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Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

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um conhecimento coletivo sobre <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s ervas, banhos, massagens e rituais, para<br />

os problemas cotidianos. Assim como em to<strong>da</strong>s as culturas, o itinerário terapêutico dos<br />

portadores <strong>de</strong> doenças vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> evolução <strong>de</strong> seu quadro.<br />

Para muitos povos indígenas, a maior parte <strong>da</strong>s doenças que acometem as crianças,<br />

principalmente as pequenas, menores <strong>de</strong> um ano, são causa<strong>da</strong>s porque os pais romperam<br />

algum tabu, alguma regra social relaciona<strong>da</strong> <strong>à</strong> alimentação do casal, ou ao comportamento<br />

sexual, ou ain<strong>da</strong> ao tipo <strong>de</strong> trabalho que os pais realizam nesta fase <strong>de</strong> maior vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>s crianças. Também é comum atribuírem os males <strong>da</strong>s crianças, um pouco maiores, aos<br />

espíritos brincalhões, espíritos que entram no corpo <strong>da</strong> criança, se materializam na forma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> macaco ou espinhos e que machucam <strong>de</strong>terminados órgãos ou partes do corpo.<br />

Eles po<strong>de</strong>m se fixar no ouvido levando a uma otite, ou na barriga, levando <strong>à</strong> diarréia, ou<br />

po<strong>de</strong>m se localizar em várias outras partes do corpo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> sintomatologia <strong>da</strong><br />

criança. Existem ain<strong>da</strong> os casos mais graves, <strong>de</strong> crianças que, <strong>de</strong> repente, apresentam uma<br />

evolução clínica muito severa, brusca, que po<strong>de</strong> ser atribuí<strong>da</strong> a uma feitiçaria. Ou seja,<br />

aquele estado <strong>de</strong> doença foi provocado <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente por um feiticeiro que <strong>de</strong>verá ser<br />

<strong>de</strong>scoberto e morto.<br />

Em todos estes casos em que existem explicações elabora<strong>da</strong>s pelos próprios índios,<br />

em geral, o que ocorre é a busca dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para aliviar e tratar os sintomas e<br />

ao mesmo tempo a procura <strong>de</strong> um especialista tradicional. A abor<strong>da</strong>gem terapêutica não é<br />

necessariamente exclu<strong>de</strong>nte, ela <strong>de</strong>ve ser complementar. Os recursos médicos oci<strong>de</strong>ntais<br />

são reconhecidos como parte do tratamento, mais uma alternativa terapêutica.<br />

Finalmente, no contexto <strong>da</strong> relação médico-paciente, o que se coloca é a ética. Há<br />

um limite muito tênue entre uma ética que observa valores etnocêntricos, que são <strong>da</strong>dos<br />

pela nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, e uma ética universal, se é que se po<strong>de</strong> colocar <strong>de</strong>sta forma, que nos<br />

remete a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong> uma cultura, <strong>de</strong> um povo. No dia-a-dia, é necessário<br />

tomar <strong>de</strong>cisões, muitas vezes difíceis, pesando to<strong>da</strong>s estas questões. É muito comum que<br />

os pais, orientados pelos pajés, não <strong>de</strong>ixem que a criança doente seja removi<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua<br />

casa, ou <strong>de</strong> sua al<strong>de</strong>ia. Segundo os pajés, se as crianças saírem <strong>de</strong> sua casa, ficarão mais<br />

vulneráveis aos espíritos ruins ou aos feitiços. Já <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> casa, existe uma proteção maior<br />

dos espíritos guardiões, chamados pelos pajés. Nestes casos, é fun<strong>da</strong>mental que haja um<br />

bom diálogo, no qual se coloquem to<strong>da</strong>s as informações sobre o caso, as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

riscos. Outros interlocutores como os agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, li<strong>de</strong>ranças e mesmo os pajés po<strong>de</strong>m<br />

auxiliar na toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Esta ética precisa ser construí<strong>da</strong> pelo diálogo – um diálogo mais profundo, não infantilizado,<br />

ou repressor e preconceituoso. Devem-se colocar to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>da</strong>r<br />

acesso a to<strong>da</strong>s as informações para que, <strong>de</strong> fato, seja uma escolha livre.<br />

a) Referências bibliográficas<br />

1. Buchillet, D. A Antropologia <strong>da</strong> Doença e os Sistemas Oficiais <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. In: Medicinas<br />

Tradicionais e Medicina Oci<strong>de</strong>ntal na Amzônia. Belém: Ed. CEJUP, 1991.<br />

14<br />

Fun<strong>da</strong>ção Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>

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