Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a ...

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o que procuramos lutar. Não podemos perder de vista que intervenções centradas, única ou principalmente, em nossas boas intenções pedagógicas ou no poder genericamente redentor da educação costumam contribuir para reproduzir o quadro de opressão contra o qual nos batemos. Em outras palavras, com freqüência, colocamos nossas boas intenções e nossa confiança em uma educação a serviço de um sistema sexista e heterossexista de dominação que deve justamente a essas intenções e confiança uma parte significativa de seu poder de conservação. Ora, desde os estudos de Bourdieu e Passeron e uma numerosa série de outros, as visões encantadas acerca do papel transformador e redentor da escola têm sido fortemente desmistificadas. Temos visto consolidar-se uma visão segundo a qual a escola não apenas transmite ou constrói conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação. Dar-se conta de que o campo da educação se constituiu historicamente como um espaço disciplinador e normalizador é um passo decisivo para se caminhar rumo à desestabilização de suas lógicas e compromissos. Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do “outro” (considerado “estranho”, “inferior”, “pecador”, “doente”, “pervertido”, “criminoso” ou “contagioso”) todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade e pelos arsenais multifariamente a ela ligados – centrados no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente “normal”. Não por acaso, conforme aquilata Guacira Lopes Louro, no espaço da educação escolar, 14 [...] os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância, escapam da norma e promovem uma descontinuidade na seqüência sexo/ gênero/sexualidade serão tomados como minoria e serão colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma educação que se pretenda para a maioria. Paradoxalmente, esses sujeitos marginalizados continuam necessários, pois servem para circunscrever os contornos daqueles que são normais e que, de fato, se constituem nos sujeitos que importam (LOURO, 004b: 7, grifos nossos). 1 Para uma reflexão sobre a fabricação dos sujeitos, vide: FOUCAULT, 1975 [1997: 143-161]; FONSECA, 1995: 130-131 e, especialmente na educação: SILVA, 1994, 1996. 2 Por meio da heteronormatividade, a heterossexualidade é instituída e vivenciada como única possibilidade legítima de expressão identitária e sexual (WARNER, 1993).

A escola configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras distintas, 4 situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia, negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado. Diante disso, em 998, as autoridades britânicas instituíram o School Standards and Framework Act, que obriga os dirigentes escolares a adotarem medidas para evitar toda forma de intimidação entre estudantes. Em 007, foi aprovada a regulamentação do Equality Act voltada a eliminar discriminações por orientação sexual no acesso, no fornecimento e na utilização de bens e serviços públicos e privados, e o governo determinou que até mesmo as escolas religiosas deverão ensinar o respeito à livre expressão sexual. Nos Estados Unidos, onde três em cada quatro estudantes LGBT da high school declaram viver rotinas de assédio e violência verbal, física ou sexual, há uma crescente mobilização para fazer das escolas ambientes seguros, livres e educativos para estudantes, profissionais e familiares, independentemente de suas identidades sexuais e de gênero (JENNINGS, 00 : xiv; PERROTTI e WESTHEIMER, 00 ). No Brasil, em 004, o governo federal lançou, em conjunto com a sociedade civil, o “Programa Brasil sem Homofobia”, voltado a formular e a implementar políticas integradas e de caráter nacional de enfrentamento ao fenômeno. 7 O programa traz, no seu cerne, a compreensão de que a democracia não pode prescindir do pluralismo e de políticas de eqüidade e que, para isso, é indispensável interromper a longa seqüência de cumplicidade e indiferença em relação à homofobia e promover 3 Sigla cada vez mais empregada a partir da metade dos anos 1990 e fortemente ligada às políticas de identidade, LGBT possui muitas variantes, inclusive com ordens diferentes das letras. Em algumas delas, acrescenta-se um ou dois T (para distinguir travestis, transexuais e transgêneros). Em outras, um ou dois Q para “queer” e “questioning”, às vezes abreviado com um ponto de interrogação; U para “unsure” (incerto) e I para “intersexo”. No Brasil, empregam-se também o S (“simpatizantes”) e o F (“familiares”). Nos EUA: outro T (ou TS ou o número 2: “two-spirit”) e A (“aliados/as hetero”). A revista Anything That Moves (publicada entre 1990 e 2002) cunhou a sigla FABGLITTER (fetish, aliado/a, bissexual, gay, lésbica, intersexo, transgênero, transexual engendering revolution), que não entrou no uso comum. 4 Vivências de jovens e adultos/as LGBT podem ser muito distintas, inclusive em função de gênero, cor, condição econômica etc. Vide.: RYAN e FRAPPIER, 1994; SIMÕES, 2004; ABRAMOVAY et al., 2004.. 5 Em um levantamento entre mais de 4 mil homens e mulheres homossexuais no Reino Unido, constatou-se que, nos cinco anos anteriores, um terço dos gays e um quarto das lésbicas foram vítimas de, ao menos, um ataque violento. Um terço sofreu algum assédio (incluindo ameaças ou vandalismo) e 73% sofreram abusos verbais em público (RICHARDSON e MAY, 1999). 6 Nos EUA, segundo a Anistia Internacional, estudantes LGBT recebem em média 26 insultos por dia, 80% sofrem “grave isolamento social”, 53% ouvem comentários homofóbicos por parte de professores e da administração, 28% deixam a escola antes de obter o diploma (a evasão entre heterossexuais é de 11%), 19% são vítimas de agressão física na escola. Em 97% dos casos, não se registram intervenções por parte do corpo docente e, em 40 estados, professores/as podem ser demitidos/as por serem LGBT. 7 Integravam o BSH os Ministérios da Educação, Cultura, Saúde, Justiça, Trabalho e Emprego, Relações Exteriores, as Secretarias Especiais dos Direitos Humanos, Políticas para Mulheres, Políticas de Promoção da Igualdade Racial. No final de 2007, por ocasião da preparação da I Conferência Nacional GLBT, eram 16 os Ministérios envolvidos. 15

A escola configura-se um lugar de opressão, discrimi<strong>na</strong>ção e preconceitos,<br />

no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão<br />

submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de<br />

maneiras distintas, 4 situações delicadas e vulneradoras de inter<strong>na</strong>lização da homofobia,<br />

negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou<br />

a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado.<br />

Diante disso, em 998, as autoridades britânicas instituíram o School Standards<br />

and Framework Act, que obriga os dirigentes escolares a adotarem medidas para evitar<br />

toda forma de intimidação entre estudantes. Em 007, foi aprovada a regulamentação<br />

do Equality Act voltada a elimi<strong>na</strong>r discrimi<strong>na</strong>ções por orientação sexual no acesso,<br />

no fornecimento e <strong>na</strong> utilização de bens e serviços públicos e privados, e o governo<br />

determinou que até mesmo as escolas religiosas deverão ensi<strong>na</strong>r o respeito à livre expressão<br />

sexual. Nos Estados Unidos, onde três em cada quatro estudantes LGBT da<br />

high school declaram viver roti<strong>na</strong>s de assédio e violência verbal, física ou sexual, há uma<br />

crescente mobilização para fazer das escolas ambientes seguros, livres e educativos para<br />

estudantes, profissio<strong>na</strong>is e familiares, independentemente de suas identidades sexuais<br />

e de gênero (JENNINGS, 00 : xiv; PERROTTI e WESTHEIMER, 00 ).<br />

No Brasil, em 004, o governo federal lançou, em conjunto com a sociedade<br />

civil, o “Programa Brasil sem Homofobia”, voltado a formular e a implementar políticas<br />

integradas e de caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de enfrentamento ao fenômeno. 7 O programa<br />

traz, no seu cerne, a compreensão de que a democracia não pode prescindir do<br />

pluralismo e de políticas de eqüidade e que, para isso, é indispensável interromper a<br />

longa seqüência de cumplicidade e indiferença em relação à homofobia e promover<br />

3 Sigla cada vez mais empregada a partir da metade dos anos 1990 e fortemente ligada às políticas de<br />

identidade, LGBT possui muitas variantes, inclusive com ordens diferentes das letras. Em algumas delas,<br />

acrescenta-se um ou dois T (para distinguir travestis, transexuais e transgêneros). Em outras, um ou dois Q<br />

para “queer” e “questioning”, às vezes abreviado com um ponto de interrogação; U para “unsure” (incerto)<br />

e I para “intersexo”. No Brasil, empregam-se também o S (“simpatizantes”) e o F (“familiares”). Nos EUA:<br />

outro T (ou TS ou o número 2: “two-spirit”) e A (“aliados/as hetero”). A revista Anything That Moves (publicada<br />

entre 1990 e 2002) cunhou a sigla FABGLITTER (fetish, aliado/a, bissexual, gay, lésbica, intersexo,<br />

transgênero, transexual engendering revolution), que não entrou no uso comum.<br />

4 Vivências de jovens e adultos/as LGBT podem ser muito distintas, inclusive em função de gênero, cor,<br />

condição econômica etc. Vide.: RYAN e FRAPPIER, 1994; SIMÕES, 2004; ABRAMOVAY et al., 2004..<br />

5 Em um levantamento entre mais de 4 mil homens e mulheres homossexuais no Reino Unido, constatou-se<br />

que, nos cinco anos anteriores, um terço dos gays e um quarto das lésbicas foram vítimas de, ao menos,<br />

um ataque violento. Um terço sofreu algum assédio (incluindo ameaças ou vandalismo) e 73% sofreram<br />

abusos verbais em público (RICHARDSON e MAY, 1999).<br />

6 Nos EUA, segundo a Anistia Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, estudantes LGBT recebem em média 26 insultos por dia, 80%<br />

sofrem “grave isolamento social”, 53% ouvem comentários homofóbicos por parte de professores e da<br />

administração, 28% deixam a escola antes de obter o diploma (a evasão entre heterossexuais é de 11%),<br />

19% são vítimas de agressão física <strong>na</strong> escola. Em 97% dos casos, não se registram intervenções por parte<br />

do corpo docente e, em 40 estados, professores/as podem ser demitidos/as por serem LGBT.<br />

7 Integravam o BSH os Ministérios da <strong>Educação</strong>, Cultura, Saúde, Justiça, Trabalho e Emprego, Relações<br />

Exteriores, as Secretarias Especiais dos Direitos Humanos, Políticas para Mulheres, Políticas de Promoção<br />

da Igualdade Racial. No fi<strong>na</strong>l de 2007, por ocasião da preparação da I Conferência Nacio<strong>na</strong>l GLBT, eram<br />

16 os Ministérios envolvidos.<br />

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