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Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

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no conhecimento do próprio corpo, a formação médica caminhou para a especialização<br />

extrema per<strong>de</strong>ndo o olhar do todo, do homem como um todo (Mendonça, S. 1995). Com<br />

isso, a comunicação entre o paciente e o médico ficou muito prejudica<strong>da</strong>. Passou a ser<br />

pontual e fragmenta<strong>da</strong>.<br />

A maioria dos pacientes recorre a outras alternativas terapêuticas como benze<strong>de</strong>iras,<br />

comadres, terreiros <strong>de</strong> umban<strong>da</strong>, centros espíritas, seitas religiosas, entre outros recursos.<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, eles estão <strong>à</strong> procura <strong>de</strong> uma referência simbólica que lhes ofereça outros níveis<br />

<strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua doença. Eles procuram outras formas <strong>de</strong> tratamento que lhes dê respostas<br />

a perguntas que a ciência médica raramente consegue fornecer: por quê eu? Por quê<br />

agora? Os doentes estão <strong>à</strong> procura <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong> cura que lhes <strong>de</strong>volvam o equilíbrio, não<br />

só biológico, mas a própria i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> sociocultural, a sua aceitação e o seu acolhimento<br />

em seu meio social. A excessiva valorização <strong>da</strong> tecnologia e a voraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> indústria farmacêutica<br />

têm acentuado este fenômeno <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro <strong>da</strong> relação médico-paciente.<br />

Ao mesmo tempo, tem emergido uma nova or<strong>de</strong>m que propõe uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong><br />

paradigma na ciência médica, <strong>de</strong> uma maneira geral, busca a modificação <strong>da</strong> visão mecanicista<br />

e reducionista <strong>da</strong> natureza humana para uma concepção holista e sistêmica <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>. Os programas chamados “extramuros” <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> docente-assistencial, fora do<br />

ambiente acadêmico, têm proliferado, levando os alunos até a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos pacientes,<br />

aproximando-os do contexto sociocultural <strong>de</strong>stes. Nos últimos anos, as ciências humanas,<br />

como é o caso <strong>da</strong> antropologia e <strong>da</strong> sociologia, começaram a ser introduzi<strong>da</strong>s no currículo<br />

<strong>da</strong>s escolas médicas. Embora ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma fragmenta<strong>da</strong> e teórica, as ciências humanas<br />

<strong>de</strong> maneira geral têm papel fun<strong>da</strong>mental neste processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça. A introdução <strong>de</strong>ssas<br />

matérias nas escolas médicas, se inseri<strong>da</strong>s nas experiências práticas <strong>de</strong> ensino-aprendizagem,<br />

permite uma ampliação do referencial social e cultural do processo saú<strong>de</strong>-doença e<br />

suas implicações na prática médica.<br />

O processo saú<strong>de</strong>-doença acontece a partir <strong>da</strong>s representações socioculturais <strong>da</strong><br />

doença no seio <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, e se revela, basicamente, em três dimensões: subjetiva<br />

(que é quando a pessoa se sente doente), biofísica (alterações orgânicas, perceptíveis) e<br />

sociocultural (quando a doença é atribuí<strong>da</strong> pelo grupo social). Estas três dimensões estão<br />

em jogo todo o tempo. É preciso enten<strong>de</strong>r esta dimensão processual <strong>da</strong> doença. Enten<strong>de</strong>r<br />

seu caráter dinâmico, sua interpretação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aparecimento dos primeiros sintomas e em<br />

que circunstâncias isso ocorreu, quem foi acometido, sua i<strong>da</strong><strong>de</strong> e todo o seu <strong>de</strong>senrolar. Se<br />

houve agravamento ou persistência do quadro mórbido. Em vários momentos, o paciente,<br />

ou a família, po<strong>de</strong> emitir um diagnóstico, recorrer <strong>à</strong>s ervas, aos medicamentos, e aos diferentes<br />

especialistas. Depen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> doença, será elaborado o diagnóstico<br />

e empregado o tratamento mais a<strong>de</strong>quado. Durante a evolução <strong>da</strong> doença, a remissão dos<br />

sintomas não significa, necessariamente, cura, uma vez que o equilíbrio social também<br />

<strong>de</strong>ve ser reestabelecido.<br />

Entre os Povos <strong>Indígena</strong>s, a situação encontra<strong>da</strong> no trabalho <strong>de</strong> campo é <strong>de</strong> coexistência<br />

<strong>de</strong> duas ou mais socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, com sistemas médicos distintos. Aliás, não apenas distintos,<br />

mas em franca <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. De um lado, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> industrializa<strong>da</strong>, mo<strong>de</strong>rna,<br />

<strong>de</strong> outro, as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s tribais. De um lado, um sistema médico que vê a doença <strong>de</strong>scola<strong>da</strong><br />

do contexto cultural; <strong>de</strong> outro, um sistema médico que percebe o doente, completamente<br />

12<br />

Fun<strong>da</strong>ção Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>

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