04.08.2013 Views

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

1.2. Relação médico-paciente: valorizando os aspectos<br />

culturais x medicina tradicional<br />

Sofia Beatriz Machado <strong>de</strong> Mendonça<br />

Este é um tema bastante vasto e fascinante. Po<strong>de</strong>-se discorrer sob várias perspectivas.<br />

Embora nos últimos anos tenha aumentado o volume <strong>de</strong> relatórios, relatos e artigos, poucos<br />

estudos foram publicados. Entre estes o processo <strong>de</strong> adoecimento e o itinerário terapêutico<br />

percorrido pelos indígenas (Langdon, E. J., 1991, 1994), as concepções e representações<br />

sociais sobre as doenças (Buchillet, D, 1991; Gallois, D., 1991; Verani, C., 1991), coexistência<br />

entre os sistemas <strong>de</strong> cura tradicionais e oci<strong>de</strong>ntais (Buchillet, D., 1991), pajés e<br />

práticas xamãnicas (Junqueira, C., 1991, 1992, 1995). Estes estudos são fun<strong>da</strong>mentais para<br />

a construção dos cenários que se apresentam no quotidiano <strong>da</strong> relação médico-paciente<br />

em áreas indígenas.<br />

O tema <strong>de</strong>ste trabalho propõe algumas reflexões acerca <strong>da</strong> formação dos profissionais<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a convivência com os diferentes sistemas <strong>de</strong> cura. Deman<strong>da</strong> um olhar que<br />

transcen<strong>de</strong> o momento <strong>da</strong> relação médico-paciente e se esten<strong>de</strong> ao contexto sociocultural<br />

em que ela se estabelece. Quais são as regras sociais, as etiquetas, que serão construí<strong>da</strong>s<br />

e permitirão o diálogo?<br />

Num primeiro momento, é fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong>finir o espaço sociocultural <strong>de</strong>ste encontro.<br />

Como é estar em outro mundo, no mundo indígena? O contato com as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas<br />

nos permite olhar a nossa própria socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e cultura <strong>de</strong> uma maneira diferente. À medi<strong>da</strong><br />

que nos distanciamos <strong>de</strong> nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e conhecemos outra forma <strong>de</strong> ver, ser e estar no<br />

mundo somos levados a refletir sobre nossa cultura, nossas regras sociais que foram sendo<br />

construí<strong>da</strong>s ao longo <strong>de</strong> nossa história, a partir dos encontros e <strong>de</strong>sencontros <strong>de</strong> várias culturas.<br />

Esta convivência com os povos indígenas, por ser tão diferente, explicita as opções<br />

que fizemos em nossa história. Entre os povos indígenas to<strong>da</strong> a organização social é bem<br />

diversa <strong>da</strong> nossa, a língua, o modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> é diferente. A presença <strong>de</strong> outros sistemas <strong>de</strong><br />

cura <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s várias socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas é ain<strong>da</strong> bastante estrutura<strong>da</strong>, diferente do que<br />

se apresenta entre a população que freqüenta os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em centros urbanos,<br />

que embora seja extremamente viva é vela<strong>da</strong>.<br />

Esta convivência entre o sistema médico oficial e os sistemas <strong>de</strong> cura indígenas nos<br />

faz refletir sobre a distância entre a teoria e prática que nós próprios vivenciamos em nossa<br />

formação, na ciência médica.<br />

O conhecimento científico, hoje consi<strong>de</strong>rado hegemônico partiu <strong>da</strong> prática, porém,<br />

<strong>de</strong>la se distanciou. Da mesma maneira, a ciência médica emergiu <strong>da</strong> prática, a partir <strong>de</strong><br />

vários sistemas <strong>de</strong> cura tradicionais e populares, e <strong>de</strong>ssa prática se afastou. Assim como<br />

aconteceu com outras ciências, o mo<strong>de</strong>lo biomédico, positivista, <strong>de</strong>stacou o homem <strong>de</strong><br />

seu contexto cultural, social e psíquico. Passou a valorizar apenas o aspecto biológico<br />

<strong>da</strong>s doenças e do funcionamento do corpo. Com a divisão entre mente/alma e o corpo, a<br />

ciência médica passa a cui<strong>da</strong>r apenas do corpo, colocando o sagrado, o subjetivo absolutamente<br />

<strong>à</strong> margem na abor<strong>da</strong>gem do doente (Santos B., 1991). Esta redução se <strong>de</strong>u inclusive<br />

<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Atenção</strong> <strong>à</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>Criança</strong> <strong>Indígena</strong> <strong>Brasileira</strong> – pág. 11

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!