04.08.2013 Views

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

inserido em seu contexto sociocultural. A doença, para os povos indígenas, não existe fora<br />

<strong>de</strong> seu contexto sociocultural, portanto <strong>de</strong> um contexto singular. As representações e práticas<br />

<strong>da</strong> medicina são constitutivas <strong>da</strong> organização sociopolítica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e, como tal,<br />

também estão sujeitas <strong>à</strong>s mu<strong>da</strong>nças e ao processo histórico. No processo <strong>de</strong> reor<strong>de</strong>nação<br />

sociocultural que se impõe <strong>à</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas em contato com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> industrializa<strong>da</strong>,<br />

os sistemas <strong>de</strong> cura tradicionais também são reavaliados. Novas doenças produzem<br />

novas respostas. Porém, estes especialistas também estão tendo dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em li<strong>da</strong>r com<br />

as novas doenças. Não conseguem respon<strong>de</strong>r sozinhos a elas.<br />

A implantação dos Distritos Sanitários Especiais <strong>Indígena</strong>s (Dsei) tem contribuído para<br />

um olhar mais aprofun<strong>da</strong>do sobre a saú<strong>de</strong> indígena, que pressupõe convivência, diálogo<br />

e construção <strong>de</strong> outra relação intercultural. Mas esta nova política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> indígena que<br />

vem se estruturando e consoli<strong>da</strong>ndo nos últimos anos, se por um lado torna mais acessíveis<br />

os recursos <strong>da</strong> medicina, e os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> aos povos indígenas, por outro lado,<br />

amplia bastante a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> interlocutores, <strong>de</strong> novos personagens e papéis sociais no âmbito<br />

<strong>da</strong>s al<strong>de</strong>ias, e, conseqüentemente, impõe um ritmo mais acelerado <strong>de</strong> medicalização. O<br />

que tem ocorrido é que os sistemas médicos <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas têm se retraído e<br />

perdido espaço. Os saberes e cui<strong>da</strong>dos com o próprio corpo e com as crianças também têm<br />

se perdido, o que os torna reféns do sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal. Não se trata <strong>de</strong> responsabilizar<br />

apenas o setor saú<strong>de</strong>, mas, <strong>de</strong> maneira geral, os índios têm mu<strong>da</strong>do seu modo <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma drástica nos últimos anos, seja pela limitação dos territórios, se<strong>de</strong>ntarismo,<br />

diminuição dos recursos naturais; seja pela introdução <strong>de</strong> novos costumes, alimentação,<br />

remédios, mu<strong>da</strong>nças na estrutura familiar, aumento do número <strong>de</strong> filhos, rompimento <strong>de</strong><br />

tabus alimentares e ritos <strong>de</strong> passagem.<br />

Neste sentido, é fun<strong>da</strong>mental a formação <strong>de</strong> profissionais em saú<strong>de</strong> indígena, índios<br />

ou não-índios, com conhecimentos antropológicos, epi<strong>de</strong>miológicos e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública.<br />

Outro ponto importante que está presente nas áreas indígenas é a questão dos espaços<br />

<strong>de</strong> trabalho. Quando as equipes trabalham <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s áreas indígenas, <strong>de</strong> certa forma,<br />

per<strong>de</strong>m o referencial <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> trabalho que têm na nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Trabalham num<br />

espaço que é reconhecido pelas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que moram ali. As equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam<br />

construir o espaço <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, negociando sempre com os índios. É preciso<br />

conhecer as regras <strong>de</strong> convivência preexistentes, e criar novas regras <strong>de</strong> convivência <strong>da</strong><br />

equipe. Não existe só o trabalho médico, na maior parte <strong>da</strong>s vezes a equipe é basicamente<br />

<strong>de</strong> enfermagem. Portanto, a divisão do trabalho também precisa ser negocia<strong>da</strong>. É bem<br />

diferente <strong>de</strong> um hospital, por exemplo, em que você tem uma hierarquia já estabeleci<strong>da</strong> e<br />

reconheci<strong>da</strong> por todos.<br />

Há também uma diferença gran<strong>de</strong> entre os espaços <strong>de</strong> trabalho dos médicos alopatas/<br />

oci<strong>de</strong>ntais e os médicos indígenas. Por exemplo, os pajés precisam <strong>da</strong> sombra para conversar<br />

com os espíritos, <strong>da</strong> fumaça para evocá-los. Já os médicos oci<strong>de</strong>ntais precisam <strong>da</strong> luz,<br />

<strong>da</strong> razão. Dentro do sistema <strong>de</strong> cura dos povos indígenas existem diferentes tipos <strong>de</strong> intervenção,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> interpretação do problema. Entre os pajés, por exemplo, existem<br />

diferentes graduações e po<strong>de</strong>res, existem os gran<strong>de</strong>s pajés, os auxiliares, os fazedores <strong>de</strong><br />

bonecos, os donos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado espírito, como do gavião, <strong>da</strong> onça, entre outros. Existem<br />

ain<strong>da</strong> os raizeiros ou “donos <strong>de</strong> ervas”, os rezadores, as parteiras, e, <strong>de</strong> maneira geral, há<br />

<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Atenção</strong> <strong>à</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>Criança</strong> <strong>Indígena</strong> <strong>Brasileira</strong> – pág. 13

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!