconceito, de discrimi<strong>na</strong>ção e de violência. Poucas<br />

são também as iniciativas, <strong>na</strong>s escolas voltadas a escutar e a respeitar estas diferenças<br />

<strong>na</strong> organização familiar de seus estudantes, mesmo nos casos em que é visível o<br />

compartilhamento da guarda das crianças por casais não-heterossexuais.<br />

A dimensão social da família e sua diversidade<br />

<strong>na</strong> contemporaneidade<br />

Cientistas sociais de todas as partes do mundo há muito têm constatado que<br />

as formas de organização da família variam muito no tempo e no espaço, havendo<br />

múltiplas possibilidades de organização dos laços de consangüinidade e de afinidade<br />

entre as pessoas (PARKIN e STONE, 004).<br />

5 Pesquisas realizadas em Santa Catari<strong>na</strong> são ilustrativas <strong>sobre</strong> este ponto. O trabalho de Fer<strong>na</strong>nda Cardozo<br />

(2006) <strong>sobre</strong> parentalidades travestis recupera depoimentos de travestis que foram obrigadas a abando<strong>na</strong>r<br />

a escola por esta razão. As observações de Débora Sayão (2005) <strong>sobre</strong> jogos e performances infantis<br />

<strong>na</strong> pré-escola mostram que crianças são consideradas “fora de seu gênero” quando não correspondem<br />

aos padrões esperados para meninos e meni<strong>na</strong>s.<br />

161

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!