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ARTE E ARQUITECTURA - Universidade Técnica de Lisboa

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<strong>ARTE</strong> E <strong>ARQUITECTURA</strong>:<br />

FRONTEIRAS E SITUAÇÕES DE CONTACTO<br />

NA OBRA DE FERNANDA FRAGATEIRO<br />

Maria Azevedo Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa Eiró<br />

Dissertação para a obtenção do Grau <strong>de</strong> Mestre em:<br />

Arquitectura<br />

Júri<br />

Presi<strong>de</strong>nte: Prof.ª Doutora Teresa Fre<strong>de</strong>rica Tojal <strong>de</strong> Valsassina Heitor<br />

Orientador: Prof.ª Doutora Helena Silva Barranha Gomes<br />

Co-Orientador: Prof. Doutor Luís Manuel Morgado Santiago Baptista<br />

Vogais: Prof.ª Bárbara dos Santos Coutinho<br />

Prof. Ricardo Alberto Bagão Quininha Bak Gordon<br />

Outubro 2012


RESUMO:<br />

A afinida<strong>de</strong> entre a arte e a arquitectura não é um tema novo. A relação entre ambas as<br />

disciplinas foi, no entanto, adoptando diferentes mo<strong>de</strong>los, sentidos <strong>de</strong> influência e estruturas<br />

hierárquicas para as suas intercepções, subsistindo assim, ao longo dos séculos.<br />

As revoluções artísticas dos anos 20 e dos anos 60, que culminam na sua vertente pública<br />

contemporânea, aproximam a arte da arquitectura e colocam o artista numa posição, sem<br />

prece<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> contiguida<strong>de</strong> com o arquitecto em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuação no meio<br />

urbano. Possibilitando assim, uma alteração <strong>de</strong>finitiva na estrutura hierárquica, à qual a<br />

inserção <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte em projectos arquitectónicos obe<strong>de</strong>ceu até ao final do séc. XX.<br />

Este encontro no espaço público dará origem a novos términos para a relação entre arte e<br />

arquitectura que quebram todos os anteriores e constituem a base do mo<strong>de</strong>lo colaborativo, que<br />

se preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir com a maior profundida<strong>de</strong> e exactidão possíveis.<br />

A presente investigação apoia-se na diversida<strong>de</strong> da obra e na multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plataformas <strong>de</strong><br />

actuação utilizadas por Fernanda Fragateiro, para dar resposta a questões fundamentais no<br />

entendimento dos novos parâmetros <strong>de</strong> união e comunhão entre arte e arquitectura. A escolha<br />

da artista tem por base a visibilida<strong>de</strong> e importância das suas colaborações no panorama<br />

nacional e a sua vasta obra individual <strong>de</strong> enorme relevância para o estudo das novas tipologias<br />

artísticas, por vezes, indistintas da arquitectura.<br />

Palavras-chave da dissertação: Colaborações, Arte Pública, Arquitectura, Fernanda Fragateiro.<br />

i


ABSTRACT:<br />

The affinity between art and architecture is not new. Their relationship, however, has adopted<br />

different mo<strong>de</strong>ls, types of influence and hierarchic structures that convey each other’s<br />

necessities and, thus subsisting throughout the centuries.<br />

The artistic revolutions of the 20s and 60s that culminate in art’s contemporary public practice,<br />

approximates art to architecture and calls artists into an unprece<strong>de</strong>nted position of contiguity<br />

with architects, where both can think and <strong>de</strong>sign the urban environment. Resulting in the<br />

possibility of constructing a new hierarchic form, that finally, breaks architecture dominance over<br />

all artistic and technical fields.<br />

This encounter in the public sphere will, not only, give way to new terms for the relationship<br />

between art and architecture, but also brake every previous ones and, therefore creating a new<br />

collaborative mo<strong>de</strong>l that we will try to <strong>de</strong>fine with the greatest exactitu<strong>de</strong>.<br />

The present investigation takes base in the diversity of the work and multiplicity of platforms<br />

used by the artist Fernanda Fragateiro, to provi<strong>de</strong> answers to fundamental questions, which in<br />

the long term, will provi<strong>de</strong> the un<strong>de</strong>rstanding of the new parameters that <strong>de</strong>fine this form of<br />

relation between art and architecture. The artist’s choice emerges from relevance of the<br />

individual works displayed and their indistinctiveness from architecture, as well as, the<br />

importance and visibility that her collaborations with architects, present in the national context.<br />

Keywords: Collaboration, Public Art, Architecture, Fernanda Fragateiro.<br />

ii


AGRADECIMENTOS:<br />

Á Professora Helena Barranha, o mais sentido obrigado, pela paciência, disponibilida<strong>de</strong> e<br />

persistência no acompanhamento e orientação da presente dissertação.<br />

Ao Arq. Luís Santiago Baptista, por ter aceite embarcar nesta ‘aventura’, por ter sido uma<br />

constante fonte <strong>de</strong> positivismo e encorajamento, e pela sua contribuição no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

temático <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Aos arquitectos, João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>, João Gomes da Silva e José Veludo, pela<br />

abertura e disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstradas para a realização das entrevistas.<br />

À artista Fernanda Fragateiro, pelo interesse <strong>de</strong>monstrado pelo trabalho e também pela<br />

disponibilida<strong>de</strong> com que me recebeu na realização da entrevista.<br />

Aos meus pais, por todo o apoio, compreensão e incentivos vários dados ao longo da<br />

elaboração da presente dissertação, e aos meus irmãos, pelas críticas, olhares con<strong>de</strong>nadores<br />

e pressão exercida para que a terminasse.<br />

Aos meus avós, mas especialmente ao meu avô, Fernando Azevedo Men<strong>de</strong>s, pela revisão <strong>de</strong><br />

texto, que não duvido penosa e confusa para um advogado, mas essencial para o resultado<br />

final atingido.<br />

Ao Manel, sempre paciente e tolerante perante as minhas inseguranças, e um enorme apoio<br />

durante este longo processo.<br />

iii


ÍNDICE GERAL<br />

RESUMO: i<br />

ABSTRACT: ii<br />

AGRADECIMENTOS: iii<br />

ÍNDICE: v<br />

ÍNDICE DE FIGURAS: vii<br />

FERNANDA FRAGATEIRO<br />

INTRODUÇÃO: 1<br />

CONTEXTUALIZAÇÃO: 9<br />

I. PASSAGEM PARA O ESPAÇO REAL<br />

1.1. do espaço virtual para o espaço real. 11<br />

1.2. o minimalismo e o espaço na arte. 16<br />

1.3. Fernanda Fragateiro: Exposição Invisibilida<strong>de</strong>, Galeria Leme, 2009. 24<br />

II. DIMENSÃO DA CORPORALIDADE<br />

2.1. o corpo, a escala e o lugar. 27<br />

2.2. Fernanda Fragateiro: Caixa para Guardar o Vazio, 2005. 31<br />

III. VERTENTE SOCIAL DA ESPACIALIDADE<br />

3.1. quando a arte sai à rua. 34<br />

3.2. Fernanda Fragateiro: O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece,<br />

<strong>Lisboa</strong> Capital do Nada, 2001. 43<br />

IV. A “OBRA DE <strong>ARTE</strong> TOTAL”<br />

4.1. a ‘Gesamtkunstwerk’ e a colaboração. 47<br />

4.2. Fernanda Fragateiro: ‘Através da Paisagem’, EBG, Mourão, 2002-2008. 59<br />

V. PERCENT FOR ART<br />

5.1. a origem do mo<strong>de</strong>lo e a sua evolução. 65<br />

5.2. arte no espaço publico VS arte na arquitectura. 69<br />

5.3. algumas situações e casos <strong>de</strong> sucesso. 72<br />

5.4. Fernanda Fragateiro: ‘Jardim das Ondas’, Expo’98, <strong>Lisboa</strong>, 1998. 75<br />

v


VI. NOVAS DINÂMICAS COLABORATIVAS<br />

6.1. interdisciplinarida<strong>de</strong> como método <strong>de</strong> acção. 84<br />

6.2. problemática dos novos métodos colaborativos. 88<br />

6.3. Design Urbano. 93<br />

6.4. Fernanda Fragateiro: ‘Jardim nas Margens’, Cacém, 2002-2008. 96<br />

VII CONCLUSÕES: 105<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 109<br />

ANEXOS:<br />

ANEXO I. Entrevista realizada a Fernanda Fragateiro. 115<br />

ANEXO II. Entrevista realizada ao Arq. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>. 127<br />

ANEXO III. Entrevista realizada ao Arq. João Gomes da Silva. 136<br />

ANEXO IV. Entrevista realizada ao Arq. José Veludo. 143<br />

vi


ÍNDICE DE IMAGENS:<br />

Fig. 1. Expan<strong>de</strong>d Field - diagramas I, II e III. 9<br />

Rosalind Krauss - "Sculpture in the Expan<strong>de</strong>d Field." October, Vol. 8, 1979, pp. 36-38.<br />

Fig. 2. Interpretação em diagrama da teoria <strong>de</strong> David Summers. 12<br />

Criado pela autora.<br />

Fig. 3. Tatlin – ‘Selection of Materials’, 1914. 13<br />

http://www.russianavantgard.com/Artists/tatlin/tatlin_assortment_materials_a.html<br />

Fig. 4. Tatlin – ‘Corner Counter-relief’, 1914. 13<br />

www.museothyssen.org/microsites/exposiciones/2006/Vanguardias/museo.html<br />

Fig. 5. Tatlin - ‘Complex Corner-relief’, 1915. 13<br />

http://artntheory.blogspot.com/2011/05/el-guitare.html<br />

Fig. 6. Picasso – ‘Guitarra’, 1914. 13<br />

http://artntheory.blogspot.com/2011/05/el-guitare.html<br />

Fig. 7. El Lissitzky – ‘Prounenraum’, 1923 (reconstrução <strong>de</strong> 1971). 14<br />

http://www.tate.org.uk/research/tateresearch/tatepapers/07autumn/bern<strong>de</strong>s.htm<br />

Fig. 8. Piet Mondrian – ‘Salon of Madame B., 1923. 14<br />

Harry Holtzman – Mondrian: The Process Works. New York: Pace Editions, 1970, capa.<br />

Fig. 9. A. Rodchenko – ‘Desenho para Quiosque’, 1919. 15<br />

http://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/12/04/arquitetura-<strong>de</strong>sconstrutivista/<br />

Fig. 10. A. Rodchenko – ‘Desenho para Estação <strong>de</strong> Rádio’, 1920. 15<br />

http://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/12/04/arquitetura-<strong>de</strong>sconstrutivista/<br />

Fig. 11. Vladimir Tatlin – ‘Projecto para o Monumento da 3ª Internacional’, 1917. 15<br />

http://arkinetblog.wordpress.com/2010/03/11/<br />

Fig. 12. Maqueta realizada para apresentação em Petrograd e Moscovo, 1920. 15<br />

http://www.cabinetmagazine.org/issues/28/boym2.php<br />

Fig. 13. Monumento da 3º Internacional, Paris, 1925. 15<br />

http://www.cabinetmagazine.org/issues/28/boym2.php<br />

Fig. 14. Morris – ‘Sem título’, 1965. 18<br />

http://www.architetturadipietra.it/wp/?p=2010<br />

Fig. 15. Morris – Vista da Geral da Green Gallery, N.Y., 1964. 18<br />

http://www.architetturadipietra.it/wp/?p=2010<br />

Fig. 16. Morris – ‘Threadwaste’, 1968. 18<br />

http://bestamericanart.blogspot.com/2011/06/minimalism-specific-objects-and.html<br />

Fig. 17. Carl Andre – ‘Equivalent VIII’, 1966. 18<br />

http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?workid=508&searchid=8201&tabview=work<br />

Fig. 18. Carl Andre – ‘5x10 Altstadt Rectangle’, 1967. 18<br />

http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online/show-full/piece/<br />

Fig. 19. Carl Andre – ‘Fall’, 1968. 18<br />

http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online/show-full/piece/<br />

Fig. 20. Judd - ‘Untitled’, Solomon R. Guggenheim Museum, N.Y., 1971. 19<br />

http://glasstire.com/2003/02/02/donald-judd-the-early-work-1956-1968/<br />

vii


Fig. 21. Judd - ‘Untitled’, Mo<strong>de</strong>rna Musset, Stockholm, 1965. 19<br />

http://www.walkerart.org/archive/C/B37399294D4A64CD616C.htm<br />

Fig. 22. Judd - ‘Untitled’, Gian Enzo Seprone Gallery, N.Y., 1974. 19<br />

http://www.guggenheim.org/new-york/collections/collection-online<br />

Fig. 23. Judd - ‘Untitled’, Judd Foundation Archives, 1966. 19<br />

http://artsearch.nga.gov.au/Detail.cfm?IRN=14962&PICTAUS=True<br />

Fig. 24. Judd – ‘Untitled’, MOMA, N.Y., 1967. 19<br />

James Meyer – Minimalism. London: Phaidon Press Limited, 2010, p. 89.<br />

Fig. 25. Judd - ‘Untitled’, T. B. Walker Foundation, 1971. 19<br />

http://www.moma.org/collection<br />

Fig. 26. Chinati Foundation, Marfa, Texas 21<br />

http://www.flickr.com/photos/shane_bzdok/6307407127/lightbox/<br />

Fig. 27. Donald Judd - 15 ‘Works in Concrete’, 1980-84. 21<br />

http://www.apartmenttherapy.com/escape-to-marfa-29618<br />

Fig. 28. Detalhe <strong>de</strong>15 Concrete Works. 21<br />

http://www.apartmenttherapy.com/donald-judds-minimal-style-fur-111723<br />

Fig. 29. Pormenor <strong>de</strong>senhado por Donald Judd. 21<br />

http://articles.sfgate.com/2005-11-20/living/<br />

Fig. 30. Donald Judd– ‘Utitled’, 1976. 21<br />

http://www.chinati.org/visit/collection/juddalummore.php<br />

Fig. 31. Donald Judd - 100 ‘Untitled Works in Mill Aluminum’,1982-1986. 21<br />

http://www.diaart.org/exhibitions/main/42<br />

Fig. 32. Serra – ‘Spalshing’, 1968 no Leo Castelli Warehouse, N. Y. 22<br />

http://sites.duke.edu/artsvis54_01_f2010/2010/11/05/process-art/<br />

Fig. 33. Serra – ‘Gutter Corner Splash: Night Shift’, 1969 no Jasper Johns' Studio. 22<br />

http://www.tate.org.uk/research/tateresearch/tatepapers/07spring/saletnik.htm<br />

Fig. 34. I<strong>de</strong>m no SFMoMA, San Francisco, 1995. 22<br />

http://www.flickriver.com/photos/tags/ernstfuchs/<br />

Fig. 35. Mel Bochner - ‘Mesurments’, 1969. 23<br />

http://sunkyungoh.wordpress.com/2010/12/27/mel-bochner/<br />

Fig. 36. Detalhe <strong>de</strong> ‘Mesurments’, 1969. 23<br />

http://radicalart.info/concept/tautology/in<strong>de</strong>x.html<br />

Fig. 37. Sol LeWitt - Detalhe <strong>de</strong> ‘Drawing Series—Composite, Part #1–24, B’, 1969. 23<br />

http://www.diaart.org/img/press/_l/LeWitt-wall-drawings_l.jpg<br />

Fig. 38. Lawrence Weiner - Série 36" x 36", Kunsthalle Bern, 1969. 23<br />

http://www.artnet.com/magazineus/news/ntm/ntm4-1-08.asp<br />

Fig. 39. I<strong>de</strong>m. 23<br />

http://radicalart.info/concept/weiner/<br />

Fig. 40. Gordon Matta-Clark – ‘Conical Intersect’, 1975. 23<br />

http://www.e-flux.com/announcements/gordon-matta-clark/<br />

Fig. 41. Gordon Matta-Clark – ‘Splitting’, 1974. 23<br />

www.theartnewspaper.com/articles/Long-loan-makes-Barcelona-a-MattaClark-centre/<br />

viii


Fig. 42. Fernanda Fragateiro - ‘Gavetas Duplas’, 2002. 26<br />

http://www.galerialeme.com/exposicoes_textos.php?lang=ing&id=134<br />

Fig. 43. Fernanda Fragateiro - 'Pequenas Transgressões num Edifício' #2, 2008. 26<br />

http://www.galerialeme.com/exposicoes_textos.php?lang=ing&id=134<br />

Fig. 44. Fernanda Fragateiro - ‘Caixa (<strong>de</strong>smontagem)’ #6, 2009. 26<br />

http://www.galerialeme.com/exposicoes_textos.php?lang=ing&id=134<br />

Fig. 45. Fernanda Fragateiro - ‘Expectativa <strong>de</strong> uma Paisagem <strong>de</strong> Acontecimentos’ #4, 2009. 26<br />

http://www.galerialeme.com/exposicoes_textos.php?lang=ing&id=134<br />

Fig. 46. Fernanda Fragateiro – Vista geral da Exposição. 26<br />

http://www.galerialeme.com/exposicoes_textos.php?lang=ing&id=134<br />

Fig. 47. Robert Morris - 'Bodyspacemotionthings', 1971. 28<br />

http://www.guardian.co.uk/artand<strong>de</strong>sign/gallery/2009/apr/06/<br />

Fig. 48. 'Bodyspacemotionthings', 1971 <strong>de</strong> Robert Morris, Tate Mo<strong>de</strong>rn, Londres, 2009. 28<br />

http://www.guardian.co.uk/artand<strong>de</strong>sign/gallery/2009/apr/06/<br />

Fig. 49. 'Bodyspacemotionthings', no Museu <strong>de</strong> Serralves, Porto, 2011. 28<br />

http://www.serralves.pt/activida<strong>de</strong>/<strong>de</strong>talhe.php?id=1992<br />

Fig. 50. Vito Acconci - 'Instant House' da série 'Self-erecting architecture', 1980. 28<br />

http://web.mit.edu/newsoffice/2005/techtalk50-3.pdf<br />

Fig. 51. Fernanda Fragateiro - Caixa para Guardar o Vazio: Maqueta, 2005. 33<br />

Fernanda Fragateiro - Caixa para guardar o Vazio. <strong>Lisboa</strong>: Assírio & Alvim, 2007, p. 38.<br />

Fig. 52. Intervenção coreográfica dirigida por Aldara Bizarro, 2005. 33<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 14-17.<br />

Fig. 53. Fernanda Fragateiro – ‘Caixa para Guardar o Vazio’, 2005. 33<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 56-59.<br />

Fig. 54. Daniel Buren - 'Sandwich Men', Paris, 1968. 34<br />

http://catalogue.danielburen.com/fr/expositions/<br />

Fig. 55. Daniel Buren - 'Peinture-Sculpture', Guggenheim N.Y., 1971. 35<br />

http://www.artnet.com/magazine/news/ntm5/ntm3-1-05.asp<br />

Fig. 56. Daniel Buren - 'Within and Beyond the Frame', John Weber Gallery, N.Y., 1973. 35<br />

http://catalogue.danielburen.com/fr/expositions/<br />

Fig. 57. Rachel Whiteread - Parts 1-4 <strong>de</strong> House Study (Grove Road) 1992. 36<br />

http://www.tate.org.uk/tateetc/issue20/rachelwhiteread.htm<br />

Fig. 58. Rachel Whiteread - 'House', 1993 (pré intervenção, vista frontal e lateral). 36<br />

http://www.michaelhoppengallery.com<br />

Fig. 59. Serra - 'Tilted Arc', 1981. 37<br />

Harriet F. Senie. – The Tilted Arc Controversy: Dangerous Prece<strong>de</strong>nt?. Minnesota:<br />

University of Minnesota Press, 2001, p. 13.<br />

Fig. 60. Richard Serra com 'Tilted Arc'. 37<br />

http://www.lightstalkers.org/images/show/1257411<br />

Fig. 61. Poster para fundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da obra <strong>de</strong> Serra, 1988. 37<br />

http://www.globalgallery.com/enlarge/89858/<br />

ix


Fig. 62. Destruição do 'Tilted Arc', 1989 37<br />

http://johnpowers.us/indicatorspaces/<br />

Fig. 63. Martha Schwartz - Fe<strong>de</strong>ral Plaza, N.Y., 1997 37<br />

http://www.marthaschwartz.com/projects/javits_06.html<br />

Fig. 64. Projecto da MVVA para Jacob Javits Plaza, N.Y., 2009-11 38<br />

http://www.mvvainc.com/project.php?id=15<br />

Fig. 65. Tim Rollins e o grupo K.O.S., 1987 39<br />

Ian Berry - Tim Rollins and K.O.S.: A History. Massachusetts: The MIT Press, 2009, capa.<br />

Fig. 66. Roberto Ramirez do gupo K.O.S), 1982. 39<br />

Ian Berry - Tim Rollins and K.O.S.: A History. Massachusetts: The MIT Press, 2009, p. 16.<br />

Fig. 67. Tim Rollins + K.O.S. - 'Amerika-For The People of Bathgate', 1988. 39<br />

http://www.lehman.edu/vpadvance/artgallery/publicart/artists/rollins.html<br />

Fig. 68. Tim Rollins + K.O.S. - 'Untitled', 1982-83. 39<br />

Ian Berry - Tim Rollins and K.O.S.: A History. Massachusetts: The MIT Press, 2009, p. 17.<br />

Fig. 69. Peggy Diggs - 'Faces', 2008. 39<br />

http://web.williams.edu/humanities/pdiggs/projects0.html#<br />

Fig. 70. Daniel J. Martinez - ‘Consequences of a Gesture’, 1993. 41<br />

KWON, Miwon - One Place After Another. Massachusets: The MIT Press, 2002, p.129.<br />

Fig. 71. Iñigo Manglano-Ovalle - 'Tele-Vecindario', 1993. 42<br />

I<strong>de</strong>m, p. 133.<br />

Fig. 72. Haha – ‘Flood’, 1992-95 42<br />

http://www.hahahaha.org/projFlood.html<br />

Fig. 73. Urbanização 'Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa' e Praça Raúl Lino pré-intervenção. 44<br />

Fundação Caloust Gulbenkian - <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada - Marvila 2001: criar, <strong>de</strong>bater,<br />

intervir no espaço público. Marvila: Extramuros, 2002, pp. 188-191<br />

Fig. 74. Reuniões realizadas por Fernanda Fragateiro com os habitantes do Bairro. 45<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 192-193.<br />

Fig. 75. Diário gráfico utilizado por Fernanda Fragateiro em <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada. 46<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 196-197.<br />

Fig. 76. Praça Raúl Lino pós intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, 2002. 46<br />

I<strong>de</strong>m, p. 194.<br />

Fig. 77. Mies van <strong>de</strong>r Rohe - Pavilhão <strong>de</strong> Barcelona, 1929. 50<br />

http://www.miesbcn.com/<br />

Fig. 78. Georg Kolbe – ‘Alba’, Pavilhão <strong>de</strong> Barcelona, 1929. 50<br />

http://www.miesbcn.com/<br />

Fig. 79. Cartaz da Exposição This is Tomorow, 1956. 52<br />

http://www.thisistomorrow.info/<strong>de</strong>fault.aspx?webPageId=1&pageNumber=36<br />

Fig. 80. This is Tomorow - The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Group. 52<br />

http://www.thisistomorrow.info/<strong>de</strong>fault.aspx?webPageId=1&catId=175&pageNumber=8<br />

Fig. 81. Gerrit Rietveld - Casa Scho<strong>de</strong>r, 1923-24. 53<br />

William J. R. Curtis – Mo<strong>de</strong>rn Architecture, since 1900. 3ª Ed. London: Phaidon Press<br />

Limited, 1996. p. 157<br />

x


Fig. 82. Theo van Doesburg - Maison d’Artiste, 1923. 53<br />

Germano Celant – Architecture & Arts 1900/2004. 1ª Ed. Torino: Skira, 2004, p, 212.<br />

Fig. 83. Theo van Doesburg e van Eesteren - Maison Particulière, 1923. 53<br />

Alan Colquhoun – Mo<strong>de</strong>rn Architecture. 1ª Ed. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 112.<br />

Fig. 84. Le Corbusier – Catedral <strong>de</strong> Notre Dame du Haut, Ronchamp, França, 1954. 54<br />

www.archdaily.com/84988/ad-classics-ronchamp-le-corbusier/<br />

Fig. 85. Frank Gehry – Camp Good Times, 1984-1985. 57<br />

COBB, Henry N. – La Arquitectura da Frank Gehry. Barcelona: Gustavo Gili S.A., 1988.<br />

Fig. 86. Herzog & <strong>de</strong> Meuron – Roche Pharma 92, Basileia, 1993-2000. 57<br />

El Croquis, nº 109/110, Madrid: El Croquis edit., 2003. pp. 24-66<br />

Fig. 87. Rémy Zaugg – Intervenção no edifício Roche Pharma 92,1997-2000. 58<br />

El Croquis, nº 109/110, Madrid: El Croquis edit., 2003. pp. 24-66<br />

Fig. 88. Desenhos do arquitecto e maquete <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro. 60<br />

CEAI – CEAI @ EBG: Ventura Trinda<strong>de</strong> Arquitectos. Matosinhos: DARCO, 2010.<br />

Fig. 89. Estação Biológica do Garducho, Mourão, 2002-2008. 61<br />

CEAI – CEAI @ EBG: Ventura Trinda<strong>de</strong> Arquitectos. Matosinhos: DARCO, 2010.<br />

Fig. 90. Vista geral, imagens do exterior e interior da Estação Biológica do Garducho. 62<br />

Mourão, 2002-2008.<br />

CEAI – CEAI @ EBG: Ventura Trinda<strong>de</strong> Arquitectos. Matosinhos: DARCO, 2010<br />

Fig. 91. Intervenções <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro na Estação Biológica do Garducho. 63<br />

CEAI – CEAI @ EBG: Ventura Trinda<strong>de</strong> Arquitectos. Matosinhos: DARCO, 2010.<br />

Fig. 92. Alexan<strong>de</strong>r Cal<strong>de</strong>r - Flamingo, Chicago, 1974. 67<br />

Barbaralee Diamonstein - Collaboration: Artists & Architects. New York:<br />

Whitney Library of Design, 1981, p. 80.<br />

Fig. 93. Pablo Picasso - Escultura para o Chicago Civic Center, Illinois, 1967. 67<br />

I<strong>de</strong>m, p. 67.<br />

Fig. 94. Jean Dubuffet - Group of Trees, Chase Manhattan Plaza, NY, 1972. 67<br />

I<strong>de</strong>m, p. 71.<br />

Fig. 95. Obras na Subestação Elétrica Viewland/Hoffman, da Hobbs/Fukui Associates,1979. 73<br />

http://sirisartinventories.si.edu/ipac20/<br />

Fig. 96. Cesar Pelli – Battery Park City Plaza, N.Y., 1982-1989. 74<br />

http://www.mpfp.com/projects/urban_spaces/battery_park_city/<br />

Fig. 97. Sir. Joseph Paxton - Palácio <strong>de</strong> Cristal, Londres, 1851. 76<br />

http://architeoriahistoriaaa.blogspot.com/p/andando-por-ai.html<br />

Fig. 98. Gustave Eiffel - Torre Eiffel, Paris, 1889. 76<br />

http://thiagof-amorim.blogspot.com/2010/05/torre-eiffel.html<br />

Fig. 99. André Waterkeyn - Atomiun, Bruxelas, 1958. 76<br />

http://<strong>de</strong>.wikipedia.org/wiki/Datei:Atomium_WA_1958.jpg<br />

Fig. 100. Marcos Pantaleón - Ponte da Barqueta, Sevilha, 1989. 76<br />

http://www.flickriver.com/photos/harry_nl/3291479384/<br />

Fig. 101. Maquete em gesso realizada por Fernanda Fragateiro. 82<br />

António <strong>de</strong> Campos Rosado - Co-laborações: Arquitectos/Artistas. <strong>Lisboa</strong>: Parque Expo'98,<br />

2000, p. 117.<br />

xi


Fig. 102. Jardim das Ondas - Planta <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação e Corte transversal do terreno. 82<br />

I<strong>de</strong>m, p. 116.<br />

Fig. 103. Jardim das Ondas - Imagem geral da construção/mo<strong>de</strong>lação do terreno. 82<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 108-109.<br />

Fig. 104. Jardim das Ondas - Revestimento, forma e apropriação do espaço. 83<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 112-113.<br />

Fig. 105. Jardim das Ondas, vista Este. 83<br />

http://europaconcorsi.com/projects/143650-Jardim-das-Ondas<br />

Fig. 106. Jardim das Ondas, vista Sul 83<br />

http://gracieth-sales.eujafui.com.br/foto/44359/#lp<br />

Fig. 107. Jardim das Ondas, vista Norte. 83<br />

http://vasver<strong>de</strong>.blogspot.com/<br />

Fig. 108. Risco - Plano <strong>de</strong> Promenor do Cacém: planta <strong>de</strong> encarnados e amarelos. 98<br />

http://www.risco.org/pt/02_04_cacem.html<br />

Fig. 109. Esboço realizado pelo atelier RISCO para o P.P. do Cacém. 98<br />

http://www.risco.org/pt/02_04_cacem.html<br />

Fig. 110 Imagens dos diferentes espaços e atravessamentos do Parque Linear. 100<br />

Imagens da autora.<br />

Fig. 111. NPK - Parque Linear da Ribeira das Jardas: Plano geral. 101<br />

http://idd.fba.up.pt/roadtowon<strong>de</strong>rland/<br />

Fig. 112. Zona <strong>de</strong> intervenção da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro no Cacém. 101<br />

http://www.risco.org/pt/02_04_cacem.html<br />

Fig. 113. Maquete <strong>de</strong> estudo da obra Jardim nas Margens feita em barro. 102<br />

Imagens retiradas do filme Lugares Perfeitos, 2003 do realizador Luís Alves Matos.<br />

Fig. 114. Maquete final da obra Jardim nas Margens realizada em gesso. 102<br />

Junho das Artes – Óbidos Arte Contemporânea: JÁ 10. Óbidos: C.M., D.L., 2010, p. 29.<br />

Fig. 115. Fernanda Fragateiro - Jardim nas Margens: Imagem geral. 103<br />

http://www.risco.org/pt/02_04_cacem.html<br />

Fig. 116. Fernanda Fragateiro - Jardim nas Margens: Pormenores. 104<br />

Imagens da autora.<br />

xii


BIOGRAFIA DE FERNANDA FRAGATEIRO:<br />

Fernanda Fragateiro nasceu no Montijo em 1962. Estudou na Escola Superior <strong>de</strong> Belas Arte e<br />

no Ar.Co. on<strong>de</strong> ingressou em cursos <strong>de</strong> ilustração e escultura. Nos anos 80 passou por<br />

Chicago, interessando-se pela “Arte Povera“ e pelo processo artístico enquanto laboratório e<br />

processo. Foi ainda nos Estados Unidos que ficou a conhecer as obras <strong>de</strong> Donald Judd, Carl<br />

André, Gordon Matta-Clark, Vito Acconti, Mary Miss, Dan Graham, Joseph Beuys, Richard<br />

Serra, Agnes Martin, Lygia Clark e a do arquitecto Mies van <strong>de</strong>r Rohe, o que foi <strong>de</strong>terminante<br />

para a sua formação. Em meados dos anos 80 começa a expor em <strong>Lisboa</strong>, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vi<strong>de</strong> e<br />

trabalha. O seu trabalho <strong>de</strong> características multifacetadas tem-se revelado em diversos<br />

projectos <strong>de</strong> instalação, cenografia, ilustração e escultura, alguns dos quais resultaram <strong>de</strong><br />

colaborações com outros artistas plásticos, arquitectos, arquitectos paisagistas e performers. A<br />

sua obra está representada em diversas colecções públicas e privadas, entre as quais o Museu<br />

<strong>de</strong> Arte Contemporânea <strong>de</strong> Serralves e o Museu Nacional Centro Reina Sofía.


INTRODUÇÃO:<br />

JUSTIFICAÇÃO DO TEMA:<br />

“A qualida<strong>de</strong> arquitectónica (...) não significa aparecer nos guias arquitectónicos, na história da<br />

arquitectura ou ser publicado. Qualida<strong>de</strong> arquitectónica só po<strong>de</strong> significar que sou tocado por<br />

uma obra.” 1<br />

A presente dissertação foi realizada no âmbito do Mestrado Integrado em Arquitectura, do<br />

Instituto Superior Técnico. O tema surgiu da leitura do livro <strong>de</strong> Peter Zumthor, "Atmospheres",<br />

on<strong>de</strong> o arquitecto fala da importância da sua obra transmitir algo mais, algo para além do<br />

<strong>de</strong>sempenho da sua função, algo especial que seja sentido por qualquer utilizador, através dos<br />

materiais e do <strong>de</strong>senho do espaço, e que introduza uma nova atmosfera, um ambiente que<br />

transforme quem entra, que marque quem o sinta. Numa abordagem conscientemente distinta,<br />

mas que serviu, como contraponto, surge “Delirious New York” <strong>de</strong> Rem Koolhaas, como<br />

proposta visionária, mas ainda representativa <strong>de</strong> uma época on<strong>de</strong> é notória a existência <strong>de</strong><br />

uma crescente contradição entre a instabilida<strong>de</strong> da metrópole e a perenida<strong>de</strong> da arquitectura.<br />

Numa fase inicial da presente dissertação, esta dualida<strong>de</strong> apontou para uma valorização da<br />

aproximação da arquitectura à arte, proposta por Zumthor.<br />

A cida<strong>de</strong> está cada vez mais rápida, mais instável, mais impessoal, mais caótica; como futura<br />

arquitecta, os meus i<strong>de</strong>ais vão <strong>de</strong> encontro a uma arquitectura que volte a olhar para o Homem<br />

e que, variando nas suas formas, seja vivida e experimentada como uma obra <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea, tal como afirmou Le Corbusier:<br />

“You employ stone, wood and concrete, and with these materials you build houses and palaces;<br />

that is construction. Ingenuity at work. But sud<strong>de</strong>nly you touch my heart, and do me good. I am<br />

happy and I say: ‘This is beautiful’. That is architecture. Art enters in.” 2<br />

Embora não seja consensual entre muitos autores, a arquitectura trabalha numa contínua<br />

irresolução, num dilema constante entre prática utilitária e disciplina criativa, entre a técnica e a<br />

estética; na citação acima, Le Corbusier situa-a num espaço intermédio entre o que consi<strong>de</strong>ra<br />

construção e o que consi<strong>de</strong>ra arte. Deste modo, preten<strong>de</strong>-se explorar a forma como a<br />

arquitectura atinge, ou po<strong>de</strong> atingir, o seu exponente máximo quando toca os limites da arte,<br />

quando transmite emoção, quando convoca uma relação ou se transforma frente a um<br />

observador, dando espaço a um ambiente para ser experimentado e não apenas utilizado,<br />

<strong>de</strong>stacando-se a importância <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> visão arquitectónica na socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />

1 Peter Zumthor – Atmospheres. Amadora: Editorial Gustavo Gili, SA, 2005, p. 11.<br />

2 Le Corbusier – Towards a New Architecture. 13ª Edição. London: Architectural Press, 1989, p.153.<br />

1


A constatação <strong>de</strong> que alguns dos arquitectos <strong>de</strong> referência apresentam uma enorme afinida<strong>de</strong><br />

com a arte, que varia entre os que se consi<strong>de</strong>ram também artistas ou à utilização da arte como<br />

laboratório criativo, os que integram obras <strong>de</strong> arte para complemento do projecto e finalmente,<br />

aos que efectivamente colaboram e envolvem artistas do início até ao final da construção do<br />

projecto. Esta última via, embora <strong>de</strong> difícil materialização, produz, os resultados mais<br />

completos e fascinantes e é nesta mesma interacção, entre artistas e arquitectos, numa<br />

relação que representa a contemporaneida<strong>de</strong>, tanto das novas práticas arquitectónicas como<br />

das artísticas, que se centrará a presente dissertação.<br />

O conceito <strong>de</strong> colaboração suscitado a discussão da relação entre a arte e a arquitectura, nos<br />

últimos 30 anos. A actualida<strong>de</strong> do tema e sua importância para o futuro <strong>de</strong> ambas as áreas é<br />

visível nas diversas exposições realizadas sobre o tema. No contexto nacional realizaram-se,<br />

por exemplo, em 2000, a exposição “Co-laborações: Arquitectos/Artistas”, comissariada por<br />

Elba Benitez e Luís Enguita, na qual é exposta a colaboração <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro com o<br />

arquitecto paisagista João Gomes da Silva para o Jardim das Ondas e, em 2012, no Museu<br />

Nacional <strong>de</strong> Arte Contemporânea – Museu do Chiado, em <strong>Lisboa</strong>, inserida no programa da<br />

Trienal <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, realizou-se a exposição “Falemos <strong>de</strong> Casas: Quando a arte fala<br />

arquitectura", comissariada por Delfim Sardo.<br />

A nível internacional, para além das exposições, referem-se os colóquios realizados em 1997,<br />

na Royal Aca<strong>de</strong>my of Arts, em Londres, com o tema “Art and Architecture”, que tiveram como<br />

pontos <strong>de</strong> discussão temáticas imprescindíveis ao entendimento <strong>de</strong>ste conceito, como:<br />

“Transgressions: Crossing the lines of Art and Architecture”, “Frames of Mind” e “Fused”,<br />

discutidas em mesas redondas por artistas, arquitectos e teóricos. Importa ainda referir o ciclo<br />

<strong>de</strong> seminários realizados na 27ª Bienal <strong>de</strong> S. Paulo, em 2006, sobre o tema “Como viver junto”<br />

e o tema da 12ª Exposição Internacional <strong>de</strong> Arquitectura, na Bienal <strong>de</strong> Veneza, em 2010:<br />

“People meet architecture”.<br />

Apoiados neste interesse renovado pelas colaborações e possibilida<strong>de</strong>s da relação entre a arte<br />

e arquitectura, têm também surgido uma série <strong>de</strong> autores, que inci<strong>de</strong>m especificamente sobre<br />

o tema e exploram o conceito colaborativo. Referem-se assim, “Frontiers: Artists and<br />

Architects” <strong>de</strong> Maggie Toy, “Interdisciplinary Architecture: Art/Architecture/Landscape:<br />

Intersections” <strong>de</strong> Nicolleta Trasi, “Arte e Arquitectura: Novas Afinida<strong>de</strong>s” <strong>de</strong> Julia Schultz-<br />

Dornburg, “One Place After Another” <strong>de</strong> Miwon Kwon, “Mapping <strong>de</strong> Terrain: New Genre Public<br />

Art” <strong>de</strong> Suzanne Lacy, e “Frames of Mind: Artists and Architects”, <strong>de</strong> Jes Fernie, entre outros;<br />

todos eles referem esta nova tendência <strong>de</strong> trabalho conjunto e processo partilhado entre<br />

artistas e arquitectos.<br />

O tema “Arte e Arquitectura: Fronteiras e Situações <strong>de</strong> Contacto” surge como oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

explorar as várias mutações que ambas as disciplinas sofreram ao longo dos tempos; os seus<br />

encontros e reencontros e a forma como, no seio das suas histórias individuais, das suas<br />

diferenças e semelhanças, dos seus estigmas e imagens pré-concebidas, po<strong>de</strong> resultar uma<br />

colaboração plena e benéfica para ambas as partes, e acima <strong>de</strong> tudo, para a socieda<strong>de</strong>.<br />

2


De gran<strong>de</strong> influência na escolha do objecto <strong>de</strong> estudo está o trabalho da artista Fernanda<br />

Fragateiro. Des<strong>de</strong> a conferência dada pela artista na VI Semana da Arquitectura do Instituto<br />

Superior Técnico, a 16 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, que tenho <strong>de</strong>senvolvido interesse e um enorme<br />

fascínio pela sua obra: pela varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> plataformas nas quais realiza o seu trabalho, pelas<br />

obras que evocam uma arquitectura plena, pelo seu envolvimento a nível social e pelas<br />

distintas colaborações realizadas com arquitectos e arquitectos paisagistas.<br />

OBJECTIVOS:<br />

A presente dissertação visa um entendimento <strong>de</strong>sta eterna cumplicida<strong>de</strong> entre a arte e a<br />

arquitectura, que vai muito para além <strong>de</strong> simultaneida<strong>de</strong>s estéticas ou interesses particulares<br />

<strong>de</strong> alguns artistas e arquitectos e também dos benefícios imensuráveis que o trabalho<br />

colaborativo trouxe e po<strong>de</strong> vir a trazer, no futuro, para ambas as áreas.<br />

Os objectivos da presente dissertação são, assim, os seguintes:<br />

- Investigar o que a arte no séc. XXI po<strong>de</strong> oferecer à arquitectura, quais os métodos e<br />

plataformas <strong>de</strong> actuação contemporâneos e como a evolução da arte, a partir <strong>de</strong> meados do<br />

séc. XX, num sentido convergente à arquitectura, promoveu a reaproximação entre ambas as<br />

disciplinas.<br />

- Explorar as consequências da actual tendência para a especificida<strong>de</strong> nesta relação<br />

interdisciplinar.<br />

- Inquirir a pertinência do diálogo interdisciplinar para a cida<strong>de</strong> actual.<br />

- Enten<strong>de</strong>r o que motiva a colaboração entre artistas e arquitectos e que plataformas existem<br />

para a realização das mesmas.<br />

- Averiguar como se materializam as colaborações, quais os benefícios envolvidos para ambos<br />

os intervenientes, quais as dificulda<strong>de</strong>s, riscos e mais-valias presentes no processo.<br />

- Analisar, através do estudo <strong>de</strong> obras em que Fernanda Fragateiro interveio, os diferentes<br />

resultados, contextos e modo como foi levado a cabo o trabalho conjunto com arquitectos e<br />

arquitectos paisagistas.<br />

3


METODOLOGIA E ESTRUTURA:<br />

A metodologia utilizada foi sendo <strong>de</strong>scoberta à medida que se foi reunindo informação sobre os<br />

temas gerais e investigando a obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, no seu conjunto. A pesquisa sobre<br />

o tema mostrou-se, ao longo da investigação, ilimitada. Os temas referentes especificamente<br />

às colaborações, ainda escassos e os conceitos que ao mesmo surgem interligados ou que o<br />

tentam <strong>de</strong>finir são frequentemente <strong>de</strong> elevada abertura e ambiguida<strong>de</strong>. A resposta à dispersão<br />

do tema surge, não da pesquisa geral, mas na obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro e da leitura crítica<br />

das múltiplas referências i<strong>de</strong>ntificadas na mesma.<br />

Através <strong>de</strong>ste recentrar do tema, foi possível limitar as referências e as obras analisadas, pela<br />

sua pertinência na discussão da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro e, num âmbito geral, para a<br />

temática das colaborações. Partindo <strong>de</strong> uma selecção das obras da artista que melhor se<br />

enquadravam no estudo das suas colaborações, no âmbito da arquitectura, proce<strong>de</strong>u-se à<br />

reunião da pesquisa já efectuada, pelos temas gerais que contextualizam as obras que se<br />

preten<strong>de</strong>m explorar.<br />

As obras seleccionadas são:<br />

Obras individuais: Exposição Invisibilida<strong>de</strong>, Galeria Leme (S. Paulo), 2009.<br />

Caixa Para Guardar o Vazio, Teatro Viriato, Viseu, 2005.<br />

O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece, <strong>Lisboa</strong> Capital do<br />

Nada, 2001<br />

Colaborações: Estação Biológica do Garducho, 2002-08 - com João Maria Ventura<br />

Trinda<strong>de</strong>.<br />

Jardim das Ondas, Expo’98, 1998 – com João Gomes da Silva.<br />

Jardim nas Margens, Parque Linear da Ribeira das Jardas, Cacém,<br />

2007 – com NPK arquitectos paisagistas associados.<br />

A análise proposta preten<strong>de</strong> realizar o cruzamento <strong>de</strong> um contexto geral e maioritariamente<br />

internacional com a obra da artista, possibilitando, assim, dar resposta a questões centrais para<br />

a compreensão da prática <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro. A metodologia ten<strong>de</strong> a evitar uma<br />

organização cronológica, privilegiando uma interpretação temática dos pontos explorados, que<br />

se consi<strong>de</strong>ra mais interessante e eficaz para os fins pretendidos.<br />

A realização <strong>de</strong> entrevistas à artista e aos arquitectos com os quais colaborou, centradas nas<br />

suas obras e nas concepções individuais em relação à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> colaboração, criou uma<br />

narrativa secundária ao corpo da dissertação e justificou, <strong>de</strong> certo modo, as questões<br />

levantadas numa primeira análise, tendo também incentivado a procura <strong>de</strong> resposta a outras<br />

perguntas que, entretanto, se afiguraram pertinentes.<br />

4


A preparação das entrevistas aos arquitectos teve em atenção, não só o projecto <strong>de</strong><br />

arquitectura, mas igualmente a colaboração com a artista. As questões propostas inci<strong>de</strong>m<br />

assim, na obra, mas tentam captar também uma perspectiva pessoal do arquitecto em relação<br />

ao tema da dissertação. De uma forma geral, as questões para as quais se procurava resposta<br />

são:<br />

- Como surgiu a colaboração com Fernanda Fragateiro no contexto do projecto?<br />

- Quais as motivações que estão na base da colaboração com a artista?<br />

- Em que estágio do projecto foi a artista envolvida ou convidada a intervir?<br />

- Qual a dinâmica colaborativa existente na fase criativa, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho e materialização da obra?<br />

- Qual foi o grau <strong>de</strong> colaboração existente, a nível do contributo da artista na própria<br />

arquitectura e do arquitecto em relação à obra <strong>de</strong> arte?<br />

- Que tipo <strong>de</strong> problemas ou questões surgiram no <strong>de</strong>correr do processo?<br />

- Descrição da relação pré-existente e existente com a artista.<br />

- Que benefícios ou mais-valias surgem da colaboração com um artista, a nível do resultado<br />

final e para a prática individual <strong>de</strong> cada um?<br />

- Que referências têm, a nível nacional e internacional, <strong>de</strong> relações colaborativas entre artistas<br />

e arquitectos?<br />

- Como perspectivam o futuro <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> trabalho conjunto?<br />

A entrevista realizada à artista, por outro lado, toma um mo<strong>de</strong>lo mais livre. As questões surgem<br />

relacionadas com as obras referidas, com a sua relação específica com a arquitectura e sobre<br />

as várias colaborações nas quais esteve ou está envolvida, assim como, sobre a relação<br />

estabelecida com os arquitectos, no <strong>de</strong>correr do processo colaborativo.<br />

Todas as entrevistas foram fulcrais para o aprofundamento do tema e adquirem, por isso, uma<br />

enorme relevância na presente dissertação.<br />

A estrutura que <strong>de</strong>corre da metodologia adoptada obe<strong>de</strong>ceu ao mesmo padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta<br />

e reorganização progressiva. Numa fase inicial do <strong>de</strong>senvolvimento do tema, a premissa que<br />

se colocava era se a arquitectura po<strong>de</strong>ria ser arte, se o arquitecto se po<strong>de</strong>ria colocar no papel<br />

do artista e, por outro lado, se a arte po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada arquitectura tendo em conta a<br />

sua escala, localização e por vezes função.<br />

Ao longo do processo <strong>de</strong> investigação, esta abordagem foi passando para um plano secundário<br />

e a temática da dissolução das fronteiras entre arte e arquitectura passou então para foco<br />

central, compreen<strong>de</strong>ndo os limites entre disciplinas e os momentos em que ambas se dispõem<br />

5


a romperem as suas próprias barreiras disciplinares e colaborar para um fim comum, para um<br />

objectivo estabelecido no qual autoria e responsabilida<strong>de</strong> são partilhadas por ambos e ainda,<br />

os benefícios, enriquecimento e valorização que esta colaboração traz, para as disciplinas em<br />

questão.<br />

A estruturação sequencial dos seis capítulos, com as obras seleccionadas <strong>de</strong> Fernanda<br />

Fragateiro, visa permitir um entendimento global <strong>de</strong> uma relação que parte da aproximação da<br />

arte à arquitectura, que se inverte com a entrada da arquitectura na esfera da arte e culmina<br />

com o seu reencontro no espaço público, on<strong>de</strong> se dá a institucionalização das colaborações.<br />

No primeiro capítulo, focam-se dois momentos chave que marcaram permanentemente a arte e<br />

a arquitectura do séc. XX: as vanguardas Russas da década <strong>de</strong> 1920 e o movimento<br />

Minimalista, que se afirma na década <strong>de</strong> 1960. Ambos têm enorme influência para Fernanda<br />

Fragateiro e são visíveis na escolha e tratamento dos materiais que utiliza, na primazia pela<br />

tridimensionalida<strong>de</strong> e na forma como as suas obras se integram, reflectem e homenageiam o<br />

espaço em que se inserem. Através da investigação das obras que constituem a “Exposição<br />

Invisibilida<strong>de</strong>s”, procura-se expor a forma, como o Minimalismo está na base do interesse da<br />

arte pela arquitectura e da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contaminação.<br />

No segundo capitulo, exploram-se alguns conceitos fulcrais na obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro. O<br />

corpo, a escala e a criação <strong>de</strong> ‘lugares’, são constantemente explorados pela artista e surgem<br />

interligados e <strong>de</strong> forma óbvia, na “Caixa Para Guardar o Vazio”. Esta obra revela também a<br />

relação da artista com a arquitectura. Ao assumir uma enorme curiosida<strong>de</strong> e rejeitando ao<br />

mesmo tempo, qualquer aproximação limite à prática arquitectónica, Fernanda Fragateiro<br />

condiciona, mas torna também particular, a sua forma <strong>de</strong> colaborar com arquitectos e <strong>de</strong><br />

intervir nos mais diversos espaços.<br />

No terceiro capítulo, propõe-se inicialmente <strong>de</strong>finir a contribuição que a saída dos artistas do<br />

museu para a esfera pública, on<strong>de</strong> domina a arquitectura, teve para a consciencialização dos<br />

arquitectos <strong>de</strong> que a arte começava a invadir o seu espaço <strong>de</strong> actuação e <strong>de</strong> que novas formas<br />

<strong>de</strong> relacionamento se impunham. Num mesmo contexto reflecte-se, também, sobre a forma<br />

como a arte irá absorver e actuar <strong>de</strong>ntro do contexto social urbano <strong>de</strong> que agora faz parte.<br />

Através do projecto “O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece” enquadra-se o<br />

trabalho <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro na mais recente vertente da Arte Pública, nomeada por<br />

Suzanne Lacy como “new genre public art” e caracterizada pela interacção directa do artista<br />

com a comunida<strong>de</strong> que acolhe a sua obra e por uma postura mais activista sobre temas<br />

relevantes para a mesma. A importância <strong>de</strong>sta obra da artista no contexto das colaborações,<br />

assenta na <strong>de</strong>monstração das principais mais-valias da colaboração com artistas, ou seja, a<br />

humanização da arquitectura e a utilização da arte, como meio veículo <strong>de</strong> aproximação à<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

O quarto capítulo reflecte sobre o conceito da “obra <strong>de</strong> arte total”, como fim i<strong>de</strong>alizado para o<br />

processo colaborativo proposto e a forma como este conceito foi levado a cabo, ao longo da<br />

6


história da relação entre a arte e a arquitectura. A colaboração <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro com o<br />

arquitecto João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>, para a Estação Biológica do Garducho, permite<br />

perceber a forma como, embora almejando a “obra <strong>de</strong> arte total”, os vários lugares que a arte<br />

ocupa na arquitectura nem sempre permitem atingir a coerência, a coesão e a<br />

inter<strong>de</strong>pendência características da interpretação actual <strong>de</strong>ste conceito.<br />

O quinto capítulo foca o encontro da arte e da arquitectura no espaço público e os resultados<br />

<strong>de</strong> várias experiências <strong>de</strong> institucionalização e controlo das colaborações. Os programas <strong>de</strong><br />

arte pública, para além <strong>de</strong> principais fomentadores das colaborações entre artistas e<br />

arquitectos, permitem um estudo mais factual das dinâmicas e processos colaborativos, já que,<br />

provi<strong>de</strong>nciam também, o registo <strong>de</strong> informação relacionada com obras colaborativas realizadas<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> esquemas que obe<strong>de</strong>cem, salvo raras excepções, ao mo<strong>de</strong>lo percent-for-art ou a<br />

programas <strong>de</strong> arte pública, como é o caso do “Jardim das Ondas” <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro em<br />

colaboração com o arquitecto paisagista João Gomes da Silva.<br />

O último capítulo consiste na proposta da colaboração <strong>de</strong>ntro da actual tendência para a<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>, como solução para a especificida<strong>de</strong> disciplinar a que se tem vindo a<br />

assistir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do séc. XX. Propõe-se assim, através da reunião dos dados adquiridos ao<br />

longo da investigação dos vários programas <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> arte na arquitectura e das<br />

colaborações realizadas por Fernanda Fragateiro, a i<strong>de</strong>ntificação dos factores cruciais ao<br />

sucesso ou não das colaborações. O último caso <strong>de</strong> estudo apresentado, o “Jardim nas<br />

Margens” <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, com o arquitecto paisagista José Veludo, ilustra a<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste processo e o que po<strong>de</strong> resultar quando este não é controlado, quando não<br />

existe sintonia entre artista e arquitecto ou ainda, quando a colaboração é proposta para um<br />

projecto urbano <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dimensão e com múltiplos intervenientes.<br />

Todas as secções <strong>de</strong> capítulo são acompanhadas <strong>de</strong> uma citação relacionada ou retirada das<br />

entrevistas realizadas à artista e aos arquitectos directamente envolvidos nos casos <strong>de</strong> estudo<br />

seleccionados. A presença <strong>de</strong>stes pequenos textos preten<strong>de</strong> não só introduzir a temática a<br />

explorar em cada secção, mas também dar alguns indícios das questões, que através dos caso<br />

<strong>de</strong> estudo se preten<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. Tenta-se, assim, em paralelo, <strong>de</strong>senvolver os temas<br />

escolhidos e, ao mesmo tempo, revelar a postura <strong>de</strong> cada arquitecto em relação à temática das<br />

colaborações e da artista Fernanda Fragateiro, em relação à sua prática e ao contexto geral da<br />

dissertação.<br />

7


FERNANDA FRAGATEIRO - contextualização:<br />

O intervalo disciplinar, no qual se situa a obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, envolve uma situação<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição entre a arte e a arquitectura, que é objecto <strong>de</strong> estudo nesta dissertação.<br />

Designado por Jane Ren<strong>de</strong>ll como “The Space Between” 3 , este espaço <strong>de</strong> comunhão entre a<br />

arte e a arquitectura surge, actualmente, como um dos campos mais profícuos da prática<br />

artística contemporânea, cada vez mais dirigida para o espaço público e para a própria<br />

arquitectura.<br />

A transição da arte para o campo ambíguo que, segundo a autora, se localiza entre a arte e a<br />

arquitectura, vem sendo realizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do séc. XX, e tem apresentado uma evolução<br />

constante até aos dias <strong>de</strong> hoje, conduzindo à diluição dos limites e <strong>de</strong>finições pré-<br />

estabelecidas da escultura e da própria arquitectura. Neste contexto, a aproximação da arte à<br />

arquitectura constitui um tema <strong>de</strong> enorme actualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e exploração<br />

contínua por filósofos, teóricos, artistas e arquitectos.<br />

Embora <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>finição, este tipo <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> artística é <strong>de</strong> enorme interesse para a<br />

exploração da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, já que se relaciona, nas suas intenções,<br />

preocupações formais, sociais, estéticas e, acima <strong>de</strong> tudo, na sua prática actual, com a <strong>de</strong><br />

artistas frequentemente referidos por diversos autores como, por exemplo: Donald Judd, Carl<br />

Andre, Gordon Matta-Clark, Robert Morris, Dan Graham, Robert Smithson, Walter <strong>de</strong> Maria,<br />

entre outros. Esta prática apresenta a sua origem no <strong>de</strong>spertar social e utilitário das artes,<br />

aliado a um movimento <strong>de</strong> ruptura com as instituições artísticas e um interesse renovado pela<br />

espacialida<strong>de</strong>, que culminará no encontro, por parte <strong>de</strong> alguns artistas, com a arquitectura<br />

como seu meio primordial <strong>de</strong> exploração e actuação. O tema da espacialida<strong>de</strong> marca<br />

<strong>de</strong>finitivamente a progressão da arte em direcção à arquitectura e por isso terá especial<br />

<strong>de</strong>staque na introdução da teoria <strong>de</strong> David Summers, em Real Spaces 4 .<br />

De modo a introduzir a obra da artista Fernanda Fragateiro neste contexto, recorrer-se-á a dois<br />

conceitos que apontam para uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sta prática. O primeiro é introduzido por Rosalind<br />

Krauss, em 1979, sob a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> “Expan<strong>de</strong>d Field” 5 e materializa-se numa série <strong>de</strong><br />

diagramas nos quais a autora propõe, através da negação, uma estrutura que tenta englobar,<br />

contextualizar e <strong>de</strong>nominar as novas tipologias artísticas que surgiram nos anos 60 e 70<br />

(Minimalismo, Performance, Land Art, Arte Povera, Arte Conceptual), que ten<strong>de</strong>m a tornar-se<br />

indistintas da arquitectura e da paisagem.<br />

3<br />

Jane Ren<strong>de</strong>ll – “Art and Architecture: A place between.” London: I.B. Tauris & Co Ltd, 2008.<br />

4<br />

David Summers – Real Space: World art history and the rise of western mo<strong>de</strong>rnism. London: Phaidon<br />

Press, 2003.<br />

5<br />

Rosalind Krauss – "Sculpture in the Expan<strong>de</strong>d Field." October, Vol. 8, 1979, pp. 30-44.<br />

8


Fig. 1. Expan<strong>de</strong>d Field - diagramas I, II e III.<br />

Um segundo conceito, que surge com enorme pertinência, é explorado por Jane Ren<strong>de</strong>ll como<br />

“Critical Spatial Practice” 6 . O termo, utilizado pela autora, constitui uma forma mais assertiva <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nominar a arte pública no seu envolvimento com a arquitectura, englobando tanto a<br />

possibilida<strong>de</strong> da arte apresentar uma postura crítica sobre os procedimentos disciplinares e<br />

i<strong>de</strong>ologias dominantes na arte e na arquitectura, como uma postura activa em relação aos mais<br />

amplos problemas sociais e políticos.<br />

No início da <strong>de</strong>monstração da sua teoria <strong>de</strong> “Expan<strong>de</strong>d Field”, Krauss começa por explicar que<br />

a escultura do Pós-Segunda Guerra, na qual nos iremos focar, não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida <strong>de</strong> forma<br />

universal, mas que o seu entendimento e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma perspectiva historicista 7 .<br />

Explica também que a relação histórica serve <strong>de</strong> certo modo, como atenuante do novo, do<br />

<strong>de</strong>sconhecido, indicando a existência <strong>de</strong> um relativo conforto no estabelecimento <strong>de</strong> relações<br />

ou afinida<strong>de</strong>s entre o que nos é estranho e o que, ao pertencer ao passado, se torna <strong>de</strong> certo<br />

modo reconhecível. 8<br />

Nicoletta Trasi reforça, no seu artigo “Interdisciplinary Architecture”, que somente através da<br />

resolução do confronto entre arquitectura e artes visuais se po<strong>de</strong>rá começar a imaginar novos<br />

<strong>de</strong>senvolvimentos na relação entre ambas as áreas, e que esse confronto só po<strong>de</strong> ser<br />

resolvido ao <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ignorar e menosprezar a sua dimensão histórica. 9<br />

Deste modo, Krauss exemplifica como, com nascimento da escultura minimalista dos anos 60,<br />

críticos e teóricos rapidamente iniciaram a construção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> ligações <strong>de</strong><br />

‘paternida<strong>de</strong>’ que legitimavam uma forma artística que contestaria as <strong>de</strong>finições clássicas e<br />

práticas comuns das áreas da pintura, escultura, musica e teatro. Indicando as suas origens<br />

6 Jane Ren<strong>de</strong>ll – Art and Architecture: A place between. London: I.B.Tauris & Co Ltd, 2008, pp. 3-6.<br />

7<br />

Rosalind Krauss– op. cit., p. 33.<br />

8<br />

I<strong>de</strong>m, p. 30.<br />

9<br />

Nicolleta Trasi – Interdisciplinary Architecture. Londres: Wiley-Aca<strong>de</strong>my, 2001, p.12.<br />

9


em nomes sonantes do movimento construtivista como Naum Gabo, Vladimir Tatlin ou El<br />

Lissitzky, e estabelecendo relações complexas, intrincadas e por vezes <strong>de</strong>scontextualizadas<br />

entre o novo e o que, ao pré-existir era já aceite, criaram zonas <strong>de</strong> conforto e aceitação para os<br />

novos termos contestatários e <strong>de</strong> distanciamento das ‘regras’, <strong>de</strong>ntro das quais os artistas a<br />

partir do pós-guerra actuavam.<br />

Assim sendo, ao reconhecermos na obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro as múltiplas referências<br />

históricas e a relação que as suas obras apresentam com as <strong>de</strong> artistas que marcaram a frente<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate da relação da arte com a arquitectura, tentar-se-á retraçar/i<strong>de</strong>ntificar, na evolução da<br />

arte no séc. XX, as origens <strong>de</strong> algumas das obras mais marcantes da artista.<br />

A estruturação do texto seguirá, <strong>de</strong> uma forma livre, a cronologia proposta por Defim Sardo em<br />

“Ecologia Emocional”. Neste texto sobre o percurso <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, o autor afirma que<br />

a obra da artista se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong> forma evi<strong>de</strong>nte no que i<strong>de</strong>ntifica como o ‘eixo <strong>de</strong> tradição<br />

histórica’ propondo que:<br />

“No início, interessar-lhe-ia, sobretudo, o seu carácter <strong>de</strong> pesquisa formal sobre o espaço e a<br />

arquitectura. Posteriormente, esse interesse veio a incidir sobre o centro <strong>de</strong>ste núcleo <strong>de</strong><br />

questões artísticas, ou seja, o arco que realizam entre a dimensão da corporalida<strong>de</strong> e a escala<br />

pública do espaço. Diria que mais recentemente, também sobre a vertente social da<br />

espacialida<strong>de</strong> que aqui encontra um primeiro eixo <strong>de</strong> confluência.” 10<br />

Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva, são indicados três momentos essenciais para a reflexão inci<strong>de</strong>nte na<br />

obra da artista, que iremos analisar: partindo da inicial pesquisa formal sobre o espaço e a<br />

arquitectura, passando pela dimensão da corporalida<strong>de</strong> e a escala do espaço público e<br />

culminando na vertente social da espacialida<strong>de</strong>.<br />

10 Delfim Sardo – “Ecologia Emocional”, Caixa para guardar o vazio. <strong>Lisboa</strong>: Assírio & Alvim, 2007, p.36.<br />

10


I<br />

DO ESPAÇO VIRTUAL PARA O ESPAÇO REAL


1.1. DO ESPAÇO VIRTUAL PARA O ESPAÇO REAL.<br />

“Há, <strong>de</strong> facto, muitos artistas a trabalhar com uma linguagem que é mais do âmbito da<br />

arquitectura, mas também há outros a trabalhar com linguagens que são do âmbito, por<br />

exemplo, da Filosofia; portanto, acho que os artistas têm tudo ao seu dispor! Isso é a parte<br />

interessante da minha profissão.<br />

Posso trabalhar em microprojectos ligados a um cientista ou numa paisagem imensa, que a<br />

minha forma <strong>de</strong> ver as coisas e, mesmo, os próprios resultados serão sempre muito diferentes.<br />

O que é interessante é um artista ter <strong>de</strong>safios, <strong>de</strong>safios que o façam, <strong>de</strong> repente, esquecer<br />

tudo, partir do zero e pensar: como é que eu posso pensar sobre isto que traga uma nova<br />

discussão, uma nova perspectiva aos outros? No meu caso, a arquitectura é um dos temas<br />

sobre o qual me questiono e que me <strong>de</strong>sperta curiosida<strong>de</strong>, mas é também um, entre outros que<br />

me interessam, e po<strong>de</strong>m sempre surgir mais.”<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.


1.1. DO ESPAÇO VIRTUAL AO ESPAÇO REAL<br />

No final do séc. XIX e como consequência directa do aparecimento da fotografia e da imagem<br />

em movimento na cena artística, as gran<strong>de</strong>s revelações na arte irão centrar-se na questão da<br />

imagem. No entanto, nas primeiras décadas do séc. XX, o interesse pela tridimensionalida<strong>de</strong> e<br />

a busca pela representação da quarta dimensão, darão aso a que a exploração espacial se<br />

torne na principal temática artista do mesmo século.<br />

Esta transição entre dimensões teve um enorme impacto, principalmente para a escultura, mas<br />

é também essencial para a contextualização das novas relações entre a arte e a arquitectura.<br />

Segundo autores como David Summers, a pesquisa espacial constitui o primeiro passo a<br />

caminho da aproximação e dissolução das barreiras anteriormente assumidas entre as duas<br />

disciplinas em questão.<br />

Summers <strong>de</strong>fine as artes segundo a sua plataforma espacial, sugerindo na sua obra “Real<br />

Spaces” os conceitos <strong>de</strong> espaço real – on<strong>de</strong> insere a arquitectura, a escultura e o <strong>de</strong>sign – e <strong>de</strong><br />

espaço virtual – on<strong>de</strong> localiza as artes que surgem da representação bidimensional do real, fiel<br />

através da fotografia, por exemplo, ou através do imaginário do artista como a pintura, o<br />

<strong>de</strong>senho, ou a serigrafia. Mais especificamente, a escultura e o <strong>de</strong>sign têm por base a<br />

exploração do espaço pessoal e a arquitectura actua, por sua vez, no espaço social. 11<br />

Numa espécie <strong>de</strong> ‘matrioska’, a estrutura espacial das artes parte então do real, para o social,<br />

on<strong>de</strong> se localiza a arquitectura, e envolve o espaço pessoal assim como os formatos<br />

necessários ao virtual, ou seja, as categorias condicionantes do último serão, sempre, parte do<br />

que <strong>de</strong>fine o seguinte e finalmente, o geral.<br />

Segundo o autor; “o espaço real é, em última instância, <strong>de</strong>finido pelo corpo humano” 12 e as<br />

suas condicionantes, são então as mesmas que as do corpo em todas as suas limitações e<br />

constrangimentos. A nossa própria espacialida<strong>de</strong> real implica a ampla condição <strong>de</strong> nos<br />

encontrarmos a nós próprios no mundo, tornando o espaço real condicionado pela nossa<br />

estrutura corpórea, pela nossa finitu<strong>de</strong> espácio-temporal e, acima <strong>de</strong> tudo, pela capacida<strong>de</strong><br />

humana <strong>de</strong> se relacionar com o mundo em seu redor e <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir somente através do<br />

mesmo. De forma simplificada, o espaço real é a condição espacial do local físico, do<br />

ambiente, do artefacto e da imagem, assim como, da maneira como foram feitos e como<br />

po<strong>de</strong>m ser observados e utilizados pelo ser humano, num contexto histórico e sociocultural que<br />

<strong>de</strong>fine o seu estatuto e o seu valor.<br />

A relação referida entre a arte e a arquitectura, em que se preten<strong>de</strong> incidir e tal como sugerido<br />

por Summers, apresenta, a sua origem na transição da pintura (espaço virtual) para o espaço<br />

11<br />

David Summers – op. cit., p.43.<br />

12<br />

I<strong>de</strong>m, p.36. Trad. Liv.<br />

11


pessoal on<strong>de</strong> se localizava a escultura na sua forma tradicional, criando uma forma <strong>de</strong> arte<br />

que, por um lado, dilui pintura e escultura e, por outro, marca o início <strong>de</strong> uma corrente<br />

interdisciplinar entre práticas artistas que será <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>finição para críticos e teóricos da arte<br />

do séc. XX. Um segundo passo para uma relação directa entre arte e arquitectura é dado<br />

posteriormente através da transição da escultura (espaço pessoal) para o espaço social da<br />

arquitectura. É neste culminar <strong>de</strong> todas as artes no espaço real que surgem as possibilida<strong>de</strong>s<br />

não só <strong>de</strong> diálogo e relação, mas <strong>de</strong> comunhão plena entre a arte e a arquitectura.<br />

Fig. 2. Interpretação em diagrama da teoria <strong>de</strong> David Summers.<br />

Um dos primeiros passos dados no caminho da transição <strong>de</strong> uma arte clássica, estabelecida<br />

<strong>de</strong>ntro dos limites do espaço virtual, para uma arte que actua no espaço real, é dado já no<br />

início do séc. XX pelas vanguardas russas, 13 sendo o movimento Construtivista,<br />

especificamente referenciado por Rosalind Krauss 14 , Mary Jane Jacob 15 , Arlene Raven e<br />

Miwon Kwon 16 , como prece<strong>de</strong>nte da arte pública.<br />

É salientada, pelas autoras acima referidas, a forma como estes artistas, no espaço <strong>de</strong> duas<br />

décadas e potenciados por um clima <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> política e social, percorreram os passos<br />

i<strong>de</strong>ntificados na evolução da arte até à sua vertente pública contemporânea. Sem excepção, as<br />

13 Delfim Sardo – A Visão em Apneia: Escritos sobre Artistas. <strong>Lisboa</strong>: Babel, 2011, p. 351<br />

14 Rosalind Krauss – op.cit., p.32. (Krauss explica que embora o conteúdo ou a razão por <strong>de</strong>trás do<br />

objecto final fossem totalmente díspares ou mesmo opostas, a linha <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> das obras<br />

minimalistas é indicada pela maioria dos historiadores é em última instância, Construtivista).<br />

15 Mary Jane Jacob – Outsi<strong>de</strong> the Loop, in Culture In Action, exb. cat. Seattle: Bay Press, 1995. p. 56<br />

“As Public Art shifts from large scale objects, to physically or conceptually site specific projects, to<br />

audience-specific concerns (works ma<strong>de</strong> in response to those who occupy a given site), it moved from<br />

an aesthetic function to a <strong>de</strong>sign function, to a social function.”<br />

16 Miwon Kwon – One place after another. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2002, p.106.<br />

12


autoras referem uma arte que transita primeiramente entre dimensões, que assimila o espaço<br />

como factor intrínseco à sua produção e percepção, que escapa para o exterior assumindo a<br />

escala pública e urbana e estabelece um diálogo profundo com a arquitectura, potenciando<br />

assim, neste novo ambiente <strong>de</strong> actuação, uma preocupação que ultrapassa a estética e se foca<br />

no utilitário e no social.<br />

A exploração espacial, mais especificamente tridimensional nas artes, é <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada na<br />

segunda década do séc. XX, através do experimentalismo <strong>de</strong> Vladimir Tatlin (1885-1953), em<br />

obras como ‘Corner Relief’ (1914-15) e ‘Selection of materials’ (1914) e da pesquisa da quarta<br />

dimensão cubista em obras como ‘Guitarra’ (1914) <strong>de</strong> Picasso. No entanto, <strong>de</strong> acordo com<br />

Summers, estas obras, embora livres do formato e da estrutura clássica, retêm ainda, a<br />

memória da tradição pictórica na sua escala, composição, e no facto <strong>de</strong> estarem ainda<br />

suspensas 17 . Fica, no entanto, retida nestas obras a sugestão <strong>de</strong> uma pintura tridimensional,<br />

que transcen<strong>de</strong> a sua formatação base e sai dos seus mol<strong>de</strong>s geométricos e pré-<strong>de</strong>finidos para<br />

conquistar novas formas.<br />

Fig. 3. Tatlin – ‘Selection of Materials’, 1914. Fig. 5. Tatlin - ‘Corner Counter-relief’, 1914.<br />

Fig. 4. Tatlin – ‘Complex Corner-relief’, 1915. Fig. 6.Picasso – ‘Guitarra’, 1914.<br />

A mais coerente transição da pintura, do espaço virtual para o espaço pessoal, é visível na<br />

obra Prounenraum (Espaço Proun), do artista e arquitecto El Lissitzky (1890-1941), exposta em<br />

1923 na Grosse Berliner Kunstausstellung. Nesta obra, a arquitectura não serve somente <strong>de</strong><br />

suporte, mas é parte integrante da obra, não existindo elementos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, o espaço<br />

constitui uma obra <strong>de</strong> arte coesa e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte nos seus volumes e planos, a<br />

espacialida<strong>de</strong> da sala apropriada pelo artista constitui-se como elemento entre os vários que no<br />

conjunto formam o espaço ‘Proun’. O ‘cubo branco mo<strong>de</strong>rnista’ per<strong>de</strong> assim, a sua esterilida<strong>de</strong><br />

para se transformar num ambiente interactivo, activado pelo espectador. Segundo El Lissitzky,<br />

“O Proun começa no plano, avança para o mo<strong>de</strong>lo espacial e dai para a construção <strong>de</strong> todos<br />

os objectos da vida em geral. Sob este ponto <strong>de</strong> vista, o Proun ultrapassa a pintura e os seus<br />

artistas por um lado, e a máquina e o engenheiro, por outro. Estrutura o espaço, fragmentando-<br />

17 David Summers – op.cit., p.638.<br />

13


o com elementos <strong>de</strong> todas as dimensões, e constrói uma nova e versátil figura da natureza que<br />

é, no entanto, uniforme.” 18<br />

Este tipo <strong>de</strong> abordagem foi também partilhado por Piet Modrian ao projectar, em 1926, o Salão<br />

<strong>de</strong> Madame B, em Dres<strong>de</strong>n, apenas executado já em 1970, após a sua morte em 1944. Este<br />

projecto surge directamente ligado ao artista anteriormente referido, já que foi o próprio El<br />

Lissitzky e sua mulher que sugeriram e mediaram o convite a Piet Mondrian para a execução<br />

<strong>de</strong>sta sala no interior da casa <strong>de</strong> Ida Bienert. 19<br />

Fig. 7. El Lissitzky – ‘Prounenraum’, 1923 (reconstrução <strong>de</strong> 1971). Fig. 8. Piet Mondrian – ‘Salon of Madame B., 1923.<br />

A transição do espaço pessoal para o espaço social, que culmina, em última instância, numa<br />

arte que actua no espaço real, tem como factor essencial, um fascínio pela tridimensionalida<strong>de</strong><br />

e pela actuação directa da arte na socieda<strong>de</strong> e como resultado, a criação <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong><br />

escala cada vez mais ambiciosa. Aliando a dimensão a uma funcionalida<strong>de</strong> intrínseca, estas<br />

obras acabariam por se afirmar na sua afinida<strong>de</strong> com a arquitectura: “the constructivist function<br />

is synonymous with architecture” 20 . Exemplos disso são os inúmeros quiosques criados por<br />

artistas como Aleksandr Rodchenko e, talvez o maior símbolo do movimento Construtivista: o<br />

Monumento à III Internacional <strong>de</strong> Vladimir Tatlin, <strong>de</strong> 1919, que segundo Giulio Carlo Argan:<br />

“contém todas as premissas do Construtivismo. Indistinção das artes: é arquitectura, estrutura<br />

18 K. Ruhrberg - Arte do século XX, Vol. II. <strong>Lisboa</strong>: Taschen, 2005, p.449.<br />

19 “In the early 1920’s, she (Madame Ida Bienert) became friendly with El Lissitzky; and it was apparently<br />

upon the advice of his future wife, Sophie Küppers, that Bienert first acquired work by Mondrian. Küppers<br />

herself had organized Mondrian’s show at Kühl and Kühn, and it was shortly after this, again through her<br />

mediation and that of Lissitzky, that Mondrian was invited to re<strong>de</strong>sign the room in Bienert’s home in<br />

Plauen, a suburb of Dres<strong>de</strong>n.” Nancy J. Toy – “Mondrian’s Design for the Salon Madame B…, à Dres<strong>de</strong>n”.<br />

The Art Bulletin, Vol.62, Nº 4, Dec. 1980, pp.640-647, Disponível em: http://www.jstor.org/pss/3050061<br />

20 Stephen Bann - The Tradition of Construtivism. New York: Da Capo, 1974. p. 122.<br />

14


provisória, escultura construtivista em escala gigantesca; funcionalida<strong>de</strong> técnica e sistema <strong>de</strong><br />

comunicação; expressivida<strong>de</strong> simbólica do dinamismo ascen<strong>de</strong>nte da espiral inclinada (…).” 21<br />

Conscientes do impacto da arte na socieda<strong>de</strong>, estes artistas acabam por entrar no espaço real<br />

<strong>de</strong> uma forma objectiva e com o único propósito <strong>de</strong> espalharem a sua mensagem, seja política<br />

ou i<strong>de</strong>ológica. As barreiras entre arte e arquitectura foram dissolvidas <strong>de</strong> uma forma<br />

permanente e evolutiva, promovendo assim a aproximação da arte à arquitectura, que será a<br />

base do grupo Holandês De Stijl e da Escola Alemã da Bauhaus. Este assimilar da arte em<br />

relação à arquitectura, como mo<strong>de</strong>lo analítico e formal, irá estabelecer uma relação natural e<br />

recíproca entre as duas disciplinas, contrariando, <strong>de</strong>ste modo, a sugestão <strong>de</strong> William Morris<br />

(por volta <strong>de</strong> 1850) e <strong>de</strong> Walter Gropius (na criação da Bauhaus em 1919), <strong>de</strong> uma arquitectura<br />

que absorve todas as artes.<br />

O séc. XX irá estabelecer, assim, a partir da década <strong>de</strong> 20 e envolvendo mais tar<strong>de</strong>, os novos<br />

experimentalismos artísticos do período Pós-Segunda Guerra, uma relação horizontal,<br />

equilibrada, dinâmica, uma contaminação recíproca e <strong>de</strong> profícuo dialogo entre a arquitectura e<br />

as artes plásticas.<br />

21 Giulio Carlo Aragan – Arte Mo<strong>de</strong>rna: Do Ilusionismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo:<br />

Companhia das Letras,1992. p. 284.<br />

Fig. 9. A. Rodchenko – ‘Desenho para Quiosque’, 1919.<br />

Fig. 10. A. Rodchenko – ‘Desenho para Estação <strong>de</strong> Rádio’, 1920.<br />

Fig. 11. Vladimir Tatlin – ‘Projecto para o Monumento da 3ª Internacional’, 1917.<br />

Fig. 12. Maqueta realizada para apresentação em Petrograd e Moscovo, 1920.<br />

Fig. 13. Apresentação da maqueta do Monumento da 3º Internacional, na<br />

Feira Internacional da Industria Mo<strong>de</strong>rna e Artes Decorativas em Paris, 1925.<br />

15


1.2. O MINIMALISMO E O ESPAÇO NA <strong>ARTE</strong>.<br />

“As exposições que mais aproximaram o meu trabalho da arquitectura foram:<br />

A minha primeira exposição, chamada ‘Instalação’, em 1987, foi na Galeria Monumental, do<br />

artista Miguel Sampaio. Quando me convidam a expor na Galeria Monumental, o que me<br />

interessa não é o espaço da galeria, não tinha nada para dizer ali, interessa-me muito mais o<br />

espaço que está atrás da galeria, entre a primeira sala, on<strong>de</strong> eu era suposto expor, e o pátio.<br />

Esta sala interessa-me porque servia <strong>de</strong> atelier para os artistas mas estava em muito más<br />

condições, estava muito estragada. (…) Uma das peças, por exemplo, era uma pare<strong>de</strong> inteira<br />

que fazia a ligação entre dois espaços <strong>de</strong> atelier, as restantes são também, peças <strong>de</strong><br />

reconstrução do espaço. Este primeiro gesto, que surge <strong>de</strong> uma forma muito inconsciente,<br />

acaba por ter consequências permanentes para a galeria, (…) quando a minha exposição sai<br />

<strong>de</strong> lá o espaço ganha melhores condições, aliás, ainda hoje essa sala, em conjunto com a sala<br />

principal e o pátio, é utilizada como uma gran<strong>de</strong> galeria. Mais do que as peças que fiz e que<br />

estão documentadas foi o gesto <strong>de</strong>, <strong>de</strong> repente, abrir aquilo tudo que mais me marcou.<br />

A segunda exposição tem também a ver com esse gesto e acontece em 1990, na Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Ciências, na Sala Sul. Na altura, andava a fotografar imenso a cida<strong>de</strong>, sobretudo esta zona<br />

do Chiado que tinha sido alvo <strong>de</strong> incêndio. (…) Essa vida extremamente violenta, mas<br />

muitíssimo poética da construção e da ruina sempre me interessou muito. (…) Consegui que<br />

me ce<strong>de</strong>ssem uma sala durante três meses e fiz uma exposição com uma série <strong>de</strong> peças<br />

efémeras, umas casas em ma<strong>de</strong>ira e gesso em posições instáveis. No entanto, mais uma vez,<br />

o que interessa neste projecto é que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eu ter lá feito a exposição, aquele espaço ficou<br />

aberto até hoje. Portanto esses dois projectos, que são os projectos que iniciam o meu<br />

trabalho, são também fundadores daquilo que, <strong>de</strong>pois, será o meu caminho como artista.<br />

Continuo a partir <strong>de</strong>sse gesto <strong>de</strong> abrir um espaço novo.<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.


1.2. O MINIMALISMO E O ESPAÇO NA <strong>ARTE</strong>.<br />

“Se pensarmos um pouco a respeito, o facto <strong>de</strong> o espaço, o vazio, ser o protagonista da<br />

arquitectura é, no fundo, natural, porque a arquitectura não é apenas arte nem só imagem <strong>de</strong><br />

vida histórica ou <strong>de</strong> vida vivida por nós e pelos outros, é também, e sobretudo, o ambiente, a<br />

cena on<strong>de</strong> vivemos a nossa vida.” 22<br />

O espaço, segundo Zevi, foi sempre uma entida<strong>de</strong> directamente relacionada com a<br />

arquitectura. Sem o estabelecimento <strong>de</strong> limites normalmente <strong>de</strong>finidos por um arquitecto, sem<br />

um contentor, sem algo que o encere, o espaço é na realida<strong>de</strong> invisível, incomensurável,<br />

infinito. Delimitado o espaço, e para um melhor entendimento do mesmo neste capitulo, iremos<br />

distinguir, segundo Henrique Muga, os quatro tipos ou níveis <strong>de</strong> espaço por ele propostos: “o<br />

espaço físico, o espaço perceptivo e o espaço cognitivo” inserindo ainda numa categoria<br />

própria, o espaço arquitectónico 23 . Sumariamente:<br />

Espaço físico: é <strong>de</strong>finido pelo sistema cartesiano, traduzido em coor<strong>de</strong>nadas, po<strong>de</strong>ndo<br />

também ser <strong>de</strong>scrito quantitativamente, e constitui uma “entida<strong>de</strong> exterior ao indivíduo” 24 . É<br />

espaço para ser ocupado por massas, <strong>de</strong>limitado pela sua inclusão ou exclusão em volumes<br />

fechados, atravessados por aberturas e volumes vazios, é nele também, que num primeiro<br />

olhar analítico, se estabelece a base <strong>de</strong> dados inicial e essencial a qualquer acção <strong>de</strong><br />

transformação do mesmo. O espaço físico contém em si a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objectificação e<br />

<strong>de</strong>finição das suas características físicas.<br />

Espaço perceptivo: é a experiência imediata que acompanha a utilização do espaço físico;<br />

segundo o autor, este espaço contém em si tanto a dimensão física (do objecto), como a social<br />

(das pessoas que o habitam). Segundo Merleau-Ponty, autor <strong>de</strong> “Fenomenologia e Percepção”,<br />

“o espaço não é um ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo<br />

qual a posição das coisas se torna possível” 25 . O espaço perceptivo é, então, construído a<br />

partir da experiência humana e inexistente sem a mesma, e a espacialida<strong>de</strong> somente po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>finida através da experiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado sujeito em <strong>de</strong>terminada situação.<br />

Espaço cognitivo: é a “representação mental que fazemos do espaço físico, a imagem que<br />

criamos do ambiente que experienciamos directa ou indirectamente.” 26 É a configuração do<br />

espaço físico e perceptivo, interpretada pelos sentidos, processada pelo pensamento e<br />

compreendida através da inteligência e percepção individual, é, assim, a experiência do espaço<br />

que resi<strong>de</strong> na memória por mais tempo po<strong>de</strong>ndo vir a ser alterada ou a distanciar-se da<br />

realida<strong>de</strong> vivida por consecutivas experiências físicas e sensoriais.<br />

22<br />

Bruno Zevi – Saber ver a arquitectura. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.28.<br />

23<br />

Henrique Muga – Psicologia da Arquitectura. Canelas, VNG: Edições Galivro, 2006, p. 59.<br />

24<br />

I<strong>de</strong>m.<br />

25<br />

M. Merleau-Ponty - Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 328.<br />

26 I<strong>de</strong>m, p. 59 – 60.<br />

16


Os espaços arquitectónicos e urbanos, embora distintos nas suas formulações são, sem<br />

excepção, espaços para ser habitados, experienciados nas suas múltiplas escalas pelo<br />

Homem e portanto indissociáveis das três perspectivas <strong>de</strong> espaço. Inegavelmente também,<br />

tanto a arquitectura como o urbanismo têm como ponto central à sua prática o espaço,<br />

teorizado, <strong>de</strong> forma global, por Sigfried Giedion em “Space, Time and Architecture” (1941),<br />

Bruno Zevi em “Saber ver a Arquitectura” (1948) ou Roger Scruton em “The Aesthetics of<br />

Architecture” (1979), entre outros. Num entendimento mais particular e que se insere <strong>de</strong> uma<br />

forma mais incisiva na ligação entre a arte e a arquitectura, sugere-se também a perspectiva <strong>de</strong><br />

espaço arquitectónico <strong>de</strong> Norberg-Schultz, que o <strong>de</strong>fine como “expressivo, artístico, estético, e<br />

a concretização <strong>de</strong> espaço existencial” 27 .<br />

A arquitectura apresenta várias formas <strong>de</strong> encarar o espaço e, tal como na arte, o tema da<br />

pesquisa espacial é experimental e evolui na forma como é trabalhado pelos diferentes artistas<br />

que o tomam também central à sua prática.<br />

É no tratamento do espaço que se realça a escultura Minimalista, directamente inspirada pelas<br />

vanguardas russas, já referidas, e pelos i<strong>de</strong>ais lançados por Marcel Duchamp, <strong>de</strong> que “a arte é<br />

na realida<strong>de</strong> feita pelo público, nessa relação do objecto com o espaço, por meio da exposição,<br />

que lhe dá verda<strong>de</strong>iro sentido plástico” 28 . O espectador e o seu espaço pessoal tornam-se<br />

agora, <strong>de</strong> um modo totalmente consciente para o artista, parte integrante da obra. Segundo<br />

Miwon Kwon, “(…) the space of art was no longer perceived as a blank slate, a tabula rasa, but<br />

a real place.” 29<br />

Entendido, ainda no início da década <strong>de</strong> 60, <strong>de</strong> uma forma bastante formal, o espaço é <strong>de</strong>finido<br />

primeiramente pela aglomeração dos seus atributos físicos (tamanho, escala, textura,<br />

dimensão das pare<strong>de</strong>s, tectos, divisões; luminosida<strong>de</strong>, entre outros). Numa segunda instância,<br />

o entendimento do espaço irá evoluir para uma perspectiva fenomenológica, ou <strong>de</strong> espaço<br />

perceptivo na qual, a simplicida<strong>de</strong> formal dos objectos, os materiais ou as técnicas industriais<br />

utilizadas, assim como a forma como são colocados nos espaços expositivos, activam as<br />

sensações do espectador a cada movimento em redor do objecto. Esta nova forma <strong>de</strong> pensar a<br />

arte, ambiciona a alteração da nossa percepção do próprio espaço e faz-nos reflectir sobre o<br />

nosso corpo e sobre a nossa espacialida<strong>de</strong> perante estes objectos.<br />

Po<strong>de</strong>m observar-se como características comuns a este tipo <strong>de</strong> arte, catalogada em 1965 por<br />

Richard Wollheim como Minimalista 30 : a continuação e aprofundamento da pesquisa espacial, a<br />

primazia por uma arte tridimensional, a importância dada à essência dos materiais e a sua<br />

utilização na forma mais pura, digna, honesta, assim com, o recurso explicito a técnicas<br />

industriais que afastam qualquer ligação afectiva e referência ao artista e às suas qualida<strong>de</strong><br />

27<br />

Christian Norberg-Schulz - Existencia, Espacio y Arquitectura. Barcelona: Ed. Blume, 1975, p. 33.<br />

28<br />

Marcel Duchamp cit. por Juan Carlos Rico – Montaje <strong>de</strong> exposiciones: museos, arquitectura, arte.<br />

Madrid: Silex Ediciones, 1996, p.12.<br />

29<br />

Miwon Kwon – op. cit., p.11.<br />

30<br />

David Hopkins – After Mo<strong>de</strong>rn Art: 1945-2000. Oxford: Oxford University Press, 2000, p.138.<br />

17


como artesão, na criação <strong>de</strong> obras que ambicionam, não a sua admiração estética mas sim<br />

uma resposta física e interactiva por parte do espectador.<br />

“Minimal art, (…), reveals the literal space of the viewer and the viewer’s presence in this space.<br />

Placed in the center of the gallery, the Minimal work sets up a ‘theatrical’ relationship with the<br />

spectator, <strong>de</strong>manding his or her attention, much as an actor does” 31<br />

Em “Sculpture in the Expan<strong>de</strong>d Field”, 1979, Rosalind Krauss localiza neste movimento, a<br />

entrada da escultura no que intitula <strong>de</strong> “no man’s land”, categorizando assim um tipo <strong>de</strong><br />

escultura que não se distinguia da sua envolvente – “it was what was on or in front of a buiding<br />

that was not the buiding, or what was in the landscape that was not the landscape.” 32 – dando<br />

como exemplo a instalação <strong>de</strong> Robert Morris, na Green Gallery em 1964.<br />

Fig. 14. Morris – ‘Sem título’, 1965. Fig. 15. Morris – Vista da Geral da Green Gallery, N.Y., 1964 Fig. 16. Morris – ‘Threadwaste’, 1968.<br />

Fig. 17. Carl Andre – ‘Equivalent VIII’, 1966. Fig. 18. Carl Andre – ‘5x10 Altstadt Rectangle’, 1967. Fig. 19. Carl Andre – ‘Fall’, 1968.<br />

A integração <strong>de</strong>stas obras no espaço <strong>de</strong>ve-se à renúncia <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> escultura impositiva,<br />

comemorativa e, na maioria das vezes, figurativa, tendo a maioria, como factor comum a “perda<br />

do pe<strong>de</strong>stal” 33 . Estas obras aproximam-se do público, do banal e da arquitectura,<br />

apresentando-se, conforme se po<strong>de</strong> observar nas obras <strong>de</strong> Morris, <strong>de</strong> elementos<br />

arquitectónicos indistintos dos constituintes do espaço, ou nas obras <strong>de</strong> Carl André, através do<br />

extremismo na negação do pe<strong>de</strong>stal e da introdução <strong>de</strong> uma escultura horizontal e, quase<br />

31<br />

James Meyer – Minimalism. London: Phaidon Press Limited, 2000, p. 33.<br />

32<br />

Rosalind Krauss - op. cit., p. 36.<br />

33<br />

Javier Ma<strong>de</strong>ruelo – La pérdida <strong>de</strong>l pe<strong>de</strong>stal. Madrid: Cua<strong>de</strong>rnos el Círculo, Círculo <strong>de</strong> Bellas<br />

Artes, 1994.<br />

18


plana, as suas obras confun<strong>de</strong>m-se com o pavimento e integram-se profundamente na<br />

arquitectura, criando pisos diferentes e caminhos alternativos no espaço.<br />

Ao introduzir o espaço físico e perceptivo como parte integrante da obra, assiste-se a dois<br />

fenómenos distintos, que irão criar uma relação mais próxima entre arte e arquitectura:<br />

primeiro, ao trabalhar o espaço como parte integrante da obra, torna-se essencial para o artista<br />

o entendimento profundo do que o caracteriza geométrica e formalmente. Como consequência<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa, surge outro fenómeno <strong>de</strong> aproximação à arquitectura, que se materializa no<br />

final dos anos 60, numa busca por parte dos artistas <strong>de</strong> novos enquadramentos para as suas<br />

obras, dispares das salas brancas e neutras dos museus. Esta saída dos artistas para o<br />

exterior dos museus culminará na actuação da arte no Espaço Real, <strong>de</strong>finido por Summers.<br />

Donald Judd reúne ambos os fenómenos referido, apresentando-se assim, como uma figura<br />

central para diluição dos limites entre a arte e a arquitectura, e como a gran<strong>de</strong> referência do<br />

Movimento Minimalista. Os seus ‘Objectos Específicos’ apresentam-se como contentores do<br />

vazio, objectos neutros que absorvem o espaço e que advêm do fascínio <strong>de</strong> Judd pela<br />

arquitectura Mo<strong>de</strong>rnista. Esta arte objectual, praticada por Judd, apresenta, como premissas, a<br />

retirada ao artista <strong>de</strong> todo o individualismo que constituía o ‘primeiro mandamento’ do<br />

Movimento Mo<strong>de</strong>rno, bem como toda a força, expressão pessoal e emocional dos artistas do<br />

Expressionismo Abstracto e ainda a recusa a qualquer componente política e social; tudo a<br />

favor <strong>de</strong> uma arte neutra, <strong>de</strong>purada, totalmente aberta a qualquer interpretação pessoal por<br />

parte do espectador.<br />

19<br />

Fig. 20. Judd - ‘Untitled’, Mo<strong>de</strong>rna<br />

Musset, Stockholm, 1965.<br />

Fig. 21. Judd - ‘Untitled’, T. B.<br />

Walker Foundation, 1971.<br />

Fig. 22. Judd - ‘Untitled’, Solomon<br />

R. Guggenheim Museum, N.Y.,<br />

1971.<br />

Fig. 23. Judd - ‘Untitled’, Gian Enzo<br />

Seprone Gallery, N.Y., 1974.<br />

Fig.24. Judd - ‘Untitled’, Judd<br />

Foundation Archives, 1966.<br />

Fig. 25. Judd – ‘Untitled’, MOMA,<br />

N.Y., 1967.


A importância <strong>de</strong>ste movimento situa-se, à semelhança das vanguardas russas, na quebra das<br />

barreiras limítrofes da arte; Suzanne Lacy afirma que “(…) with the advent of minimalism and<br />

earthworks those boundaries were exten<strong>de</strong>d to circumscribe the sites in which artworks were<br />

ma<strong>de</strong> and placed” 34 , e que é através <strong>de</strong>ste alargamento do seu espaço <strong>de</strong> actuação, no final<br />

dos anos 60 e início dos anos 70, que a escultura inicia também a sua faceta “site-specific”, na<br />

qual a arquitectura ganha um papel <strong>de</strong> acrescida relevância, servindo na maioria das vezes,<br />

segundo Kwon, “como tela para a obra <strong>de</strong> arte.” 35<br />

Através do afastamento <strong>de</strong> qualquer referência (histórica, político-social ou pessoal), da obra<br />

<strong>de</strong> arte e da passagem da componente estética para segundo plano, resta aos artistas<br />

Minimalistas, como factores <strong>de</strong>cisivos na criação artística, o público, o espaço e a matéria.<br />

Assim, na transição da arte, do museu para o espaço público, Miwon Kwon refere que, para<br />

além da interpretação do espaço museológico já referida, os artistas, tomam agora também em<br />

consi<strong>de</strong>ração categorias espaciais como a topografia, padrões <strong>de</strong> circulação, características<br />

sazonais do clima, entre outras, numa nova forma <strong>de</strong> arte catalogada como Land Art. 36<br />

“Site-specific work in its earliest formation, then, focused on establishing an inextricable,<br />

indivisible relationship between the work and its site, and <strong>de</strong>man<strong>de</strong>d the physical presence of<br />

the viewer for the work’s completion.” 37<br />

A obra <strong>de</strong> Donald Judd constitui um dos casos mais interessantes <strong>de</strong> contaminação recíproca<br />

entre disciplinas que advém <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> arte Minimalista e que obe<strong>de</strong>ce ainda a uma<br />

interpretação inicial do conceito e “site-specific”. A sua arte, singularmente marcada pela<br />

arquitectura irá ser também <strong>de</strong> enorme relevância para a mesma. Autores como Stefan Beyst 38<br />

ou Richard Guy Wilson 39 colocam Judd na prática arquitectónica, comparando-o com Mies van<br />

<strong>de</strong>r Rohe e dando como exponente máximo do trabalho do artista, a Chinati Foundation, em<br />

Marfa, Texas,<br />

Inaugurada em 1987, a Chinati Foundation localiza-se num rancho no Texas, comprado pelo<br />

artista em 1973 e para o qual trabalhou <strong>de</strong> 1979 até ao fim da sua vida, criando, segundo Urs<br />

Peter Flueckiger: “the perfect artist’s museum” 40 . O trabalho realizado po<strong>de</strong> ser encarado como<br />

o Espaço Proun <strong>de</strong> El Lissitzky levado ao extremo; a pequena sala do museu é substituída pelo<br />

lugar. Um lugar on<strong>de</strong> arte, arquitectura e paisagem estabelecem um diálogo profundo e<br />

<strong>de</strong>monstrativo das potencialida<strong>de</strong>s da relação entre as disciplinas referidas.<br />

34<br />

Suzanne Lacy – Mapping the terrain: New Genre Public Art. Seattle, Washington: Bay Press, 1995,<br />

p.141.<br />

35<br />

Miwon Kwon – op. cit., p. 3.<br />

36<br />

Miwon Kwon – op. cit., p. 3.<br />

37<br />

I<strong>de</strong>m, p.11.<br />

38<br />

Stefan Beyst - Donald Judd Designs: a turning point in the history of sculpture?, July 2004, disponível<br />

em: http://d-sites.net/english/judd.htm.<br />

39<br />

Urs Peter Flückiger - Donald Judd : Architecture in Marfa. Berlin: Birkhauser, 2007, p. 20.<br />

40 I<strong>de</strong>m, p.21.<br />

20


Fig. 26. Chinati Foundation, Marfa, Texas.<br />

Fig. 27. Donald Judd - 15 ‘Works in Concrete’, 1980-84.<br />

Fig. 28. Detalhe <strong>de</strong>15 Concrete Works. Fig. 29. Pormenor <strong>de</strong>senhado por Donald Judd<br />

Fig. 30. Donald Judd– ‘Utitled’, 1976. Fig. 31. Donald Judd - 100 ‘Untitled Works in Mill Aluminum’,1982-1986.<br />

21


A introdução <strong>de</strong> um conceito que visa estabelecer uma relação inequívoca entre o objecto e o<br />

espaço envolvente, constitui um dos maiores contributos da arte minimalista para a Arte<br />

Pública. Em obras intituladas site-specific, o espaço é peça essencial na criação e parte<br />

integrante da sua produção e posterior apreciação, tornando-se assim indissociável da obra <strong>de</strong><br />

arte nos seus vários estágios. Esta relação <strong>de</strong> convergência entre a arte, o espaço expositivo e<br />

o ambiente, é visível nas obras <strong>de</strong> Richard Serra, ‘Splashing’ (1968) ou ‘Measurment of Time’<br />

(1969) 41 .<br />

Fig. 32. Serra – ‘Spalshing’, 1968 no Leo Castelli Warehouse, N. Y.<br />

Fig. 33. Serra – ‘Gutter Corner Splash: Night Shift’, 1969 no Jasper Johns' Studio.<br />

Fig. 34. I<strong>de</strong>m no SFMoMA, San Francisco, 1995.<br />

Mais do que adaptadas ou realizadas em função do mesmo, tal como as referidas<br />

anteriormente, estas obras, <strong>de</strong> uma forma abrupta, reclamam para si o espaço expositivo <strong>de</strong><br />

uma forma permanente. Tornam-se inseparáveis <strong>de</strong>ste e contrariam, na sua formulação quase<br />

excessiva, as bases da escultura mo<strong>de</strong>rnista, auto-referencial, autónoma e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do<br />

seu espaço circundante ou do local on<strong>de</strong> é colocada 42 .<br />

Esta forma <strong>de</strong> encarar o espaço <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia um interesse renovado pela arquitectura, que<br />

assume diferentes formas. Numa fase inicial, os minimalistas tratavam o espaço como<br />

componente nas suas obras; obras que continham o vazio ou que, na sua semelhança a<br />

elementos arquitectónicos, se tornavam, pelo contrário, componentes do espaço. No final dos<br />

anos 60, tal como já foi referido, alguns artistas reclamam para si o espaço transformando-o <strong>de</strong><br />

forma permanente, neste momento o espaço <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser parte integrante da obra, e passa a<br />

ser a própria obra; são reflexo <strong>de</strong>sta intenção obras como as <strong>de</strong> Sol LeWitt a partir <strong>de</strong> 1969, ou<br />

a obra ‘Mesurments’ (1969) <strong>de</strong> Mel Bochner.<br />

41 Na primeira, o artista atira, chumbo líquido contra as pare<strong>de</strong>s da galeria, assumindo uma relação<br />

intemporal e inquebrável entre o espaço e a obra, na segunda, barras <strong>de</strong> aço são assentes no pavimento,<br />

com o intuito <strong>de</strong> observar a reacção do material em relação às condições <strong>de</strong> humida<strong>de</strong> do local, numa<br />

medida temporal específica.<br />

42 Segundo Miwon Kwon, p.11: “If mo<strong>de</strong>rnist sculpture absorbed its pe<strong>de</strong>stal/base to sever its connection<br />

to or express its indifference to the site, ren<strong>de</strong>ring itself more autonomous and self-referential, thus<br />

transportable, placeless, and nomadic, then site-specific works, as they first emerged in the wake of<br />

minimalism in the late 1960s and early 1970s, forced a dramatic reversal of this mo<strong>de</strong>rnist paradigm.”<br />

22


A relação com a arquitectura é crescente e intensifica-se na investida para o exterior <strong>de</strong> alguns<br />

artistas saturados das limitações dos espaços institucionais. A comparação entre a obra <strong>de</strong><br />

Laurence Weiner, ‘36 x 39’ (1968) – na qual o artista removia pequenas porções do<br />

revestimento ou da própria pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo a revelar o que estava por <strong>de</strong>trás da pare<strong>de</strong> neutra<br />

da galeria ou museu – com as obras <strong>de</strong> Gordon Matta-Clark – executadas no exterior <strong>de</strong>sses<br />

espaços institucionais – comprova a nova dinâmica entre arte e arquitectura e um <strong>de</strong>sejo por<br />

parte dos artistas <strong>de</strong> explorar esta nova possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilizar a arquitectura como<br />

instrumento, como meio primordial <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> suporte das suas obras. Esta nova forma<br />

<strong>de</strong> olhar para a arquitectura, criará uma ânsia por novos espaços, novos enquadramentos para<br />

as suas obras e que comprometerá in<strong>de</strong>finidamente as barreiras que separam estas duas<br />

áreas.<br />

Fig. 35. Mel Bochner - ‘Mesurments’, 1969.<br />

Fig. 36. Detalhe <strong>de</strong> ‘Mesurments’, 1969.<br />

Fig. 37. Sol LeWitte - Detalhe <strong>de</strong> ‘Drawing Series—Composite, Part I–IV, #1–24, B’, 1969.<br />

Fig. 38. Lawrence Weiner - Série 36" x 36", Kunsthalle Bern, 1969. Fig. 40. Gordon Matta-Clark – ‘Conical Intersect’, 1975.<br />

Fig. 39. I<strong>de</strong>m Fig. 41. Gordon Matta-Clark – ‘Splitting’, 1974.<br />

23


1.3. EXPOSIÇÃO INVISIBILIDADE, GALERIA LEME, 2009.


1.3. FERNANDA FRAGATEIRO: EXPOSIÇÃO INVISIBILIDADE, GALERIA LEME, 2009<br />

“Os pressupostos conceptuais e construtivos das intervenções escultóricas <strong>de</strong> Fernanda<br />

Fragateiro impelem a evi<strong>de</strong>nciar a importância que conce<strong>de</strong> aos elementos arquitectónicos, à<br />

sua geometria e volumetria e a um processo <strong>de</strong> observação e reconhecimento que implica<br />

frequentemente a <strong>de</strong>slocação do espectador pelas imediações do espaço, num trabalho<br />

individual <strong>de</strong> apreensão, memorização e or<strong>de</strong>namento que reage às várias camadas <strong>de</strong><br />

sugestão da obra.” 43<br />

Fernanda Fragateiro passou, nos anos 80, um breve período nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> “ficou<br />

a conhecer as obras <strong>de</strong> Donald Judd, Carl Andre, Gordon Matta-Clark, Vito Acconci, Mary Miss,<br />

Dan Graham, Joseph Beuys, Richard Serra, Agnes Martin, Lygia Clark e a do arquitecto Mies<br />

van <strong>de</strong>r Rohe, o que foi <strong>de</strong>terminante para a sua formação.” 44 As obras da artista apresentam<br />

uma relação óbvia com o espaço, já que gran<strong>de</strong> parte do seu trabalho se realiza em torno da<br />

exploração do vazio, da sua contenção, representação, ou construção através do recurso a<br />

técnicas minimalistas visíveis na <strong>de</strong>puração formal, nos materiais utilizados, na forma como as<br />

suas obras são expostas, na intenção <strong>de</strong> indivisibilida<strong>de</strong> entre as obras e o espaço on<strong>de</strong> são<br />

expostas e ainda na relação que estabelece com a arquitectura.<br />

Os objectos patentes nesta exposição são realizados em aço inoxidável e alumínio polido: a<br />

escolha dos materiais <strong>de</strong>ixa clara a intenção <strong>de</strong> não só nos “fazer lembrar a natureza não<br />

utilitária da escultura” 45 , ao mostrar materiais do quotidiano e <strong>de</strong> utilização industrial agora<br />

polidos e espelhados e transformados em arte, mas também <strong>de</strong> revelar o espaço<br />

arquitectónico.<br />

Segundo a artista: “É esse <strong>de</strong>saparecimento e essa ausência que me interessa quando<br />

exponho em espaços arquitectónicos fortíssimos, como é o caso da Galeria Leme ou do<br />

Mosteiro <strong>de</strong> Alcobaça. O facto <strong>de</strong> eu levar para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses espaços peças em aço polido,<br />

fazia com que as peças <strong>de</strong>saparecessem, mantendo assim a integrida<strong>de</strong> do espaço<br />

arquitectónico e, simultaneamente, como as peças reflectem, quer as pessoas, quer o espaço,<br />

também se tornavam receptores. Por um lado, são extremamente invisíveis e quase<br />

<strong>de</strong>saparecem e, por outro lado, têm uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser vistos e<br />

convocam muita coisa. O facto <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nso e ser intenso, <strong>de</strong> ter muitas camadas e<br />

simultaneamente ser quase invisível, é uma coisa que me interessa muito.” 46<br />

43<br />

Ana Vasconcelos – Expectativa <strong>de</strong> uma paisagem <strong>de</strong> acontecimentos #3. Disponível em:<br />

http://www.paralelo33.com.<br />

44<br />

Helena Vasconcelos – “Equilibrio e Leveza: Entrevista a Fernanda Fragateiro”, Elle Magazine. Outubro,<br />

2009, pp. 88-91. Dísponivel também em: http://www.baginski.com.pt/pages/clip/clip2.pdf.<br />

45<br />

Ana Vasconcelos – op. cit., p.1.<br />

46 Excerto da entrevista realizada pela autora a Fernanda Fragateiro.<br />

24


A aproximação <strong>de</strong>stas obras a outras minimalistas referidas, é entendida na sugestão <strong>de</strong><br />

Robert Morris: “The better new work takes relationships out of the work and makes them a<br />

function of space, light, and the viewer’s field of vision. The object is but one of the terms in the<br />

newer aesthetic. It is in some way more reflexive because one’s awareness of one-self existing<br />

in the same space as the work (…)” 47<br />

Refere-se assim, que para além da sintese formal e material que aproxima as obras <strong>de</strong><br />

Fernanda Fragateiro <strong>de</strong> uma prática minimalista, a artista não nega, no entanto, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> expressão pessoal. Por trás <strong>de</strong> cada obra, existe um pensamento profundo, uma<br />

experiência pessoal reflectida ou uma i<strong>de</strong>ia construida e <strong>de</strong>senvolvida ao longo do tempo que<br />

afasta todos estes objectos <strong>de</strong> um único conceito. Destaca-se, nestas obras, uma relação <strong>de</strong><br />

enorme intimida<strong>de</strong> com a arquitectura e um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer parte, <strong>de</strong> integrar sem hesitação o<br />

espaço arquitectónico, revelando-o, tomando-o em sua pose e partilhando-o ao mesmo tempo<br />

com o espectador.<br />

As formas simples e materiais únicos constituem “textos” para Fernanda Fragateiro. Segundo a<br />

própria: “usar um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> material já é um texto tão forte, que o que me interessa,<br />

se calhar, é dizer numa frase aquilo que se po<strong>de</strong>ria dizer num livro. A minha procura em<br />

relação aos materiais é conseguir encontrar essa frase, ou seja, encontrar um único material<br />

que contenha a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> camadas <strong>de</strong> pensamento necessária para que a<br />

obra comunique ou diga, <strong>de</strong> uma forma muito sucinta, uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisas que penso e<br />

que sinto.” 48<br />

Em “Expectativa <strong>de</strong> uma paisagem <strong>de</strong> acontecimentos #4”, Fernanda Fragateiro explora<br />

também o conceito <strong>de</strong> site-specific, ao criar uma obra composta por uma grelha <strong>de</strong> 825<br />

módulos rectangulares <strong>de</strong> alumínio polido ou ma<strong>de</strong>ira, totalmente articulável e adaptável ao<br />

espaço expositivo. A mesma obra po<strong>de</strong> assim aparecer suspensa, admitindo a verticalida<strong>de</strong> 49<br />

ou, à semelhança das obras <strong>de</strong> Carl André, na versão horizontal formando uma espécie <strong>de</strong><br />

tapete pelo chão 50 . A escolha <strong>de</strong> superfícies reflectoras, neste caso, convidam o espectador a<br />

interagir com o espaço envolvente, percepcionando a obra e a arquitectura que a contém <strong>de</strong><br />

uma forma renovada e sensorial. É “um dispositivo portátil e reversível, em constante mudança,<br />

adaptando-se ao espaço que ocupa, <strong>de</strong> modo semelhante ao da arquitectura urbana ou da<br />

paisagem. Ocupa o espaço e, simultaneamente, é um espaço em si mesmo, tratando a área<br />

circundante como parte integral do trabalho.” 51<br />

47<br />

Michael Fried – Art and Objecthood. p.125 Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/22752386/Michael-<br />

Fried-s-Art-and-Objecthood<br />

48<br />

Fernanda Fragateiro – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

49<br />

Como é o caso da versão #2 <strong>de</strong>sta obra, realizada em cortiça e exposta no Museu <strong>de</strong> Arte<br />

Contemporânea <strong>de</strong> Elvas (2007), da versão #3 já em alumínio, exposta na Igreja da Misericórdia em<br />

Silves (2009) e da intervenção no Paço dos Duques em Guimarães (2012).<br />

50<br />

Como é o caso da primeira versão <strong>de</strong>sta série, realizada em ma<strong>de</strong>ira para Galeria Elba Benitez em<br />

Madrid (2006) e da que se refere nesta exposição.<br />

51<br />

Ana Vasconcelos – Expectativa <strong>de</strong> uma paisagem <strong>de</strong> acontecimentos #3, 2009. Disponível em:<br />

http://algravio.blogspot.com/2009_06_01_archive.html<br />

25


Na série “Caixas” e na obra “Gavetas Duplas”, é explorada, segundo a artista, a i<strong>de</strong>ia do<br />

contentor ser simultâneamente o contéudo. Mais uma vez, o material utilizado e a<br />

representação estática <strong>de</strong> objectos quotidianos, aos quais é inerente um movimento <strong>de</strong><br />

abertura e <strong>de</strong>scoberta, exemplificado através da construção dos vários momentos do mesmo,<br />

são exemplo do perfil explorativo e <strong>de</strong> uma intenção sempre presente <strong>de</strong> integrar tanto a<br />

arquitectura como o espectador nas suas obras.<br />

Fig. 42. Fernanda Fragateiro - ‘Gavetas Duplas’, 2002. Fig. 43. Fernanda Fragateiro - 'Pequenas Transgressões num Edifício' #2, 2008.<br />

Fig. 44. Fernanda Fragateiro - ‘Caixa ’ #6, 2009. Fig. 45. Fernanda Fragateiro - ‘Expectativa <strong>de</strong> uma Paisagem <strong>de</strong> Acontecimentos’ #4, 2009.<br />

Fig. 46. Exposição Invisibilida<strong>de</strong>s, Galeria Leme (S. Paulo), 2009: Vista Geral.<br />

26


II<br />

DIMENSÃO DA CORPORALIDADE E O ESPAÇO.


2.1. O CORPO, A ESCALA E O LUGAR.<br />

“Sim, eu acho que o meu trabalho tem muito a ver com o espaço e, portanto, pensa muito<br />

sobre o espaço on<strong>de</strong> está a ser incluído, mas também pensa sobre ou implica muito o<br />

espectador, todas as minhas obras têm um lado performático.<br />

Essa separação entre o pensar o espaço e quem o habita ou utiliza, às vezes existe quando se<br />

pensa muito na arquitectura, por vezes esquece-se as pessoas, o conforto, o <strong>de</strong>sconforto ou o<br />

que isso provoca nas pessoas. Eu trabalho sempre nesses dois campos.<br />

(…)<br />

Lembro-me <strong>de</strong> ler uma frase do pensamento do Vito Acconci, em que acho que ele diz: se o<br />

espaço for flexível, as pessoas passam a ser flexíveis. Outra, do mesmo artista, que também<br />

tenho sempre muito presente é: se um espaço pu<strong>de</strong>r ser usado por um adulto da mesma forma<br />

que uma criança usa esse espaço, é porque é um espaço interessante, é um espaço que nos<br />

abre, que nos não condiciona.<br />

O que me interessa é romper com todos os condicionalismos que temos criado nas cida<strong>de</strong>s,<br />

(…). Cada vez mais, temos sítios específicos para fazer coisas específicas e as pessoas já não<br />

conseguem escolher; sobretudo, gosto da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as peças sejam bastante flexíveis, que<br />

permitam muitos acontecimentos e que ultrapassem as minhas espectativas.”<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.


2.1. O CORPO, A ESCALA E O LUGAR.<br />

Durante a década <strong>de</strong> 60, a experiência da percepção corporal foi explorada por diversos<br />

artistas ligados ao minimalismo; os convites à participação física do espectador difundiram-se e<br />

intensificaram-se nas propostas artísticas.<br />

A apreciação da obra <strong>de</strong> arte envolvia então muito mais do que a sua simples observação: a<br />

obra era realizada para ser experimentada e por vezes, participada pela sua assistência. Se,<br />

até esse momento, eram criadas obras nas quais as características físicas do espectador<br />

possibilitavam diferentes percepções do objecto artístico, um novo conceito <strong>de</strong> arte é agora<br />

assente, na dimensão corporal. O corpo passa, assim, a ser tratado como objecto <strong>de</strong> arte e<br />

material essencial na criação artística. Segundo Mary Kelly 52 , os novos conceitos <strong>de</strong> Body Art e<br />

Performance visavam compensar as audiências pela <strong>de</strong>smaterialização praticada pelos artistas<br />

americanos no seio do movimento Minimalista.<br />

Consi<strong>de</strong>rando especificamente a compreensão da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, incidir-se-á na<br />

Performance Art e no seu factor essencial e mais característico – a interdisciplinarida<strong>de</strong>: arte,<br />

escultura, arquitectura, teatro e música coligam-se <strong>de</strong> forma a criar a expectativa do corpo;<br />

tornando, o próprio artista numa obra <strong>de</strong> arte que se realiza nestes vários planos. O <strong>de</strong>safio<br />

dos limites da arte e a criação <strong>de</strong> uma linguagem interdisciplinar entram na linha dos<br />

experimentalismos pós-1960, através da introdução <strong>de</strong> novos termos e práticas como a arte<br />

Conceptual, a arte Processual, a Instalação, a Land Art e ainda, a Body Art e a Performance. É<br />

numa proposta <strong>de</strong> aproximação da arte à vida – <strong>de</strong>fendida por Rauschenberg – com contornos<br />

da Arte Povera Italiana, do Construtivismo Russo e na forma como o grupo <strong>de</strong> artistas<br />

americanos, a partir <strong>de</strong> meados do séc. XX, a irá tomar como sua sob os contornos <strong>de</strong><br />

‘happenings’ e o experimentalismo das manifestações do grupo Fluxus, que a Performance<br />

apresenta as suas bases.<br />

Extrapolando a presença física do espectador e a sua percepção do objecto no espaço para a<br />

validação da obra como arte, proposta na crítica à teatralida<strong>de</strong> das obras minimalistas <strong>de</strong><br />

Michael Fried em “Art and Objecthood” (1998) 53 , estas obras chamam efectivamente o corpo e<br />

o próprio espectador à acção, <strong>de</strong> uma forma totalmente consciente.<br />

A palavra ‘espectador’ per<strong>de</strong> assim, o seu sentido, no que se refere a obras que requerem a<br />

activação e participação física <strong>de</strong> um público, como na instalação interactiva <strong>de</strong> Robert Morris<br />

<strong>de</strong> 1971, ‘Bodyspacemotionthings’ on<strong>de</strong>, pela primeira vez, foi proposto ao público que<br />

interagisse fisicamente com as obras <strong>de</strong> arte, no que se relata como, a primeira exposição<br />

52 David Hopkins – op. cit., p. 187. “Mary Kelly asserted that such apparently radical activities<br />

compensated audiences for the <strong>de</strong>materialization being practiced elsewhere.”<br />

53 Michael Fried – op. cit., pp. 116-147.<br />

27


totalmente interactiva da Tate Gallery em Londres 54 . A exposição foi reproduzida recentemente,<br />

em 2009, na Tate Mo<strong>de</strong>rn, em Londres e, em 2011, esteve em Portugal, no Museu <strong>de</strong><br />

Serralves, no Porto. Neste contexto, refere-se também, a série <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> Victo Acconci,<br />

<strong>de</strong> 1980, intitulada ‘Self-erecting Architecture Units’, na qual, o espectador era convidado a criar<br />

ou activar os espaços, segundo Tom Finkelpearl: “Quer o espectador fosse convidado a<br />

pedalar numa bicicleta que movia um cenário, ou a sentar-se num baloiço que puxava para<br />

cima pare<strong>de</strong>s enquanto estas caiam no chão, as obras eram incompletas sem a partição activa<br />

do público.” 55<br />

Para além do estabelecimento <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência entre espaço, obra e<br />

espectador, estas obras apresentam já um carácter lúdico, uma dimensão funcional intrínseca<br />

à sua utilização, que transforma o público não só em participante, mas em utilizador ou fruidor.<br />

Fig. 47. Robert Morris - 'Bodyspacemotionthings', 1971.<br />

Fig. 48. 'Bodyspacemotionthings', na Tate Mo<strong>de</strong>rn, Londres, 2009. Fig. 49. 'Bodyspacemotionthings', no Museu <strong>de</strong> Serralves, Porto, 2011.<br />

Fig. 50. Vito Acconci - 'Instant House' da série 'Self-erecting architecture', 1980.<br />

54 Mais informação em www.tate.org.uk/mo<strong>de</strong>rn/eventseducation/musicperform/18331.htm<br />

55 Tom Finkelpearl – Dialogues in Public Art. Massachusetts: MIT Press, 2000. p.174. Trad. Liv.<br />

28


Na Body Art, ao contrário da Performance, a exploração corporal é realizada pelo artista em<br />

relação ao seu próprio corpo, contrapondo o i<strong>de</strong>al minimalista do afastamento do artista em<br />

relação à sua obra. Estes artistas procuram, assim, expor-se, explorar os limites do seu corpo<br />

<strong>de</strong> forma por vezes chocante e propor ao espectador um questionamento, tanto as activida<strong>de</strong>s<br />

mais banais do seu dia-a-dia como os temas mais polémicos e estruturantes da socieda<strong>de</strong> nos<br />

anos 70, como o feminismo, a homossexualida<strong>de</strong> ou as políticas culturais; concretizando, <strong>de</strong>sta<br />

forma, uma aproximação da arte à vida, à socieda<strong>de</strong> e a um público que se <strong>de</strong>sejava cada vez<br />

mais vasto.<br />

É também <strong>de</strong> realçar que artistas como Vito Acconci, Robert Morris, Claes Ol<strong>de</strong>nburg, Bruce<br />

Nauman ou Scott Burton, entre outros, darão o salto da Performance Art para a Arte Pública,<br />

trabalhando a questão da escala e <strong>de</strong> um público vasto e in<strong>de</strong>terminado, na criação <strong>de</strong> obras,<br />

que nalguns casos se focam maioritariamente na função ou numa forma <strong>de</strong> diálogo social.<br />

A transição para a esfera pública, on<strong>de</strong> se localiza a arquitectura, revelou-se, pelas várias<br />

relações que estabelece com o espaço envolvente, bastante apelativa para os artistas que<br />

rejeitavam as instituições. A saída para a esfera pública, segundo Suzanne Lacy, teve como<br />

ímpeto inicial a expansão do mercado da escultura, aliado às potencialida<strong>de</strong>s que o espaço<br />

exterior nas áreas urbanas oferecia como novo contexto expositivo. Este facto é encarado<br />

pelos artistas do final dos anos 60 e início dos anos 70 <strong>de</strong> uma forma bastante literal; segundo<br />

a autora, estas obras, embora assimilassem a escala do espaço público, remetiam ainda para<br />

versões em gran<strong>de</strong> escala <strong>de</strong> originais encontrados em museus e galerias 56 . Miwon Kwon<br />

distingue, <strong>de</strong>ste modo, a Arte Pública da ‘arte em espaços públicos’ (“art-in-public-places”) 57 ,<br />

afirmando que o termo Arte Pública era utilizado, em meados da década <strong>de</strong> 70, por<br />

profissionais da Arte Pública, para <strong>de</strong>screver esculturas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> escala que eram somente<br />

colocadas no espaço público, sem qualquer relação com a sua envolvente. E que o termo ‘arte<br />

em espaços públicos’ <strong>de</strong>signava um tipo <strong>de</strong> arte que, embora obe<strong>de</strong>cesse à mesma escala,<br />

integrava uma consciência activa do local on<strong>de</strong> era inserida, e que era realizada tendo já em<br />

conta o espaço que iria ocupar e as suas características arquitectónicas e sociais.<br />

No entanto, a associação <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> obras ao conceito <strong>de</strong> site-specific 58 e a assimilação das<br />

novas escalas da Land Art, bem como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira alteração da paisagem ou<br />

ambiente urbano, iria estabilizar a Arte Pública <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste conceito <strong>de</strong> ‘arte em espaços<br />

públicos’. Tendo agora <strong>de</strong> se relacionar, <strong>de</strong> dialogar, <strong>de</strong> interagir com o edificado, alguns<br />

artistas focam no objecto arquitectónico a sua prática (como Rachel Whiteread, Gordon Matta-<br />

Clark, Dan Graham), ou operam <strong>de</strong>ntro dos procedimentos arquitectónicos para a produção <strong>de</strong><br />

obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões ou obras <strong>de</strong> carácter utilitário. A transição da arte para a esfera<br />

pública acabaria por passar pela arquitectura, <strong>de</strong> modo a contrariar a indiferença ao seu local<br />

56 Suzanne Lacy – op.cit., p. 22.<br />

57 Miwon Kwon – op.cit., p. 60.<br />

58 Em 1974 para contrariar a ineficiente influência no ambiente urbano da Arte Pública a NEA começa a<br />

exigir a adopção dos princípios do site-specific na Arte Pública. Miwon Kwon, 2002, p.65<br />

29


<strong>de</strong> integração, vindo o resultado final a ultrapassar a escala dos objectos, para estabelecer<br />

novas relações com a sua envolvente arquitectónica e, em última instância, social.<br />

Tendo em conta que a Arte Pública apresenta, como factor <strong>de</strong>terminante para o seu<br />

alargamento, a sua “condição multidisciplinar” 59 . Torna-se necessário, para os artistas que<br />

transitaram para a esfera pública, o estabelecimento <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> maior proximida<strong>de</strong><br />

com as disciplinas que intervêm no espaço urbano. Embora a pintura, a escultura e o teatro, já<br />

se apresentassem interligadas nas formas artísticas, que emergiram nas três décadas<br />

seguintes ao pós-guerra, como por exemplo, a Performance; a Arte Pública iria introduzir, neste<br />

cruzamento, disciplinas como a arquitectura, o urbanismo, o paisagismo e o <strong>de</strong>sign <strong>de</strong><br />

equipamento, na ambição <strong>de</strong> criar um novo ambiente urbano e através <strong>de</strong> uma arte acessível a<br />

todos e intimamente ligada ao local on<strong>de</strong> se insere.<br />

Esta relação com a arquitectura através da Arte Pública <strong>de</strong> carácter utilitário é assumida pelo<br />

artista Vito Acconci, que afirma: “There shouldn’t be a separate field called “public art”, there<br />

should be only architecture, only landscape architecture; there should be architecture projects,<br />

and landscape architecture projects, that everyone – including so-called artists – can apply for.<br />

“Public art” gives an artist an excuse to say: this is like architecture, but it isn’t really architecture<br />

– so it doesn’t have to observe the rules and regulations that architecture has to observe, it<br />

doesn’t have to be as functional as architecture. If the public artist were in the role of architect,<br />

there would be nothing to hi<strong>de</strong> behind.” 60<br />

A acessibilida<strong>de</strong> livre e a presença <strong>de</strong> um número elevado <strong>de</strong> espectadores da obra, é para<br />

alguns autores, como Malcom Miles e Lucy Lippard, e para artistas como Robert Morris,<br />

essencial para o conceito <strong>de</strong> Arte Pública, intrinsecamente associada à criação <strong>de</strong> ‘lugares’.<br />

Esta transformação do espaço em ‘lugar’ implica, tal como Montaner afirma 61 , a presença física<br />

do espectador, neste caso do público geral, e a alteração da percepção do mesmo, <strong>de</strong> um local<br />

do qual por vezes já continha informação em ‘lugar’ renovado que transmite uma experiência e<br />

percepção do mesmo, totalmente novas. Patricia Philipes apresenta, no entanto, uma outra<br />

perspectiva <strong>de</strong> Arte Pública: “A arte pública não é pública só porque está ao ar livre (…) é<br />

pública porque é uma manifestação <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s e estratégias que utilizam o público como a<br />

génese e o tema a analisar. É pública por causa do género <strong>de</strong> questões que são levantadas ou<br />

postas, e não pela sua acessibilida<strong>de</strong> ou número <strong>de</strong> espectadores (…) ” 62 ; nesta afirmação, a<br />

presença física do espectador é transcendida pelo carácter social e crítico que a Arte Pública<br />

viria a assimilar a partir <strong>de</strong> 1980. 63<br />

59<br />

José Pedro Ragatão – Arte Pública e os novos <strong>de</strong>safios das intervenções no espaço público. 2ª Ed.<br />

Bond: Books on Demand, 2010, pp. 65-66.<br />

60<br />

Tom Finkelpearl – op. cit., p. 174.<br />

61<br />

Joseph Maria Montaner – Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> Superada. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001.<br />

62<br />

Harriet Senie, Sally Webster – Critical Issues in Public Art: Content, Context and Controversy.<br />

Washington: Smithsonian Institution Press, 1998, pp. 297-298.<br />

63<br />

I<strong>de</strong>m, p. 289.<br />

30


2.2. CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO, 2007.


2.2. FERNANDA FRAGATEIRO: CAIXA PARA GUARDAR O VAZIO, 2005.<br />

“Caixa para Guardar o Vazio é simultaneamente construção e tempo, corpo e performance,<br />

espaço e coreografia.” 64<br />

A importância do corpo na obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro é recorrente; ao trabalhar a<br />

espacialida<strong>de</strong> o corpo serve como referencial, como medida da obra; “todas sem excepção<br />

contêm a possibilida<strong>de</strong> do corpo nelas se manifestar, isto é, contêm a possibilida<strong>de</strong> da<br />

performance” 65 ; a artista afirma que: ”Interessa-me criar lugares on<strong>de</strong> o corpo encontre<br />

“inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser corpo” 66 .<br />

Torna-se difícil, neste caso <strong>de</strong> estudo, não catalogar esta obra como arquitectura. Num<br />

primeiro olhar seria, <strong>de</strong> facto, uma interpretação fácil e com alguma consistência se nos<br />

basearmos na função <strong>de</strong> habitáculo e na escala <strong>de</strong>sta obra. No entanto, a própria artista recusa<br />

esta i<strong>de</strong>ia, com a afirmação <strong>de</strong> que a Caixa para Guardar o Vazio “não serve para aquilo que a<br />

arquitectura serve, a sua função não é da or<strong>de</strong>m da arquitectura mas talvez mais da poesia, ou<br />

seja, serve para pensar mas não serve para mais nada. (…) eu acho, que é um projecto que só<br />

podia ser feito por um artista.” 67 Fernanda Fragateiro, não ambiciona qualquer relação com a<br />

arquitectura, assume apenas, que opera por vezes, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> procedimentos arquitectónicos e<br />

que tem, pela arquitectura, um enorme fascínio e interesse.<br />

A ‘Caixa para Guardar o Vazio’ nasceu <strong>de</strong> um pedido do Serviço Educativo do Teatro Viriato,<br />

em Viseu, para a realização <strong>de</strong> um projecto tendo como único programa a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> através das<br />

crianças, comunicar com uma comunida<strong>de</strong> fechada e pouco interessada em iniciativas mais<br />

contemporâneas. Fernanda Fragateiro <strong>de</strong>cidiu trabalhar sobre o espaço, sobre a <strong>de</strong>scoberta do<br />

espaço, afirmando: “O que eu queria era que se começasse a pensar nisso e ainda, trazer ao<br />

<strong>de</strong> cima o tema do vazio. Estamos sempre a falar do património material e esquecemo-nos que<br />

há uma parte muito importante <strong>de</strong>sse património, que é o vazio, que é o não ter nada, que é o<br />

silêncio, e discutir isso com miúdos, discutir sem palavras, parecia-me muito interessante.” 68<br />

A peça segue o conceito das obras <strong>de</strong> Morris e <strong>de</strong> Vito Acconci atrás referidas, sendo o último<br />

uma gran<strong>de</strong> referência para a artista. A obra é um objecto para ser experimentado, accionado<br />

pelo corpo, tocado, vivido, e neste caso, até habitado. De uma forma sucinta e factual, a obra<br />

materializa-se num paralelepípedo <strong>de</strong> quatro por três metros, construído em ma<strong>de</strong>ira, aço e<br />

uma superfície espelhada, utilizada com pavimento interior. À primeira vista fechado, oculta no<br />

seu interior, componentes móveis que, quando activados, atravessam para o exterior<br />

possibilitando a entrada e exploração <strong>de</strong> uma nova relação interior-exterior. Em toda a sua<br />

64<br />

Claudia Taborda – “Figuras <strong>de</strong> espaço na arquitectura <strong>de</strong> um Vazio”. Caixa para guardar o vazio.<br />

<strong>Lisboa</strong>: Assírio & Alvim, 2007, p.13.<br />

65<br />

Fernanda Fragateiro – Quarto a céu aberto. <strong>Lisboa</strong>: Culturgest, 2003, p. 8.<br />

66 Helena Vasconcelos – op.cit., p. 91.<br />

67 Fernanda Fragateiro – Entrevista realizada pela autora.<br />

68 I<strong>de</strong>m.<br />

31


simplicida<strong>de</strong>, apresenta, no entanto, várias formulações distintas; inicialmente fixa, imóvel e<br />

aparentemente imutável, é constituída por um volume puro, sólido e fechado, <strong>de</strong> escala<br />

próxima da arquitectura, que possibilitaria a sua habitabilida<strong>de</strong>, não fosse esta negada pelo seu<br />

hermetismo inicial, mas que, mesmo assim, “imediatamente remete à i<strong>de</strong>ia primária <strong>de</strong><br />

abrigo” 69 .<br />

Esta forma fixa per<strong>de</strong>r-se-á no tempo e no espaço, num processo vivo <strong>de</strong> complexificação, no<br />

qual surgem uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> volumetrias originárias do primeiro objecto e das suas<br />

várias superfícies ocultas, que se assemelham a elementos arquitectónicos como portas,<br />

janelas, pare<strong>de</strong>s e passagens. A activação <strong>de</strong>stes elementos é realizada através da dança,<br />

numa coreografia especialmente concebida por Aldara Bizarro para a exploração dirigida a<br />

crianças. Os corpos dos bailarinos transformam a obra num dispositivo impermanente e<br />

imprevisível aos olhos do espectador; ao serem activados os vários dispositivos, o espaço é<br />

alterado inúmeras vezes e é-lhe assim retirada toda a soli<strong>de</strong>z inicial; a Caixa per<strong>de</strong> a sua<br />

materialida<strong>de</strong>, o vazio dá agora azo à “criação <strong>de</strong> múltiplas espacializações que afectam<br />

[surpreen<strong>de</strong>m] o seu observador <strong>de</strong> um modo ainda não percepcionado” 70 .<br />

A performance <strong>de</strong> corpos que trespassam a obra, que levantam, empurram ou abrem as várias<br />

superfícies, numa coreografia geométrica reveladora do espaço no tempo <strong>de</strong> acção (no que<br />

Delfim Sardo intitula <strong>de</strong> “jogo exploratório”) 71 e, ao mesmo tempo, que introduzem a noção <strong>de</strong><br />

escala do objecto, introduzem-no também como objecto cénico que, ao ser habitado, encontra<br />

a metáfora do espaço real, convertendo-se numa estrutura transversal.<br />

Em entrevista, Fernanda Fragateiro explica também o carácter social e político presente na<br />

obra afirmando que: “O título da peça refere-se à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> habitar um vazio, que é um<br />

lugar “<strong>de</strong>sabitado pelo corpo”. Realmente interessa-me muito a produção <strong>de</strong> espaço e a<br />

discussão <strong>de</strong> questões com ele relacionadas, <strong>de</strong> uma forma poética, mas também política,<br />

social, económica, implicando, nessa compreensão/discussão as pequenas comunida<strong>de</strong>s,<br />

especialmente as crianças que (com) viveram (com) a peça. Neste projecto quis abarcar todos<br />

os sentidos e usar múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensão das várias camadas que<br />

constroem uma <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong> espacial, uma vez que é importante perceber as<br />

potencialida<strong>de</strong>s do espaço <strong>de</strong>, por exemplo, uma folha <strong>de</strong> papel que temos à nossa frente, do<br />

espaço do nosso quarto, da nossa casa ou da nossa sala <strong>de</strong> aula ou <strong>de</strong> trabalho, para<br />

po<strong>de</strong>rmos perceber o espaço da nossa cida<strong>de</strong> e do nosso mundo, <strong>de</strong> forma a intervir nele<br />

livremente” 72<br />

A importância <strong>de</strong>sta obra resi<strong>de</strong> na forma como estabelece um diálogo com o corpo, como se<br />

abre ao público possibilitando uma transição fluida entre sujeito espectador e utilizador, na<br />

forma como o seu sentido é regulado através da interacção com quem o experiencia, e<br />

69<br />

Claudia Taborda – op.cit., p.12.<br />

70<br />

I<strong>de</strong>m, p. 12.<br />

71<br />

Delfim Sardo – p. 37<br />

72<br />

Helena Vasconcelos – op. cit., p.90<br />

32


finalmente, na forma como o espaço é trabalhado e se torna cenário para uma experiencia<br />

social. Tal como é indicado pela artista, o espaço é o vazio habitado pela presença humana, e<br />

como tal, acarreta as consequentes questões <strong>de</strong> relação e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, intrínsecas à nossa<br />

presença no mundo e à forma como nos relacionamos em socieda<strong>de</strong>, com a cida<strong>de</strong> e com o<br />

espaço urbano que nos envolve diariamente.<br />

Fig. 51. Maqueta à escala 1:10, 2005.<br />

Fig. 52. Intervenção coreográfica dirigida por Aldara Bizarro, 2005.<br />

Fig. 53. Fernanda Fragateiro – ‘Caixa para Guardar o Vazio’, 2005, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães.<br />

33


III<br />

VERTENTE SOCIAL DA ESPACIALIDADE


3.1. QUANDO A <strong>ARTE</strong> SAI À RUA.<br />

“Muito mais condicionante do que a população, são todas as condicionantes do que é trabalhar<br />

num espaço público. Um projecto <strong>de</strong> arte pública, no fundo, é sempre um projecto <strong>de</strong><br />

negociação com muitas partes, até com o próprio tempo, com o clima.<br />

(…)<br />

Tenho muito essa posição política <strong>de</strong> colaborar para chegar a um porto comum, que seja bom<br />

para as pessoas. Se calhar, não estou tão interessada em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma <strong>de</strong>terminada imagem<br />

para o meu trabalho, ou seja, se a imagem não for tão boa ou tão interessante, mas se<br />

funcionar para as pessoas para mim já é bom, já fico contente. Há um momento, em que é<br />

preciso <strong>de</strong>cidir se queremos criar uma <strong>de</strong>terminada imagem, que tenha um efeito nos media e<br />

na aceitação da crítica, ou se queremos fazer uma coisa que, se calhar, po<strong>de</strong> não ser tão<br />

radical ou tão experimental mas que trabalha e traz qualquer coisa <strong>de</strong> bom para a comunida<strong>de</strong>.<br />

Esta é uma <strong>de</strong>cisão que um artista po<strong>de</strong> tomar, e acho que ambas as posturas são válidas e<br />

interessantes. Eu tenho a que me dá, se calhar, mais prazer, que tem mais a ver comigo e que<br />

me faz sentir mais equilibrada. Normalmente não me interessa <strong>de</strong>corar um espaço, ou fazer<br />

uma escultura, o que me interessa é que o meu trabalho possa contribuir para atravessar as<br />

coisas sem ser impositivo.”<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.


3.1. QUANDO A <strong>ARTE</strong> SAI À RUA<br />

“(…) Chris Bur<strong>de</strong>n has remarked: ‘I just make art. Public art is something else, I’m not sure it’s<br />

art. I think it’s about a social agenda’.” 73<br />

Em 1968, o artista francês Daniel Buren, para uma exibição na Salon <strong>de</strong> Mai, no Palais <strong>de</strong><br />

Tokyo, em Paris, contrata dois ‘sandwishmen’ (homens usualmente contratados para carregar<br />

cartazes publicitários na mesma época em Paris) para passearem as suas obras no exterior do<br />

museu. Cinco anos mais tar<strong>de</strong>, o mesmo artista realiza outra obra emblemática, intitulada<br />

‘Within and Beyond the Frame’ (1973), para a John Weber Gallery, em Nova Iorque, na qual<br />

uma série <strong>de</strong> telas com as suas riscas características, transpõem o espaço expositivo e saem<br />

para o exterior atravessando a fachada da galeria até à fachada do edifício localizado do lado<br />

oposto da rua.<br />

Através <strong>de</strong>stas duas obras, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r como o espaço <strong>de</strong> galeria chegou ao seu limite,<br />

como o espaço fechado e neutro do ‘cubo branco’ 74 <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> conseguir conter a arte das<br />

novas tendências artísticas dos anos 70, já tratadas no capítulo anterior.<br />

Na experiência <strong>de</strong> retirar à abstracção mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> Buren, ou mesmo ao Minimalismo <strong>de</strong><br />

Frank Stella, o pano <strong>de</strong> fundo branco do museu e ao inseri-las num contexto urbano, complexo,<br />

rico em referências culturais, históricas, sociais, ou mesmo, numa situação em que o pano <strong>de</strong><br />

fundo, é a própria vida. Estas obras tornam-se “vulneráveis ou mesmo invisíveis” 75 e a sua<br />

valida<strong>de</strong> artística, que pela localização numa instituição artística era automaticamente<br />

garantida, é agora posta em causa.<br />

Fig. 54. Daniel Buren - 'Sandwich Men', Paris, 1968.<br />

73<br />

Jane Ren<strong>de</strong>ll – op. cit., p. 5.<br />

74<br />

Brian O’Doherty – Insi<strong>de</strong> the White Cube: The i<strong>de</strong>ology of the galler space, 4º Ed. (1ª Ed. 1976).<br />

California: University of California Press, 1999.<br />

O conceito <strong>de</strong> “cubo branco” é introduzido por Brian O’Doherty em Insi<strong>de</strong> the White Cube (1976), para<br />

<strong>de</strong>screver os novos espaços museológicos ou expositivos mo<strong>de</strong>rnos, que na sua inocuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>spiam as<br />

obras <strong>de</strong> arte do seu contexto histórico, social e económico, negando à arte a participação na construção<br />

da realida<strong>de</strong>.<br />

75<br />

David Hopkins –op. cit., p.161.<br />

34


Fig. 55. Daniel Buren - 'Peinture-Sculpture', Guggenheim N.Y., 1971.<br />

Fig. 56. Daniel Buren - 'Within and Beyond the Frame', John Weber Gallery, N.Y., 1973.<br />

Em ambas as obras, realça-se o facto <strong>de</strong> que uma arte auto-referencial e fundamentalmente<br />

estética dificilmente sobreviverá no exterior. Reforçando assim, por um lado, o conceito site-<br />

specific e, por outro, o carácter interventivo dos artistas do Construtivismo e da Arte Povera<br />

versus o carácter integracional da arte site-specific.<br />

A importância <strong>de</strong> uma postura interventiva na socieda<strong>de</strong>, por parte dos protagonistas da Arte<br />

Pública é <strong>de</strong>fendida, por exemplo, pelas autoras Rosalyn Deutsche, Luccy Lippard e Miwon<br />

Kwon. Segundo a última autora referida, a arte só fará sentido fora do museu e aceite na esfera<br />

pública, se estiver interligada ao respectivo contexto e se, na sua génese, estiverem respostas<br />

a questões sociais ou urbanas. Kwon explica que ao transitar para o espaço público, “a obra já<br />

não preten<strong>de</strong> ser um substantivo/objecto mas um verbo/processo, provocando a acuida<strong>de</strong>, não<br />

somente física mas critica, do espectador em relação às condições i<strong>de</strong>ológicas da visualização.<br />

(…) a crítica ao confinamento cultural da arte (e dos artistas) pelas instituições, é agora<br />

dominada por práticas que procuram outros enquadramentos e um intenso envolvimento com o<br />

mundo exterior e com o público na sua vivência diária (…).” 76<br />

Com a entrada da arte na esfera pública, os artistas unem-se aos arquitectos no que toca à<br />

exposição total do seu trabalho ao mundo, à crítica dos média ou <strong>de</strong> um público geral, muitas<br />

vezes não preparado para novas experiências artísticas ou arquitectónicas. Ao não aten<strong>de</strong>rem<br />

às características sociais do local, ao não integrarem a comunida<strong>de</strong> na obra ou ao ignorarem<br />

as novas condicionantes do espaço urbano, os artistas vêm-se, por vezes, incompreendidos e<br />

em situações <strong>de</strong> polémica. Dois casos que ilustram exemplarmente estas situações são: a obra<br />

‘House’ (1993) <strong>de</strong> Rachel Whiteread e a obra ‘Tilted Arc’ (1981) <strong>de</strong> Richard Serra. Ambas as<br />

obras, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do seu valor artístico, sucumbem à vonta<strong>de</strong> da população,<br />

<strong>de</strong>monstrando que, no espaço público, a aceitação da obra pela comunida<strong>de</strong> que a acolhe é<br />

crucial à sua sobrevivência.<br />

O primeiro caso <strong>de</strong>monstra que os artistas que actuam no espaço público <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>senvolver<br />

novas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relação com o espectador e que <strong>de</strong>vem estar dispostos a discutir a sua<br />

obra no seio da comunida<strong>de</strong> que a irá receber. A obra <strong>de</strong> Whiteread, ‘House’, visava manter<br />

viva a memória da última casa <strong>de</strong> um bairro Vitoriano do início do séc. XIX, <strong>de</strong>struído no<br />

76 Miwon Kwon – op. cit., p. 24.<br />

35


<strong>de</strong>curso da Segunda Guerra Mundial, através da moldagem em cimento do espaço negativo da<br />

casa. A presença da obra causou reacções díspares, por parte do público e da comunida<strong>de</strong><br />

artística, recebendo, por um lado, o prémio Turner, e por outro, acusações <strong>de</strong>smedidas do<br />

favorecimento da artista em relação à política <strong>de</strong> <strong>de</strong>molições por parte da população <strong>de</strong> Tower<br />

Hamlets. O não entendimento da intenção da obra causou uma enorme polémica que culminou<br />

com a sua <strong>de</strong>molição em 1994. 77<br />

Fig. 57. Rachel Whiteread - Parts 1-4 <strong>de</strong> House Study (Grove Road) 1992.<br />

Fig. 58. Rachel Whiteread - 'House', 1993 (pré intervenção, vista frontal e lateral).<br />

O segundo caso ilustra a obra mais marcante na discussão da arte no espaço público, mas<br />

também a que maior polémica causou até aos dias <strong>de</strong> hoje. A obra ‘Tilted Arc’ <strong>de</strong> Serra<br />

situava-se na Fe<strong>de</strong>ral Plaza, em Nova Iorque e materializava-se num enorme arco em aço<br />

corten, com 36,576m <strong>de</strong> comprimento e 3,6576m <strong>de</strong> altura, que atravessa a praça na sua<br />

diagonal. Ao cortar o atravessamento directo da praça, Serra obriga o espectador a percorrer a<br />

obra minimalista, ganhando assim percepção da sua condição física, corporalida<strong>de</strong> e<br />

espacialida<strong>de</strong> em relação ao espaço e à própria obra. A polémica que envolveu esta peça<br />

surgiu passados apenas dois meses após a sua instalação, através <strong>de</strong> uma petição com cerca<br />

<strong>de</strong> 1300 assinaturas dirigida à GSA 78 pedindo a remoção da obra. A atitu<strong>de</strong> irreverente <strong>de</strong><br />

Serra, ao impedir o atravessamento directo da praça, e a própria escolha do material, foram as<br />

principais causas da revolta pública, que culminou numa audiência em tribunal e que levou à<br />

remoção da peça em 1989. 79<br />

77 James Lingwood – House. London: Phaidon Press/Artangel Trust, 1995. Neste livro encontram-se<br />

vários ensaios, artigos e cartas que apareceram na impressa e que ilustram a polémica que envolveu a<br />

obra.<br />

78 GSA – U.S. General Services Administration: Agência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do Governo Americano, criada em<br />

1949 para a gestão <strong>de</strong> agências fe<strong>de</strong>rais.<br />

79 Harriet F. Senie, Sally Webster – op. cit., p. 23.<br />

36


Richard Serra criara uma obra que, ao assumir não só uma postura crítica <strong>de</strong> subversão da<br />

or<strong>de</strong>m do espaço público, como <strong>de</strong> contraste com a arquitectura envolvente e <strong>de</strong><br />

questionamento dos hábitos comuns da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>safiou o conceito <strong>de</strong> site-specific e<br />

todas as obras realizadas até então, que admitiam uma certa invisibilida<strong>de</strong> no espaço público.<br />

Cerca <strong>de</strong> uma década após a <strong>de</strong>molição da obra, o espaço <strong>de</strong>ixado livre é ocupado por um<br />

projecto <strong>de</strong> Martha Schwartz que surge como a antítese da proposta <strong>de</strong> Serra. Trata-se <strong>de</strong> uma<br />

obra <strong>de</strong> carácter utilitário e lúdico, com um programa funcional <strong>de</strong>finido, que busca uma relação<br />

<strong>de</strong> harmonia com a comunida<strong>de</strong>. Embora altere o ambiente da praça e ofereça um espaço<br />

funcional, nada é questionado ou posto em causa.<br />

Os três casos <strong>de</strong>monstram o fim do artista <strong>de</strong> estúdio, alheio à envolvente física e humana da<br />

sua obra e do impacto que esta po<strong>de</strong> ter no espaço urbano, e dão a enten<strong>de</strong>r as diferentes<br />

posturas que o artista po<strong>de</strong> ter ao intervir no espaço público, assim como o po<strong>de</strong>r do público ou<br />

da comunida<strong>de</strong> em relação à existência da obra <strong>de</strong> arte. Se no primeiro exemplo, a falta <strong>de</strong><br />

preparação ou informação da comunida<strong>de</strong>, criou conflito mesmo quando este não é proposto<br />

pela obra, o segundo, busca exactamente esse conflito e tensão com a comunida<strong>de</strong> através da<br />

imposição <strong>de</strong> um questionamento da experiência quotidiana do espaço e <strong>de</strong> nós próprios, mas<br />

que <strong>de</strong>vido à sua precocida<strong>de</strong> encontra um público ainda indisponível a esse tipo <strong>de</strong><br />

experiência artística. Por fim, encontra-mos uma proposta que busca servir uma carência, uma<br />

harmonia entre o espaço e quem o vive diariamente e que, acima <strong>de</strong> tudo, não procura<br />

qualquer reacção, que não seja lúdica, por parte da comunida<strong>de</strong>.<br />

Fig. 59. Serra - 'Tilted Arc', 1981. Fig. 60. Richard Serra com 'Tilted Arc'. Fig. 61. Poster para fundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da obra <strong>de</strong> Serra, 1988.<br />

Fig. 62. Destruição do 'Tilted Arc', 1989. Fig. 63. Martha Schwartz - Fe<strong>de</strong>ral Plaza, N.Y., 1997.<br />

37


Fig. 64. Projecto da MVVA Landscape Architecture para Jacob Javits Plaza, N.Y., 2009-11.<br />

“As Public Art shifts from large scale objects, to physically or conceptually site specific projects,<br />

to audience-specific concerns (works ma<strong>de</strong> in response to those who occupy a given site), it<br />

moved from an aesthetic function to a <strong>de</strong>sign function, to a social function. Rather than serving<br />

to promote the economic <strong>de</strong>velopment of American cities, as did Public Art in the late 1960, it is<br />

now being viewed as a mean of stabilizing community <strong>de</strong>velopment throughout urban centers.<br />

In the 1990’s the role of public art has shifted from promoting aesthetic quality to contributing to<br />

the quality of life, from enriching lives to saving lives.” 80<br />

Mary Jane Jacob refere uma evolução, um caminho específico que culmina numa<br />

consciencialização e responsabilização dos artistas em relação ao efeito das suas obras, para<br />

a socieda<strong>de</strong> em geral e para a comunida<strong>de</strong> em que se inserem em particular.<br />

Surgem, assim, dois novos paradigmas <strong>de</strong>ntro da Arte Pública: a arte pública <strong>de</strong> função social<br />

e a arte pública <strong>de</strong> carácter utilitário. Estes conceitos, embora frequentemente interligados,<br />

implicam diferentes modos <strong>de</strong> actuar no espaço público, e diferentes formas <strong>de</strong> se<br />

relacionarem com o espectador.<br />

O primeiro paradigma, também <strong>de</strong>signado por Kwon como ‘arte no interesse do público’ (“art-<br />

in-the-public-interest” 81 ), envolve uma aproximação mais forte entre o artista e o público ou a<br />

comunida<strong>de</strong>; nesta forma <strong>de</strong> arte pública, o público não só é parte integrante da obra, mas é<br />

também factor <strong>de</strong>cisivo na sua formulação.<br />

Entre os artistas que, na sua prática, põem em primeiro plano este tipo <strong>de</strong> questões sociais<br />

e/ou politicas, assumindo o papel <strong>de</strong> activistas ou envolvendo-se em colaborações directas<br />

com a comunida<strong>de</strong>, distinguem-se: John Malpe<strong>de</strong>, Daniel Martinez, Hope Sandrow, Guillermo<br />

Gómez-Peña, Tim Rollins + K.O.S., e Peggy Diggs. Este grupo <strong>de</strong> artistas <strong>de</strong>senvolve<br />

trabalhos em que a arte é entendida como um veículo <strong>de</strong> acção comunitária, como um meio<br />

educacional que enriquece a socieda<strong>de</strong>, através da expressão <strong>de</strong> conteúdos específicos,<br />

centrados em comunida<strong>de</strong>s locais. A arte não serve, assim, como meio <strong>de</strong> expressão do artista<br />

mas da comunida<strong>de</strong> na qual actua; não é realizada para um público geral mas para um grupo<br />

específico, com uma agenda pré-<strong>de</strong>finida.<br />

80 Mary Jane Jacob – op.cit., p. 56.<br />

81 Miwon Kwon – op.cit., p. 60.<br />

38


Como exemplo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> aproximação ou intervenção artística na socieda<strong>de</strong>, surge o grupo<br />

K.O.S (Kids of Survival), criado por Tim Rollins 82 , em 1984, e ainda activo actualmente; através<br />

da arte, Rollins estabelece um diálogo interventivo com estudantes problemáticos da Escola<br />

Pública 52 do South Bronx, Nova Iorque. A sua proposta assentava no incentivo da criativida<strong>de</strong><br />

e numa produção artística, activa e <strong>de</strong> forte conexão com a literatura, com o objectivo<br />

especifico <strong>de</strong> formar jovens criativos e capacitá-los para além das suas limitações intelectuais,<br />

sociais e por vezes psicológicas. Mais recentemente, Peggy Diggs realizou ‘Faces’ (2009) para<br />

a Williams College em Massachusets, através da impressão <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> origem racial em<br />

guardanapos distribuídos diariamente na cafetaria e refeitório, a artista tinha como objectivo,<br />

não só chamar a atenção ao tema, mas também incitar a discussão do mesmo, passado o<br />

tempo <strong>de</strong> acção da obra.<br />

Fig. 65. Tim Rollins e o grupo K.O.S., 1987<br />

Fig. 66. Roberto Ramirez do grupo K.O.S a trabalhar na escola I.S. 52 (South Bronx), 1982.<br />

Fig. 67. Tim Rollins + K.O.S. - 'Amerika-For The People of Bathgate', 1988.<br />

Fig. 68. Tim Rollins + K.O.S. - 'Untitled', 1982-83.<br />

Fig. 69. Peggy Diggs - Guardanapos com questões sobre o racismo distribuídos no projecto 'Faces', 2008.<br />

Levando o conceito <strong>de</strong> ‘arte <strong>de</strong> interesse público’ ao extremo e a uma forma <strong>de</strong> arte específica<br />

e concretizada, Suzanne Lacy irá introduzir e catalogar, em 1993, este tipo <strong>de</strong> arte com o termo<br />

“new genre of public art” 83 - explorado na sua obra “Mapping the Terrain” e na apresentação do<br />

programa Culture in Action: New Public Art in Chicago. Suzanne Lacy foca-se num tipo <strong>de</strong> arte<br />

82 “(…) they hated schooI, and they loved art, and I knew dip down in my soul, that if we all got together,<br />

and we ma<strong>de</strong> art together, that not only could we make art but we could make history.” Entrevista a Tim<br />

Rollins e os K.O.S. por ocasião da exposição na galeria Lehmann Maupin, em 2008. Disponível em:<br />

http://www.lehmannmaupin.com/#/artists/tim-rollins-and-kos/<br />

83 Suzanne Lacy – op. cit., p. 19.<br />

39


que ultrapassa a estética, o espaço, a arquitectura, o espectador, o artista e a escala, para se<br />

centrar na socieda<strong>de</strong>, envolvendo-se <strong>de</strong> uma forma mais profunda que nunca com o público.<br />

As obras criadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta nova tendência obe<strong>de</strong>cem ao conceito ‘site-specific’ e<br />

relacionam-se com a arquitectura; no entanto, exploram também a história do local, investigam<br />

as questões ambientais e políticas, tomando sempre em consi<strong>de</strong>ração as características da<br />

comunida<strong>de</strong> que o habita, através <strong>de</strong> uma relação próxima e <strong>de</strong> diálogo com a mesma: “A<br />

inclusão do público interliga teorias da arte com uma população mais vasta; o espaço existente<br />

entre as palavras público e arte, consiste numa relação <strong>de</strong>sconhecida entre o artista e a sua<br />

audiência e é a exploração <strong>de</strong>sse mesmo relacionamento, que se torna agora na obra <strong>de</strong><br />

arte.” 84<br />

Segundo Lacy, o termo “new genre public art” é adoptado para caracterizar arte visual que “(…)<br />

utiliza meios tradicionais e não tradicionais, para comunicar ou interagir com um público amplo<br />

e diversificado acerca <strong>de</strong> temas directamente relacionados com o seu quotidiano”, dando<br />

exemplos <strong>de</strong> questões profundas na socieda<strong>de</strong> contemporânea como “lixo tóxico, racismo, os<br />

sem-abrigo, o envelhecimento, os gangues e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural.” Estes artistas apresentam<br />

uma <strong>de</strong>senvolvida sensibilida<strong>de</strong> em relação à audiência, adoptam estratégias públicas e sociais<br />

premeditadas e por vezes discutidas com o público que irá acolher a obra, e preocupam-se<br />

verda<strong>de</strong>iramente com a eficiência da sua obra a longo prazo 85 .<br />

Marcante para este conceito e directamente relacionado com a obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro<br />

para o programa <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada, realizado em Marvila, em 2001, surge o programa<br />

curado por Suzanne Lacy, em 1993, Culture in Action: New Public Art in Chicago.<br />

O programa, <strong>de</strong> duração <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinco meses, reúne artistas <strong>de</strong> Chicago, a comunida<strong>de</strong><br />

local e a organização na produção <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte pública. Embora similar a outras iniciativas<br />

que visavam expandir os limites <strong>de</strong>ste género <strong>de</strong> arte, explorar a participação do público no<br />

diálogo sobre o local e o significado da arte na sua vivência diária; Culture in Action distingue-<br />

se ao ambicionar também, a eliminação do papel do arquitecto e <strong>de</strong> outros profissionais do<br />

<strong>de</strong>senho da cida<strong>de</strong>, do processo <strong>de</strong> arte pública; trazendo para o centro do diálogo, e como<br />

figura <strong>de</strong> maior autorida<strong>de</strong>, a comunida<strong>de</strong>. 86 Os oito projectos realizados <strong>de</strong>ntro da iniciativa<br />

tiveram como requisito a colaboração directa entre o artista e a população resi<strong>de</strong>nte, não se<br />

exigindo, no entanto, qualquer resultado ou acção artística especifica. As obras variam tanto na<br />

temática social explorada, como na forma artística escolhida para a transmitir, resultam<br />

exemplos que se esten<strong>de</strong>m da escultura, à instalação, ao ví<strong>de</strong>o e à performance. As mais<br />

representativas do conceito <strong>de</strong> “new genre public art” são da autoria dos artistas, Daniel J.<br />

Martinez, Iñigo Manglano-Ovalle e a do grupo Haha.<br />

84<br />

Suzanne Lacy – op. cit., p. 20. Trad. Livre.<br />

85<br />

I<strong>de</strong>m, p. 19. Trad. Livre.<br />

86<br />

Miwon Kwon – op. cit., p. 104.<br />

40


O projecto ‘Consequences of a Gesture’ <strong>de</strong> Daniel J. Martinez, em colaboração com VinZula<br />

Kala e o grupo Los Desfiladores Tres Puntos <strong>de</strong> West Si<strong>de</strong>, visava promover a interacção entre<br />

as diferentes comunida<strong>de</strong>s étnicas. A realização <strong>de</strong>sta proposta contou com cerca <strong>de</strong> 35<br />

organizações comunitárias e mais <strong>de</strong> mil afro-ameriacanos e mexicanos <strong>de</strong> todos os grupos<br />

etários, numa ‘manifestação’ multi-étnica que percorreu os bairros Garfild Park e Harrison Park,<br />

ambos <strong>de</strong> reconhecida rivalida<strong>de</strong> entre grupos hispânicos e afro-americanos. 87<br />

Fig. 70. Colaboração entre Daniel J. Martinez, VinZula Kara e Los Desfiladores Tres Puntos <strong>de</strong> West Si<strong>de</strong> - ‘Consequences of a Gesture’, 1993.<br />

O artista Iñigo Manglano-Ovalle, propõe uma aproximação pessoal e educacional que se<br />

prolongará para além da iniciativa. Denominada <strong>de</strong> ‘Tele-Vecindario’, a instalação <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o<br />

surge da intenção do artista em trabalhar directamente com cerca <strong>de</strong> quinze adolescentes do<br />

bairro predominantemente latino <strong>de</strong> West Si<strong>de</strong> Chicago. Manglano-Ovalle reúne os<br />

adolescentes numa iniciativa intitulada Street-Level Vi<strong>de</strong>o. Na qual, através da realização <strong>de</strong><br />

workshops <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> gravação, produção, exibição e apresentação <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, o artista<br />

providência, a este grupo <strong>de</strong> jovens, as ferramentas necessárias à criação individual e posterior<br />

exibição <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os que representem as suas vidas e que <strong>de</strong>monstrem a posição <strong>de</strong> cada um<br />

em relação a várias questões políticas, sociais e <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> urbana.<br />

‘Flood’ é o nome do projecto do grupo Haha em colaboração com cerca <strong>de</strong> vinte voluntários.<br />

Durante cerca <strong>de</strong> três anos (1992-95), os participantes plantaram uma horta hidropónica <strong>de</strong><br />

ervas terapêuticas utilizadas em doentes com HIV, num espaço no qual se oferecia também<br />

alimentação, activida<strong>de</strong>s educacionais, eventos públicos, informação e terapias alternativas. 88<br />

Este projecto diferencia-se dos anteriores, não só pela sua duração mas também, pela<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas encontradas para o tratamento <strong>de</strong> um tema <strong>de</strong> enorme relevância nos<br />

bairros sociais <strong>de</strong> Chicago.<br />

87<br />

Entrevista a Mary Jane Jacob realizada por John Tucker. Disponível em: http://never-thesame.org/interviews/mary-jane-jacob/<br />

88<br />

Haha – Flood: A Volunteer Network for Active Participation in Healthcare. Disponível em:<br />

http://www.hahahaha.org/projFlood.html<br />

41


Fig. 71. Iñigo Manglano-Ovalle - 'Tele-Vecindario', 1993. Fig. 72. Haha – ‘Flood’, 1992-95.<br />

A arte pública, na sua formulação actual, constitui um dos meios artísticos <strong>de</strong> maior<br />

proliferação a nível mundial, da última década. O que Lacy intitula <strong>de</strong> “new genre public art”<br />

mantém-se, no entanto, uma frágil categoria na esfera da arte pública; embora tenha crescente<br />

reconhecimento e alguns seguidores no final dos anos 90, Lippard afirma que, <strong>de</strong> facto, não<br />

existem ainda muitos projectos realizados, <strong>de</strong>vido essencialmente ao facto <strong>de</strong> que, muitos dos<br />

artistas que ambicionaram fazer a sua pequena parte para mudar o mundo através <strong>de</strong> uma arte<br />

orientada para a problemática social, acabaram por ser dissuadidos pela burocracia que<br />

envolvia este tipo <strong>de</strong> projectos, percebendo assim que a relação requerida entre artista e<br />

comunida<strong>de</strong> é uma tarefa difícil, e em alguns casos, quase impossível <strong>de</strong> concretizar. 89<br />

O segundo paradigma apresentado assenta na substituição da comunida<strong>de</strong> como objecto e<br />

meio <strong>de</strong> actuação, para uma arte que, segundo Kwon, é espaço público, é arquitectura e<br />

<strong>de</strong>sign. As obras <strong>de</strong> carácter utilitário apresentam, assim, através da realização <strong>de</strong> uma função<br />

específica, uma proximida<strong>de</strong> transparente com a arquitectura e são, na sua maioria, realizadas<br />

através <strong>de</strong> colaborações <strong>de</strong> artistas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> projectos arquitectónicos ou urbanísticos. Como<br />

foi exemplificado através da controvérsia causada pela obra ‘Tilted Arc’ <strong>de</strong> Richard Serra e da<br />

solução adoptada para a sua substituição, é possível enten<strong>de</strong>r, que as obras <strong>de</strong> arte pública <strong>de</strong><br />

função utilitária surjam como uma vertente distinta, mas não auto-exclusiva, das intervenções<br />

realizadas no espaço público na década <strong>de</strong> 60. A tensão criada por obras que tinham na sua<br />

base um questionamento sobre o espaço público e um inerente confronto com a socieda<strong>de</strong>, é<br />

substituída por uma arte pública mais pragmática e lúdica, que propõe uma relação, agora <strong>de</strong><br />

harmonia e <strong>de</strong> subserviência com o público que a acolhe.<br />

“The i<strong>de</strong>ology of functional utility, foundational to the mo<strong>de</strong>rnist ethos of architecture and urban<br />

<strong>de</strong>sign, came to overtake the essentialism of formalist beauty, traditionally associated with art;<br />

site-specific public art now nee<strong>de</strong>d to be “useful.”” 90<br />

A arte inclui, nestas situações, uma função específica frequentemente associada ao mobiliário<br />

urbano, ou a estruturas que se afirmam como arquitectura e que está intrinsecamente ligada a<br />

esta nova mentalida<strong>de</strong> por parte dos artistas, uma forma <strong>de</strong> pensar o espaço urbano como<br />

‘local’ <strong>de</strong> encontro humano, como espaço social.<br />

89 Suzanne Lacy – op. cit., p. 124.<br />

90 Miwon Kwon – op. cit., p. 5.<br />

42


3.2. O PARAÍSO É UM LUGAR ONDE NADA NUNCA ACONTECE.


3.2. FERNANDA FRAGATEIRO: O PARAÍSO É UM LUGAR ONDE NADA NUNCA<br />

ACONTECE – LISBOA CAPITAL DO NADA, 2001.<br />

Fernanda Fragateiro insere-se, então, num restrito grupo <strong>de</strong> artistas que conseguiram, <strong>de</strong> certa<br />

forma, concretizar a fundo este ‘novo género <strong>de</strong> arte pública’, <strong>de</strong>fendido por vários<br />

historiadores e críticos <strong>de</strong> arte, ao realizar uma intervenção participada, intitulada ‘O Paraíso é<br />

um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece’, inserida na iniciativa <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada.<br />

“<strong>Lisboa</strong> Capital do Nada procurou contribuir para que o <strong>de</strong>sign, as artes plásticas e disciplinas<br />

afins frequentem lugares que muitas vezes temem pisar. Não é <strong>de</strong> lugares físicos que falamos,<br />

mas <strong>de</strong>ssa instância da criação em que o conhecimento técnico, sentido ético e envolvimento<br />

afectivo se <strong>de</strong>svanecem a favor da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma cidadania activa e participada.” 91<br />

Mário Jorge Caeiro, comissário <strong>de</strong>ste evento cultural, que ocorreu durante o mês <strong>de</strong> Outubro,<br />

em 2001, na Freguesia <strong>de</strong> Marvila, explica que os seus objectivos incluíam – através <strong>de</strong> um<br />

trabalho transdisciplinar entre artistas plásticos, <strong>de</strong>signers, arquitectos paisagistas, arquitectos,<br />

geógrafos, antropólogos, instituições, representantes e moradores da freguesia – alterar a<br />

imagem negativa <strong>de</strong> um território fragmentado, um bairro esquecido, trespassado por vias<br />

rápidas e segmentado por espaços expectantes <strong>de</strong> um uso ou <strong>de</strong> um sentido único, “(…)<br />

valorizar o local, quebrar a marginalização e o isolamento e promover uma nova imagem<br />

urbana.” 92<br />

A arte surge, neste contexto, para construir uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, estabelecer um sentimento<br />

<strong>de</strong> pertença e dar voz àqueles que frequentemente não são ouvidos, através <strong>de</strong> processos<br />

participativos nos quais os habitantes do bairro seriam trazidos “ (…) à discussão dos gran<strong>de</strong>s<br />

e pequenos tópicos <strong>de</strong> trabalho, à apresentação dos seus próprios valores num contexto <strong>de</strong><br />

alguma projecção mediática.” 93<br />

Fernanda Fragateiro <strong>de</strong>senvolve assim, um dos projectos que mais envolveram a população e<br />

que mais se concentrou nas suas necessida<strong>de</strong>s e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, muito para além da<br />

efemerida<strong>de</strong> do evento. ‘O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece’, irá em termos<br />

práticos, pensar e re<strong>de</strong>senhar os espaços adjacentes à Urbanização da ‘Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa’<br />

(projecto da autoria do Arq. Gonçalo Byrne) e a Praça Raúl Lino (no Bairro dos Lóios), através<br />

da incorporação <strong>de</strong> massa vegetal e mobiliário urbano nos espaços inicialmente projectados<br />

para receber pequenos jardins e que se encontravam abandonados e em <strong>de</strong>cadência,<br />

91 Mário Jorge Caeiro – “Capital do Nada: uma introdução”, <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada: Marvila, 2001.<br />

<strong>Lisboa</strong>: Extra]muros[ associação cultural para a cida<strong>de</strong>, 2002, p. 10.<br />

92 I<strong>de</strong>m, p. 11.<br />

93 I<strong>de</strong>m, p. 13.<br />

43


tentando, ao mesmo tempo, revelar as “potencialida<strong>de</strong>s da relação arte-socieda<strong>de</strong>, na qual o<br />

<strong>de</strong>senho urbano participativo é essencial” 94<br />

A sugestão da obra parte da associação Tempo <strong>de</strong> Mudar e o interesse <strong>de</strong> Fernanda<br />

Fragateiro foi imediato. Num primeiro diálogo com os habitantes da urbanização, foram ouvidos<br />

os seus anseios em relação à praça e aos espaços adjacentes, <strong>de</strong> modo a enten<strong>de</strong>r as<br />

características físicas e sociais. Na Câmara Municipal, Fernanda Fragateiro <strong>de</strong>scobriu que já<br />

havia um projecto a <strong>de</strong>correr para o mesmo espaço e explica que “a primeira fase, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

perceber que a Câmara tinha um projecto <strong>de</strong> requalificação, foi tentar perceber, como é que o<br />

meu projecto, que tinha a ver com o plantar daqueles canteiros <strong>de</strong> uma forma muito simples, se<br />

podia articular com o projecto da Câmara” 95 , cujo responsável era o Arq. Paisagista José<br />

Eduardo Luiz, da equipa da Direcção Municipal <strong>de</strong> Ambiente e Espaços Ver<strong>de</strong>s da Câmara<br />

Municipal <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />

Fig. 73. Urbanização 'Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa' e Praça Raúl Lino préviamente à intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro.<br />

A postura da artista em relação a este projecto é explícita na afirmação: “quando a Câmara<br />

soube que eu estava a fazer ali um projecto, o que tentaram foi que eu fizesse uma escultura<br />

no meio da praça, coisa que obviamente me recusei a fazer. O que me interessava, na altura,<br />

era dar à comunida<strong>de</strong> o que eles precisavam e não uma peça <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração, para além <strong>de</strong> que<br />

já havia alguma proximida<strong>de</strong> com a comunida<strong>de</strong> e tinham sido criadas algumas expectativas<br />

em relação ao que íamos fazer ali.” 96 Durante todo o projecto e nas diversas reuniões com a<br />

comunida<strong>de</strong>, com a Câmara e, especialmente, com o morador do bairro (Sr. João) que tinha<br />

ocupado, vedado e plantado <strong>de</strong>nsamente um jardim que era proprieda<strong>de</strong> da autarquia e que a<br />

artista tentava evitar que fosse arrasado, como era previsto no projecto <strong>de</strong> requalificação já<br />

<strong>de</strong>senhado, Fernanda Fragateiro apresenta-se como catalisador <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e como ponte entre<br />

os moradores do bairro e a DMAEV. Nas palavras da própria: “Eu era uma espécie <strong>de</strong> fada que<br />

faz com que as pessoas conversem entre si.” 97<br />

O centro do projecto é a plantação dos canteiros com plantas sazonais oferecidas pela Câmara<br />

e por flores e árvores do jardim do Sr. João, cuja <strong>de</strong>struição se evitava. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Fernanda<br />

94 <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada – “O paraíso é um lugar on<strong>de</strong> nada nunca acontece”, <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada:<br />

Marvila, 2001. <strong>Lisboa</strong>: Extra]muros[ associação cultural para a cida<strong>de</strong>, 2002, p.189<br />

95 Excerto da entrevista realizada pela autora a Fernanda Fragateiro.<br />

96 I<strong>de</strong>m.<br />

97 I<strong>de</strong>m.<br />

44


Fragateiro da participação da comunida<strong>de</strong> no projecto esten<strong>de</strong>u-se para além das reuniões,<br />

tendo conseguido também que o trabalho <strong>de</strong> transplantação e plantação dos vários canteiros<br />

fosse realizado por crianças <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> futebol do bairro, pela Santa Casa da Misericórdia<br />

que apoiava o grupo e por jardineiros da Câmara Municipal, que orientaram todo o processo. A<br />

data escolhida para estas acções foi propositadamente um fim-<strong>de</strong>-semana, para que toda a<br />

comunida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixasse contagiar e criar assim, uma relação com o projecto que garantisse a<br />

sua manutenção a longo prazo.<br />

A reabilitação da praça Raúl Lino, embora em tempo comum com o projecto dos canteiros, não<br />

foi intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro mas sim da Câmara, no entanto, foi acompanhada <strong>de</strong><br />

perto e com o olhar crítico da artista. O realizador Luís Alves <strong>de</strong> Matos registou todo o<br />

processo, não só as reuniões e visitas da artista ao espaço como a obra da praça e posterior<br />

ocupação, durante alguns meses, dando origem ao documentário ‘A Praça’.<br />

Tal como foi referenciado no capítulo anterior, a obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, através da<br />

inclusão do público e da esfera social envolvente, situa-se num espaço intermédio entre os<br />

termos arte e público, no qual a obra <strong>de</strong> arte não se encontra no produto final, mas sim na<br />

relação estabelecida entre artista e audiência, que se consi<strong>de</strong>ra essencial à criação do “Lugar”<br />

e ao processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e sentimento <strong>de</strong> pertença entre o espaço e os seus utilizadores.<br />

Através <strong>de</strong> um diálogo aberto e consistente com a comunida<strong>de</strong>, ao longo <strong>de</strong> todas as fases do<br />

projecto, Fernanda Fragateiro supera as expectativas iniciais em relação ao âmbito da sua<br />

intervenção e restringe-se, como artista plástica, à utilização <strong>de</strong> uma linguagem expressiva e<br />

tantas vezes autocentrada, dando lugar aos <strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> quem no dia-a-dia estabelecerá uma<br />

relação com o espaço e <strong>de</strong> quem a longo prazo o habitará, resultando assim, um projecto que<br />

vai directamente ao encontro das necessida<strong>de</strong>s e carências pessoais em relação a uma praça<br />

“assumida <strong>de</strong>scaradamente como Espaço Público” 98 , e constrói um “Lugar” através <strong>de</strong> gestos<br />

simples, que respeitam o que originalmente foi concebido por Gonçalo Byrne mas que o<br />

elevam em termos <strong>de</strong> significância e o a<strong>de</strong>quam aos hábitos <strong>de</strong> quem o utiliza.<br />

Fig. 74. Reuniões realizadas por Fernanda Fragateiro com os habitantes do Bairro.<br />

98 Excerto da entrevista realizada pela autora a Fernanda Fragateiro.<br />

45


“O meu trabalho é uma proposta que envolve os outros e, como dádiva, o projecto existe se for<br />

recebido. O projecto é o processo, uma espécie <strong>de</strong> caminho, em que o princípio não é o<br />

passado nem o futuro, é o fim.” 99<br />

Fig. 75. Diário gráfico utilizado por Fernanda Fragateiro para o projecto <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada, 2002.<br />

Fig. 76. Praça Raúl Lino pós intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, 2002.<br />

99 Excerto da entrevista realizada pela autora a Fernanda Fragateiro.<br />

46


IV<br />

PARA UMA OBRA DE <strong>ARTE</strong> TOTAL


4.1. A ‘GESAMTKUNSTWERK’ E A COLABORAÇÃO.<br />

“ (…) Havia alguém que dizia, em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, que nós aqui no atelier éramos uns<br />

arquitectos Renascentistas, mas já no séc. XXI, (…). Nessa altura as obras <strong>de</strong>moravam imenso<br />

tempo e o arquitecto, ao trabalhar em obra, tinha uma espécie <strong>de</strong> visão global <strong>de</strong> tudo (…). Na<br />

arquitectura Gótica passa-se o mesmo: arquitectura, estrutura e arte partem <strong>de</strong> uma só visão,<br />

<strong>de</strong> uma só entida<strong>de</strong> que é o arquitecto.<br />

O que eu tento é que, no final, o trabalho <strong>de</strong> todas as pessoas envolvidas, aparente po<strong>de</strong>r ter<br />

sido feito por uma espécie <strong>de</strong> super pessoa, por alguém que reunia todas essas competências,<br />

tal como o arquitecto Renascentista.<br />

(…) É uma espécie <strong>de</strong> convicção minha sobre os projectos <strong>de</strong> arquitectura, que todos os<br />

projectos das várias especialida<strong>de</strong>s têm que ser autonomamente impecáveis e válidos como<br />

um todo, que quem fez o projecto <strong>de</strong> certa especialida<strong>de</strong> tenha orgulho no seu trabalho<br />

individual.<br />

Para mim, é completamente impensável fazer um projecto em que a estrutura, por exemplo,<br />

seja apenas uma coisa que está por trás para servir os interesses da arquitectura, ou que<br />

surjam soluções <strong>de</strong>sconexas realizadas somente para que se chegue a um <strong>de</strong>terminado<br />

resultado formal do espaço arquitectónico. Para mim não faz sentido!”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>.


4.1. A ‘GESAMTKUNSTWERK’ E A COLABORAÇÃO.<br />

Ao caminhar para uma relação colaborativa, é importante o estabelecimento das bases nas<br />

quais a relação entre a arte e a arquitectura assenta e que po<strong>de</strong>m ir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um objectivo<br />

comum, materializado no conceito <strong>de</strong> “obra <strong>de</strong> arte total”, aos vários tipos <strong>de</strong> influência<br />

estabelecidos, ou mesmo, ao posicionamento da arte na perspectiva da arquitectura ao longo<br />

do séc. XX.<br />

Primeiramente, o conceito <strong>de</strong> colaboração entre artistas e arquitectos remete, inevitavelmente,<br />

para uma breve análise do que constitui o objectivo final <strong>de</strong>sta tendência actual <strong>de</strong> reunificação<br />

das artes. A referência a uma “reunificação”, <strong>de</strong>ve-se ao facto <strong>de</strong> que, até ao séc. XVI, arte e<br />

arquitectura eram conceitos indistintos, unificados numa só entida<strong>de</strong> e personificados em<br />

figuras como Miguel Ângelo, Diego Siloé, Sansovino ou Bernini.<br />

A partir do século referido, Giorgio Vasari (1511-1574) e a criação das primeiras Aca<strong>de</strong>mias,<br />

tornam-se peças chave para o entendimento não só da forma como a arquitectura inicia o seu<br />

processo <strong>de</strong> distinção da arte, com a separação entre as belas-artes, ensinadas nas<br />

aca<strong>de</strong>mias, e as artes aplicadas, realizadas por artesãos e geralmente <strong>de</strong>svalorizadas. A<br />

importância <strong>de</strong>sta distinção assenta no facto <strong>de</strong> que a última, irá estabelecer o primeiro ponto<br />

<strong>de</strong> contacto numa evolutiva e complexa relação entre a arte e arquitectura do séc. XX.<br />

Vasari <strong>de</strong>fendia o isolamento do artista e a sua afirmação, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema tipicamente<br />

medieval no qual o trabalho artístico era realizado por inúmeros aprendizes nas<br />

guildas/corporações. Segundo Mark Wigley o “panorama vigente contra o qual os limites<br />

disciplinares foram constituídos e explicitamente <strong>de</strong>stinados a rejeitar, era o do trabalho<br />

colectivo” 100 , no entanto, explica que, tal como Vitrúvio, Vasari não vingou nos seus i<strong>de</strong>ais e<br />

que a “tradição corporativa nunca morreu completamente até ao séc. XVIII, quando as artes já<br />

não eram misturadas. Só nessa altura é que a distinção entre arquitectura, pintura e escultura<br />

era claramente assinalada em cada projecto importante.” 101<br />

De enorme importância também para o entendimento da noção <strong>de</strong> colaboração é o conceito da<br />

“Gesamtkunstwerk”, <strong>de</strong>finido em meados do séc. XIX por Whilhelm Richard Wagner na sua<br />

obra intitulada “Das Kunstwerk <strong>de</strong>r Zukunft” 102 . O compositor propunha, através da sua obra,<br />

uma convergência entre linguagens artísticas que culmina-se na produção <strong>de</strong> um espectáculo<br />

artístico completo ou uma “obra <strong>de</strong> arte total”, semelhante às tragédias Gregas, que<br />

consi<strong>de</strong>rava o mais perfeito exemplo da síntese das artes. Este conceito estará na base <strong>de</strong><br />

alguns dos estilos arquitectónicos mais marcantes da época mo<strong>de</strong>rna e será encarado <strong>de</strong><br />

diferentes formas, por artistas e arquitectos, até à contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

100<br />

Mark Wigley – op. cit., p. 27.<br />

101<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 27-28<br />

102<br />

“Das Kunstwerk <strong>de</strong>r Zukunft” significa “A Obra <strong>de</strong> Arte do Futuro” e a primeira edição data <strong>de</strong> 1849,<br />

(Leipzig, Alemanha).<br />

47


A anterior afirmação <strong>de</strong> Wigley comprova o caminho percorrido para a distinção disciplinar<br />

entre as artes e a arquitectura, no entanto, na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, em Inglaterra,<br />

teóricos e artistas, reunir-se-ão num movimento que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o retorno a essa mesma tradição<br />

corporativa e ao que se po<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar como a primeira interpretação arquitectónica/artística<br />

do conceito Wangeriano da “Gesamtkunstwerk”.<br />

Li<strong>de</strong>rado por dois pensadores nacionais, William Morris e John Ruskin, e influenciado pelos<br />

i<strong>de</strong>ais humanistas <strong>de</strong> Augustus W. Pugin, o Arts & Crafts surge como reacção à perda <strong>de</strong><br />

valores na humanida<strong>de</strong>, entendida como consequência directa da era da industrialização e da<br />

produção em massa. A proposta <strong>de</strong> uma reforma social, tem na sua base o retorno ao sistema<br />

medieval, visível tanto na proposta do Gótico como estilo único <strong>de</strong>ntro do eclectismo<br />

arquitectónico que marcava a época, como na proposta <strong>de</strong> retorno às guildas e ao trabalho<br />

colectivo. Artesãos, pintores, escultores, <strong>de</strong>signers e arquitectos trabalhariam juntos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

<strong>de</strong>senho da fachada principal aos mais pequenos pormenores <strong>de</strong>corativos, evitando recorrer a<br />

técnicas industriais ou, como Ruskin <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em The Seven Lamps of Architecture, ao ferro<br />

como material proibido. 103<br />

A “obra <strong>de</strong> arte total” encontra a sua formulação em obras arquitectónicas nas quais o<br />

arquitecto controla, através do <strong>de</strong>senho, todos os elementos do projecto. O conceito i<strong>de</strong>alizado<br />

por Wagner é, nesta primeira transição para a arquitectura, ‘objectificado’. A síntese das artes<br />

concretiza-se apenas no espaço físico comum, on<strong>de</strong> os artesãos e o arquitecto trabalhavam e<br />

superficialmente, num resultado final coerente e coeso, mas no qual, a arte encontra a sua<br />

valida<strong>de</strong> na subjugação à arquitectura. A arte é nesta instância arte aplicada.<br />

Segundo James Stirling, a questão da arte e tecnologia dividiu as bases i<strong>de</strong>ológicas do<br />

Movimento Mo<strong>de</strong>rno e só terá sido resolvida nos movimentos que <strong>de</strong>rivam do<br />

Construtivismo 104 , no entanto, é através <strong>de</strong>ste i<strong>de</strong>al Wagneriano, conjugado com a intenção <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrubar a tradição académica vigente, que irá surgir “uma reacção em ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> grupos<br />

colaborativos que recusavam a distinção entre as artes: Arte Nova, Jugendstil, os<br />

Secessionistas, os Construtivistas, os Futuristas Italianos, o Expressionismo, o De Stijl e a<br />

Bauhaus” 105 .<br />

Quando Mark Wigley caracteriza estes grupos como “colaborativos” será importante referir que<br />

a presente tese <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, que sem distinção não é possível a colaboração e que<br />

será importante averiguar, essencialmente em relação aos últimos dois grupos referidos, se a<br />

classificação dada por Wigley é a<strong>de</strong>quada.<br />

Sobre esta questão, pronunciam-se Alan Colquhoun e Paul Goldberger. Colquhoun inci<strong>de</strong><br />

sobre as afirmações <strong>de</strong> Van <strong>de</strong>r Leck em relação à colaboração entre a pintura mo<strong>de</strong>rna e a<br />

103 Peter Gӧssel, Gabriele Leuthäuser – Arquitectura no Século XX. Alemanha: Taschen, 1996, p, 43-46.<br />

104 Charles Jenks, Karl Kropf – Theories and Manifestoes of Contemporary Architecture, 2ª Ed. England:<br />

Wiley-Aca<strong>de</strong>my, 2006, p, 16.<br />

105 Mark Wigley – op. city., p. 29.<br />

48


arquitectura no movimento De Stijl, e apresenta a seguinte questão: “se é verda<strong>de</strong> que a<br />

pintura e a arquitectura estão a tornar-se cada vez mais indistinguíveis, faz sentido dizer que<br />

<strong>de</strong>veriam entrar em colaboração?” E sugere como resposta que a “colaboração só po<strong>de</strong> existir<br />

entre coisas que são diferentes, como no conceito Wagneriano <strong>de</strong> “Gesamtkunstwerk”” 106 . Por<br />

outro lado, Goldberger 107 toma como base o manifesto <strong>de</strong> Gropius para a Bauhaus <strong>de</strong> Weimar<br />

e questiona também se po<strong>de</strong> existir uma verda<strong>de</strong>ira colaboração quando a arquitectura<br />

assume um papel <strong>de</strong> indiscutível superiorida<strong>de</strong> em relação a todas as outras artes.<br />

No seu manifesto <strong>de</strong> 1919, Walter Gropius começa por afirmar que a função mais nobre da arte<br />

foi, e <strong>de</strong>verá ser novamente, o “embelezamento do edificado” 108 , indicando ainda que só<br />

através da compreensão do edifício como uma composição <strong>de</strong> todas as partes, nas quais cada<br />

arte <strong>de</strong>ve exercer o seu papel, será possível que a arte volte a ser impregnada pelo espírito da<br />

arquitectura, perdido no seu isolamento disciplinar. Se pensarmos agora no termo<br />

‘colaboração’, como uma relação equilibrada e horizontal entre intervenientes que ambicionam<br />

o mesmo fim, em contraste com o conceito <strong>de</strong> que a obra construída <strong>de</strong>verá ser o propósito <strong>de</strong><br />

todas as artes. Enten<strong>de</strong>-se que a proposta <strong>de</strong> Gropius está longe <strong>de</strong> constituir uma relação<br />

equilibrada ou colaborativa e que é, no fundo, mais uma aproximação ao conceito <strong>de</strong> ‘obra <strong>de</strong><br />

arte total’ <strong>de</strong> natureza hierárquica.<br />

O que se sugere também, nos movimentos referidos, é que a intenção <strong>de</strong> colaboração por<br />

vezes per<strong>de</strong>-se na indistinção disciplinar, ou seja, quando arte e arquitectura estabelecem um<br />

diálogo tão intenso e uma influência <strong>de</strong> tal modo recíproca que a pintura toma contornos<br />

arquitectónicos e a arquitectura se torna indistinguível <strong>de</strong> uma versão tridimensional da<br />

anterior, torna-se difícil classificar este tipo <strong>de</strong> resultado como colaboração. Por outro lado,<br />

embora unidas e trabalhando em conjunto, o apelo principal aponta para que culminem no<br />

<strong>de</strong>senho e construção arquitectónica e que o trabalho volte ao sistema medieval das guildas,<br />

indicando que ainda no início do séc. XX o objectivo principal não era o trabalho colaborativo<br />

mas sim cooperativo.<br />

Decorrente dos gran<strong>de</strong>s dogmas do início do século, como “a forma segue a função” <strong>de</strong> Louis<br />

Sullivan, “menos é mais” ou “Deus está nos <strong>de</strong>talhes” <strong>de</strong> Mies van <strong>de</strong>r Rohe ou ainda o<br />

manifesto <strong>de</strong> Adolf Loos <strong>de</strong> 1908, “Ornamento e Crime”, que surgem da rejeição a <strong>de</strong>corações<br />

supérfluas, a arquitectura passa a encontrar a sua vertente artística, na composição cuidada,<br />

rigorosa e matemática dos seus elementos constituintes mais puros. A “obra <strong>de</strong> arte total” é,<br />

agora, e para estes arquitectos, um edifício criado como um todo em torno <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong><br />

106<br />

Alan Colquhoun – Mo<strong>de</strong>rn Architecture. Oxford: Oxford University Press, 2002, p, 112.<br />

107<br />

Paul Goldberger – “Two Different Ends”, Collaboration: Artists & Architects. New York: Whitney Library<br />

of Design, 1981, p. 56-57.<br />

108<br />

“The ultimate aim of all visual arts is the complete building! To embellish buildings was once the noblest<br />

function of the fine arts; they were the indispensable components of great architecture. Today the arts<br />

exist in isolation, from which they can be rescued only through the conscious, cooperative effort of all<br />

craftsmen. Architects, painters, and sculptors must recognize anew and learn to grasp the composite<br />

character of a building both as an entity and in its separate parts. Only then will their work be imbued with<br />

the architectonic spirit which it has lost as “salon art.” Walter Gropius, Abril 1919, Staatliche Bauhaus in<br />

Weimar.<br />

49


eleza racionalista que opera <strong>de</strong>ntro do funcionalismo que marcou as primeiras décadas do<br />

séc. XX. A arquitectura, enamorada com ela própria, ten<strong>de</strong> a tornar-se auto-referente, já que o<br />

Movimento Mo<strong>de</strong>rno, pela sua postura anistórica tomará como base os seus próprios mestres,<br />

Le Corbusier, Mies van <strong>de</strong>r Rohe, Walter Gropius, e as suas obras melhor sucedidas.<br />

A relação entre a arte e a arquitectura inicia, assim, um novo percurso ao encontro da<br />

“Gesamtkunstwerk”, díspar do conceito mo<strong>de</strong>rno, no qual a arte retoma a sua função<br />

“<strong>de</strong>corativa”; embora os arquitectos <strong>de</strong>ste período rejeitassem o ornamento, a arte tinha como<br />

função atenuar ou servir <strong>de</strong> contraponto às formas austeras, à abstracção volumétrica, ou à<br />

geometria pura e silenciosa que tantas vezes caracteriza a arquitectura mo<strong>de</strong>rna. Como<br />

exemplo disso temos a referência do Pavilhão <strong>de</strong> Barcelona (1929), <strong>de</strong> Mies van <strong>de</strong>r Rohe, no<br />

qual a figura feminina da escultura <strong>de</strong> Georg Kolbe, situada num dos pátios interiores, contrasta<br />

fortemente com a linguagem do pavilhão. Goldberger propõe que este tipo <strong>de</strong> situação advém<br />

dos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> Gropius, nos quais a arquitectura é o ponto culminante <strong>de</strong> todas as artes, e que<br />

marcará a forma como os arquitectos das décadas <strong>de</strong> 1940 a 1960, irão olhar para os artistas<br />

da sua geração, explicando que “a maior parte das “colaborações”, até as que melhor<br />

suce<strong>de</strong>ram, foram acima <strong>de</strong> tudo justaposições, foram obras <strong>de</strong> arte colocadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> obras<br />

<strong>de</strong> arquitectura, com o papel principal da escultura, o <strong>de</strong> encher o espaço e o papel principal da<br />

pintura, o <strong>de</strong> distrair o olhar e provi<strong>de</strong>nciar alivio visual.” 109<br />

Fig. 77. Mies van <strong>de</strong>r Rohe - Pavilhão <strong>de</strong> Barcelona, 1929. Fig. 78. Georg Kolbe – ‘Alba’, Pavilhão <strong>de</strong> Barcelona, 1929.<br />

O conceito <strong>de</strong> “gesamtkunstwerk” é distinguido agora pela forma como arte e arquitectura se<br />

complementam, na forma como se tornam essenciais ao entendimento e beleza do todo, no<br />

entanto, segundo o autor, os exemplos que encontramos, até ao final dos anos 60, mostram-se<br />

incapazes ”<strong>de</strong> nos convencer que po<strong>de</strong>m existir em qualquer outro local, a sua presença <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma particular obra <strong>de</strong> arquitectura (<strong>de</strong>veria ser) tão vital para a sua integrida<strong>de</strong> artística<br />

como vital para o significado da obra <strong>de</strong> arquitectura." 110<br />

O final da Segunda Guerra Mundial marcará a crise do Movimento Mo<strong>de</strong>rno e o retorno dos<br />

apelos à união entre artistas e arquitectos. Sigfried Giedion, figura chave no estabelecimento<br />

109 Paul Goldberger – op. cit., p. 56. Trad. Livre<br />

110 I<strong>de</strong>m, p. 57. Trad. Livre<br />

50


dos CIAM 111 , irá <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r acerrimamente uma nova forma <strong>de</strong> arquitectura que permitia que<br />

arquitectos, pintores, escultores e urbanistas voltassem a trabalhar juntos na construção da<br />

cida<strong>de</strong> 112 . Le Corbusier, André Bloc, Fernand Léger, Paul Damaz e Gyorgy Kepes irão, através<br />

<strong>de</strong> projectos e publicações, apoiar este i<strong>de</strong>al, exposto publicamente por Aldo van Eyck e Alice e<br />

Peter Smithson no CIAM VI, 1947, em Bridgwater, e no CIAM IX, 1953, em Aix-en-Provence.<br />

Ao chamar a atenção para a frieza da arquitectura mo<strong>de</strong>rna e para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não<br />

obliterar a sua dimensão emocional, nomeadamente no contexto da reconstrução das gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s europeias do pós-guerra, os arquitectos referidos acreditavam que a arquitectura<br />

<strong>de</strong>veria transcen<strong>de</strong>r a sua materialida<strong>de</strong> e satisfazer, para além da sua função, as<br />

necessida<strong>de</strong>s emocionais do homem mo<strong>de</strong>rno, reclamando que só voltando ao trabalho<br />

conjunto se po<strong>de</strong>ria humanizar a arquitectura do futuro.<br />

Este período será, assim, marcado pela reconquista dos ausentes conceitos <strong>de</strong> expressivida<strong>de</strong><br />

e ‘carácter’ arquitectónicos. Formalizados tanto no manifesto <strong>de</strong> 1944, <strong>de</strong> Sigfried Giedion,<br />

Josep Lluis Sert e Fernand Léger, no qual reclamavam uma “nova monumentalida<strong>de</strong>” que<br />

superasse o puramente funcional; na forma como Giedion insistia no “direito <strong>de</strong> expressão”,<br />

como Léger aclamava o uso da cor como elemento expressivo da cida<strong>de</strong>, ou como Lúcio Costa<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a “expressão” e a “intenção plástica” <strong>de</strong> uma arquitectura realizada com tecnologia<br />

mo<strong>de</strong>rna e ainda como Louis Kahn <strong>de</strong>fine a nova monumentalida<strong>de</strong> na arquitectura como uma<br />

qualida<strong>de</strong> espiritual inerente a uma estrutura intemporal e unitária. Todos estes apelos são<br />

também referidos por Montaner, como a razão pela qual surgem muitos dos programas <strong>de</strong><br />

incentivo à colocação <strong>de</strong> arte na arquitectura, que segundo o mesmo, culminam na “paulatina<br />

instalação <strong>de</strong> esculturas mo<strong>de</strong>rnas nos espaços públicos das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s” 113 .<br />

A busca <strong>de</strong> expressão irá criar um ambiente propício e <strong>de</strong>sejoso da reintegração da arte na<br />

produção arquitectónica. O que Sara Selwood distingue <strong>de</strong>ntro do paradigma da “assimilação<br />

versus integração”, explicando que, na sua fase inicial, os programas que promoviam a<br />

instalação <strong>de</strong> arte pública na cida<strong>de</strong>, tinham como questão central, o conceito <strong>de</strong> “assimilação”,<br />

ou seja, da absorção da arte em relação à arquitectura.<br />

Muito <strong>de</strong>vido a estes apelos, irão surgir inúmeros grupos que adoptarão uma postura<br />

verda<strong>de</strong>iramente colaborativa e que, mais uma vez, irão obliterar as fronteiras entre arte e<br />

arquitectura como: Cobra, SITE, Situacionistas, Group Espace, Liga Nieuw Beel<strong>de</strong>n, o The<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Group, ou The Internacional 114 , a exposição “This is Tomorow”, realizada na<br />

Whitechapel Gallery, em 1956, em colaboração com membros do The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Group,<br />

mostrará o expoente criativo do período anterior. Os 38 participantes convidados foram<br />

111<br />

CIAM – Congressos Internacionais da Arquitectura Mo<strong>de</strong>rna.<br />

112<br />

Jes Fernie – Two Minds: Artists and Architects in Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006,<br />

p. 9.<br />

113<br />

Joseph Maria Montaner – op. cit., p. 85.<br />

114<br />

Tanto os Smithson como van Eyck, ao partilharem uma noção <strong>de</strong> arquitectura mo<strong>de</strong>rna com<br />

fundações bem assentes na arte e consi<strong>de</strong>rando a arquitectura como uma forma <strong>de</strong> arte, irão trabalhar <strong>de</strong><br />

perto com artistas e intelectuais no seio <strong>de</strong> grupos como o Cobra ou o The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

51


divididos em 12 equipas que tentavam reunir, pelo menos, um arquitecto, um <strong>de</strong>signer, um<br />

artista e, se possível, um teórico; a cada grupo era pedido que reunissem as suas perspectivas<br />

individuais e que produzissem uma obra através da implantação <strong>de</strong> uma nova metodologia<br />

colaborativa, que partia do individual ao contrário do trabalho cooperativo a que se assistiu nas<br />

primeiras décadas do séc. XX. 115<br />

Fig. 79. Cartaz da Exposição This is Tomorow, 1956. Fig. 80. This is Tomorow - The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Group.<br />

É <strong>de</strong> referir que esta relação contínua, entre a arte e arquitectura, é possibilitada pelo facto <strong>de</strong><br />

que, no ensino, arte e arquitectura coabitavam nas mesmas instituições, partilhavam o mesmo<br />

espaço físico e observaram-se <strong>de</strong> perto até cerca do final dos anos 50.<br />

Sobre o caso Inglês, por exemplo, o arquitecto Richard MacCormac, é peremptório, ao afirmar<br />

que: “In the 1958 Oxford Conference, it was the RIBA which <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>d to remove the architecture<br />

schools from the art schools, to put them into universities and to make architecture into a<br />

pathetic imitation of science. Of course the scientists didn’t like that with the result that<br />

architecture schools hang uncomfortably in the universities (…) I assume that we all agree that<br />

architecture is an art and that arts should be taught together in the same institution.” 116<br />

Embora radical, MacCormac toca numa situação que se mostra também relevante para Claire<br />

Melhuish. Embora a arquitectura mo<strong>de</strong>rna tenha sido construída sob alçada da relação<br />

histórica entre arte e arquitectura, foi ao mesmo tempo ganhando distância e separando estas<br />

duas áreas, culminado talvez numa ressentida autonomia disciplinar assegurada pela<br />

profissionalização da arquitectura. Segundo a autora, essa mesma autonomia tornou-se num<br />

“mecanismo <strong>de</strong>fensivo <strong>de</strong>senhado para manter as outras disciplinas fora do processo<br />

construtivo, que agora se consolidou com a crescente regulamentação e responsabilização do<br />

arquitecto”, e que terá sido incentivada pelos <strong>de</strong>senvolvimentos tecnológicos e estandardização<br />

<strong>de</strong> sistemas construtivos, que tiveram como consequência a “elevação do ênfase dado à faceta<br />

115 Informação disponível em: http://www.whitechapelgallery.org/exhibitions/this-is-tomorrow#<br />

116 Maggy Toy – “Frontiers: Artists & Architects”, Architectural Design, Vol. 68, Nº 7/8, July-August, 1997,<br />

p.18.<br />

52


científica e técnica, em <strong>de</strong>trimento da faceta artística da arquitectura” 117 , somente recuperada,<br />

na segunda meta<strong>de</strong> do séc. XX, com a critica do mo<strong>de</strong>rnismo e emergência da atitu<strong>de</strong> pós-<br />

mo<strong>de</strong>rna a nível mundial.<br />

A importância <strong>de</strong> um contexto artístico na formação dos arquitectos promove uma maior<br />

abertura e interesse entre ambos e viabiliza, até meados do séc. XX, o que Joseph Maria<br />

Montaner caracteriza <strong>de</strong> uma “intensa sintonia” 118 entre as artes, uma entusiasta contaminação<br />

recíproca e o que se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar uma relação que tem na sua base a influência directa ou<br />

indirecta da arte na arquitectura, que suplanta a atitu<strong>de</strong> colaborativa, referida por Wigley.<br />

Joseph Maria Montaner distingue três níveis <strong>de</strong> manifestação da influência da arte na<br />

arquitectura que nos servirão <strong>de</strong> referência para explicar esta situação 119 .<br />

O autor distingue o primeiro nível como: “influência directa do tipo mimético”, materializada na<br />

forma como a arquitectura utiliza directamente os novos repertórios formais das vanguardas<br />

artísticas, e que se po<strong>de</strong>m observar na relação entre as obras <strong>de</strong> Theo Van Doesburg ou Gerrit<br />

Thomas Rietveld a as obras <strong>de</strong> Piet Mondrian, ou mais especificamente na Casa Schrӧ<strong>de</strong>r<br />

(1920) projectada pelo último arquitecto.<br />

Fig. 81. Gerrit Rietveld - Casa Scho<strong>de</strong>r, 1923-24.<br />

Fig. 82. Theo van Doesburg - Maison d’Artiste, 1923.<br />

Fig. 83. Theo van Doesburg e van Eesteren - Maison Particulière, 1923.<br />

O segundo nível é i<strong>de</strong>ntificado como o “estabelecimento <strong>de</strong> uma relação estrutural e mental”,<br />

na qual a atitu<strong>de</strong> mimética remonta agora, não à forma, mas sim aos processos, métodos e<br />

critérios do movimento artístico. A este nível associa-se também, o conceito <strong>de</strong><br />

‘interdisciplinarida<strong>de</strong> auxiliar’ <strong>de</strong> Heinz Heckhause, 120 no qual uma disciplina emprega métodos<br />

provenientes <strong>de</strong> outra. A Bauhaus, por exemplo, ao reunir artistas e arquitectos num mesmo<br />

sistema <strong>de</strong> ensino e até no mesmo espaço, irá criar um ambiente em que, inevitavelmente<br />

117<br />

I<strong>de</strong>m, p.26<br />

118<br />

Joseph Maria Montaner – op. cit., pp. 150.<br />

119<br />

I<strong>de</strong>m, pp. 149-153.<br />

120<br />

Olga Pombo – “Contribuição para um vocabulário sobre interdisciplinarida<strong>de</strong>”, A Interdisciplinarida<strong>de</strong>:<br />

Reflexão e Experiência. <strong>Lisboa</strong>: ed. Texto, 2ª Edição, 1994, pp. 92-97.<br />

53


haverá uma contaminação inter-disciplinar rica e vantajosa, no que respeita à relação entre as<br />

várias artes e a arquitectura.<br />

Por último, Montaner refere um terceiro nível no qual as novas propostas das artes plásticas<br />

irão estimular a arquitectura a investigar as suas próprias tradições. A este nível associa-se o<br />

modo como a arquitectura mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>vido à conjuntura política e económica na qual a Europa<br />

se encontrava em meados do séc. XX, se apoia nas novas formulações artísticas, para tentar<br />

estabelecer a sua própria linguagem e a sua própria estética.<br />

Enten<strong>de</strong>-se assim que a relação entre arte e arquitectura subjacente a estes movimentos,<br />

embora <strong>de</strong> enorme proximida<strong>de</strong>, não é na sua essência colaborativa já que apela<br />

primeiramente a uma indistinção entre as artes, constituindo fundamentalmente uma relação <strong>de</strong><br />

influência recíproca e interesse mútuo.<br />

Diferentes níveis <strong>de</strong> influência e objectivos comuns apresentam diferentes formas da<br />

arquitectura posicionar a arte no seu campo <strong>de</strong> actuação. A partir da investigação antece<strong>de</strong>nte<br />

é possível i<strong>de</strong>ntificar nos movimentos Arts & Crafts, Art Nouveau e na primeira fase da Art<br />

Déco, no final do séc. XIX e início do séc. XX, uma arte dividida entre arte bela, académica e<br />

distante da arquitectura e uma arte <strong>de</strong>corativa, aplicada, somente válida quando subjugada à<br />

arquitectura no seu campo específico. A relação entre arte e arquitectura segue inicialmente o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> arte subjugada à arquitectura.<br />

Nos movimentos <strong>de</strong> vanguarda que surgem a partir <strong>de</strong> 1920, as revoluções artísticas,<br />

conduzem a uma ascendência da arte sobre a arquitectura, visíveis nos vários níveis <strong>de</strong><br />

influência <strong>de</strong>scritos anteriormente e concretizada na forma como a arquitectura, ao interpretar<br />

os movimentos artísticos se torna, por vezes, ela própria arte. Este mo<strong>de</strong>lo é visível, até ao<br />

final da década <strong>de</strong> 50 e clarificado com o exemplo da Catedral <strong>de</strong> Notre Dame du Haut, em<br />

Ronchamp, <strong>de</strong> 1954, do arquitecto Le Corbusier, on<strong>de</strong> a arquitectura assume totalmente a suas<br />

possibilida<strong>de</strong>s plásticas e esculturais.<br />

Fig. 84. Le Corbusier – Catedral <strong>de</strong> Notre Dame du Haut, Ronchamp, França, 1954 (fachadas Sul-Este e Norte e interior).<br />

Na década <strong>de</strong> 1960 e com a saída da arte do museu para o espaço público, arte e arquitectura<br />

partilham agora, não só o mesmo espaço <strong>de</strong> actuação mas também os mesmos valores. Dá-se<br />

início à consciencialização <strong>de</strong> que nesta nova situação <strong>de</strong> coabitação, ambas <strong>de</strong>vem interagir<br />

54


<strong>de</strong> forma renovada, não hierárquica e i<strong>de</strong>almente até, colaborativa. Neste contexto surgem<br />

duas formas distintas <strong>de</strong> posicionar a arte na arquitectura, que comprovarão uma tendência<br />

cíclica na temática do lugar da arte na arquitectura.<br />

Por um lado, o ressurgimento da Art Déco, incentivado pelo lançamento do livro <strong>de</strong> Belvis<br />

Hiller, “Art Deco of the 20s and 30s” 121 em 1968 e pela exposição “Art Deco”, 122 realizada em<br />

1971 no Minneapolis Institute of Arts, e comissariada pelo mesmo, reavivam o i<strong>de</strong>al das artes<br />

aplicadas do início do século. A arte volta a ter um carácter <strong>de</strong>corativo e a encontrar o seu<br />

lugar ao serviço da arquitectura. Este posicionamento é visível, não só <strong>de</strong>ntro do estilo referido,<br />

mas também, nalgumas obras <strong>de</strong> Josep Lluis Sert e <strong>de</strong> Alison e Peter Smithson e na<br />

arquitectura mo<strong>de</strong>rna nacional, <strong>de</strong> Nuno Portas ou <strong>de</strong> Nuno Teotónio Pereira. Por outro lado,<br />

com a “morte da arquitectura mo<strong>de</strong>rna” 123 e a consequente ânsia na busca <strong>de</strong> novos<br />

significados e valores para a arquitectura, emerge um fenómeno que ditará um novo lugar para<br />

a arte e que Montaner i<strong>de</strong>ntifica como “a hostilida<strong>de</strong> com o público” 124 . A arte é nesta instância<br />

um veículo fundamental <strong>de</strong> comunicação para a integração da socieda<strong>de</strong>, é “introduzida no<br />

edifício mo<strong>de</strong>rno para impressionar os nossos sentidos, actuando no nível das aparências” 125 ,<br />

ou seja, neste mo<strong>de</strong>lo, os artistas colaboram num espaço mais ou menos <strong>de</strong>finido e com uma<br />

função específica, na qual o valor da obra <strong>de</strong> arte é superficial e serve como complemento ao<br />

simbolismo da própria arquitectura. A este mo<strong>de</strong>lo pós-mo<strong>de</strong>rno, correspon<strong>de</strong>m, por exemplo,<br />

Robert Venturi, Aldo Rossi e Charles Moore.<br />

A partir do final dos anos 70, surge o mo<strong>de</strong>lo do arquitecto-artista. Relembrando o mo<strong>de</strong>lo<br />

Renascentista interpretado agora sob o espectro da era da informação, <strong>de</strong> um conjunto<br />

imensurável <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> materiais, técnicas, <strong>de</strong> novas tecnologias e <strong>de</strong> uma<br />

maior abertura a novas propostas que, segundo Hans Hollein em “Alles ist Architektur” 126 , <strong>de</strong><br />

1968, po<strong>de</strong>m ser físicas ou imateriais. Segundo o autor: “Today everything becomes<br />

architecture. “Architecture” is just one of many means, is just one possibility.” 127 O arquitecto<br />

volta, assim, tal como nas vanguardas da década <strong>de</strong> 20, a renunciar o valor da arte perante a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, ele próprio, ser arquitecto e artista. Peter Zumthor, Frank Gehry, Zaha Hadid,<br />

a dupla Diller Scofidio e Kazuyo Sejima com Ryue Nishizawa, pertencem a um leque <strong>de</strong><br />

arquitectos, que nos anos 70 e 80, emergem neste contexto <strong>de</strong> ilimitadas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

expressão e <strong>de</strong> um ‘star-system’ que exalta a sua atitu<strong>de</strong> criativa e inovadora.<br />

121<br />

Bevis Hiller – Art Deco of the 20s and 30s. Londres: Studio Vista, 1968.<br />

122<br />

Bevis Hiller, Minneapolis Institute of Arts - Art Deco : an exhibition organized by the Minneapolis<br />

Institute of Arts, July 8 - Sept 5, 1971 (catálogo da exposição). Minneapolis: The Minneapolis Institute of<br />

Arts, 1971.<br />

123<br />

Charles Jencks propõe como data exacta da certidão <strong>de</strong> óbito que ele próprio passa ao mo<strong>de</strong>rnismo<br />

arquitectónico, o dia 15 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1972, às 15:32h, hora e data correspon<strong>de</strong>ntes à <strong>de</strong>molição do<br />

complexo <strong>de</strong> Pruitt-Igoe, em St. Louis, Missouri do arquitecto Minoru Yamasaki.<br />

Charles Jencks - The Language of Post-Mo<strong>de</strong>rn Architecture. New York: Rizzoli, 1977, p.23.<br />

124<br />

Josep Maria Montaner – op. cit., p.138.<br />

125<br />

I<strong>de</strong>m, p.139.<br />

126<br />

Hans Hollein – “Alles ist Architektur”. Zeitschriftfür Architektur und Städtebau. Bau, Nº 1/2, 1968.<br />

127<br />

Joan Ockman – “Everything is architecture”. Architecture Culture 1943-1968: A Documentary<br />

Anthology. New York: Rizzoli, 1993, p. 459.<br />

55


Embora todos estes mo<strong>de</strong>los pressuponham uma relação entre a arte e a arquitectura, e<br />

alguns até contenham pressupostos colaborativos, o que se preten<strong>de</strong> explicar através dos<br />

exemplos que se seguem, é que a colaboração entre a arte e a arquitectura <strong>de</strong>ve transcen<strong>de</strong>r,<br />

num extremo, a arte aplicada à arquitectura e, noutro extremo, o mo<strong>de</strong>lo do arquitecto-artista.<br />

O mo<strong>de</strong>lo colaborativo pressupõe, assim, uma relação em que nenhuma das disciplinas <strong>de</strong>fine<br />

inicialmente o lugar da outra, segundo um processo <strong>de</strong> transformação não regrado e no qual<br />

artistas e arquitectos tomam posições não hierárquicas mas sim igualitárias, possibilitando uma<br />

afectação bilateral ao nível do processo criativo, do <strong>de</strong>senho e no limite, do construtivo.<br />

O primeiro exemplo é da autoria <strong>de</strong> Frank Gehry que, ao longo da sua carreira, colaborou<br />

intensamente com artistas (principalmente Claes Ol<strong>de</strong>nburg e Coosje van Bruggen, mas<br />

também Ron Davis, Richard Serra e Lucinda Childs-John Adams), no entanto, é na sua<br />

proposta para o Camp Good Times (1984-1985), um campo direccionado para crianças com<br />

cancro em Santa Mónica, Califórnia, que surge uma das colaborações mais marcantes.<br />

A colaboração parte do arquitecto ao propor, como requisito essencial à aceitação do projecto,<br />

a contratação <strong>de</strong> Claes Ol<strong>de</strong>nburg e da sua mulher Coojse van Bruggen, mostrando, logo à<br />

partida, uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboração aberta e inovadora com os artistas. A postura da dupla <strong>de</strong><br />

artistas é, pela <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Coojse, <strong>de</strong> que “tanto Ol<strong>de</strong>nburg como eu tínhamos pleno<br />

conhecimento das nossas limitações; (…) Colocámo-nos nas mãos <strong>de</strong> Frank, confiávamos que<br />

nos apanharia se caíssemos ao dar o salto para a arquitectura”, 128 igualmente aberta e<br />

plenamente confiante na parceria criada. Tanto a postura <strong>de</strong> toda a equipe como o âmbito do<br />

projecto, envolveu todos os intervenientes numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprendida e direccionada para,<br />

“encontrar o melhor resultado possível que po<strong>de</strong>riam oferecer àquelas crianças, <strong>de</strong>ntro das<br />

suas capacida<strong>de</strong>s.” 129 e num processo criativo no qual, segundo Gehry, “The question of<br />

whether the camp would be architecture or art never was asked. We wanted to blur the lines.” 130<br />

A intensa colaboração culminou em formas artísticas ambiciosas e numa comunhão formal e<br />

funcional que dificilmente Gehry e Ol<strong>de</strong>nburg voltariam a alcançar. No entanto, a proposta final<br />

não agradou ao cliente. Consi<strong>de</strong>rada “artisticamente ostensiva” 131 , foi pedido ao arquitecto que<br />

atenuasse o projecto e que o fizesse parecer, segundo Gehry “um campo <strong>de</strong> férias mais<br />

rústico, um campo normal, do género Huckleberry Finn.” Perante esta limitação da sua<br />

criativida<strong>de</strong>, tanto a dupla <strong>de</strong> artistas, como Gehry, recusaram-se a levar o projecto em diante,<br />

acreditando sempre que tanto o processo como o resultado apresentado eram i<strong>de</strong>ais para o<br />

contexto do projecto.<br />

128<br />

Coosje van Bruggen – “Saltos a lo <strong>de</strong>sconocido”. La Arquitectura <strong>de</strong> Frank Gehry. Barcelona: Gustavo<br />

Gili, S.A., 1988, p. 133.<br />

129<br />

I<strong>de</strong>m, p.133.<br />

130<br />

Mildred Friedman – Architecture and Process: Gehry Talks. New York: Universe Publishing, 2002,<br />

p.101.<br />

131<br />

Frank Gehry cit. em Coosje van Bruggen – op. cit., p. 140.<br />

56


Fig. 85. Frank Gehry, Claes Ol<strong>de</strong>nburg e Coojse van Bruggen – Maquete para o projecto Camp Good Times, 1984-1945.<br />

O segundo exemplo, que quebra todos os mo<strong>de</strong>los expostos, é visível na relação <strong>de</strong> longa<br />

data, entre a dupla Herzog & <strong>de</strong> Meuron e o artista Rémy Zaugg. No edifício Roche Pharma 92,<br />

em Basileia (1993-2000), os arquitectos contactam Zaugg para colaborar no projecto <strong>de</strong> forma<br />

tradicional, segundo o artista, ”(…) os arquitectos e o artista tinham optado por uma<br />

colaboração clássica na qual o arquitecto faz a arquitectura e o artista a arte. No entanto, a<br />

solução plástica que foi a nossa escolha durante um <strong>de</strong>terminado tempo e as questões<br />

resultantes sobre vários elementos arquitectónicos obstrutivos, não cabiam no mo<strong>de</strong>lo clássico<br />

<strong>de</strong> colaboração, uma vez que as respectivas funções ten<strong>de</strong>m a associar-se.” 132 O edifício para<br />

a farmacêutica F. Hoffmann-La Roche AG é formalmente composto por um volume horizontal e<br />

um vertical, que se intersectam ao nível da base, e espacialmente organizado através <strong>de</strong> uma<br />

pare<strong>de</strong> que, ao seccionar o volume vertical do edifício, separa as zonas pública e privada e<br />

constitui a área <strong>de</strong>finida, pelos arquitectos, como tela para a intervenção pictórica do artista.<br />

Como foi referido, embora inicialmente <strong>de</strong>limitada, a colaboração <strong>de</strong> Rémy Zaugg acabou por<br />

se esten<strong>de</strong>r da intervenção pictórica ao projecto <strong>de</strong> cor para todo o interior do edifício,<br />

afectando toda a obra.<br />

Fig. 86. Herzog & <strong>de</strong> Meuron – Roche Pharma 92, Basileia, 1993-2000. Fachadas exteriores e esquema da intervenção <strong>de</strong> Rémy Zaugg.<br />

132 Rémy Zaugg - Architecture by Herzog & <strong>de</strong> Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche<br />

Basel. Basel: Birkhäuser, 2001, p. 79.<br />

57


Fig. 87. Rémy Zaugg – Exemplos da intervenção no edifício Roche Pharma 92, <strong>de</strong> Herzog & <strong>de</strong> Meuron, Basileia 1993-2000.<br />

Sobre a intervenção realizada, Rèmy Zaugg afima que: "A intervenção pictórica tem que brotar<br />

da arquitectura. Mais do que isso, o acto artístico e a arquitectura <strong>de</strong>vem dar a impressão <strong>de</strong><br />

ser concebidos simultaneamente e que um é impensável sem o outro. (…) É nesta condição<br />

que a obra do artista é legítima, justificada e com significado. Se o artista for bem sucedido,<br />

parecerá que ele não fez nada, a sua obra terá sido <strong>de</strong>terminada e ditada pela própria<br />

arquitectura. O artista <strong>de</strong>saparecerá atrás da manifesta necessida<strong>de</strong> da obra.” 133<br />

É neste sentido que se pren<strong>de</strong> uma última questão: po<strong>de</strong>rá o trabalho do artista ser validado<br />

como uma colaboração, e não como intervenção ou <strong>de</strong>coração do espaço arquitectónico, se ao<br />

observarmos a obra final ficarmos com a “impressão” <strong>de</strong> indissociação e <strong>de</strong> um trabalho<br />

<strong>de</strong>senvolvido em tempo comum, tal como o referido por Rémy Zaugg? Ou seja, po<strong>de</strong>rá a<br />

colaboração acontecer, não entre artista e arquitecto, mas somente ao nível dos ‘objectos’, ou<br />

seja, entre arte e arquitectura?<br />

133 I<strong>de</strong>m, p. 66.<br />

58


4.2. ESTAÇÃO BIOLÓGICA DO GARDUCHO, 2002-2008.


4.2 FERNANDA FRAGATEIRO: ATRAVÉS DA PAISAGEM, ESTAÇÃO BIOLÓGICA DO<br />

GARDUCHO, MOURÃO, 2002-2008.<br />

Ao analisar a participação <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro no projecto do atelier do Arq. João Maria<br />

Ventura Trinda<strong>de</strong> para a Estação Biológica do Garducho, torna-se mais claro o que se<br />

preten<strong>de</strong> com uma dinâmica colaborativa entre artista e arquitecto ao longo <strong>de</strong> um projecto e<br />

como se po<strong>de</strong> atingir uma obra coerente, completa, uma “obra <strong>de</strong> arte total” que surge do<br />

conceito <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>, proposto por Gol<strong>de</strong>berger.<br />

Através da sua intervenção, Fernanda Fragateiro engloba eficazmente o edificado, a sua<br />

temática, função e <strong>de</strong>senho, a paisagem que o ro<strong>de</strong>ia, a natureza e o pensamento científico<br />

mas também espiritual, numa obra que é inquestionavelmente arquitectónica e que ao mesmo<br />

tempo tenta transcen<strong>de</strong>r esta mesma <strong>de</strong>finição.<br />

Contexto físico da intervenção:<br />

No centro da triangulação composta pelas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Moura, Mourão e Barrancos, mais<br />

especificamente em Amareleja (Mourão), na estrada que atravessa a fronteira portuguesa em<br />

direcção a Valencia <strong>de</strong>l Mombuey, e a cerca <strong>de</strong> 2km da fronteira com Espanha, encontrava-se,<br />

ao lado do marco geodésico das Mentiras, um antigo posto fiscal fronteiriço, adquirido em 1997<br />

pelo Centro <strong>de</strong> Estudos da Avifauno Ibérica (CEAI).<br />

A escolha <strong>de</strong>ste local remoto pelo CEAI advém da sua posição estratégica e dominante, em<br />

cota elevada da topografia alentejana, permitindo avistar a extensa área classificada pela Re<strong>de</strong><br />

Natura 2000 como Zona <strong>de</strong> Protecção Especial (ZPE) para Aves <strong>de</strong> Moura/Mourão/Barrancos,<br />

<strong>de</strong>vido aos seus diversos valores ecológicos e à presença <strong>de</strong> espécies ameaçadas, como a<br />

Águia-imperial ibérica, o Grou-comum, a Águia <strong>de</strong> Bonnelli, a Abetarda, o Sisão e o Cortiçol-<strong>de</strong>-<br />

barriga-preta 134 , foi ainda neste lugar que se encontrou o ultimo indício do lince ibérico. O Posto<br />

da Guarda Fiscal, já há muito abandonado <strong>de</strong>vido ao fim das fronteiras terrestres, era<br />

composto por três edificações, à primeira vista <strong>de</strong>slocadas num local remoto, numa paisagem<br />

rural <strong>de</strong> enorme beleza e <strong>de</strong> extensão aparentemente sem fim.<br />

O projecto:<br />

A Estação Biológica do Garducho, criada pelo CEAI para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

salvaguarda dos valores naturais da ZPE da região interior do Alentejo Central, tinha como<br />

objectivos específicos: o fomento da sensibilida<strong>de</strong> civil para a importância da biodiversida<strong>de</strong>, a<br />

difusão do conhecimento científico sobre as espécies e habitats da região, a promoção do<br />

turismo da natureza, o estímulo do conhecimento científico sobre a importância nacional e<br />

134 Instituto da Conservação da Natureza (ICN) – Plano Sectorial da Re<strong>de</strong> Natura 2000: Sítios da Lista<br />

Nacional (Sítio: Moura/Barrancos), Janeiro 2006. Disponível em: http://www.drapal.minagricultura.pt/valor_ambiental/REDE_NATURA/PTCON_0053_MOURA_BARRANCOS.pdf<br />

59


comunitária dos valores naturais, a difusão do uso <strong>de</strong> materiais e tecnologias ambientais<br />

sustentáveis, a contribuição para o <strong>de</strong>senvolvimento socioeconómico da região, incentivar o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> parcerias institucionais <strong>de</strong> âmbito regional, nacional e internacional e ainda<br />

facultar oportunida<strong>de</strong>s a jovens investigadores, através <strong>de</strong> estágios e <strong>de</strong> trabalhos académicos<br />

inseridos em projectos da EBG. 135<br />

A intervenção procurou, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stas premissas, organizar o programa funcional utilizando a<br />

área <strong>de</strong> implantação das três edificações já existentes e fazendo correspon<strong>de</strong>r a cada uma, um<br />

dos núcleos funcionais <strong>de</strong>finidos: alojamento, área pública e zona <strong>de</strong> trabalho, alcançando,<br />

assim, a maximização da área <strong>de</strong> construção solicitada, com a menor afectação do solo<br />

possível.<br />

Fig. 88. Desenhos do arquitecto e trabalho <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro proposto em maquete.<br />

Limitando a área <strong>de</strong> implantação, estes elementos funcionam como apoio a uma segunda<br />

estrutura, um rectângulo <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s periféricas <strong>de</strong> 55x 27,5 metros, que envolve e reúne em si,<br />

as anteriores e respectivos pátios anexos. Sobre estes elementos base e pairando sobre o<br />

terreno, a construção suspensa permite preservar o solo intacto e permeável mas também que<br />

a arquitectura se envolva <strong>de</strong> uma forma única com a sua envolvente, <strong>de</strong>ixando que a própria<br />

topografia do terreno crie uma série <strong>de</strong> pátios com diferentes níveis <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong> e acesso.<br />

A entrada na estação surge <strong>de</strong> uma forma natural, quando o terreno atinge a sua distância<br />

máxima da massa edificada exterior que paira <strong>de</strong> nível a uma altura <strong>de</strong> 2,4 metros, no limite<br />

oeste, possibilitando a passagem para o interior <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> pátio exterior central em redor<br />

do qual gravitam os diversos edifícios, espaços exteriores e percursos da estação; no limite<br />

oposto o terreno atinge uma cota superior tornando os espaços adjacentes ao edifício<br />

residência, mais privados e parcialmente inacessíveis pelo exterior. Este forte contacto com a<br />

envolvente é controlado <strong>de</strong> forma precisa ao longo dos vários espaços, <strong>de</strong> modo a permitir o<br />

enquadramento <strong>de</strong> vistas amplas sobre a paisagem horizontal ao nível térreo e no piso elevado<br />

através da escassez <strong>de</strong> aberturas, preten<strong>de</strong>-se concentrar a atenção do visitante em elementos<br />

arquitectónicos ou expositivos.<br />

135 Informação disponível em: http://www.ceai.pt/ebg/#ebg_enquadramento/objectivos<br />

60


No limite nascente, emerge o primeiro núcleo funcional, no qual se localiza uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alojamento para três investigadores com pátio privado. O corpo maior alberga, no piso térreo, o<br />

espaço <strong>de</strong> recepção e loja, uma sala <strong>de</strong> conferências a poente e um amplo espaço coberto<br />

para activida<strong>de</strong>s didácticas ao ar livre, com acesso na extremida<strong>de</strong> oposta a um piso superior<br />

on<strong>de</strong> se situam os arquivos e o espaço expositivo. No limite poente localiza-se a residência<br />

para os investigadores e a zona <strong>de</strong> trabalho técnico. A cobertura <strong>de</strong>ste núcleo é ocupada<br />

somente por um jardim <strong>de</strong> plantas autóctones; a restante área <strong>de</strong>ste corpo funciona como<br />

gran<strong>de</strong> pátio com vista para a extensa paisagem, com excepção da extremida<strong>de</strong> nascente,<br />

on<strong>de</strong> se localizam os acessos ao piso superior e a cisterna para recolha <strong>de</strong> águas pluviais.<br />

O projecto adquiriu um estatuto único em Portugal, pelo seu carácter inovador, em termos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senho arquitectónico, tecnologia construtiva utilizada e soluções sustentáveis tanto na<br />

construção como na posterior autonomia do edificado. Segundo a CEAI, “existe outra estação<br />

biológica em Grândola e estruturas <strong>de</strong> investigação em biologia e ecologia, mas esta é<br />

inovadora. Vai para além do conceito tradicional.” 136<br />

Por todas as razões referidas, o projecto do atelier do Arq. João Maria Trinda<strong>de</strong>, foi distinguido<br />

em 2009 com o Prémio FAD (Foment <strong>de</strong> les Arts i el Disseny), na ata da reunião do júri para a<br />

entrega da 51ª edição dos Prémios, po<strong>de</strong> ler-se:<br />

“O júri valoriza a arquitectura capaz <strong>de</strong> gerar lugares e emoções no meio <strong>de</strong> uma paisagem<br />

sem fim. Aprecia a forma como eleva a sua potente massa, <strong>de</strong>ixando passar sob a sua sombra<br />

o território e a vida da fauna. Assim pois o júri entrega o Prémio FAD (Foment <strong>de</strong> les Arts i el<br />

Disseny) <strong>de</strong> Arquitectura à ESTAÇÃO BIOLÓGICA DO GARDUCHO, EM MOURA, PORTUGAL obra<br />

<strong>de</strong> João Maria Trinda<strong>de</strong>.” 137<br />

Fig. 89. Vista geral da Estação Biológica do Garducho, Mourão, 2002-2008.<br />

136 Afirmações <strong>de</strong> Carla Janeiro do CEAI feitas à Agência Lusa e publicadas no jornal Expresso online, 19<br />

<strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2010, disponível em: http://aeiou.expresso.pt/ambiente-alentejo-acolhe-estacao-biologicado-garducho-inovadora-em-portugal=f610214#ixzz1bnHAyJmY<br />

137 Arquin FAD – Ata da reunião do júri da 51 edição dos Prémios FAD <strong>de</strong> Arquitectura e Design 2009,<br />

Barcelona, 2009. Disponível em: http://arquinfad.org/arquinfad_web/press/2009/acta_dos_idiomes.pdf<br />

61


Fig. 90. Imagens do exterior e interior da Estação Biológica do Garducho, Mourão, 2002-2008.<br />

A colaboração <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro:<br />

A relação existente entre o Arq. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> e a artista é, como já se <strong>de</strong>u a<br />

enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> constante convivência, <strong>de</strong>vido à proximida<strong>de</strong> física entre o<br />

atelier do arquitecto e o da artista. A relação <strong>de</strong> confiança e <strong>de</strong> admiração que têm um pelo<br />

outro é i<strong>de</strong>ntificada por ambos como fulcral para o tipo <strong>de</strong> trabalho que têm <strong>de</strong>senvolvido,<br />

assim como uma noção firme dos limites <strong>de</strong> cada um, segundo o arquitecto:<br />

“Eventualmente, a maneira <strong>de</strong> funcionar com a Fernanda e o facto <strong>de</strong> ser muito simples, muito<br />

produtivo e também muito vantajoso trabalhar com ela, é que nós temos muito claro, os dois,<br />

quais são os nossos domínios; não quer dizer que eles não se cruzem e misturem mas, para<br />

mim, sempre foi muito claro que eu queria fazer arquitectura.” 138<br />

A intervenção da artista, neste edifício, aconteceu <strong>de</strong> acordo com a relação existente, ou seja,<br />

<strong>de</strong> forma natural e casuística, diferente mais uma vez, do que é normal nas colaborações entre<br />

artistas e arquitectos, já que é Fernanda Fragateiro, numa visita <strong>de</strong>sinteressada à obra, que se<br />

138 Excerto da entrevista realizada pela autora ao Arq. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>.<br />

62


<strong>de</strong>ixa fascinar pelo trabalho já em curso do arquitecto e propõem a realização <strong>de</strong> uma<br />

intervenção artística. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> explica que a partir daí o trabalho aconteceu<br />

separadamente, a obra continuou enquanto a artista <strong>de</strong>senvolveu a sua proposta: “Eu nunca<br />

soube o que ela ia fazer, a obra continuava, ela estava muito entusiasmada, <strong>de</strong> vez em quando<br />

pedia-me para ir ao atelier <strong>de</strong>la e eu percebia que ela andava a fazer umas experiências sobre<br />

a maquete, as pessoas que iam passando pelo atelier da Fernanda também se iam<br />

pronunciando sobre aquilo e <strong>de</strong>pois, a dada altura ela apareceu com uma proposta que é<br />

basicamente aquilo que lá está.” 139<br />

Ao intervir neste objecto arquitectónico, Fernanda Fragateiro não altera a sua arquitectura, não<br />

rompe a continuida<strong>de</strong> cromática e táctil, nem se afasta da temática e função que domina o<br />

objecto. A forma escolhida pela artista para a sua intervenção é simples e parte <strong>de</strong> um<br />

entendimento profundo e sensível da forma como a sua arte têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elevar o<br />

espaço, provi<strong>de</strong>nciando-lhe uma ‘alma’ e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o objecto arquitectónico<br />

estabelecer uma relação e um permanente diálogo com quem o observa, utiliza e sente.<br />

Neste caso, Fernanda Fragateiro insere por todo o espaço, fragmentos <strong>de</strong> textos da obra<br />

Breves Notas Sobre a Ciência, do escritor Gonçalo M. Tavares 140 e <strong>de</strong> autores como: Maria<br />

Gabriela Llansol, W.J.T. Mitchell, Juhanni Pallasma, Bernardo Soares, Walter Benjamin,<br />

Buckminster Fuller, W.G. Sebald, Robert Walser e Henry David Thoreau 141 . Frases em<br />

português e inglês surgem então <strong>de</strong>senhadas nos planos verticais edificados, a escolha <strong>de</strong><br />

uma fonte <strong>de</strong> texto simples, <strong>de</strong> tamanho único e proporcionado pela escala do próprio edifício,<br />

tornam a sua leitura quase obrigatória mas também, simples e convidativa. A configuração das<br />

frases incita não só a sua leitura mas interpretação e reflexão – acções que através da sua<br />

localização e conteúdo são sugeridas pela artista num enquadramento específico e para um<br />

pensamento conjunto, que engloba, o sentido da frase, o espaço que a sustenta, a paisagem, a<br />

natureza e a ciência.<br />

Fig. 91. Imagens <strong>de</strong> algumas das intervenções <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro na Estação Biológica do Garducho.<br />

139 I<strong>de</strong>m.<br />

140 Gonçalo M. Tavares – Breves Notas sobre a Ciência. <strong>Lisboa</strong>: Relógio <strong>de</strong> Água, 2006<br />

141 CEAI – CEAI @ EBG: Ventura Trinda<strong>de</strong> Arquitectos. Matosinhos: DARCO magazine, 2010, p. 101.<br />

63


Quando encontradas em percursos e passagens, questionam a forma como o percorremos, e<br />

põem em questão os elementos arquitectónicos que as acolhem, uma rampa <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um<br />

acesso e passa a ser um caminho que procura uma reflexão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o interior até ao exterior,<br />

uma abertura circular para o exterior, torna-se um ponto <strong>de</strong> fuga para uma pon<strong>de</strong>ração sobre a<br />

relação entre a natureza e o homem, uma cisterna passa a ter uma possibilida<strong>de</strong> infinita <strong>de</strong><br />

significados e simbolismo consoante a interpretação que o observador faz da curta frase “suga<br />

a paisagem.”<br />

Embora o arquitecto subscreva a forma como a obra foi <strong>de</strong>scrita, admite também, que<br />

inicialmente teve dúvidas sobre a intervenção que, lhe pareceu um pouco provocatória e até<br />

um pouco redutora – “Eu confesso que, <strong>de</strong> início o trabalho não me pareceu muito interessante<br />

(…) num certo sentido, a maneira como nós tínhamos <strong>de</strong>senhado o edifício, já procurava<br />

estabelecer uma <strong>de</strong>terminada relação com aquela paisagem, e por isso, quando a Fernanda<br />

propunha escrever frases sobre o edifício, era um pouco como se a arquitectura não<br />

funcionasse e fosse necessário fazer legendas. (…) Era como se fosse preciso vir alguém<br />

explicar o que nós estávamos a tentar explicar através do edifício.” 142 A discussão da forma<br />

como a obra <strong>de</strong> arte se insere no projecto <strong>de</strong> arquitectura, surge, neste caso, posterior à<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ambas, e acaba por envolver, para além da artista e do arquitecto, o escritor<br />

Gonçalo M. Tavares que convenceu João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> da valida<strong>de</strong> da obra e a<br />

forma como reforçava o que se pretendia somente com a arquitectura.<br />

É, no entanto, <strong>de</strong> referir que, nesta obra, embora se possa fazer a ligação com o conceito <strong>de</strong><br />

“obra <strong>de</strong> arte total” contemporânea, tanto a artista como o arquitecto admitem que a<br />

arquitectura prevalece sobre a intervenção artística. Na opinião <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro – “o<br />

meu trabalho, por um lado, é um comentário à arquitectura, e por outro é uma espécie <strong>de</strong><br />

projecto expositivo, uma espécie <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong>ntro do programa da estação, que surge<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e para além da arquitectura.” 143 A opinião do arquitecto, embora semelhante,<br />

propõe que a arte ocupa, neste caso, o lugar proposto no pós-mo<strong>de</strong>rnismo. A intervenção <strong>de</strong><br />

Fernanda Fragateiro é, para Ventura Trinda<strong>de</strong>, um meio <strong>de</strong> comunicação com o público: “A<br />

questão que torna o trabalho da Fernanda (…) tão interessante, é que a arquitectura, num<br />

certo sentido, é uma coisa muda, somente entendível por um conjunto <strong>de</strong> pessoas que são<br />

arquitectos ou que estão próximos disso. Agora é como se o edifício (…) falasse por si próprio,<br />

portanto, nós po<strong>de</strong>mos não ir lá mas as pessoas vão e conseguem compreendê-lo na<br />

totalida<strong>de</strong> das suas intenções, e isso faz muito sentido, principalmente, num edifício que é<br />

público e que tem um teor e até um programa muito didáctico ou educativo.” 144<br />

142 João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> – Entrevista realizada pela autora.<br />

143 Fernanda Fragateiro – Entrevista realizada pela autora.<br />

144 João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> – Entrevista realizada pela autora.<br />

64


V<br />

PERCENT FOR ART


5.1. A ORIGEM DO MODELO E A SUA EVOLUÇÃO.<br />

“O tema das colaborações, pessoalmente interessa-me muito porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu comecei a<br />

trabalhar como arquitecto paisagista, procurei justamente trabalhar em colaboração, e isso foi<br />

um mote, uma intenção que explorei até agora e com resultados bastante próprios, bastante<br />

característicos <strong>de</strong>ssa postura, resultados positivos mas também negativos. Mas essa forma <strong>de</strong><br />

trabalhar, que põe questões <strong>de</strong> fronteira e <strong>de</strong> limite às vezes complexas, outras vezes ajuda a<br />

<strong>de</strong>fini-las e a enten<strong>de</strong>-las, (…) é um tipo <strong>de</strong> produção que só é possível com fundos públicos,<br />

ou com a articulação <strong>de</strong> fundos privados que permitam a produção <strong>de</strong>stas peças.<br />

No caso da Expo’98, não houve um programa governamental mas criou-se um fundo, um<br />

programa que <strong>de</strong> alguma maneira é produzido pelo governo mas num contexto específico,<br />

concreto e limitado no tempo.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. João Gomes da Silva.


5.1. A ORIGEM DO MODELO E A SUA EVOLUÇÃO.<br />

“It should be noted that the movement towards placing art in public places, however mixed the<br />

quality of particular works or of discernment in their placement, has been a force that can only<br />

improve the climate for successful collaborations between artists and architects in general.” 145<br />

O mo<strong>de</strong>lo ‘percent for art’, embora tendo ganho elevada notorieda<strong>de</strong> somente em meados do<br />

séc. XX, remonta ao início do século. A Suíça, por exemplo, nos primeiros anos da década <strong>de</strong><br />

1920, apresentava já uma política <strong>de</strong> incentivo às artes na arquitectura; a Alemanha e a França<br />

também cedo adoptaram este tipo <strong>de</strong> investimento, no <strong>de</strong>correr da década 1930 e, nos EUA,<br />

surge também em 1934, através do U.S. Treasury Department, o mo<strong>de</strong>lo Public Works of Art<br />

Project. A maioria <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los propunha que entre 0,5% a 2% do orçamento das obras<br />

públicas fosse <strong>de</strong>dicado à implementação <strong>de</strong> arte no interior, exterior ou envolvente do<br />

edificado; no entanto, a razão pela qual muitos autores localizam a emergência <strong>de</strong>stes<br />

programas a partir <strong>de</strong> 1960 <strong>de</strong>ve-se apenas ao facto <strong>de</strong>, na sua formulação inicial, estes<br />

mo<strong>de</strong>los sugerem apenas uma prática opcional e não obrigatória, como será o caso da sua<br />

versão mais actual 146 .<br />

O primeiro programa a <strong>de</strong>stacar-se, já em 1959, foi o programa “Aesthetic Ornamentation of<br />

City Structures”, em Filadélfia; apenas quatro anos mais tar<strong>de</strong> (1963), volta a surgir nos<br />

Estados Unidos e através da GSA (U.S. General Services Adminitration), uma iniciativa a nível<br />

nacional intitulada agora Art-in-Architecture. Este último programa viria a substituir o programa<br />

Public Works of Art Project, que sucumbiu, tal como muitos outros, passado somente uma<br />

década <strong>de</strong> existência <strong>de</strong>vido, não só à Gran<strong>de</strong> Depressão (1929-1932), mas também, à falta <strong>de</strong><br />

aceitação do público em relação às obras instaladas 147 .<br />

O surgimento <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los durante a década <strong>de</strong> 1960 <strong>de</strong>ve a sua origem, por um lado, a<br />

uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstrução das cida<strong>de</strong>s no pós-guerra, e por outro, ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> um sentimento saudosista das antigas cida<strong>de</strong>s construídas em épocas nas quais arte e<br />

arquitectura eram conceitos indistintos. Acreditava-se que as artes visuais, não só contribuiriam<br />

eficazmente, como seriam essenciais para a reconstrução <strong>de</strong> um espaço urbano apelativo, que<br />

fomentasse e recriasse valores comunitários e estabelecesse uma relação mais próxima entre<br />

a cida<strong>de</strong> e os seus habitantes, ou seja, que divergisse da “repetitiva, monótona, e funcionalista<br />

145 Paul Gol<strong>de</strong>berger – op. cit., p.70<br />

146 Como exemplos surgem o caso Francês da “Délégation aux Arts Plastiques (DAP)”, criada em 1937,<br />

mas que só em 1951, através <strong>de</strong> um lei proposta pelo Ministro da Educação Pierre-Olivier Lapie, se<br />

tornou obrigatória a aplicação da politica do 1% pela arte em todas as construções do domínio da<br />

educação; o mesmo acontece em relação ao programa lançado pelo Threasury Department em 1934 em<br />

relação à proposta da GSA, em 1963, com a diferença que nesta ultima a politica em causa abrangia<br />

todas as áreas dos serviços públicos e mais tar<strong>de</strong>, em Inglaterra, 1988, através do programa do Arts<br />

Council.<br />

147 Steven J. Tepper – “Unfamiliar Object in Familiar Spaces: The Public Response to Art-in-Architecture”.<br />

Working Paper #8, Princeton University Center for Arts and Cultural Policy Studies, March 2, 1999. p.4<br />

Disponível em http://www.princeton.edu/~artspol/workpap/WP08%20-%20Tepper.pdf<br />

65


arquitectura do estilo mo<strong>de</strong>rnista (…) confiava-se que os artistas através da sua influência<br />

humanizassem a <strong>de</strong>sumana, alienada e <strong>de</strong>safecta paisagem urbana da era mo<strong>de</strong>rna” 148 .<br />

Embora em contextos diferentes, os apelos e razões para a implantação <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />

programas repetem-se pelos Estados Unidos e Europa. Se, em 1959, Michael von<br />

Maschzisker, um dos fundadores do programa Aesthetic Ornamentation of City Structures, já<br />

afirmava: “Espalhe-se a mensagem <strong>de</strong> que as belas-artes <strong>de</strong>vem voltar à Arquitectura<br />

Americana e <strong>de</strong> que a esterilização e a sua cativa monotonia <strong>de</strong>vem ser banidas das nossas<br />

avenidas.” 149 . Em 1988, o manifesto do Arts and Architecture, programa do Arts Council em<br />

Inglaterra, elabora as mesmas questões e apresenta um breve enquadramento histórico para<br />

sua justificação.<br />

Alguns autores, como Sara Selwood, afirmam que o nascimento dos processos ‘percent for art’<br />

se <strong>de</strong>ve, efectivamente, ao movimento dos artistas para o espaço público e a uma necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> controlar, apoiar e criar mais e melhores oportunida<strong>de</strong>s para esta nova prática, promovendo,<br />

ao mesmo tempo, a excelência artística 150 . Esta i<strong>de</strong>ia é contestada por Tom Finkelpearl, ao<br />

afirmar que, embora o <strong>de</strong>salento em relação à frieza e sistematização da cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna<br />

tivesse atingido um ponto em que o “arquitecto era <strong>de</strong>monizado como o <strong>de</strong>struidor da cida<strong>de</strong> e<br />

aos artistas era irrealisticamente pedido que a salvassem”, estes incentivos à colocação <strong>de</strong> arte<br />

no espaço público, apresentam-se também ligados a questões políticas e económicas.<br />

Segundo o autor, “as leis foram criadas com o intuito <strong>de</strong> atrair pessoas <strong>de</strong> volta às áreas do<br />

centro da cida<strong>de</strong>, que estavam a ser abandonadas” 151 , com o intuito <strong>de</strong> estimular a economia,<br />

atraindo transeuntes, turistas, investidores e empresas que procurem locais que proporcionem<br />

um agradável ambiente <strong>de</strong> trabalho nestas áreas renovadas 152 , mas partem também da<br />

preocupação dos governos locais em assegurar emprego aos artistas e outros agentes na área<br />

da cultura. 153<br />

Por todas, ou qualquer uma <strong>de</strong>stas razões, os programas baseados nos esquemas ‘percent for<br />

art’ proliferaram pela Europa, pelos Estados Unidos (em 2003 existiriam cerca <strong>de</strong> 350,<br />

programas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo em vários estados e municípios dos EUA 154 ) e ainda na Ásia,<br />

com o caso singular <strong>de</strong> Singapura. Seguindo, com excepção do último, o mo<strong>de</strong>lo tradicional já<br />

referido na implementação arte em locais tão distintos como: escolas, esquadras <strong>de</strong> polícia,<br />

estações <strong>de</strong> bombeiros, tribunais, hospitais, clínicas, terminais <strong>de</strong> passageiros, prisões, centros<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, parques e jardins públicos e instalações <strong>de</strong> saneamento e abrigos.<br />

148<br />

Miwon Kwon – op. cit., p.64.<br />

149<br />

Penny Balkin Bach – Public Art in Phila<strong>de</strong>lphia. Phila<strong>de</strong>lphia: Temple University Press, 1992, p. 130.<br />

Trad. Livre.<br />

150<br />

Sara Selwood – The Benefits of Public Art. London: Policy Studies Institute, 1996, p.42.<br />

151<br />

Tom Finkelpearl – Dialogues in Public Art. Massachusetts: MIT Press, 2000, p.21. Trad. Livre.<br />

152<br />

Sara Selwood – op. cit. pp. 43-44<br />

153<br />

Slavica Radišić - “Public Art Policies – A Comparative Study”. 1postozaumjetnost.wordpress, 2010.<br />

http://1postozaumjetnost.wordpress.com/texts/cultural-policy/ (acedido em Agosto, 2011)<br />

154<br />

Atkins, Robert – “When the Art is Public, The Making is, Too”. New York Times, Arts & Leisure, Section<br />

2, July 23, 1995. p.1<br />

66


Embora a arte tenha invadido a urbe <strong>de</strong>vido aos incentivos estatais, po<strong>de</strong>mos afirmar que a<br />

aceitação do público em relação às obras que ocupavam agora lugar nas praças, ruas, jardins<br />

e edifícios públicos das cida<strong>de</strong>s, não correspondia ao entusiasmo dos organismos por <strong>de</strong>trás<br />

dos programas. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> através da arte foi, numa fase inicial,<br />

suplantada por reacções fortes ou <strong>de</strong> total indiferença em relação às esculturas abstractas<br />

criadas pelos mais notórios representantes da arte mo<strong>de</strong>rna, como Alexan<strong>de</strong>r Cal<strong>de</strong>r, Pablo<br />

Picasso, Jean Dubuffet, entre outros, que “pareciam longe <strong>de</strong> servir qualquer propósito” 155 .<br />

Fig. 92. Alexan<strong>de</strong>r Cal<strong>de</strong>r - Flamingo, John C. Kluczynski Fe<strong>de</strong>ral Building, Chicago, 1974.<br />

Fig. 93. Pablo Picasso - Escultura para o Chicago Civic Center, Illinois, 1967.<br />

Fig. 94. Jean Dubuffet - Group of Trees, Chase Manhattan Plaza, NY, 1972.<br />

Opondo-se às criticas realizadas por autores como Malcom Miles, Tom Finkelpearl, Rosalyn<br />

Deutsch, Miwon Kwon ou Sharon Zukin em relação às obras criadas até sensivelmente às<br />

ultimas décadas do séc. XX, Daniel Buren explica que “o hábito <strong>de</strong> os artistas trabalharem,<br />

conscientemente ou não, para um público específico e por vezes esclarecido, ou seja, o público<br />

dos museus, causou um afastamento drástico <strong>de</strong> um público que po<strong>de</strong> ser também esclarecido<br />

mas que não é especialista, já que acima <strong>de</strong> tudo, nunca recebeu qualquer educação<br />

artística.” 156<br />

Esta realida<strong>de</strong> irá marcar a postura <strong>de</strong> algumas direcções <strong>de</strong> programas do mo<strong>de</strong>lo ‘percent for<br />

art’, conotada por Robert Lee Fleming e Melissa Tapper Goldman como, o “Princípio da Torre<br />

Eiffel”, ou seja, perante a incompreensão inicial do público em relação às obras, a reacção dos<br />

organismos seria con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, apelando ao público que mesmo não as enten<strong>de</strong>ndo,<br />

tivesse paciência e que com tempo eventualmente acabariam por habituar-se e até gostar<br />

<strong>de</strong>stes enormes objectos abstractos, assim como aconteceu com a Torre Eiffel, hoje em dia um<br />

ícone Francês. Charles Cuningham, director do Art Institute <strong>de</strong> Seattle, personifica esta<br />

tendência, em 1967, ao afirmar, nas suas <strong>de</strong>clarações por ocasião da inauguração da obra<br />

“Chicago Picasso” na Daley Plaza, Chicago, que: “Aqueles que ainda não experienciaram este<br />

155 Mel Gooding – “The Failure of Mo<strong>de</strong>rnism: The Crisis in Public Art”. Public: Art: Space. London: Merrel<br />

Holberton, 1998, p.18<br />

156 I<strong>de</strong>m, p.17.<br />

67


tipo <strong>de</strong> arte po<strong>de</strong>m não gostar, mas não tem mal. Daqui a alguns anos, ela será aceite pelos<br />

transeuntes, da mesma forma que Van Gogh e outros o são hoje em dia.” 157<br />

Segundo Miwow Kwon e Suzanne Lacy, o <strong>de</strong>scontentamento geral e críticas várias às obras<br />

realizadas <strong>de</strong>ntro dos programas <strong>de</strong>vem-se não só à imposição <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> arte que se<br />

mostrava indisponível em ir ao encontro <strong>de</strong>ste público mais vasto e que, consequentemente,<br />

não conseguia comunicar com o mesmo; mas também <strong>de</strong>vido ao facto <strong>de</strong> que, só por volta <strong>de</strong><br />

1974 é que estas iniciativas começam a promover, nos seus programas, o conceito site-<br />

specific, e uma preocupação explícita e exigência clara <strong>de</strong> que o local seja respeitado, <strong>de</strong> que a<br />

obra seja criada em função do lugar. Esta nova forma <strong>de</strong> olhar para a intervenção <strong>de</strong> artistas<br />

no espaço público, constitui um importante passo em direcção ao conceito <strong>de</strong> “obra <strong>de</strong> arte<br />

total” <strong>de</strong>scrito por Goldberger, no qual a arte e a arquitectura se tornam inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em<br />

relação ao objecto total, ao seu significado e presença no espaço urbano.<br />

A contínua evolução <strong>de</strong>stes programas dá-se paralelamente à evolução da arte pública,<br />

analisada no primeiro capítulo da presente dissertação. De certo modo, as fases e<br />

preocupações são semelhantes e i<strong>de</strong>ntificadas como: uma primeira, que parte <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong><br />

inicial <strong>de</strong> integrar a arte novamente no ambiente urbano, aliada a uma vonta<strong>de</strong> dos artistas em<br />

sair do espaço museológico e partir para o espaço real ou <strong>de</strong> domínio arquitectónico. Numa<br />

segunda instância e quase uma década mais tar<strong>de</strong>, surge a integração do conceito site-specific<br />

como requerimento essencial ao sucesso da integração da arte na arquitectura. Mais tar<strong>de</strong>,<br />

enten<strong>de</strong>u-se também que <strong>de</strong>veria haver um maior envolvimento entre artista e arquitecto, na<br />

prática, os artistas <strong>de</strong>veriam ser convidados a entrar no processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, o que,<br />

i<strong>de</strong>almente resultaria na criação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte coesas e que revelassem o verda<strong>de</strong>iro<br />

sentido da colaboração. Uma última fase correspon<strong>de</strong>rá, tal como na arte pública, ao <strong>de</strong>spertar<br />

da percepção social e educacional nas colaborações, a arte enten<strong>de</strong> agora a possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

não só <strong>de</strong>corar, fazer parte do processo criativo, e humanizar a arquitectura; que <strong>de</strong>ve também<br />

ter uma consciência social, tirando partido do meio privilegiado que são as colaborações e a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuação no espaço público.<br />

157 Charles Cuningham citado em: Tom Finkelpearl – p.22<br />

68


5.2. <strong>ARTE</strong> EM ESPAÇO PÚBLICO VS <strong>ARTE</strong> NA <strong>ARQUITECTURA</strong>.<br />

“Quando se faz um edifício e se cria um espaço <strong>de</strong> paisagem que o envolve ou que o contém,<br />

tal como a criação <strong>de</strong> espaço público, interagindo com artistas ou com outras visões, tem a ver,<br />

com um período da nossa história recente e da nossa economia, em que há disponibilida<strong>de</strong><br />

para isso. Essa disponibilida<strong>de</strong> terminou, estamos a fechar um ciclo económico e esta cultura<br />

<strong>de</strong> espaço público, tal como a conhecemos até agora, terminou.<br />

Temos agora <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> outra maneira, <strong>de</strong> tentar perceber como é que vamos trabalhar<br />

sendo que estamos a operar sobre outras coisas, outros problemas, a cida<strong>de</strong> é hoje uma coisa<br />

muito in<strong>de</strong>terminada nalguns aspectos, e é exactamente essa in<strong>de</strong>terminação e esse limite que<br />

também é preciso enten<strong>de</strong>r.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. João Gomes da Silva.


5.2. <strong>ARTE</strong> NO ESPAÇO PÚBLICO VS <strong>ARTE</strong> NA <strong>ARQUITECTURA</strong>.<br />

No seu texto “Public Art for The Public” 158 , Robert Lee Fleming e Melissa Tapper Goldman<br />

percorrem a história dos programas ‘percent for art’, Art in Public Places (APP) lançado em<br />

1967 pela National Edowment for the Arts (NEA) e o programa Art in Architecture (AiA) lançado<br />

em 1963 pela U.S. General Services Administration (GSA), com o objectivo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as<br />

razões pelas quais um suce<strong>de</strong>u e mantém ainda hoje as suas funções e o outro sucumbiu no<br />

início dos anos 90.<br />

A importância <strong>de</strong>sta revisão assenta no facto <strong>de</strong> ambos os programas que seguem o mo<strong>de</strong>lo<br />

‘percent for art’ e especificamente a sua evolução, são referidos por vários autores como:<br />

Malcom Miles, Miwon Kwon, Suzanne Lacy, entre outros, que se <strong>de</strong>dicaram ao tema da arte<br />

pública e das colaborações, como, não só representativa do percurso <strong>de</strong> outros programas<br />

semelhantes, mas também essencial à compreensão da origem das novas dinâmicas<br />

colaborativos entre arte e arquitectura. Torna-se, <strong>de</strong>sta forma mais claro, que existe uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encurtar caminho no diálogo entre artista e arquitecto, para que a inserção <strong>de</strong><br />

arte na arquitectura seja uma prática válida e benéfica para o ambiente urbano. Na forma como<br />

esse processo se <strong>de</strong>u po<strong>de</strong>mos tirar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo algumas conclusões úteis ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do tema.<br />

Quando implantado, o programa APP, baseava a sua prática no enaltecimento das<br />

capacida<strong>de</strong>s dos artistas e na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partilhar com o público geral a mais qualificada<br />

arte dos seus tempos, optando inicialmente por não apresentar orientações específicas para os<br />

fundos que concedia através da realização <strong>de</strong> concursos, on<strong>de</strong> artistas conceituados<br />

entregavam maquetas que relembravam obras, na sua maioria abstractas, retiradas<br />

directamente <strong>de</strong> museus ou galerias ampliadas para a escala do espaço público 159 . Este modo<br />

<strong>de</strong> selecção, supostamente garantia “que os subsídios só seriam entregues a artistas da mais<br />

alta qualida<strong>de</strong>, aos quais a NEA confiava para produzir obras sem o peso da censura ou<br />

orientação <strong>de</strong> comissários.” 160 . As consequências <strong>de</strong>sta postura são <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo visíveis na<br />

primeira obra criada <strong>de</strong>ntro do programa APP: La Grand Vitesse <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Cal<strong>de</strong>r, instalada<br />

na Van<strong>de</strong>nberg Plaza, Grand Rapids, Michigan e na atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Henry Moore, um dos artistas<br />

que mais obra realizou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> programas nos anos 1970, e que representa, na<br />

sua afirmação, a atitu<strong>de</strong> da maioria dos artistas comissariados:<br />

“I don’t like doing commissions in the sense that I go and look at a site and then think of<br />

something. Once I have been asked to consi<strong>de</strong>r a certain place where one of my sculptures<br />

158 Fleming, Ronald Lee, e Melissa Tapper Goldman - “Public Art for the public”. Artigo Digital disponível<br />

em: www.nationalaffairs.com/public_interest/<strong>de</strong>tail/public-art-for-the-public: The National Affairs, Inc., 22<br />

<strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2005.<br />

159 Suzanne Lacy – op. cit., p. 22.<br />

160 I<strong>de</strong>m p. 62. Trad. Livre.<br />

69


might possibly be placed, I try to choose something suitable from what I’ve done or from what<br />

I’m about to do. But I don’t sit down and try to create something especially for it.” 161<br />

O <strong>de</strong>bate causado pelos resultados insatisfatórios e crítica geral do público em relação às<br />

obras levantou uma importante questão subjacente ao programa: “a tensão entre os direitos do<br />

artista como entida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> criar obras sem direcção ou input e os direitos do público, que as<br />

pagava através dos seus impostos, <strong>de</strong> ter arte pública eficaz e significativa, que reflectisse as<br />

suas necessida<strong>de</strong>s” 162 . No final dos anos 80, o programa da NEA era encarado como uma<br />

possibilida<strong>de</strong> sem benefícios óbvios para as várias partes envolvidas, nomeadamente para a<br />

comunida<strong>de</strong>, e como um enorme risco a correr pelos promotores e arquitectos.<br />

Bert Kubli, comissário do programa, explica que a NEA acabou por assumir os seus erros no<br />

final dos anos 80, através da introdução do termo site-specific, da participação activa dos<br />

artistas na escolha do local on<strong>de</strong> colocariam a sua obra e ainda do papel essencial do<br />

administrador <strong>de</strong> arte pública, no controlo do <strong>de</strong>senvolvimento do processo e do resultado<br />

final 163 . Em 1979, apelariam a um maior diálogo entre artista e comunida<strong>de</strong>, requisitando no<br />

projecto artístico, a <strong>de</strong>monstração dos “métodos a utilizar <strong>de</strong> modo a garantir uma resposta<br />

informada por parte da comunida<strong>de</strong> à obra”, e em 1983, esta medida incluiria não só a<br />

<strong>de</strong>scrição, mas também o planeamento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s “que educassem e preparassem a<br />

comunida<strong>de</strong> e a forma como esta seria envolvida, preparada e como seria realizado este<br />

diálogo”. Novas medidas são tomadas ainda, com base na realização da emergência das<br />

noções colaborativas como reflexo das “<strong>de</strong>sign teams”, moldadas a partir da prática<br />

arquitectónica, a NEA irá então, reunir “forças com os programas <strong>de</strong> Visual Arts and Design<br />

para encorajar a interacção entre artistas e arquitectos através da exploração e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos métodos colaborativos.” 164<br />

A arte pública <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser uma escultura autónoma e abandonada numa praça ou no<br />

exterior <strong>de</strong> um edifício <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> empresa, para se tornar parte ou elemento da sua<br />

envolvente arquitectónica e paisagística. Uma nova metodologia <strong>de</strong> trabalho que olha para a<br />

arte <strong>de</strong> uma perspectiva funcionalista e que assenta na questão <strong>de</strong> que utilida<strong>de</strong> tem a obra e<br />

que sentido tem ou virá a ter em relação ao objecto arquitectónico, será entusiasticamente<br />

adoptada por artistas como: Athena Tacha, Ned Smyth, Andrea Blum, Siah Armajani, Elyn<br />

Zimmermen e Scott Burton, que i<strong>de</strong>alizavam, mesmo perante alguns insucessos, que a sua<br />

integração numa “<strong>de</strong>sign team” significaria a partilha <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s em partes iguais<br />

com o arquitecto e urbanista, na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />

Rosalyn Deutsch, afirma que a utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas obras relaciona-se em geral com a renovada<br />

associação da arte à sua função social, Kwon afirma ainda, que esta postura está<br />

explicitamente associada a artistas que integram “<strong>de</strong>sign teams” e que partilham a noção <strong>de</strong><br />

161<br />

Miwon Kwon – op. cit., p. 63.<br />

162<br />

Robert Lee Fleming – p. 64.<br />

163<br />

I<strong>de</strong>m – p. 69.<br />

164<br />

Suzanne Lacy – op. cit., p.23<br />

70


que quanto mais a obra <strong>de</strong> arte se integrar e <strong>de</strong>saparecer na arquitectura em forma <strong>de</strong> bancos,<br />

mesas, ou adoptar a forma <strong>de</strong> elementos arquitectónicos como, pilares, escadas, pare<strong>de</strong>s ou<br />

pavimentos, maior o seu valor social.<br />

Também o programa Art in Architecture da GSA, embora tenha sido mais flexível e se tenha,<br />

com tempo, adaptado às novas realida<strong>de</strong>s da arte no espaço público, esteve em 1981 na frente<br />

do caso mais memorável e polémico <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> programas, ao <strong>de</strong>legar, em 1979 à NEA a<br />

escolha do artista (Richard Serra) e respectiva obra a instalar na Fe<strong>de</strong>ral Plaza, em Nova York,<br />

o ‘Tilted Arc’ (ver capítulo 3.1). Ao contrário da NEA, a GSA enten<strong>de</strong>u atempadamente os seus<br />

erros e, no mesmo ano da <strong>de</strong>molição do Tilted Arc, reformulou a sua estrutura e tomou<br />

medidas preventivas que possibilitaram a sua subsistência até aos dias <strong>de</strong> hoje.<br />

Em 1996, Robert Peck, o novo Comissário dos Serviços dos Edifícios Públicos da GSA, fez as<br />

reformas mais interessantes ao programa, “ exigindo que os artistas fossem contratados numa<br />

fase muito mais inicial, do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho arquitectónico, do que alguma vez tinha<br />

acontecido. Peck exigia também que os artistas participassem na revisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do projecto, que ocorre a cerca <strong>de</strong> um terço do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho do projecto. 165 Outra<br />

<strong>de</strong>cisão relevante, que distingue verda<strong>de</strong>iramente os dois programas, foi a alteração dos<br />

paneis <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, em vez dos típicos três profissionais do mundo da arte, estes passam agora<br />

a evolver, no mínimo, um profissional do mundo da arte reconhecido a nível nacional, um<br />

artista local, um representante da comunida<strong>de</strong>, o arquitecto responsável pelo projecto, um<br />

representante da GSA nomeado pelo cliente e ainda dois associados da GSA. Segundo<br />

Fleming, o resultado da reforma <strong>de</strong> Peck, é hoje em dia visível em obras que verda<strong>de</strong>iramente<br />

enaltecem o espaço on<strong>de</strong> estão e que agradam e melhoram a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos seus<br />

utilizadores.<br />

No mesmo ano, <strong>de</strong>vido a cortes orçamentais severos relacionados com a impopularida<strong>de</strong> do<br />

programa, o programa Art in Public Places, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> conseguir subsistir. Segundo Fleming o<br />

erro encontra-se no não entendimento por parte da NEA <strong>de</strong> que “o propósito não é criar arte<br />

para o menor <strong>de</strong>nominador comum da opinião do público, mas sim arte que encontra a sua<br />

inspiração num certo rigor contextual, arte que <strong>de</strong>safie o público ao invés <strong>de</strong> abordá-lo com<br />

<strong>de</strong>sprezo” 166 . Segundo Jes Fernie: “no final da década <strong>de</strong> 1990, (…) este mo<strong>de</strong>lo foi<br />

largamente abandonado. A i<strong>de</strong>ia base <strong>de</strong> que a arquitectura, como as suas formas alienadas,<br />

po<strong>de</strong>ria beneficiar da capacida<strong>de</strong> humanística da arte (…) antagonizou muitos arquitectos que<br />

sentiam que os programas comissionistas da arte estavam a ser impostos sem particular<br />

cuidado ou sensibilida<strong>de</strong> pelas suas propostas arquitectónicas”, ficando, <strong>de</strong> certo modo,<br />

aliviados pela reformulação e até exclusão <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>stes programas. 167<br />

165 Robert Lee Fleming – op. cit., p.70 “He required that artists be hired for projects much earlier in the<br />

architectural <strong>de</strong>sign phase than had been the case before. (…) He required that artists have a hand in the<br />

<strong>de</strong>sign <strong>de</strong>velopment review of the plans for a building that occurs about a third of the way into a project”<br />

166 I<strong>de</strong>m, p. 76.<br />

167 Jes Fernie – op. cit., p. 10.<br />

71


5.3. ALGUMAS SITUAÇÕES E CASOS DE SUCESSO.<br />

“A referência mais contemporânea que tenho e que foi a que mais me interessou conhecer e<br />

investigar durante esse período, foi obviamente a relação entre Herzog & Meuron e Remy<br />

Zaugg, que terminou com a morte <strong>de</strong> Remy Zaugg, mas que produziu um conjunto <strong>de</strong><br />

experiências, em ambos os campos e especialmente no campo <strong>de</strong> colaboração, que me<br />

parecem ter feito avançar a arquitectura e a produção do espaço, tanto produzido por artistas<br />

como por arquitectos.<br />

Num plano mais próximo, é o arquitecto Carrilho da Graça, com quem nós temos colaborado<br />

muito e que foi aliás, uma das minhas colaborações mais importantes. Carrilho da Graça<br />

sempre teve essa necessida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> interagir directamente com artistas e com diversos<br />

artistas, ou <strong>de</strong> interagir indirectamente, a partir da observação <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminados artistas e da sua incorporação como parte da arquitectura. Eu tenho para mim<br />

que o trabalho dos artistas funciona um pouco como um laboratório <strong>de</strong> pesquisa avançada e <strong>de</strong><br />

investigação da matéria, porque estão, em relação a todas as artes mais sociais e políticas,<br />

que são a arquitectura e a arquitectura paisagista, menos constrangidos por questões <strong>de</strong><br />

regulamentos, programas ou mesmo <strong>de</strong> encomendas <strong>de</strong> clientes e, portanto, têm uma<br />

liberda<strong>de</strong> um pouco maior que nós.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. João Gomes da Silva.


5.3. ALGUMAS SITUAÇÕES E CASOS DE SUCESSO.<br />

“One might ask what artists can contribute to the building environment over and above<br />

architects, landscape architects and <strong>de</strong>signers? What, for instance, distinguishes a bollard<br />

<strong>de</strong>sign by an artist from that of an architect or an industrial <strong>de</strong>signer?” 168<br />

Sara Selwood, curadora.<br />

Sara Selwood apresenta estas questões a uma série <strong>de</strong> promotores. A opinião geral, é <strong>de</strong> que<br />

a presença da arte se traduz num sentimento <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> para um lugar e na tendência<br />

para uma libertação criativa acentuada em projectos <strong>de</strong> reabilitação urbana, no entanto, a<br />

autora questiona a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia preconcebida perante as várias obras similares <strong>de</strong><br />

Henry Moore que surgem em praças e espaços públicos <strong>de</strong> diferentes cida<strong>de</strong>s do mundo.<br />

Paralelamente, a forma como a arquitectura foi obrigada a integrar a arte, pelo bem <strong>de</strong> uma<br />

cida<strong>de</strong> mais humana e atractiva, nem sempre foi bem aceite pelos arquitectos. Alguns,<br />

consi<strong>de</strong>rando que a sua arquitectura era ela própria arte, viam a integração da arte nos seus<br />

projectos como redundante e <strong>de</strong>snecessária. Sobre isso, o artista Mike Stubbs afirma que as<br />

“pessoas preferem ter bons edifícios bem <strong>de</strong>senhados do que maus edifícios com<br />

apontamentos <strong>de</strong> arte na sua base, para distrair o utilizador da realida<strong>de</strong>” 169 , Richard Serra<br />

explica, também, que nos EUA muitos arquitectos têm adoptado esta postura, preferindo<br />

recusar a oportunida<strong>de</strong> aos artistas, não distribuindo o fundo <strong>de</strong> apoio, e realizando eles<br />

próprios a arte consoante as suas necessida<strong>de</strong>s e i<strong>de</strong>ias específicas para o projecto, em<br />

função do que imaginam que será bem aceite. 170<br />

Outra situação que advém das novas metodologias colaborativas é o facto <strong>de</strong> que, quando a<br />

arte se mostrava totalmente integrada na arquitectura, perdia o seu estatuto, e era nesta<br />

situação usualmente observada como <strong>de</strong>coração, voltando a questão da “obra <strong>de</strong> arte total”<br />

Existem vários casos <strong>de</strong> enorme sucesso na, história recente das colaborações, no entanto,<br />

tentando não reduzir esta análise a uma opinião estética, ou da unida<strong>de</strong> do projecto <strong>de</strong><br />

arquitectura e arte, serão referidos três casos para reflexão que marcaram o interesse inicial<br />

por este tipo <strong>de</strong> colaborações e alavancaram a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sign team”, integrando artistas e<br />

arquitectos. Embora, passado já meio século, as situações <strong>de</strong>scritas, as i<strong>de</strong>ias pré-formadas <strong>de</strong><br />

uma área em relação à outra, as dificulda<strong>de</strong>s iniciais e as i<strong>de</strong>ntificadas no <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

processo colaborativo e o que surge como resultado final, mantém a sua actualida<strong>de</strong> e reflecte-<br />

168<br />

Sara Selwood – op.cit., p. 55-56.<br />

169<br />

I<strong>de</strong>m, p. 52. Trad. Livre.<br />

170<br />

I<strong>de</strong>m, p. 54.<br />

“What you have in the USA is architects who, rather than giving the percent to painters and sculptors, take<br />

it upon themselves to interact with the needs of what they think ought to be presented to the public…<br />

Serious sculptors are <strong>de</strong>nied the possibility of those interventions because the architects are co-opting the<br />

money… that para<strong>de</strong>s as post-mo<strong>de</strong>rnist signature for context.” Richard Serra.<br />

72


se em outros mais recentes, dando assim uma perspectiva geral <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> projectos<br />

interdisciplinares.<br />

O primeiro processo colaborativo integrado num programa <strong>de</strong> ‘percent for art’ e no qual o artista<br />

é inserido logo no início do processo criativo arquitectónico, é i<strong>de</strong>ntificado por Tom<br />

Finkelpearl 171 , David Patten, entre outros, como o projecto para a Subestação Eléctrica<br />

Viewland/Hoffman, dos arquitectos Hobbs/Fukui Associates, com a colaboração dos artistas:<br />

Andrew Keating, Sherry Markovitz e Lewis "Buster" Simpson, e patrocinado pelo Seattle City<br />

Lights, <strong>de</strong>ntro do esquema Percent for Art do Seattle Arts Commission, em 1979. Consi<strong>de</strong>rado<br />

como a primeira formulação efectiva <strong>de</strong> uma “Design Team”, envolvendo artistas e arquitectos<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projecto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu processo criativo até à sua conclusão. Com<br />

base nesta primeira experiência surge o primeiro aviso:<br />

“As subsequent generations of <strong>de</strong>sign teams will attest, it was not easy goig. (…) The artists<br />

were not used to the process of public <strong>de</strong>sign. How could they be? This was the first <strong>de</strong>sign<br />

team and some architects of subsequent generations have cursed the day that architects from<br />

Hobbs/Fukui opened the door for this collaboration.” 172<br />

Fig. 95. Obras criadas pelos artistas para a Subestação Eléctrica Viewland/Hoffman, da Hobbs/Fukui Associates,1979.<br />

O primeiro indício das diferenças entre artistas e arquitectos, em relação ao processo criativo,<br />

foi o facto <strong>de</strong> os artistas insistirem que a primeira acção do projecto <strong>de</strong>veria ser a reunião das<br />

opiniões dos moradores do bairro, sobre as suas inquietações relativamente à proximida<strong>de</strong> da<br />

subestação eléctrica em relação às suas casas que, consequentemente, abriu um longo<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberações entre artistas e arquitectos, que <strong>de</strong>stronou o normal procedimento<br />

arquitectónico e levo-o, segundo Richard Andrews, a um processo <strong>de</strong>sregrado e caótico, ao<br />

qual nem artistas e arquitectos estavam habituados e que “(…) embora artistas e <strong>de</strong>signers<br />

tenham em comum o vocabulário da forma e do material, afastam-se no seu entendimento <strong>de</strong><br />

171 Tom Finkelpearl foi director do New York City’s Percent for Art Program entre 1990 e 1996.<br />

172 Tom Finkelpearl – op. cit., pp. 25-26.<br />

73


como o processo criativo individual da arte, do <strong>de</strong>sign funcional e ainda na forma como este<br />

<strong>de</strong>ve ser integrado no projecto real.” 173<br />

O segundo projecto colaborativo, que também atingiu enorme sucesso junto da comunida<strong>de</strong><br />

artística, arquitectónica e do público em geral, foi o <strong>de</strong>senho da Battery Park City Plaza, em<br />

Nova York, 1982-1989, <strong>de</strong>ntro do programa Percent for Art do NYC Department of Cultural<br />

Affairs, com arquitectura <strong>de</strong> Cesar Pelli, arquitectura paisagística <strong>de</strong> M. Paul Friedberg e<br />

colaboração dos artistas Siah Armajani e Scott Burton. O que suce<strong>de</strong>u, neste caso, foi o<br />

contrário do anteriormente referido; se, no primeiro, o entusiasmo inicial dos arquitectos se foi<br />

<strong>de</strong>svanecendo com as dificulda<strong>de</strong>s no arranque do projecto, em Battery Park, o arquitecto<br />

Cesar Pelli não se <strong>de</strong>ixou entusiasmar e expôs, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio, as suas inquietações em<br />

relação à colaboração, afirmando que: “Pensei que era péssima i<strong>de</strong>ia. (…) Existem<br />

<strong>de</strong>masiados exemplos <strong>de</strong> arte anti-civica, exemplos on<strong>de</strong> o edifício é visto como ‘pano <strong>de</strong><br />

fundo’ para o artista que sente que tem <strong>de</strong> criar uma situação confronto." 174 No entanto, a<br />

colaboração ocorreu <strong>de</strong> forma i<strong>de</strong>al, arte e arquitectura diluem-se e surgem no espaço <strong>de</strong><br />

forma fluida e sem os bruscos contrastes das intervenções iniciais <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> programas, a<br />

que Pelli se refere.<br />

Fig. 96. Cesar Pelli, Siah Armajani e Scott Burton – Battery Park City Plaza, N.Y., 1982-1989.<br />

Não po<strong>de</strong>mos afirmar que somente pelo facto <strong>de</strong> um artista intervir num projecto arquitectónico<br />

po<strong>de</strong> fazer com que este seja mais apelativo para o público, da mesma forma que também não<br />

é possível garantir o sucesso do projecto somente ao trazer o artista para o interior do<br />

processo criativo. O que nos é possível dizer, nesta fase, é que foi este o caminho escolhido<br />

pela maioria dos programas <strong>de</strong> fundos para a integração da arte na arquitectura, como solução<br />

para os casos <strong>de</strong> insucesso já referidos e que, embora seja impossível garantir o sucesso<br />

<strong>de</strong>stas colaborações, o maior envolvimento dos artistas durante o processo criativo, por norma<br />

complexo <strong>de</strong> gerir, apresenta uma maior percentagem <strong>de</strong> resultados satisfatórios, em relação à<br />

tardia implantação <strong>de</strong> arte num objecto arquitectónico já <strong>de</strong>finido ou mesmo, construído.<br />

173<br />

Steven Huss, Diane Shamash – A Field Gui<strong>de</strong> to Seattle’s Public Art. Seattle: Seattle Arts Commission,<br />

1992, p. 67. Trad. Livre.<br />

174<br />

Douglas C. McGill - "Architect and Artists Collaborate on Battery Park City Plaza" New York Times,<br />

January 31, 1989, III, p. 17<br />

74


5.4. PROGRAMA DE <strong>ARTE</strong> PÚBLICA DA EXPO’98.


5.4. FERNANDA FRAGATEIRO: JARDIM DAS ONDAS, EXPO’98, LISBOA, 1998.<br />

Este caso <strong>de</strong> estudo reúne duas condições específicas relevantes para a integração da arte na<br />

arquitectura. Embora a relação estabelecida entre ambas as disciplinas surja em casos<br />

bastante diferenciados, existem meios através dos quais este envolvimento é naturalmente<br />

potenciado e, em certos casos, como os programas <strong>de</strong> arte pública ou urbana, são criadas<br />

condições em que a relação entre arte e arquitectura se torna um requisito e uma exigência.<br />

A primeira condição resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> surgir no contexto <strong>de</strong> uma exposição universal,<br />

assinalada aqui como território fértil e intemporal no diálogo interdisciplinar. Praticamente sem<br />

excepções, o binómio proposto por António Mega Ferreira: “Exposição Internacional –<br />

Exposição <strong>de</strong> Arquitecturas” 175 domina o panorama histórico das exposições universais, e é<br />

visível na sua riquíssima tradição iniciada em 1851, com a apresentação do icónico Palácio <strong>de</strong><br />

Cristal <strong>de</strong> Joseph Paxton, na primeira Gran<strong>de</strong> Exposição em Londres. Des<strong>de</strong> aí que estas<br />

exposições se tornaram palco para as mais arrojadas e marcantes expressões arquitectónicas<br />

do seu tempo.<br />

Por um lado, a temporalida<strong>de</strong> limitada dos objectos arquitectónicos permitia um<br />

<strong>de</strong>sprendimento com o contexto em que se inseriam, orçamentos menos condicionados e<br />

programas flexíveis; factos que se traduzem na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o arquitecto se exprimir sem o<br />

normal leque <strong>de</strong> restrições, <strong>de</strong> apresentar um atitu<strong>de</strong> experimental, <strong>de</strong> se permitir um visão<br />

artística e auto-referencial sobre o programa e conceito arquitectónico, que nem sempre lhe é<br />

permitida em projectos permanentes e <strong>de</strong> custos controlados. Por outro, em exemplos como o<br />

Palácio <strong>de</strong> Cristal (recolocado posteriormente, em Upper Norwood, Londres, on<strong>de</strong> ficou até<br />

1936, ano do incêndio que o <strong>de</strong>struiu na totalida<strong>de</strong>), a Torre Eiffel (construída para a Exposição<br />

<strong>de</strong> Paris, em 1889), o Atomium (obra futurista realizada para a Exposição <strong>de</strong> Bruxelas, em<br />

1958) ou a mais recente ponte da Barqueta (que une o casco histórico <strong>de</strong> Sevilha à ilha da<br />

Cartuja on<strong>de</strong> se realizou a Expo 92), entre outros, marcam ainda a paisagem e história das<br />

cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> se localizam. Embora realizadas para um evento temporário, o estatuto simbólico<br />

e a mostra <strong>de</strong> tendências e inovações construtivas ou arquitectónicas inerente a estas obras<br />

resguardou-as para o futuro e tornou-as ícones do seu respectivo país.<br />

Aliado a esta possibilida<strong>de</strong> e contexto permissivo <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> inovadora, surge também um<br />

interesse especial pela colocação <strong>de</strong> arte e difusão <strong>de</strong> artistas, nacionais mas também<br />

internacionais, neste enorme espaço público.<br />

175 António Mega Ferreira – “Da arte <strong>de</strong> bem or<strong>de</strong>nar”, Manuel Salgado: Espaço Público. <strong>Lisboa</strong>: Parque<br />

das Nações D.L., 2000, p. 5.<br />

75


Fig. 97. Sir. Joseph Paxton - Palácio <strong>de</strong> Cristal, Londres, 1851.<br />

Fig. 98. Gustave Eiffel - Torre Eiffel, Paris, 1889.<br />

Fig. 99. André Waterkeyn - Atomiun, Bruxelas, 1958.<br />

Fig. 100. Marcos Pantaleón - Ponte da Barqueta, Sevilha, 1989.<br />

A segunda condição referida pren<strong>de</strong>-se com a criação <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> arte pública, sem<br />

prece<strong>de</strong>ntes em Portugal, que, pela forma como foi realizado e concretizado, correspon<strong>de</strong> ao<br />

cuidado e à responsabilida<strong>de</strong> com que as obras são colocadas no espaço arquitectónico ou<br />

urbano, à forma como os vários artistas foram envolvidos e convidados a participar, não só no<br />

programa mas também nas <strong>de</strong>cisões afectas às suas obras.<br />

Embora <strong>de</strong> duração temporária e implantação <strong>de</strong>limitada pela zona <strong>de</strong> intervenção, o programa<br />

<strong>de</strong> arte pública da Parque Expo’98 é um exemplo <strong>de</strong> sucesso no panorama nacional e constitui<br />

a plataforma através da qual surge o Jardim das Ondas – referido e discutido como uma<br />

verda<strong>de</strong>ira colaboração entre artista e arquitecto, neste caso paisagista.<br />

Contexto físico da intervenção:<br />

O Jardim das Ondas situa-se no actual Parque das Nações, que entre 22 <strong>de</strong> Maio e 30 <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 1998 <strong>de</strong>u espaço à EXPO’98 e que correspondia à zona ocupada pela Doca dos<br />

Olivais e por uma série <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s infra-estruturas industriais, em avançado estado <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>gradação, como o Matadouro Industrial <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, o Depósito Geral <strong>de</strong> Materiais <strong>de</strong> Guerra,<br />

a estação <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong> Águas Residuais, o Aterro Sanitário e a Estação <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong><br />

Resíduos Sólidos (ETRS) <strong>de</strong> Beirolas e ainda a refinaria da Petrogal e <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> produtos<br />

petrolíferos (ex-Sacor e outras companhias); a poente da linha <strong>de</strong> caminhos-<strong>de</strong>-ferro, no final<br />

dos anos 80, estavam ainda instaladas pequenas e médias indústrias 176 e, alguma habitação<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e precária. Todo este território urgia reabilitação e uma nova solução urbana que<br />

tirasse partido da sua localização <strong>de</strong> privilegiada, junto ao rio Tejo, na zona oriental <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />

A primeira fase do projecto consistiu, então, na relocalização das activida<strong>de</strong>s industriais e da<br />

população resi<strong>de</strong>nte, na <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> todas as construções existentes, com excepção das<br />

torres da refinaria, que constituem, hoje em dia, o único vestígio das pré-existências e do<br />

carácter industrial do lugar. Posteriormente, proce<strong>de</strong>u-se também à <strong>de</strong>scontaminação dos<br />

solos e águas subterrâneas e ao saneamento, <strong>de</strong>spoluição e regularização da parte terminal do<br />

176 Informação disponível em: http://www.portaldasnacoes.pt/item/como-era-o-parque-das-nacoes/.<br />

76


io Trancão, estabelecendo assim a tábula rasa que um projecto <strong>de</strong>stas dimensões e<br />

importância, a nível local e nacional, requeria.<br />

O projecto:<br />

A operação EXPO’98 englobava, três gran<strong>de</strong>s objectivos: por um lado a realização da primeira<br />

Exposição Mundial em Portugal, e última do seu género realizada a nível mundial no séc. XX,<br />

com toda a carga simbólica e visibilida<strong>de</strong> nacional inerentes; por outro, pretendia-se a<br />

reabilitação urbanística e ambiental da área com cerca <strong>de</strong> 340 hectares já referida, na qual a<br />

exposição seria inserida, bem como a restituição, aos cidadãos, do direito <strong>de</strong> usufruírem <strong>de</strong>stes<br />

5km <strong>de</strong> frente ribeirinha em utilização <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quada. A manutenção <strong>de</strong> uma coerência plena e<br />

consciência global entre estes dois objectivos, constitui o terceiro objectivo 177 , que constitui “um<br />

dos gran<strong>de</strong>s segredos para o sucesso geral do empreendimento Expo’98” 178 e que se<br />

materializa num projecto capaz <strong>de</strong> conciliar eficazmente a realização da exposição, com os<br />

usos futuros dos seus espaços e construções permanentes.<br />

Como objectivo cultural, visava-se, através do tema <strong>de</strong>finido para a Exposição Mundial: “Os<br />

Oceanos: um Património para o Futuro”, promover uma reflexão profícua em torno da temática<br />

oceanológica, renunciando uma óptica estritamente historicista, e propondo a “revisão do tema<br />

nas suas perspectivas <strong>de</strong> futuro, relacionando-o com a ciência, a política, a tecnologia e as<br />

artes.” 179<br />

A difícil tarefa <strong>de</strong> harmonizar, estruturar e dirigir o projecto <strong>de</strong> reabilitação urbana e do espaço<br />

expositivo geral, ficou a cargo do arquitecto Manuel Salgado, que pensou o projecto da<br />

Expo’98, na totalida<strong>de</strong>. O atelier Risco, distinguido pela realização <strong>de</strong>ste projecto com o Prémio<br />

Valmor em 1998 e com o Prémio do Instituto Português <strong>de</strong> Design, em 1999, ficaria então<br />

responsável pelo projecto geral do recinto, projectos <strong>de</strong> infra-estruturas, espaços públicos e<br />

zonas ver<strong>de</strong>s, assim como as estruturas modulares <strong>de</strong>stinadas aos restaurantes e outros<br />

equipamentos <strong>de</strong> apoio, os pavilhões modulares para a área internacional sul, áreas das<br />

organizações nacionais e internacionais, e projectos para o Edifício Olímpico (actualmente<br />

<strong>Lisboa</strong>/Expo), o Anfiteatro ao Ar Livre, o restaurante junto à Doca dos Olivais e o Teatro<br />

Camões/ Sala Júlio Verne. 180<br />

Através do <strong>de</strong>senvolvimento do projecto imobiliário, da malha resi<strong>de</strong>ncial e <strong>de</strong> um projecto <strong>de</strong><br />

uma exposição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões, são <strong>de</strong>senhados dois eixos principais, um longitudinal,<br />

paralelo à linha ferroviária, nomeado Alameda dos Oceanos e um eixo perpendicular a este,<br />

177<br />

Eng. José <strong>de</strong> Melo Torres Campos – Relatório da Exposição Mundial <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong> 1998 (realizado<br />

para apresentação ao Bureau International <strong>de</strong>s Expositions). <strong>Lisboa</strong>: Expo’98, Dezembro 1998, pp. 9-11.<br />

Disponível em: http://www.portaldasnacoes.pt/images/stories/documentos/parque_das_nacoes/historia_<br />

patrimonio/expo_98/expo_98/ficheiro/Relatorio.pdf<br />

178<br />

I<strong>de</strong>m, p. 51.<br />

179<br />

Informação disponível em: http://www.parqueexpo.pt/conteudo.aspx?lang=pt&id_object=692&name=<br />

EXPO'98<br />

180<br />

Atelier RISCO – Expo’98: Espaço Público do Recinto. Disponível em:<br />

www.risco.org/pt/02_04_expo98.html<br />

77


que estabelece uma forte linha <strong>de</strong> visão para o Tejo, com início na Av. <strong>de</strong> Berlim, agarrando o<br />

aeroporto <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, a Estação do Oriente e rasgando a cida<strong>de</strong> até ao rio. Partindo <strong>de</strong>stes<br />

eixos principais foi <strong>de</strong>senhada uma malha <strong>de</strong> 7 por 7m, que estabelece a base <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho do<br />

espaço público, “que estrutura o <strong>de</strong>senho do chão, e <strong>de</strong>fine as regras <strong>de</strong> localização <strong>de</strong><br />

imobiliário, equipamentos, infra-estruturas, plantações e intervenções artísticas” 181 . Definidas<br />

as principais orientações, salienta-se a relevância do espaço público em toda a área <strong>de</strong><br />

intervenção, como elemento essencial da reconversão urbana e na unificação dos diferentes<br />

projectos permanentes e temporários que constituíram o recinto da Expo’98.<br />

O protagonismo que o Arq. Manuel Salgado conferiu ao tratamento do espaço público <strong>de</strong>u azo<br />

a um projecto <strong>de</strong> arte pública sem prece<strong>de</strong>ntes, que constitui hoje em dia “um dos mais<br />

relevantes núcleos na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, reunindo não só reconhecidos criadores<br />

internacionais, como prestigiados autores nacionais, nalguns casos <strong>de</strong> escassa ou nula<br />

representação na malha urbana da Capital.” 182 Segundo António Mega Ferreira, o programa <strong>de</strong><br />

arte urbana da Parque Expo’98, “representa a soma <strong>de</strong> partes que se foram afigurando como<br />

elementos indispensáveis à construção da paisagem, não como figurações <strong>de</strong>corativas, mas<br />

como topoi <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução e reconstrução do espaço urbano que culmina<br />

no recinto da Expo’98 mas se prolonga, inevitavelmente por toda a zona <strong>de</strong> intervenção.” 183<br />

Invulgar e <strong>de</strong> relevância no panorama nacional <strong>de</strong>vido ao tratamento dado à implantação e<br />

presença das obras <strong>de</strong> arte contemporânea no espaço público, o interesse por este aspecto<br />

surge numa fase ainda inicial e mantêm-se ao longo <strong>de</strong> todo <strong>de</strong>senvolvimento da obra como<br />

conceito chave e, ainda, como principal razão pela qual este programa prosperou e resultou em<br />

sucesso.<br />

Encarregue <strong>de</strong> pensar a intervenção dos artistas, António Campos Rosado explica: “não nos<br />

limitámos a <strong>de</strong>slocar obras <strong>de</strong> arte existentes para um local público, nem é isso que torna o<br />

objecto artístico um objecto <strong>de</strong> arte pública ou urbana, no sentido público, citadino e<br />

metropolitano. Um objecto <strong>de</strong> arte pública é pensado <strong>de</strong> raiz para essa situação.(…) Neste<br />

sentido, a articulação das esculturas com as suas i<strong>de</strong>ias, das esculturas com o espaço<br />

ambiental/urbano/arquitectónico/vivencial da zona é fulcral para o sucesso que muitas vezes<br />

não é reconhecido imediatamente. A existência <strong>de</strong>sses objectos é sentida pelo visitante <strong>de</strong><br />

uma forma por vezes quase subliminar” 184<br />

Procurava-se que, através <strong>de</strong> cada intervenção, um espaço público anónimo se tornaria num<br />

espaço <strong>de</strong> estada, num espaço humanizado que contrariaria o “monolitismo característico da<br />

cida<strong>de</strong>”; para isso era pedido aos artistas que consi<strong>de</strong>rassem na “i<strong>de</strong>alização e integração da<br />

181<br />

Atelier RISCO – op. cit., não paginado.<br />

182<br />

Informação disponível em: http://www.lisboapatrimoniocultural.pt/itinerarios/Paginas/Itinerario-Parquedas-Nacoes.aspx<br />

183<br />

António Mega Ferreira – “Figuras Livres”. Arte Urbana. <strong>Lisboa</strong>: Parque Expo 98 S.A., 1998, p. 9<br />

184<br />

António <strong>de</strong> Campos Rosado, um dos responsáveis pelo projecto <strong>de</strong> Arte Pública na Expo 98 em<br />

entrevista ao NetParque , disponível em http://www.netparque.pt/NPShowStory.asp?id=261976<br />

78


sua obra no espaço público” a forma como esta po<strong>de</strong>ria tornar o lugar on<strong>de</strong> seria implantada<br />

num lugar <strong>de</strong> referência para o cidadão, que assumissem para as suas obras um carácter <strong>de</strong><br />

reacção contra a “indiferença generalizada, sugerindo ao individuo um objecto paradoxal e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da malha urbana” que resultasse não só como elemento transgressor e<br />

“não pacificado, <strong>de</strong>ntro da estrutura da cida<strong>de</strong>” mas também, que, ultrapassando o valor<br />

estético do gesto artístico, os criadores questionassem o “valor estético da sua obra e o lugar<br />

que esta ocupa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica espacial.” 185<br />

Sobre o processo <strong>de</strong> trabalho adoptado com os artistas, Manuel Salgado explica: “A nossa<br />

primeira preocupação foi a relação da arte urbana como o passado. Não pretendíamos um<br />

discurso passadista. Depois <strong>de</strong> discutirmos um pouco que tipo <strong>de</strong> intervenção é que podíamos<br />

ter (...) Foi necessário <strong>de</strong>cidir on<strong>de</strong> localizar as peças. (…) Foi um trabalho interessante:<br />

integrar uma forte componente <strong>de</strong> arte urbana num espaço recém-nascido, sem cair na<br />

tentação <strong>de</strong> o rechear com referências à História <strong>de</strong> Portugal. (…) Pensávamos uma peça para<br />

um <strong>de</strong>terminado local. Havia uma conversa com o artista em que se <strong>de</strong>finia a peça,<br />

consi<strong>de</strong>rávamos a altura, o espaço on<strong>de</strong> se inseria, a forma como seria vista <strong>de</strong> vários<br />

sítios.” 186<br />

A diversida<strong>de</strong> das obras, dos vinte e quatro artistas seleccionados para intervir, não só no<br />

recinto, mas também ao longo do que é agora o Parque das Nações é visível no funcionalismo<br />

<strong>de</strong> Kanimambo, <strong>de</strong> Ângela Ferreira, no carácter arquitectónico <strong>de</strong> obras como Penélope, <strong>de</strong><br />

Fernanda Fragateira ou a obra <strong>de</strong> Pedro Cabrita Reis no viaduto da Av. Marechal Gomes da<br />

Costa e rotunda da Expo98; em esculturas como Rizoma <strong>de</strong> Antony Gormley, ou Homem-Sol<br />

<strong>de</strong> Jorge Vieira, no movimento <strong>de</strong> Reflexo do céu, navegante <strong>de</strong> Susumu Shingu, na postura<br />

historicista do Lago das Tági<strong>de</strong>s <strong>de</strong> João Cutileiro, simbólica <strong>de</strong> Ilha <strong>de</strong> repouso <strong>de</strong> Rui<br />

Sanches e Onda Luso Americana <strong>de</strong> Stephen Frietch e Steven Spurlock, ou na perspectiva<br />

lúdica <strong>de</strong> obras como Cursiva <strong>de</strong> Amy Yoes; nas soluções bidimensionais <strong>de</strong> pavimento,<br />

<strong>de</strong>staca-se por exemplo, a praça da Porta Sul <strong>de</strong> Pedro Calapez, a intervenção <strong>de</strong> Fernando<br />

Conduto no Rossio dos Olivais, a <strong>de</strong> Pedro Proença, no cais dos argonautas, a <strong>de</strong> Xana no<br />

Cais Português, e os murais, Haveráguas <strong>de</strong> Roberto Matta, ou Navigatio Sancti Brendanni<br />

Abbatis <strong>de</strong> Ilda David.<br />

De entre o enorme espectro <strong>de</strong> obras realizadas surge, como caso singular, a participação da<br />

artista Fernanda Fragateiro, não só relevante pelo facto <strong>de</strong> constituir a intervenção mais<br />

extensa realizada, incluindo os Jardins <strong>de</strong> Água e o Jardim das Ondas, mas também por<br />

constituir o único caso colaborativo <strong>de</strong>ntro do programa <strong>de</strong> arte pública. Segundo Manuel<br />

Salgado – “o trabalho <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, ao contrário dos outros artistas, foi <strong>de</strong>senvolvido<br />

em colaboração constante connosco. Tínhamos uma i<strong>de</strong>ia para aquele jardim da água, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

i<strong>de</strong>ia da fonte que acaba no rio àquelas formas. Convidámos a Fernanda para fazer várias<br />

185 António Manuel Pinto – “Arte Urbana: entre o espaço público e o espaço humano”. Arte Urbana.<br />

<strong>Lisboa</strong>: Expo 98, 2000, p. 13.<br />

186 Manuel Salgado – op. cit., pp. 20-22.<br />

79


intervenções e ela contribuiu muito para o projecto, contando uma história inspirada em Virginia<br />

Wolf. Havia um muro e ela propôs que o muro funcionasse como uma cortina, <strong>de</strong>pois propôs<br />

uns bancos e uma girafa a ver-se ao espalho. Num sítio com o chão em calçada que era para<br />

ser trabalhada propôs aquela malha/tricôt infindável. Apresentou várias contribuições que<br />

enriqueceram o conceito que existia para uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> organização geral daquele espaço.” 187<br />

Para além da clara influência que a artista teve no <strong>de</strong>senho dos Jardins <strong>de</strong> Água, interessa-<br />

nos, acima <strong>de</strong> tudo, explorar a sua outra obra, o Jardim das Ondas, na qual a colaboração com<br />

o arquitecto paisagista João Gomes da Silva foi <strong>de</strong> tal modo equilibrada e profícua que o<br />

resultado final paira entre o objecto <strong>de</strong> arte e um jardim ou espaço <strong>de</strong> estada, sendo difícil<br />

i<strong>de</strong>ntificar on<strong>de</strong> acaba o trabalho da artista e começa o do arquitecto paisagista e vice-versa,<br />

uma obra que se situa na linha invisível <strong>de</strong>scrita por Mark Wigley 188 .<br />

A intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro:<br />

Fernanda Fragateiro e o Arq. João Gomes da Silva colaboram com o Arq. Manuel Salgado no<br />

projecto dos Jardins <strong>de</strong> Água, <strong>de</strong>vido ao sucesso da obra e ao facto <strong>de</strong> a colaboração surgir<br />

com muita facilida<strong>de</strong> e naturalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m prolongá-la para o Jardim das Ondas, espaço<br />

<strong>de</strong>stinado a receber um projecto <strong>de</strong> João Gomes da Silva para o qual já havia uma série <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senhos.<br />

A postura do arquitecto é, neste caso, essencial para o sucesso <strong>de</strong>ste projecto: “Devo dizer,<br />

que foi um projecto muito personalizado, (…) ao contrário <strong>de</strong> outros espaços que envolveram<br />

outras pessoas, houve, <strong>de</strong> uma forma talvez mais inconsciente da minha parte e <strong>de</strong> uma forma<br />

mais controlada e consciente da parte <strong>de</strong>la, tal como é muitas vezes próprio entre os homens e<br />

as mulheres, essa intenção e disponibilida<strong>de</strong>, sobretudo disponibilida<strong>de</strong>, para o fazer. Portanto,<br />

a minha posição foi – Bom, temos uma hipótese mas estamos completamente abertos para<br />

explorar outra e, portanto, como é que vamos fazer, como é que vamos trabalhar? A posição<br />

do lado <strong>de</strong>la foi um pouco diferente, até porque os artistas funcionam muito mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

da noção <strong>de</strong> autoria e trabalham <strong>de</strong> uma forma normalmente muito mais isolada do que<br />

arquitectos.” 189 Para a artista: “Embora seja um trabalho <strong>de</strong> colaboração, tem uma linha<br />

divisória bastante marcada. No fundo, o que o João Gomes da Silva faz é permitir que aquele<br />

projecto aconteça (…) é uma coisa muito importante. (…) Eu proponho aquele projecto e<br />

concebo-o sozinha e o que o João faz, é enten<strong>de</strong>r, respeitar imenso e contribuir, com o saber<br />

<strong>de</strong>le, para que aquele projecto seja possível, mesmo que os outros paisagistas ligados ao<br />

próprio espaço da Expo, achassem que aquele espaço não era viável, não funcionava ou que<br />

tinha uma artificialida<strong>de</strong> que não coincidia com a linguagem do resto do espaço.” 190<br />

187 I<strong>de</strong>m, p. 25.<br />

188 Mark Wigley – op. cit., p. 29.<br />

189 Excerto da entrevista realizada pela autora ao Arq. João Gomes da Silva.<br />

190 Excerto da entrevista realizada pela autora a Fernanda Fragateiro.<br />

80


A resistência ao projecto por parte dos restantes arquitectos paisagistas <strong>de</strong>ve-se à insistência<br />

da artista, apoiada <strong>de</strong> forma incontestável pelo arquitecto, na utilização <strong>de</strong> matérias orgânicas<br />

na mo<strong>de</strong>lação do terreno. José Veludo foi um dos arquitectos que se opôs à realização da<br />

obra, alegando que a não utilização <strong>de</strong> matérias rígidas, punha em causa a manutenção <strong>de</strong> um<br />

espaço <strong>de</strong> apropriação intensa e que na sua formulação continha situações <strong>de</strong> limite <strong>de</strong><br />

fragilida<strong>de</strong>. Por outro lado, para artista, sendo que o espaço, não era um jardim normal, “era<br />

uma coisa muito especial que, teria sempre <strong>de</strong> ter um tratamento exclusivo” 191 , possibilitado<br />

pelo contexto expositivo em que seria criado e pelo estatuto <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> arte.<br />

O Jardim das Ondas, surge como mais um dos espaços públicos <strong>de</strong> lazer projectados no<br />

âmbito da Expo’98, mas diferenciando-se, no sentido em que a arte pública, não só serve como<br />

referência para o cidadão, para dinamizar ou criar um i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> para o lugar, neste caso<br />

particular, a arte é tudo isto mas é também em si, o lugar, integrando-se <strong>de</strong>ntro do conceito <strong>de</strong><br />

art-as-public-place e <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> Land Art que admite ser habitada e vivida integralmente<br />

pelo espectador.<br />

Partindo <strong>de</strong> um amplo espaço disponível - cerca <strong>de</strong> um hectare - <strong>de</strong>stinado à utilização lúdica<br />

dos visitantes, a artista e o arquitecto paisagista irão pensá-lo como tal, e integrá-lo <strong>de</strong>ntro da<br />

temática geral da exposição. A inspiração surge no movimento das águas, não só nas ondas<br />

como na sua propagação quando algo se <strong>de</strong>posita sobre a sua superfície. Este padrão surge<br />

agora <strong>de</strong> uma forma estática e terrena, captado no tempo como uma fotografia tridimensional e<br />

representado na topografia do jardim, conferindo, a um espaço que ten<strong>de</strong> a ser plano, um<br />

dinamismo e flui<strong>de</strong>z que dificilmente se consegue através do simples tratamento e<br />

diferenciação <strong>de</strong> espaços neste tipo <strong>de</strong> projectos.<br />

Embora a sua escala só permita a sua total apreciação e entendimento pleno, através <strong>de</strong> um<br />

distanciamento significativo ou <strong>de</strong> uma perspectiva aérea, cada alteração no terreno ou<br />

apontamento arbóreo é entendido por Fernanda Fragateiro como micro espaço <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

plano maior e globalizante <strong>de</strong> todas as acções. A colaboração po<strong>de</strong> ser visível nas diferentes<br />

escalas às quais o projecto, tanto artístico como paisagístico, <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer, e na coerência<br />

com que cada uma encaixa na outra e o torna tanto funcional como simbólico e esteticamente<br />

completo.<br />

191 I<strong>de</strong>m.<br />

81


Fig. 101. Maquete em gesso realizada por Fernanda Fragateiro. Fig. 102. Planta <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação e Corte transversal do terreno.<br />

O solo é utilizado como matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação, e os elementos naturais como o sol, água e<br />

vegetação como materiais <strong>de</strong> sensorialida<strong>de</strong>; o espaço compõe-se por várias elevações ou<br />

<strong>de</strong>pressões no solo, totalmente relvado, pontuado na sua extremida<strong>de</strong> sul e poente por<br />

árvores. Para recriar os vários efeitos da água <strong>de</strong>finidos numa maqueta realizada em gesso,<br />

foram realizados rigorosos cortes sistemáticos na planta que seriam recriados através da<br />

mo<strong>de</strong>lação mecânica <strong>de</strong> solo arenoso. Um primeiro impasse no projecto, surgiu na verificação<br />

<strong>de</strong> que somente através da direcção directa, do trabalho pelos autores no local, se chegaria ao<br />

resultado imaginado, e que da mesma forma, a fotografia aérea ou <strong>de</strong> ângulos elevados seria o<br />

único meio <strong>de</strong> controlo eficaz da obra durante a sua construção.<br />

Fig. 103. Imagem geral da construção/mo<strong>de</strong>lação do terreno.<br />

Todos os aspectos estéticos, técnicos e <strong>de</strong> futura manutenção do espaço foram alvo <strong>de</strong><br />

discernimento e preocupação por ambos os autores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolha do material <strong>de</strong><br />

acabamento da superfície relvada, à rega, que se quis fixa, automática e invisível “<strong>de</strong> forma a<br />

criar resistência ao material nos meses em que o clima mediterrânico <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> ten<strong>de</strong> a<br />

diminuir a sua vitalida<strong>de</strong>”. 192<br />

192 António Campos Rosado – Co-laborações: Arquitectos/Artistas. <strong>Lisboa</strong>: Parque Expo 98, 2000, p. 107.<br />

82


Fig. 104. Revestimento, forma e apropriação do espaço.<br />

Embora se tenha tentado prevenir, quando a Expo’98 fechou portas, o jardim encontrava-se em<br />

mau estado <strong>de</strong> conservação, <strong>de</strong>vido à intensa utilização a que tinha sido sujeito e<br />

consequência positiva do seu sucesso que gerou como espaço público <strong>de</strong> lazer.<br />

Depois <strong>de</strong> realizados os necessários trabalhos <strong>de</strong> manutenção, e passado mais <strong>de</strong> uma<br />

década da sua construção, o Jardim das Ondas, mantém-se como um importante espaço<br />

público <strong>de</strong> vivência comunitária, diariamente apropriado <strong>de</strong> variadas formas e por diferentes<br />

gerações. Ainda po<strong>de</strong>mos observar em qualquer visita, adultos que nele se sentam à sombra<br />

<strong>de</strong> uma árvore, que passeiam e atravessam os seus socalcos, jovens que o escolhem para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas ou crianças que rebolam nas suas ondas.<br />

Fig. 105. Jardim das Ondas, vista Este. Fig. 106. Jardim das Ondas, vista Sul. Fig. 107. Jardim das Ondas, vista Norte.<br />

83


VI<br />

NOVAS DINÂMICAS COLABORATIVAS.


6.1. INTERDISCIPLINARIDADE COM MÉTODO DE ACÇÃO.<br />

“Eu acho que a maior vantagem é a aprendizagem. Mesmo que não queiramos, estamos<br />

sempre a ser preconceituosos, não é?<br />

É, <strong>de</strong> facto, muito importante, questionarmos a forma como trabalhamos, e sobre esse ponto<br />

<strong>de</strong> vista, o trabalhar com pessoas com uma visão diferente, como no caso dos artistas<br />

plásticos, é uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> questionar as coisas <strong>de</strong> forma diferente. Podiam ser outros<br />

olhares, mas é mais fácil encontrar no campo das artes, olhares críticos que questionem o está<br />

a ser feito. Eu acho que a importância esgota-se toda aí. Depois há uma outra dimensão, já<br />

menos importante, que é a dimensão daquilo que se produz, porque aquilo que eu estava a<br />

falar anteriormente era da dimensão do processo.<br />

O processo é mesmo a coisa mais importante, talvez no início, uma pessoa não veja isso com<br />

clareza, mas à medida que os anos vão avançando, eu acho que isso se torna mais claro. O<br />

que nos alimenta mais, que nos dá aprendizagem, aquilo que nos apaixona, aquilo que nos dá<br />

vida é sempre o processo e, não tanto, o resultado.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. José Veludo.


6.1. A INTERDISCIPLINARIDADE COM MÉTODO DE ACÇÃO.<br />

Aliada à especialização disciplinar, que tem vindo a ocorrer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do séc. XX, cada vez<br />

se torna mais pertinente explorar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stas novas metodologias <strong>de</strong> trabalho a<br />

nível interdisciplinar. Aliado ao facto <strong>de</strong> que as disciplinas têm limitado cada vez mais o seu<br />

campo <strong>de</strong> acção, surge assim uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cooperação entre<br />

vários actores para a resolução <strong>de</strong> problemas, a um nível geral. Especificamente sobre as<br />

disciplinas que intervêm no <strong>de</strong>senho da cida<strong>de</strong>, surge o facto <strong>de</strong> o espaço urbano se ter<br />

tornado incrementalmente complexo <strong>de</strong> resolver e trabalhar, a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaços e a sua<br />

<strong>de</strong>manda a utilizações e programas variados requer a intervenção <strong>de</strong> várias especialida<strong>de</strong>s,<br />

que i<strong>de</strong>almente se reúnem e disponibilizam os seus conhecimentos e processos para melhor<br />

satisfazer os novos requisitos da urbe contemporânea.<br />

Toda a colaboração tem por base a interdisciplinarida<strong>de</strong> mas, quando falamos <strong>de</strong><br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>, não nos referimos à clássica cooperação entre as artes, como a<br />

tradicional integração <strong>de</strong> obras arquitectónicas e escultóricas num mesmo espaço, ou ainda, à<br />

óbvia coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> diferentes especialida<strong>de</strong>s técnicas que se unem em torno do projecto<br />

arquitectónico (projecto <strong>de</strong> estruturas, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s interiores <strong>de</strong> energia, iluminação, comunicação,<br />

abastecimento <strong>de</strong> águas e climatização). A interdisciplinarida<strong>de</strong> com a qual i<strong>de</strong>ntificamos a<br />

acção colaborativa, e na qual nos queremos focar, é muito mais do que a adição <strong>de</strong> um número<br />

<strong>de</strong> competências técnicas que se sobrepõem num mesmo objectivo final, ou da divisão <strong>de</strong> um<br />

projecto em várias partes componentes, (como exemplo: edificado, trabalho exterior e obra <strong>de</strong><br />

arte) sobre as quais cada disciplina se encarrega da sua parte num processo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a<br />

que Pedro Brandão classifica <strong>de</strong> “pluridisciplinarida<strong>de</strong> ou multidisciplinarida<strong>de</strong>” 193 ou uma<br />

simples relação <strong>de</strong> cooperação disciplinar.<br />

Numa perspectiva inicial, a colaboração apresenta uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperação; no<br />

entanto, o trabalho das várias partes consiste num processo, coor<strong>de</strong>nado, sincronizado e<br />

aberto, que só resulta <strong>de</strong> uma insistência contínua na construção e manutenção <strong>de</strong> uma visão<br />

partilhada do problema, ou simplesmente, <strong>de</strong> um interesse mútuo <strong>de</strong> todos os participantes em<br />

coor<strong>de</strong>nar esforços para a resolução <strong>de</strong> um problema ou construção <strong>de</strong> um novo objecto. É, no<br />

entanto importante, para o esclarecimento do tema, o que distingue a pluridisciplinarida<strong>de</strong> da<br />

transdisciplinarida<strong>de</strong>?<br />

Primeiramente, e segundo Olga Pombo, a interdisciplinarida<strong>de</strong> surge como “mais do que a<br />

pluridisciplinarida<strong>de</strong> e menos do que a transdisciplinarida<strong>de</strong>.” 194 Estabelecida a hierarquia entre<br />

193 Pedro Brandão – Ética e Profissões, no Design Urbano: Convicções, responsabilida<strong>de</strong> e<br />

Interdisciplinarida<strong>de</strong>; Livro I - As I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do Desenho e a Cida<strong>de</strong>. Departamento <strong>de</strong> Escultura da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Barcelona: Tese <strong>de</strong> Doutoramento, 2005, p.141.<br />

194 Olga Pombo, Henrique M. Guimarães e Teresa Levy – A Interdisciplinarida<strong>de</strong>: Reflexão e Experiência,<br />

2ª Ed. <strong>Lisboa</strong>: Texto Editora, 1994, p. 11.<br />

84


os diferentes modos nas quais as disciplinas se relacionam e articulam, os dois extremos são<br />

<strong>de</strong>finidos da seguinte forma:<br />

A pluridisciplinarida<strong>de</strong>, sinónimo <strong>de</strong> multidisciplinarida<strong>de</strong>, é entendida como a colaboração<br />

entre disciplinas com vista à recolha <strong>de</strong> informações provenientes das disciplinas envolvidas ou<br />

à análise conjunta <strong>de</strong> um mesmo objecto, num período temporal limitado e pontual, para a<br />

análise <strong>de</strong> um problema concreto, sem que se dêem alterações estruturais ou enriquecimento<br />

no processo normal <strong>de</strong> cada disciplina, ou seja, não implica uma integração conceptual interna.<br />

Assim como acontece na arquitectura, várias disciplinas unem-se em torno <strong>de</strong> um único<br />

objecto, o edifício, a pluridisciplinarida<strong>de</strong> propõe que o conjunto disciplinar se encontra ao<br />

serviço, exclusivamente da disciplina que contem o objecto <strong>de</strong> estudo. Esta metodologia <strong>de</strong><br />

trabalho ten<strong>de</strong> para a interdisciplinarida<strong>de</strong> “quando as relações <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre<br />

disciplinas emergem. Passa-se então do simples intercâmbio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias a uma cooperação e a<br />

uma certa compenetração das disciplinas.” 195<br />

A transdisciplinarida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifica-se com o nível máximo <strong>de</strong> integração disciplinar e acontece<br />

quando duas ou mais disciplinas se unem, fora do seu âmbito profissional e disciplinar, <strong>de</strong><br />

modo a encontrar uma linguagem comum, centrada numa problemática complexa e com certa<br />

autonomia conceptual, que po<strong>de</strong> evoluir para o <strong>de</strong>senvolvimento para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

nova área <strong>de</strong> conhecimento, ou uma nova disciplina. “Trata-se <strong>de</strong> uma forma extrema <strong>de</strong><br />

integração disciplinar (…) rompendo fronteiras entre as disciplinas envolvidas, ela implicaria<br />

profundas alterações” 196 na estrutura do conhecimento.<br />

Finalmente a interdisciplinarida<strong>de</strong> aponta para um nível intermédio, para uma noção <strong>de</strong> relação<br />

recíproca e um espaço comum mas <strong>de</strong>lineado entre disciplinas. Diferindo, assim, da simples<br />

adição disciplinar, no momento em que procura uma síntese relativamente a um objecto<br />

comum e permite a transferência <strong>de</strong> conceitos, metodologias, integração <strong>de</strong> conceitos, e a<br />

“utilização <strong>de</strong> métodos próprios <strong>de</strong> pesquisa em zonas <strong>de</strong> fronteira que po<strong>de</strong>m pôr em causa os<br />

saberes e práticas instituídas” 197 e tem ainda, ao contrário da pluridisciplinarida<strong>de</strong>, no que<br />

consta ao resultado, o enriquecimento recíproco das disciplinas envolvidas.<br />

A questão mais imediata, que surge sobre a colaboração ou relações interdisciplinares entre<br />

artistas e arquitectos, é o facto <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> qualquer projecto requer, como<br />

sabemos, uma série <strong>de</strong> participantes e intermediários para a sua concretização e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, esta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrência a outras especialida<strong>de</strong>s técnicas e<br />

científicas, é encarada pelos arquitectos com naturalida<strong>de</strong>, no entanto, a ameaça ao seu<br />

domínio estético e <strong>de</strong> escala, pelas disciplinas criativas, como a arte ou o <strong>de</strong>sign, traz à<br />

superfície alguma tensão, associada por alguns autores, como <strong>de</strong>rivada da autonomia<br />

195 I<strong>de</strong>m, pp. 92-97<br />

196 Olga Pombo – op. cit., p. 13.<br />

197 Pedro Brandão - Ética e Profissões, no Design Urbano: Convicções, Responsabilida<strong>de</strong> e<br />

Interdisciplinarida<strong>de</strong>; Livro II - Profissão <strong>de</strong> Arquitecto: I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e Prospectiva. Departamento <strong>de</strong><br />

Escultura da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Barcelona: Tese <strong>de</strong> Doutoramento, 2005, p. 216.<br />

85


disciplinar e a separação, especificamente entre estas disciplinas, no movimento mo<strong>de</strong>rno. Por<br />

outro lado, especificamente para os artistas <strong>de</strong> estúdio, embora entendam os benefícios e<br />

<strong>de</strong>sejem a instalação das suas obras no espaço público e no edificado urbano, esta questão<br />

põe-se como uma invasão do seu ego criativo, da sua privacida<strong>de</strong> e do seu solitário processo<br />

artístico.<br />

O artista Andrew Drake, expõe esta preocupação, no sentido em que “uma obra <strong>de</strong> arte só tem<br />

integrida<strong>de</strong> quando o artista tem sobre ela controle absoluto, trabalhando todos os aspectos no<br />

seu estúdio” 198 . Neste tipo <strong>de</strong> situação, a necessária partilha do processo criativo e a sensação<br />

<strong>de</strong> perda <strong>de</strong> controlo sobre o mesmo, po<strong>de</strong> tornar a colaboração num processo, por vezes<br />

ingrato e esgotante. É importante referir também que, embora isto seja verda<strong>de</strong> para os<br />

“studio-based artists”, esta situação é atenuada quando nos referimos a artistas que já fizeram<br />

a transição para o domínio público e que já se habituaram a <strong>de</strong>legar a produção da sua obra,<br />

ou que já apresentam capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dialogo com vários autores como o público, clientes,<br />

curadores e administradores, como é o caso <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro. Para este tipo <strong>de</strong> artistas,<br />

o trabalho interdisciplinar <strong>de</strong>senvolve-se com maior diligência, e na opinião <strong>de</strong> Will Alsop,<br />

embora as “<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> terceiros, seja um choque e um <strong>de</strong>safio, tornam também o trabalho<br />

extremamente estimulante.” 199<br />

Concluímos, assim, que este tipo <strong>de</strong> colaboração tem como característica principal, a ênfase<br />

no processo criativo, e não tanto no objecto final, segundo o arquitecto Will Alsop: “(…) a<br />

colaboração tem-se tornado mais significante que a obra; os meios em vez do fim; o processo,<br />

não o resultado; a sensação e não a responsabilida<strong>de</strong>. O preenchimento <strong>de</strong> tempo significativo,<br />

não a missão” 200 . O crítico <strong>de</strong> arte Jeff Kelly, refere também que a colaboração é um processo<br />

<strong>de</strong> transformação mutua, em que mais importante que o resultado final é a transformação que<br />

ocorre no processo criativo, explicando que, colaboração ”significa que artistas e arquitectos,<br />

po<strong>de</strong>m nem criar um objecto <strong>de</strong> arte nem <strong>de</strong> arquitectura (…) em vez disso, é a procura<br />

daqueles momentos híbridos no processo colaborativo, nos quais tanto a arte como a<br />

arquitectura, na sua forma reconhecível e i<strong>de</strong>ntificável, <strong>de</strong>saparecem e dão lugar a outra coisa,<br />

uma coisa que não é nem uma, nem outra.” 201<br />

Entram, mais uma vez, em cena as teorias <strong>de</strong> negação <strong>de</strong> Rosalind Krauss, já referidas na<br />

conclusão do primeiro capítulo. Ao afirmar que o resultado <strong>de</strong> uma colaboração honesta e<br />

plena entre artistas e arquitectos é algo que não representa ou que não se insurge como uma<br />

obra <strong>de</strong> arte ou como arquitectura, coloca o produto da colaboração entre estas duas áreas<br />

num campo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição no qual Krauss colocou as novas práticas artísticas que surgem a<br />

partir dos anos 60. Acerca <strong>de</strong>sta in<strong>de</strong>finição em relação ao resultado da colaboração, Mark<br />

198<br />

Maggie Toy – op. cit., p. 27. Trad. Livre.<br />

199<br />

Will Alsop – “Frames of Mind”, Frontiers: Artists & Architects. Architectural Design, Vol. 68, Nº 7/8, July-<br />

August, 1997, p. 28. Trad. Livre.<br />

200<br />

I<strong>de</strong>m, p. 28. Trad. Livre<br />

201<br />

Jeff Kelly – “Common Work”, Mapping the Terrain: New Genre Public Art. Washington: Bay Press,<br />

1995, p. 140. Trad. Livre.<br />

86


Wigley, explica <strong>de</strong> forma clara que “colaboração não se resume a pessoas talentosas, <strong>de</strong><br />

diferentes campos, a trabalharem juntas em projectos estimulantes. A colaboração começa<br />

realmente quando já não é nítido quem é o responsável pelo quê. Duas pessoas assinam um<br />

projecto que não existe, no trabalho, nenhuma linha visível que nos permita atribuir a cada uma<br />

<strong>de</strong>las as diferentes partes ou papeis, nenhuma divisão clara entre a arte e a arquitectura.” 202<br />

202 Marx Wigley – op. cit., p. 25. Trad. Livre.<br />

87


6.2. PROBLEMÁTICA DAS NOVAS DINÂMICAS COLABORATIVAS.<br />

“Se calhar, um dia vai surgir um projecto, e eu gostaria <strong>de</strong> trabalhar com João Maria Ventura<br />

Trinda<strong>de</strong> nesses mol<strong>de</strong>s, que nasça dos dois, que seja uma verda<strong>de</strong>ira colaboração, ou seja,<br />

que eu não seja chamada a comentar um projecto <strong>de</strong>le, mas que possamos pensar e construir<br />

qualquer coisa juntos, na qual não se distinga arquitecto <strong>de</strong> artista, e isso se calhar é a parte<br />

mais limite da colaboração, que é muito, muito difícil <strong>de</strong> acontecer.”<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.<br />

“Há uma coisa, que acho que é importante dizer-lhe: É que, à partida, um artista plástico é<br />

aquele que leva até ao fim a realização da sua obra, isto para dizer, que a <strong>de</strong>terminada altura<br />

nestes processos, a materialização escapa às nossas mãos. Isso é um problema porque, na<br />

materialização, tudo, incluído o mais pequeno pormenor, é importante para o processo, e nem<br />

sempre é possível controlar todas as coisas que acontecem em obra. E também aconteceram<br />

aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stes nesta obra, ou seja, a <strong>de</strong>terminada altura, aquilo que se tinha na cabeça, na<br />

da Fernanda e na nossa, não se conseguiu materializar.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. José Veludo.<br />

“Quando as coisas não correm como eu gostaria que corressem, tenho alguma dificulda<strong>de</strong> em<br />

aceitar esses erros, e é um <strong>de</strong>feito meu.<br />

(…)<br />

Acho que o Herzog, ao contrário da maioria dos arquitectos, tem uma enorme curiosida<strong>de</strong><br />

relativamente áquilo que o artista po<strong>de</strong> trazer. Se calhar é mesmo dos poucos arquitectos que<br />

tem. O problema dos arquitectos é que têm um <strong>de</strong>sejo, quase incontrolável, <strong>de</strong> controlar todo o<br />

processo, e o facto <strong>de</strong> pensarem que o artista po<strong>de</strong> contaminar esse processo é um risco muito<br />

gran<strong>de</strong> para a sua imagem.”<br />

Excerto da entrevista realizada a Fernanda Fragateiro.


6.2. PROBLEMÁTICA DAS NOVAS DINÂMICAS COLABORATIVAS.<br />

“It is like that story about two thieves who hole up in an abandoned restaurant to plan their next<br />

job. While they are plotting in the basement kitchen, the dumbwaiter comes down and there is<br />

an or<strong>de</strong>r for fried chicken, Southern style. “What shall we do” asks one. “Quick fill the or<strong>de</strong>r,”<br />

says the other, “or they’ll come and find us.” So they send up some fried chicken Southern style.<br />

But then another or<strong>de</strong>r comes down, and another and they keep filing them and sending them<br />

up. This is what happened to our revolution.” 203<br />

Através <strong>de</strong>sta alegoria, o artista Siah Armajani, <strong>de</strong>screve o sentimento <strong>de</strong> alguns artistas<br />

perante a complexida<strong>de</strong> que atingiu os métodos colaborativos, na década <strong>de</strong> 80, usando o<br />

termo: “revolução”, em relação à tentativa dos artistas em participar activamente e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho do projecto, o artista afirma que “A arte pública era uma<br />

promessa que se tornou num pesa<strong>de</strong>lo. (…) a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma “<strong>de</strong>sign team” simplesmente não<br />

resulta (…) pois quem acaba, no final por tomar as <strong>de</strong>cisões é quem controla o dinheiro, ou<br />

seja, o promotor imobiliário e o administrador artístico”. A curadora Patricia Fuller refere-se<br />

também a esta questão da complexida<strong>de</strong> ao dizer que “a crescente tendência para a<br />

complexificação e ‘rigidificação’ do processo, a codificação <strong>de</strong> um género <strong>de</strong> arte intitulado Arte<br />

Pública e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> profissionalismo que admite artistas e arquitectos na mesma fraternida<strong>de</strong>,<br />

parece ter criado um aparato que só se justifica na criação <strong>de</strong> objectos permanentes.” 204<br />

Embora muitos programas proponham uma série <strong>de</strong> regras a cumprir para melhorar a eficácia<br />

das colaborações, os autores referidos afirmam que é impossível antever à partida, ou<br />

i<strong>de</strong>ntificar os factores <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> sucesso para qualquer colaboração, já que, consi<strong>de</strong>rando-<br />

as essencialmente como um processo dinâmico, recente, flexível e imprevisível, talvez não<br />

<strong>de</strong>va haver um conjunto <strong>de</strong> regras que limite o seu funcionamento. São propostos, no entanto,<br />

vários pontos a ter em conta, tanto para artistas como para arquitectos que se envolvem neste<br />

tipo <strong>de</strong> projectos e que visam apenas a salvaguarda dos intervenientes e a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

factores críticos, <strong>de</strong> modo a evitar algumas situações <strong>de</strong> confronto, que <strong>de</strong>rivam da experiência<br />

<strong>de</strong> cada uma das partes.<br />

O arquitecto Will Alsop 205 propõe <strong>de</strong> uma forma genérica, mas que toca ao mesmo tempo em<br />

todas as questões essenciais, apenas três condições:<br />

Respeito mútuo.<br />

Os termos da colaboração <strong>de</strong>vem ser claros e estão lá para benefício <strong>de</strong> ambas as<br />

partes.<br />

203 Siah Armajani cit. por Tom Finkelpearl – op. cit., pp. 26-27.<br />

204 Suzanne Lacy – op.cit., pp. 22-23. Trad. Livre.<br />

205 Will Alsop – “Frames of Mind”, Frontiers: Artists & Architects. Architectural Design, Vol. 127, 30 <strong>de</strong><br />

Julho <strong>de</strong> 1997. Londres: Wiley-Aca<strong>de</strong>my,1998, p. 37.<br />

88


On<strong>de</strong> existe vonta<strong>de</strong>, existe oportunida<strong>de</strong> para os colaboradores <strong>de</strong>scobrirem o que<br />

não sabem.<br />

A estes pontos, o artista David Patten 206 , incidindo mais na dinâmica <strong>de</strong> trabalho acrescenta<br />

que:<br />

Os intervenientes <strong>de</strong>vem aceitar a colaboração e acreditar que po<strong>de</strong>m contribuir<br />

significativamente para o projecto.<br />

Devem trabalhar colaborativamente (visitas ao local, reuniões, <strong>de</strong>senhos, discussões,<br />

etc.) para construir uma visão partilhada do projecto.<br />

Devem-se mostrar abertos e enten<strong>de</strong>r as diferentes habilida<strong>de</strong>s, conhecimentos e<br />

experiências um do outro.<br />

Convém estabelecer um mecanismo <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadas (calendário <strong>de</strong> reuniões, <strong>de</strong>finir<br />

como se vão trocar dados e informações, qual o caminho crítico, etc.) para suportar a<br />

colaboração.<br />

Acordar um programa <strong>de</strong> alto nível e gerir sessões <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> modo a criar um<br />

entendimento partilhado do local a intervir e uma visão em arco do projecto, <strong>de</strong> modo a<br />

que cada um tenha a maior liberda<strong>de</strong> possível no seu trabalho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um esquema<br />

geral.<br />

O arquitecto Nick Childs 207 enten<strong>de</strong> como factores absolutamente críticos na relação <strong>de</strong><br />

trabalho:<br />

Selecção - a forma como os artistas são seleccionados <strong>de</strong>ve ser cuidada e abrir espaço<br />

a quem se mostra interessado e habilitado para o trabalho conjunto, se o arquitecto for<br />

integrado nesta escolha, garante-se um maior cometimento na relação e evita-se por<br />

vezes, as <strong>de</strong>sastrosas consequências <strong>de</strong> impingir um artista numa <strong>de</strong>sign team sem<br />

que qualquer um se mostre aberto à dinâmica <strong>de</strong> trabalho.<br />

Motivação - intervenientes motivados é fundamental para o sucesso do projecto, o<br />

cliente, ao construir a <strong>de</strong>sign team <strong>de</strong>ve, para isso, ter <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início um i<strong>de</strong>ia clara do<br />

que quer atingir e explicar o que teve em conta na selecção <strong>de</strong> cada interveniente.<br />

Gestão do projecto - <strong>de</strong>ve ser realizada por alguém que entenda as intenções e mostre<br />

empatia pelo projecto, i<strong>de</strong>almente <strong>de</strong>ve ser um arquitecto a gerir o projecto.<br />

Status - o artista <strong>de</strong>ve ter relevância suficiente no projecto para que tenha alguma<br />

autorida<strong>de</strong> e controle sobre os seus elementos na obra, garantindo assim que este<br />

tenha uma atitu<strong>de</strong> responsável. A responsabilida<strong>de</strong> geral recai, no entanto, sobre o<br />

arquitecto, já que este tem como função a entrega <strong>de</strong> um edifício seguro e <strong>de</strong>ntro do<br />

orçamento e do programa.<br />

Confiança - a partir do momento em que são seleccionados os intervenientes, <strong>de</strong>ve<br />

ser dado espaço e tempo para que artista e arquitecto se conheçam e entrem em<br />

206 David Patten – “An Artist's Perspective: Remember What Jack Said”, 2007. Disponível em:<br />

http://www.publicartonline.org.uk/resources/rescollaboration/collaboration_artist.php,<br />

207 Nick Childs – “Collaboration: An Architect's Perspective: A losing battle?”, Dezembro 2000. Disponível<br />

em: http://www.publicartonline.org.uk/resources/rescollaboration/collaboration_architect.php<br />

89


contacto com as obras um do outro, estabelecendo assim uma relação <strong>de</strong> confiança,<br />

respeito, reconhecimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s e entendimento mútuo.<br />

Comunicação - é essencial para o sucesso, o cliente <strong>de</strong>ve ser claro nas suas<br />

intenções, o artista <strong>de</strong>ve ter capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmitir as suas i<strong>de</strong>ias e o arquitecto <strong>de</strong>ve<br />

conseguir entendê-las e tomá-las em consi<strong>de</strong>ração. As diferentes linguagens são, por<br />

vezes, uma barreira intransponível e que torna a colaboração num processo<br />

<strong>de</strong>snecessariamente complexo.<br />

Compromisso - toda a equipa <strong>de</strong>ve querer suportar a colaboração, o envolvimento e<br />

apoio mútuo dos intervenientes <strong>de</strong>ve fazer parte das orientações e termos exigidos<br />

para o projecto colaborativo, todos <strong>de</strong>vem enten<strong>de</strong>r a importância que a sua<br />

intervenção tem ou terá num plano geral e na ambição do cliente.<br />

Nos casos <strong>de</strong> estudo seleccionados, somente no último é que a colaboração não surge <strong>de</strong><br />

forma casual e por vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos os intervenientes, aproximando-se assim dos programas<br />

<strong>de</strong> arte pública e percent-for-art, atrás analisados, no sentido da problemática das<br />

colaborações entre artistas e arquitectos. As principais questões <strong>de</strong>vem-se ainda a um certo<br />

preconceito na forma como uma disciplina olha para a outra, e ainda a certos comportamentos<br />

padrão que distinguem artistas <strong>de</strong> arquitectos.<br />

A arquitectura mantém, nos dias <strong>de</strong> hoje, um certo controlo sobre a maior parte das disciplinas<br />

com as quais interage. Para João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>, continua ainda a haver “essa<br />

tendência <strong>de</strong> prevalecer sobre todas as outras especialida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> todas lhe serem<br />

subservientes ou funcionarem, simplesmente, para que a arquitectura brilhe” 208 , e para<br />

Fernanda Fragateiro, o problema tem ainda a ver com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlo total por parte<br />

<strong>de</strong> muitos arquitectos em relação ao projecto.<br />

Por outro lado, embora haja um <strong>de</strong>sejo evi<strong>de</strong>nciado, tanto pelos arquitectos como pela artista,<br />

<strong>de</strong> uma colaboração equilibrada, que obe<strong>de</strong>ça na íntegra ao processo que a <strong>de</strong>fine e à<br />

consequente diluição entre as fronteiras do trabalho <strong>de</strong> cada um, é indicada também, a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> limites claros e evi<strong>de</strong>ntes durante todo o processo colaborativo, ou seja,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se a contaminação reciproca e a experimentação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que apoiada na consciência<br />

das limitações <strong>de</strong> todo e qualquer interveniente.<br />

A inexistência <strong>de</strong>sta fronteira tem como consequência a entrada dos arquitectos e artistas em<br />

campos que não são os seus. O alargamento do seu campo <strong>de</strong> acção e a experimentação<br />

numa área distinta enten<strong>de</strong> aliciante por diversas razões: para os artistas, assenta na<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar ambientes, <strong>de</strong> intervir no espaço urbano e na questão da escala e para<br />

os arquitectos, <strong>de</strong>ve-se, por exemplo, à evolução tecnológica e ao facto <strong>de</strong> os materiais e<br />

técnicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho e construção disponíveis nos dias <strong>de</strong> hoje, permitirem uma maior<br />

liberda<strong>de</strong> formal, uma enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> soluções estéticas e uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

expressão.<br />

208 João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

90


Outra questão que se põe tem a ver com a forma como o artista trabalha, discutindo-se<br />

essencialmente a questão da autoria e <strong>de</strong> controlo durante o processo criativo e <strong>de</strong><br />

materialização. João Gomes da Silva refere que “os artistas funcionam muito mais<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da noção <strong>de</strong> autoria e trabalham <strong>de</strong> uma forma normalmente muito mais isolada<br />

do que os arquitectos habituados a ter que colaborar até com outras pessoas para po<strong>de</strong>r<br />

concretizar as coisas” 209 . Fernanda Fragateiro admite também a sua limitação como artista, no<br />

que se refere à perda <strong>de</strong> controlo durante a fase <strong>de</strong> materialização através da simples<br />

afirmação <strong>de</strong> que “quando as coisas não correm como eu gostaria que corressem, tenho<br />

alguma dificulda<strong>de</strong> em aceitar esses erros” 210 e compensando com o facto <strong>de</strong> ser uma artista<br />

extremamente aberta a novos contextos, equipas e enquadramentos, que adopta em relação<br />

às colaborações, uma posição sempre <strong>de</strong>mocrática que visa atingir sempre um ponto comum<br />

que beneficie o espaço e a sua experiência pela comunida<strong>de</strong> do local on<strong>de</strong> se insere, em<br />

<strong>de</strong>trimento, por vezes, da criação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada imagem, que tenha um efeito nos media<br />

e na aceitação institucional ou da crítica.<br />

Para João Gomes da Silva e para João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>, a chave do processo<br />

colaborativo está na abertura e na disponibilida<strong>de</strong> que apresentam a um pensamento distinto, a<br />

uma intervenção artística e mesmo a possíveis alterações ao seu próprio projecto, que indicam<br />

também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma pré-existente relação <strong>de</strong> sintonia e confiança, que i<strong>de</strong>almente<br />

surja também <strong>de</strong> uma relação a nível pessoal que ultrapasse a diplomacia e cedência <strong>de</strong><br />

posições que muitas vezes acontece em colaborações. O arquitecto José Veludo, em<br />

referência ao facto <strong>de</strong> que o trabalho com artistas implica sempre uma certa in<strong>de</strong>finição e que é<br />

sempre um risco, consi<strong>de</strong>ra absolutamente crucial que se acredite no artista e que se tenha<br />

confiança no seu trabalho, <strong>de</strong> outro modo não é possível ultrapassar as dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>correntes do projecto ou gozar as vantagens e mais-valias que surgem, a nível individual nos<br />

processos colaborativos.<br />

Estas vantagens, na opinião geral dos arquitectos entrevistados, assentam na aprendizagem<br />

oriunda do processo e não do resultado e ainda na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> questionamento dos<br />

processos e preconceitos habituais da arquitectura, <strong>de</strong>rivada do contacto com uma disciplina<br />

que dispõe <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> e menores constrangimentos em relação a regulamentos,<br />

programas e exigências tanto, técnicas como provenientes da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um cliente. De uma<br />

forma muito prática, José Veludo explica também que, “no fundo, a parte mais interessante, é a<br />

<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>s diferentes po<strong>de</strong>rem participar num processo comum” 211 e acrescenta, a<br />

vantagem mais centrada na arquitectura que é: “colaborar com artistas, ajuda-nos a legitimar<br />

<strong>de</strong>terminados caminhos que não são tão materializáveis, nem tão funcionais.” 212<br />

209 João Gomes da Silva – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

210 Fernanda Fragateiro – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

211 José Veludo – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

212 I<strong>de</strong>m.<br />

91


Sabemos que nenhuma <strong>de</strong>stas listas <strong>de</strong> factores e interpretações é garantia <strong>de</strong> sucesso. As<br />

questões que surgem, nos vários projectos colaborativos em que foi possível ter acesso às<br />

opiniões dos intervenientes, são acima <strong>de</strong> tudo relacionadas com imagens pré-concebidas <strong>de</strong><br />

artistas em relação a arquitectos e vice-versa, nas diferentes formas <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> cada um,<br />

em questões <strong>de</strong> autoria e responsabilida<strong>de</strong> intrínsecas a qualquer trabalho interdisciplinar e<br />

ainda ao facto <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong> maioria das colaborações que surgem <strong>de</strong> programas percent-<br />

for-art forçam relações entre arquitectos e artistas que não se mostram à partida abertos ou<br />

interessados em projectos específicos.<br />

92


6.3. O DESIGN URBANO.<br />

“Eu acho que só há uma forma <strong>de</strong> trabalhar quando se trabalha com equipas, que, como diz<br />

bem, uma coisa é: os programas são algo que muitas vezes nos transcen<strong>de</strong>, que vem <strong>de</strong><br />

montante e que extravasa o contexto e a dimensão em que estamos a trabalhar.<br />

A outra coisa é: a partir do momento em que se trabalha com alguém, ou em que existem<br />

várias componentes numa equipa, a i<strong>de</strong>ia é haver o menos programa possível e eu acho, que<br />

aqui, com a Fernanda isso aconteceu em pleno. É evi<strong>de</strong>nte que se houvesse alguma coisa,<br />

naquilo que a Fernanda tivesse feito, que incomodasse ou que <strong>de</strong> alguma forma inviabilizasse<br />

aquilo que era parte do conceito do parque, teríamos discutido isso com ela. Isso aconteceu <strong>de</strong><br />

facto, mais tar<strong>de</strong>, na materialização do projecto e aí teve-se que, em conjunto, encontrar um<br />

caminho e afinar <strong>de</strong>cisões.”<br />

Excerto da entrevista realizada ao Arq. José Veludo.


6.3. O DESIGN URBANO.<br />

O Design Urbano parte <strong>de</strong> uma reacção contra a especialização ou o isolamento disciplinar e<br />

introduz o pensamento interdisciplinar, como possível solução para as questões<br />

contemporâneas originadas pelas novas mutações das cida<strong>de</strong>s 213 e inclui, “casos tão distintos<br />

como a reabilitação das frentes ribeirinhas ou marítimas, a criação <strong>de</strong> novos centros urbanos,<br />

os recintos para eventos temporários como as Expo ou as Olimpíadas, as reabilitações <strong>de</strong><br />

espaços históricos nas cida<strong>de</strong>s, espaços associados a re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transportes públicos, ver<strong>de</strong>s<br />

urbanos ou parques empresariais, ou resi<strong>de</strong>nciais...” 214 Tendo como priorida<strong>de</strong> o Espaço<br />

Público, na sua dimensão não só espacial mas também económica e social, o Design Urbano<br />

apresenta uma especial afinida<strong>de</strong>, não só com o espaço, mas com a sua “estetização, e em<br />

particular com a arte pública” 215 . Reunindo, assim, muitos dos temas referidos individualmente<br />

ao longo <strong>de</strong>sta proposta <strong>de</strong> aprofundamento das colaborações entre artistas e arquitectos.<br />

A relação colaborativa em análise engloba não só arte e arquitectura, mas também disciplinas<br />

ou outros agentes como o paisagismo, o <strong>de</strong>sign, a engenharia civil ou <strong>de</strong> infra-estruturas, o<br />

planeamento, a gestão, a geografia e ainda diversos profissionais das ciências humanas como<br />

sociólogos ou historiadores.<br />

Se, por um lado, este novo domínio <strong>de</strong> colaboração actua nos interstícios disciplinares, por<br />

outro, ultrapassa a temática tratada até agora e torna-a mais complexa e globalizante ao<br />

introduzir questões mais específicas como, as diferentes escalas (do traçado geral ao<br />

pormenor da iluminação) nas quais um só objecto é trabalhado por vários intervenientes,<br />

questões <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> qual a disciplina mais indicada a tratar dos temas<br />

específicos do projecto e ainda, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta responsabilida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> manter em todo o<br />

projecto uma visão holística e partilhada entre as várias entida<strong>de</strong>s e disciplinas envolvidas.<br />

Po<strong>de</strong>r-se-á dizer que a arte (neste caso trata-se mais concretamente da arte pública) e a<br />

arquitectura, encontram no Design Urbano uma outra estabilida<strong>de</strong> e um novo sentido para a<br />

sua relação, que vai para além da esporádica colaboração entre as disciplinas.<br />

Partindo <strong>de</strong> uma distinção entre o Desenho Urbano e o Design Urbano, proposta por Brandão<br />

e, na qual, a segunda ultrapassa a composição urbana para se focar também “na estetização<br />

do espaço público ou melhor, no <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um ambiente urbano qualificado” 216 e para além<br />

do projecto, propõe ainda a importância do processo na sua variante interdisciplinar on<strong>de</strong> se<br />

impõe uma procura estratégica <strong>de</strong> “instrumentos conceptuais, para <strong>de</strong>sembaraçar a<br />

213 Pedro Brandão - Ética e Profissão, no Design Urbano: Convicções, resposabilida<strong>de</strong> e<br />

interdisciplinarida<strong>de</strong>; Livro I - As I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s do Desenho e a Cida<strong>de</strong>. Tese <strong>de</strong> Doutoramento em Espaço<br />

Público e Regeneração Urbana, Barcelona: Departamento <strong>de</strong> Escultura da universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barcelona,<br />

2005, p. 111.<br />

214 I<strong>de</strong>m, p. 114.<br />

215 I<strong>de</strong>m, p.119.<br />

216 I<strong>de</strong>m, p. 115.<br />

93


Arquitectura, a Arte e o Design, <strong>de</strong> obsessões familiares” 217 . Estas características do Design<br />

Urbano acabam então, por encurtar o caminho das colaborações e da participação <strong>de</strong> artistas<br />

em projectos urbanos e arquitectónicos e assemelham-se aos interesses que estiveram, e<br />

estão ainda, na base das colaborações originadas em programas <strong>de</strong> arte pública, já que visam<br />

explorar os benefícios da arte como instrumento revitalizador <strong>de</strong> centros urbanos, como meio<br />

<strong>de</strong> fomentar unida<strong>de</strong> e valores comunitários, como catalisador <strong>de</strong> investidores ou forma <strong>de</strong><br />

dinamizar a economia da cida<strong>de</strong> e ainda como processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e carácter <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>terminado espaço, bairro, ou cida<strong>de</strong>.<br />

A arte pública continua, no entanto, a <strong>de</strong>bater-se com o dilema da subserviência ou confronto.<br />

Para Malcom Miles, por exemplo, a arte no <strong>de</strong>sign urbano toma somente um <strong>de</strong> dois papeis,<br />

“como <strong>de</strong>coração <strong>de</strong>ntro do revisitado campo do <strong>de</strong>sign urbano no qual as necessida<strong>de</strong>s do<br />

utilizador são centrais, e como processo social <strong>de</strong> criticismo e envolvimento, <strong>de</strong>finindo o espaço<br />

público não como lugar público mas como campo <strong>de</strong> complexos interesses públicos.” 218<br />

Mantendo viva a sensação <strong>de</strong> que a arte, ao entrar na esfera da arquitectura <strong>de</strong>ve tomar para<br />

si uma função ou resguardar-se como <strong>de</strong>coração, toma-se assim consciência <strong>de</strong> que os<br />

maiores benefícios do envolvimento e colaboração entre artistas e arquitectos estão no<br />

processo, na liberação que o trabalho conjunto po<strong>de</strong> trazer para a prática individual e pela<br />

experimentação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> olhar para a arquitectura, <strong>de</strong> novas dinâmicas <strong>de</strong> trabalho<br />

e novos <strong>de</strong>safios para ambos.<br />

Tal como em colaborações nas quais o artista toma um papel activo no projecto, o Design<br />

Urbano tenta também resolver o que Remesar i<strong>de</strong>ntifica como a incoerência metodológica que<br />

mais impossibilita o discurso interdisciplinar entre a arquitectura (incluído o paisagismo e<br />

urbanismo) e a arte (arte pública), i<strong>de</strong>ntificada também como a questão central dos programas<br />

<strong>de</strong> arte pública americana já referidos e que segundo o autor acontece “quando arquitectos e<br />

urbanistas falam <strong>de</strong> espaço público, arte pública ou <strong>de</strong>sign urbano, estes temas surgem<br />

periféricos ao discurso central e quando um artista fala sobre a cida<strong>de</strong>, refere-se a ela somente<br />

como cenário para a sua intervenção.” 219<br />

A esta visão, propõe-se ainda a <strong>de</strong> Brandão, ao sugerir um novo domínio colaborativo que<br />

resolva “a sempre pertinente questão <strong>de</strong> domínio das escalas” na qual a “relação com o espaço<br />

se coloca, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as dimensões menores que a da arquitectura (…), até aos mais amplos<br />

sistemas, por exemplo das estruturas naturais ou estruturas viárias.” É esta relação, embora<br />

não englobando a escala urbana, que também se objectiva com a proposta <strong>de</strong> colaborações<br />

entre artistas e arquitectos, ou seja, a <strong>de</strong> um objecto trabalhado na escala arquitectónica e do<br />

objecto, reconstruindo a teoria <strong>de</strong> Summers e ambicionando um resultado final que reúna no<br />

217<br />

I<strong>de</strong>m, p.118.<br />

218<br />

Malcom Miles – Art, Space and the City: public art and <strong>de</strong> urban future. London: Routledge, 1997, p.<br />

74. Trad. Livre.<br />

219<br />

A. Remesar – Public Art & Urban Design, Interdisciplinary and Social Perspectives. Waterfront of Arts<br />

III, web version nº4, p. 5.<br />

94


seu <strong>de</strong>senho, <strong>de</strong> forma propositada e consciente ainda no espaço virtual (no projecto), o<br />

espaço pessoal, o espaço social e o espaço real.<br />

95


6.4. JARDIM NAS MARGEM, CACÉM, 2002-2008.


6.4. FERNANDA FRAGATEIRO: JARDIM NAS MARGEM, CACÉM, 2002-2008.<br />

O Plano <strong>de</strong> Pormenor da Área Central do Cacém surge <strong>de</strong>ntro do Programa Polis do Ministério<br />

do Ambiente, do Or<strong>de</strong>namento do Território e do Desenvolvimento Regional que, em conjunto<br />

com as autorida<strong>de</strong>s locais, visa realizar intervenções <strong>de</strong> qualificação urbana e ambiental,<br />

financiadas pelas respectivas Autarquias, Governo e União Europeia (através <strong>de</strong> Fundos<br />

Comunitários), com a ambição <strong>de</strong> tornar as cida<strong>de</strong>s em territórios <strong>de</strong> “inovação e<br />

competitivida<strong>de</strong>, cidadania e coesão social, <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ambiente e <strong>de</strong> vida, bem<br />

planeados e governados.” 220<br />

As escalas, mais uma vez são aumentadas, o Programa Polis olha para a cida<strong>de</strong> em diferentes<br />

escalas territoriais, partindo <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> “regeneração urbana” que se centra na escala<br />

dos espaços intra-urbanos específicos na cida<strong>de</strong>, as várias comunida<strong>de</strong>s que a constituem e<br />

“envolve a articulação <strong>de</strong> diferentes componentes (habitação, reabilitação e revitalização<br />

urbanas, coesão social ambiental mobilida<strong>de</strong>, etc.)”, para uma visão <strong>de</strong> “competitivida<strong>de</strong><br />

/diferenciação” na qual a cida<strong>de</strong> é colocada enquanto nó <strong>de</strong> “re<strong>de</strong>s nacionais e internacionais<br />

entre cida<strong>de</strong>s portuguesas para a valorização partilhada <strong>de</strong> recursos e a cooperação entre<br />

cida<strong>de</strong>s, potencialida<strong>de</strong>s e conhecimento” e finalmente para uma visão <strong>de</strong> “integração regional”<br />

na qual a escala é a da “”cida<strong>de</strong>-região”, <strong>de</strong>finida como o espaço funcionalmente estruturado<br />

por uma ou várias cida<strong>de</strong>s e envolvendo uma re<strong>de</strong> sub-regional <strong>de</strong> centros e <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong><br />

influência rural” 221<br />

O Design Urbano irá actuar na escala urbana, arquitectónica e do objecto, compatibilizando a<br />

estrutura geral com a gestão <strong>de</strong>stes intervenientes e outros que por necessida<strong>de</strong> sejam<br />

integrados para o cumprimento dos objectivos gerais. A uma escala menor localiza-se a<br />

colaboração entre artista e arquitecto que, como se verá, propõe uma das relações <strong>de</strong> maior<br />

proximida<strong>de</strong> entre espaço público e comunida<strong>de</strong>, conciliando todas as intenções acima<br />

<strong>de</strong>scritas, com especial enfoque na questão da diferenciação e do fenómeno <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Contexto físico da intervenção:<br />

A cida<strong>de</strong> do Cacém, pertencente ao conselho <strong>de</strong> Sintra, é um dos muitos subúrbios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

que tem crescido exponencial e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 70 e que, como tal,<br />

sofria dos sintomas típicos do “urbanismo expansivo”, caracterizados no estudo <strong>de</strong> Félix<br />

Ribeiro 222 realizado em 1999; <strong>de</strong> uma forma incisiva, referem-se: o esvaziamento da função<br />

resi<strong>de</strong>ncial dos centros históricos (“tercialização”, <strong>de</strong>sertificação, abandono e <strong>de</strong>gradação); a<br />

<strong>de</strong>gradação do património edificado (no “casco” urbano, periferias mais antigas e bairros<br />

220 Gabinete do Secretário <strong>de</strong> Estado do Or<strong>de</strong>namento do Território e das Cida<strong>de</strong> - PORTUGAL POLÍTICA<br />

DE CIDADES POLIS XXI 2007-2013, apresentado em Maio 2008. Disponível em:<br />

http://www.dgotdu.pt/pc/documentos/POLISXXI-apresentacao.pdf<br />

221 Gabinete do Secretário <strong>de</strong> Estado do Or<strong>de</strong>namento do Território e das Cida<strong>de</strong> – op. cit., pp. 2-3.<br />

222 Refere-se este estudo pela relevância que teve na criação do Programa Polis e na forma como é<br />

aplicado e referido nas várias intervenções do programa a nível nacional.<br />

96


sociais); a intensificação das extensões suburbanas caóticas, <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> eficientes infra-<br />

estruturas técnicas e sociais e com fracas condições <strong>de</strong> vivência urbana; o congestionamento<br />

crescente do trânsito associado aos movimentos pendulares <strong>de</strong> habitação-emprego e a<br />

<strong>de</strong>gradação acelerada da paisagem urbano (escassez <strong>de</strong> espaços ver<strong>de</strong>s e espaços públicos<br />

atrofiados pela dinâmica <strong>de</strong> construção compacta) 223 . Este cenário caracterizava a situação do<br />

centro do Cacém e a urgência <strong>de</strong> uma intervenção capaz <strong>de</strong> colmatar as consequências do<br />

que o Arq. Nuno Lourenço <strong>de</strong>signa por “analfabetismo urbanístico” 224<br />

A situação mais grave, e que consequentemente teve maior relevância no projecto <strong>de</strong><br />

intervenção, pren<strong>de</strong>-se com o estado da ribeira das Jardas que atravessa as freguesias <strong>de</strong><br />

Aqualva e Cacém, esquecida, <strong>de</strong>svalorizada e em estado <strong>de</strong> elevada <strong>de</strong>gradação. A<br />

progressiva construção nas margens da ribeira acabaria por obstruir o leito e colocá-la numa<br />

situação <strong>de</strong> “traseiras”, na maior parte do seu percurso pelo Cacém, em que a presença <strong>de</strong><br />

muros e edificado ilegal limitavam o acesso da população e tornavam o canal “num autêntico<br />

esgoto a céu aberto” 225 <strong>de</strong> condições sanitárias e biológicas consi<strong>de</strong>radas preocupantes. Como<br />

elemento natural <strong>de</strong> maior importância, não só na reunião <strong>de</strong> ambas as freguesias que<br />

separava, mas também para o sistema ecológico e <strong>de</strong> espaços ver<strong>de</strong>s do projecto, a ribeira<br />

das Jardas foi encarada <strong>de</strong>ntro do projecto <strong>de</strong> requalificação da área central do Cacém, como<br />

peça chave e ponto fulcral no cumprimento dos objectivos gerais apresentados no Plano<br />

Director Municipal como “actuações dominantes” e dos quais se realçam: a melhoria da<br />

qualida<strong>de</strong> vida, a revitalização da vida comunitária, a ampliação da fruição da cida<strong>de</strong> e<br />

obviamente da natureza e a criação das infra-estruturas necessárias à melhoria global da<br />

mobilida<strong>de</strong> e acessibilida<strong>de</strong>s. 226<br />

A preparação dos trabalhos para a requalificação da área central do Cacém incluiu um<br />

inquérito social e levantamento das activida<strong>de</strong>s, a elaboração do projecto <strong>de</strong> expropriações, a<br />

operação <strong>de</strong> transformação fundiária e a <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> todas as construções na área inundável<br />

da ribeira, assim como <strong>de</strong> algum edificado sem condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong> ou segurança, e no<br />

realojamento da população afectada temporária ou permanentemente.<br />

223<br />

Programa Polis – Plano Estratégico do Cacém. Documento online, p. 10. Disponível em:<br />

http://polis.sitebysite.pt/cacem/docs/PPCacem.pdf<br />

224<br />

Nuno Lourenço – “Cacém e Antas: Desenhar o espaço urbano com os edifícios ou apesar <strong>de</strong>les”,<br />

Design Urbano inclusivo: uma experiência <strong>de</strong> projecto em Marvila: Fragmentos e Nexos. <strong>Lisboa</strong>: Centro<br />

Português do Design, 2004, p.143<br />

225<br />

Kátia Catulo – “Ribeira das Jardas <strong>de</strong>volvida aos moradores do Cacém”: Diário <strong>de</strong> Noticias Online, 21<br />

<strong>de</strong> Abril 2008. Disponível em: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=998210&page=-1<br />

226<br />

Programa Polis – op. cit., p. 21<br />

97


Fig. 108. Risco - Plano <strong>de</strong> Promenor do Cacém: Delimitação da intervenção e planta <strong>de</strong> encarnados e amarelos.<br />

Fig. 109. Esboço realizado pelo atelier RISCO.<br />

O projecto:<br />

A integração neste programa permitiu alargar qualitativa e quantitativamente o âmbito <strong>de</strong>sta<br />

intervenção levada a cargo pelo ateliê <strong>de</strong> arquitectura e <strong>de</strong>senho urbano RISCO (Manuel<br />

Salgado e Nuno Lourenço), a nível <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Pormenor e arquitectura, e pelo ateliê <strong>de</strong><br />

arquitectura paisagista NPK a nível <strong>de</strong> paisagismo e ambiente, tornando assim os objectivos<br />

gerais mais ambiciosos e expansivos.<br />

Nos, cerca <strong>de</strong> 45 hectares <strong>de</strong> área <strong>de</strong> intervenção, estabelece-se um plano que visa uma<br />

“restruturação da re<strong>de</strong> viária; a “beneficiação dos espaços públicos” através da exponenciação<br />

da circulação pedonal, criação <strong>de</strong> novos espaços ver<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> estada; a<br />

“regeneração/recomposição da edificação” para a criação <strong>de</strong> uma nova unida<strong>de</strong> arquitectónica;<br />

a “beneficiação e extensão do parque urbano” criando um novo equilíbrio entre o uso<br />

98


habitacional, em predominância, e a presença <strong>de</strong> espaços ver<strong>de</strong>s, assim como a formação <strong>de</strong><br />

um “ver<strong>de</strong> contínuo” que quebre a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> edificada da cida<strong>de</strong> e a “requalificação da ribeira<br />

das jardas” <strong>de</strong> modo a controlar as cheias, o grau <strong>de</strong> poluição do curso <strong>de</strong> água e a <strong>de</strong>volução<br />

da mesma aos cidadãos através da criação <strong>de</strong> uma área ver<strong>de</strong> adjacente <strong>de</strong> utilização lúdica.<br />

Por fim, resta referir a criação do Parque Linear da Ribeira das Jardas, que se explanará<br />

separadamente por ser a intervenção central e mais estruturante do Plano <strong>de</strong> Pormenor e do<br />

Programa Polis do Cacém, e por constituir um projecto colaborativo que envolveu o atelier NPK<br />

e a artista Fernanda Fragateiro.<br />

Numa zona que se esten<strong>de</strong> por 4 hectares, com início na entrada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aqualva-Cacém<br />

pelo IC19, no sentido <strong>Lisboa</strong> – Sintra, e que termina na união com o Parque Urbano do Cacém,<br />

o Parque Linear <strong>de</strong>senvolve-se ao longo da Ribeira das Jardas criando um importante corredor<br />

ver<strong>de</strong> numa zona suburbana altamente <strong>de</strong>nsificada. Inaugurado em Dezembro <strong>de</strong> 2007, o<br />

parque serve uma população <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 70 mil habitantes <strong>de</strong> Aqualva e Cacém e tem o duplo<br />

objectivo <strong>de</strong> reenquadrar o curso <strong>de</strong> água na nova estrutura da cida<strong>de</strong>, tirando proveito das<br />

suas múltiplas valências, a nível cénico, <strong>de</strong> estrutura ecológica e <strong>de</strong> transformação da<br />

paisagem para a criação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> espaço público <strong>de</strong> lazer, que integra equipamentos <strong>de</strong><br />

utilização colectiva (parque infantil e equipamentos <strong>de</strong>sportivos) para usufruto multigeracional e<br />

no qual a natureza tem especial protagonismo.<br />

O parque divi<strong>de</strong>-se em duas tipologias principais, <strong>de</strong>marcadas por uma diferença <strong>de</strong> cota que<br />

se <strong>de</strong>stina “a criar zonas <strong>de</strong> alargamento do programa em caso <strong>de</strong> cheias”, a primeira tipologia<br />

correspon<strong>de</strong> ao espaço canal <strong>de</strong> enquadramento e protecção à Ribeira, que resolverá os “os<br />

problemas <strong>de</strong> hidráulica e <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> imagem associados à regularização das<br />

margens”; a segunda tipologia, a uma cota mais elevada, correspon<strong>de</strong> aos espaços contíguos<br />

“equipados com maior capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga” e <strong>de</strong>stinados a equipamento cultural, <strong>de</strong>sportivo e<br />

<strong>de</strong> lazer on<strong>de</strong> a não impermeabilização dos solos é uma preocupação base. 227<br />

A presença da água e a forma como percorre longitudinalmente todo o parque, a sua flui<strong>de</strong>z, o<br />

som que emite na transposição das rochas que se <strong>de</strong>positam no leito e a frescura e paz à qual<br />

se associa este elemento da natureza, proporcionam <strong>de</strong>ntro do esquema <strong>de</strong>scrito, a criação <strong>de</strong><br />

diferentes espaços ao longo do parque, espaços <strong>de</strong> reflexão, espaços <strong>de</strong> passagem, espaços<br />

vocacionados a activida<strong>de</strong>s lúdicas e <strong>de</strong> exercitação física e espaços <strong>de</strong> estada. Bilateral e<br />

paralelamente à ribeira, são também criados, dois percursos <strong>de</strong> circulação pedonal e ciclável<br />

que a cruzam em quatro pontos-chave <strong>de</strong> atravessamento urbano.<br />

227 RISCO - Relatório do Plano <strong>de</strong> Pormenor do Cacém, 19.09.2001, p. 21: Disponível em:<br />

http://195.23.241.219/Docs_cmsintra/Regulamentos/PP_Cacem/documentos.htm<br />

99


Fig. 110. Imagens dos diferentes espaços, atravessamentos e relação com a envolvente do Parque Linear.<br />

A intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro:<br />

O convite à artista surge por parte do Arq. Manuel Salgado e tem como objectivo a sua<br />

integração na equipe da NPK e a realização <strong>de</strong> uma intervenção no Parque Linear da Ribeira<br />

das Jardas. Para José Veludo, do atelier NPK, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboração com a artista é<br />

encarada “como uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversificar a equipa e ampliar, aquilo que são os olhares<br />

e as sensibilida<strong>de</strong>s no tratamento do território” e a aceitação da sua participação <strong>de</strong>ve-se ao<br />

facto <strong>de</strong> lhe ter parecido “um melhor caminho para dar uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e caracterizar o espaço<br />

<strong>de</strong> modo a que as pessoas se i<strong>de</strong>ntifiquem com ele. 228 ”<br />

A escolha da localização da intervenção foi óbvia para ambos, o espaço escolhido soma<br />

características como, centralida<strong>de</strong>, forma, relação com a envolvente e, mais importante ainda,<br />

o facto <strong>de</strong> ser um local on<strong>de</strong> o “<strong>de</strong>senho viário se sobrepunha muito àquilo que era a lógica<br />

geral” 229 <strong>de</strong> aproximação aos valores naturais presentes na zona. Formalmente é um espaço<br />

rotunda que reúne, a diferentes cotas, o acesso principal na cida<strong>de</strong> pelo IC19, a Rua João <strong>de</strong><br />

Deus (continuação da anterior para Sul), a Av. dos Bons Amigos (que dá acesso à nova<br />

estação ferroviária <strong>de</strong> Aqualva-Cacém), e a Rua <strong>de</strong> Angola que se <strong>de</strong>senvolve para Oeste no<br />

228 José Veludo – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

229 I<strong>de</strong>m.<br />

100


Cacém. Confinada por este espaço ovói<strong>de</strong>, orientado perpendicularmente mas contíguo ao<br />

curso <strong>de</strong> água e único ponto em que o parque entra na cida<strong>de</strong> para além do eixo viário que o<br />

limita, situa-se a obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro intitulada Jardim nas Margens.<br />

Fig. 111. NPK - Parque Linear: Plano geral. Fig. 112. Zona <strong>de</strong> intervenção da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro.<br />

A obra assemelha-se à solução criada pela artista para o Jardim das Ondas, no sentido em que<br />

busca a criação <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> uso flexível, múltiplo e diverso através <strong>de</strong> formas que têm o<br />

corpo como medida e que surgem ergonómica e funcionalmente pensadas num proposta <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lação <strong>de</strong> terreno, que neste caso, se adapta às características sociais e físicas do local.<br />

Segundo a artista: “Neste projecto, por exemplo, (…) era ridículo estar a propor um<br />

revestimento com matéria vegetal num sitio urbano, duro, complicado e que não vai ter os<br />

mesmos cuidados que numa zona da Expo, feita para uma classe média alta, um espaço on<strong>de</strong><br />

aconteceu a Expo e para o qual tinha sido especialmente contratada um equipa, para tratar dos<br />

jardins. Portanto, no Cacém, eu sabia que tinha <strong>de</strong> introduzir e interessava-me também<br />

introduzir matérias mais duras como o betão ou a borracha.” 230<br />

A intervenção consiste em quatro círculos côncavos que se distribuem pelo espaço disponível<br />

e que, <strong>de</strong> certa forma, reúnem em si as várias funções presentes no jardim, são espaços <strong>de</strong><br />

passagem ou <strong>de</strong> circuito, espaços <strong>de</strong> estada, <strong>de</strong> contemplação ou reflexão, locais <strong>de</strong> reunião<br />

que possibilitam ainda a activida<strong>de</strong> física e <strong>de</strong> lazer para várias gerações. Uma das<br />

particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste espaço em relação aos restantes que compõem o parque, está no facto<br />

<strong>de</strong> se elevar naturalmente em relação ao nível da água e ainda na sua pontuação com estas<br />

formas criadas por Fernanda Fragateiro, como marcas consequentes, <strong>de</strong> pingas <strong>de</strong> água que<br />

caíram no terreno e que foram sobredimensionadas pela artista para criar diferentes espaços,<br />

ambientes e utilizações.<br />

O projecto parte <strong>de</strong> uma maquete em gesso criada pela artista. A partir <strong>de</strong> um mol<strong>de</strong> do terreno<br />

as formas são esculpidas utilizando a mão como escala e como corpo, ao referir o projecto, a<br />

artista explica que “o gesto da mão, tem um saber que lhe pertence e que nós não sabemos <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vem, a mão coisas que não estão no cérebro mas que estão em nós como um todo. O<br />

230 Fernanda Fragateiro – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

101


jardim do Cacém tinha muito o gesto <strong>de</strong> se retirar uma parte da matéria para criar lugares <strong>de</strong><br />

acolhimento para o corpo, e por isso é que eu queria que as formas feitas em betão fossem<br />

macias, que fossem acolhedoras o suficiente para uma mãe se <strong>de</strong>itar com o filho, claro que<br />

não podia ser nem rugoso nem agressivo. A zona <strong>de</strong> borracha também <strong>de</strong>veria ser<br />

suficientemente mole para que um miúdo pu<strong>de</strong>sse cair sem se magoar, aqueles espaços e<br />

formas foram imaginados para que se façam coisas que uma pessoa não faz normalmente no<br />

meio da cida<strong>de</strong>.”<br />

Fig. 113. Maquete <strong>de</strong> estudo da obra Jardim nas Margens feita em barro.<br />

Fig. 114. Maquete final da obra Jardim nas Margens realizada em gesso.<br />

Embora esta obra se aproxime, <strong>de</strong> certo modo, do Jardim das Ondas, a sua materialização<br />

distancia-se <strong>de</strong>vido às opções do arquitecto e, acima <strong>de</strong> tudo, pelo contexto que a envolvia;<br />

consi<strong>de</strong>rando, tanto o local e contexto social como o tipo <strong>de</strong> projecto no qual se inseria e que<br />

não lhe permitiram a mesma liberda<strong>de</strong>. O que para o arquitecto foi “um importante trabalho <strong>de</strong><br />

ajuste, entre aquilo que foi o impulso da Fernanda e aquilo que era viável”, Fernanda<br />

Fragateiro <strong>de</strong>screve como: “a certa altura eu perdi completamente o po<strong>de</strong>r e a voz nesse<br />

projecto, simplesmente foi-me dito que as coisas tinham que ser assim porque não havia outra<br />

maneira <strong>de</strong> as produzir. As peças em betão, por exemplo, eram peças únicas realizadas com<br />

cofragens feitas no lugar (…) e passaram a ser uma data <strong>de</strong> gomos <strong>de</strong> betão, portanto, houve<br />

ali soluções que não foram como eu as tinha pensado e confesso que também não consegui<br />

lidar muito bem com isso e acabei por me afastar um bocado”, confessando também que não<br />

chegou a ver, nem tem qualquer registo do projecto tal como ele foi terminado.<br />

É importante enten<strong>de</strong>r que este tipo <strong>de</strong> situações acontece com alguma frequência, na<br />

realização <strong>de</strong> projectos <strong>de</strong>sta dimensão e até em projectos nos quais participam vários<br />

102


intervenientes. Embora Fernanda Fragateiro tenha já bastante experiência neste tipo <strong>de</strong><br />

projectos, a questão do controlo é uma peça chave para qualquer tipo <strong>de</strong> colaboração e, neste<br />

caso, mostrou ser predominante em relação a um panorama geral, a uma visão partilhada e a<br />

um projecto para a comunida<strong>de</strong> que, segundo a artista, estão no centro das suas priorida<strong>de</strong>s<br />

ao entrar neste tipo <strong>de</strong> processos. Po<strong>de</strong>-se assim concluir que, embora a postura do arquitecto<br />

e da artista pareçam ser acertadas, não há como prever resultados que partem <strong>de</strong> situações<br />

tão complexas como é um projecto <strong>de</strong> intervenção urbana.<br />

No entanto e para além das dificulda<strong>de</strong>s referidas, esta obra site-specific parece não pertencer<br />

<strong>de</strong> uma forma tão completa em lugar nenhum, as formas circulares estabelecem não só um<br />

diálogo conceptual com a presença da água e com a sua envolvente, visível na forma como os<br />

elementos criados se adaptam à topografia do terreno, mas estabelecem também uma relação<br />

formal com os limites do próprio jardim. A integração da obra no seu espaço, é suave e torna a<br />

proximida<strong>de</strong> e presença do nó viário na extremida<strong>de</strong> Oeste, quase natural e não ofensiva ou<br />

intrusiva. A forma como este troço <strong>de</strong> jardim é tratado pela artista incute-lhe uma imagem<br />

distinta e que se tornará referência não só para o Parque Linear como para a cida<strong>de</strong>. A arte é<br />

neste contexto, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, carácter, referência, para a cida<strong>de</strong> mas é também utilitária,<br />

funcional e estabelece uma proximida<strong>de</strong> com público, ímpar em todo o parque.<br />

Fig. 115. Fernanda Fragateiro - Jardim nas Margens: Imagem geral.<br />

103


Fig. 116. Fernanda Fragateiro - Jardim nas Margens: Pormenores.<br />

104


VIII<br />

CONCLUSÕES


CONCLUSÕES:<br />

O tema “Arte e arquitectura: Fronteiras e situações <strong>de</strong> contacto, na obra <strong>de</strong> Fernanda<br />

Fragateiro”, a temática das colaborações e a análise da obra <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro, mantêm,<br />

mesmo numa fase conclusiva, uma enorme abertura e subjectivida<strong>de</strong>.<br />

Deste modo, para as conclusões, propõe-se um caminho inverso ao percorrido no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do tema da presente dissertação e que preten<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já assinalar a<br />

legitimida<strong>de</strong> das colaborações num contexto urbano <strong>de</strong> crescente complexida<strong>de</strong> e<br />

in<strong>de</strong>terminação.<br />

O <strong>de</strong>senho da cida<strong>de</strong> realiza-se hoje em dia, a vários níveis, integra várias escalas e ten<strong>de</strong> a<br />

abranger, não só a dimensão espacial, mas também, a económica e a social da cida<strong>de</strong>. O<br />

Design Urbano apresenta-se como uma proposta colaborativa que ambiciona respon<strong>de</strong>r à nova<br />

conjuntura urbana <strong>de</strong> forma globalizante e multidisciplinar, marcando <strong>de</strong>ste modo, a pertinência<br />

<strong>de</strong> novas propostas e dinâmicas <strong>de</strong> trabalho que partam da quebra <strong>de</strong> limites e obsessões dos<br />

vários aparelhos disciplinares. Todos os arquitectos entrevistados assinalam o incremento <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> do arquitecto, como factor relevante para o futuro das experiências<br />

colaborativas: João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> assinala que, actualmente “os requisitos <strong>de</strong> um<br />

edifício são <strong>de</strong> tal modo exigentes e vastos, que nós temos que estar completamente<br />

concentrados na nossa especialida<strong>de</strong>, tornando-se difícil ter tempo ou ter capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerir<br />

ou dominar várias coisas ao mesmo tempo.” 231<br />

Neste contexto, torna-se evi<strong>de</strong>nte também, que nenhum dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> relação entre arte e<br />

arquitectura propostos – do arquitecto-artista, da arte subjugada à arquitectura, da arte<br />

integrada na arquitectura e <strong>de</strong> uma arquitectura que renuncia o valor da arte para ser ela<br />

própria arte – po<strong>de</strong>rá servir na resolução <strong>de</strong>finitiva das questões assinaladas. A colaboração<br />

entre artistas e arquitectos, tal como <strong>de</strong>finida no último capítulo, enten<strong>de</strong>-se assim, como uma<br />

solução <strong>de</strong> enorme actualida<strong>de</strong> e coerência com a instabilida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>finição, ritmo e<br />

complexida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s do séc. XXI.<br />

As situações que emergem dos casos <strong>de</strong> estudo foram, por um lado, uma surpresa e, por<br />

outro, confirmaram que os estigmas e preconceitos existentes entre as duas disciplinas não<br />

<strong>de</strong>sapareceram, mesmo <strong>de</strong>ntro do conceito <strong>de</strong> colaboração.<br />

A longa história <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> entre as disciplinas é continuamente marcada pelas óbvias<br />

diferenças entre metodologias, formas <strong>de</strong> pensar e olhar para mundo, para o Homem e para a<br />

socieda<strong>de</strong>, características <strong>de</strong> ambas.<br />

Durante o processo colaborativo revelam-se as discrepâncias processuais entre as disciplinas<br />

em questão. O modo como o arquitecto encara o uso ou a função como uma componente<br />

231 João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong> – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

105


inerente a qualquer projecto e o artista como uma possibilida<strong>de</strong> na sua obra. A forma como a<br />

obra <strong>de</strong> arte admite um elevado grau <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> alteração contínua em relação à rigi<strong>de</strong>z<br />

e exigência do <strong>de</strong>senho arquitectónico ou o trabalho interdisciplinar ou em equipa, comum em<br />

arquitectura, em contraste com o individualismo do processo artístico. Constituem algumas das<br />

divergências mais visíveis. A colaboração exige portanto, arquitectos e artistas dispostos e<br />

aptos a encontrar novas formas <strong>de</strong> comunicar e trabalhar.<br />

A conclusão <strong>de</strong> que não é possível chegar a uma receita <strong>de</strong> sucesso ou a uma lista <strong>de</strong> pontos-<br />

chave a cumprir para uma colaboração equilibrada, hierarquicamente horizontal e profícua para<br />

os intervenientes e para o utilizador, é exposta <strong>de</strong> forma óbvia nos casos <strong>de</strong> estudo relativos às<br />

colaborações <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro.<br />

No caso da Estação Biológica do Garducho, questões <strong>de</strong> autoria surgem <strong>de</strong> relações <strong>de</strong><br />

enorme proximida<strong>de</strong> e confiança entre artista e arquitecto. No Jardim das Ondas, uma obra<br />

referida por vários autores como no extremo do i<strong>de</strong>alismo colaborativo, revela-se como<br />

arquitectura ao serviço da arte e cria uma situação inversa à que se explora na secção<br />

referente à obra <strong>de</strong> arte total, na qual a arquitectura surge indiscutivelmente, no topo da<br />

hierarquia disciplinar. A obra Jardim nas Margens expõe ainda, questões relacionadas com o<br />

uso, com a passagem do conceptual à materialização e revela as diferenças óbvias na postura<br />

<strong>de</strong> artistas e arquitectos, quando integrados em equipas multidisciplinares.<br />

Assim como os limites da arte e da arquitectura se expandiram para englobar novas<br />

formulações e plataformas <strong>de</strong> actuação, o conceito <strong>de</strong> “obra <strong>de</strong> arte total“ torna-se agora mais<br />

vasto. A sua materialização, embora raramente conseguida admite portanto, uma obra criada<br />

na sua totalida<strong>de</strong> por artistas e arquitectos ou somente, um resultado final no qual a linha <strong>de</strong><br />

distinção entre o trabalho do arquitecto e o do artista resulte muito ténue ou aparente ser<br />

inexistente. No entanto, interessa apontar, que se acredita que é através das colaborações que<br />

a arquitectura atinge os seus resultados mais interessantes e <strong>de</strong> maior relevância para o<br />

contexto urbano e que, acima <strong>de</strong> tudo, apresenta benefícios imensuráveis para artistas e<br />

arquitectos envolvidos, para a socieda<strong>de</strong> e para a criação <strong>de</strong> um ambiente urbano humanizado<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Os programas <strong>de</strong> arte pública e outros que operam <strong>de</strong>ntro do mo<strong>de</strong>lo percent-for-art são<br />

i<strong>de</strong>ntificados como o meio mais privilegiado para realização <strong>de</strong> projectos colaborativos. Através<br />

da investigação <strong>de</strong> vários programas, enten<strong>de</strong>-se também, que a relação colaborativa com<br />

artistas que apresentam, à partida, uma forte relação com a arquitectura, um interesse pelo<br />

espaço construído ou um trabalho <strong>de</strong> exploração que assente na espacialida<strong>de</strong> e na criação <strong>de</strong><br />

ambientes reais ou virtuais, apresentam uma maior facilida<strong>de</strong> e interesse em participar neste<br />

tipo <strong>de</strong> projectos. Por outro lado, artistas que centram o seu trabalho em questões sociais ou<br />

que se interessam por uma relação próxima com as comunida<strong>de</strong>s e com o público em geral,<br />

constituem uma enorme mais-valia para projectos arquitectónicos públicos ou <strong>de</strong> participação<br />

pública.<br />

106


Fernanda Fragateiro, tal como foi explorado através das suas obras individuais, apresenta uma<br />

relação específica com a arquitectura, visível no modo como a utiliza como processo, como<br />

transcen<strong>de</strong>nte nas suas criações e, talvez a mais importante, a forma como a arquitectura<br />

surge como condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> nas suas obras, sejam elas bidimensionais ou<br />

tridimensionais. O seu interesse pelo espaço, quando cruzado com o corpo, resulta numa<br />

ambição <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> lugares e <strong>de</strong> transformação do espaço físico ou do vazio. Que será <strong>de</strong><br />

enorme relevância para a forma como olha para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervir em qualquer espaço<br />

ou projecto arquitectónico.<br />

A arte entra na arquitectura normalmente com uma função específica, que varia da <strong>de</strong>coração,<br />

à comunicação ou aproximação à socieda<strong>de</strong>, à atenuação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong>masiado rígidas, à<br />

humanização, à criação <strong>de</strong> valor e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou ainda, como elemento funcional ou lúdico. No<br />

seu projecto “O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece”, Fernanda Fragateiro, actua<br />

nestas várias vertentes, ao mesmo tempo que assume as tendências artísticas da transição do<br />

séc. XX para o séc. XXI, do projecto <strong>de</strong> participação pública.<br />

Enten<strong>de</strong>-se, assim, que Fernanda Fragateiro, para além <strong>de</strong> apresentar características que<br />

permitem uma relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com arquitectos e uma elevada aptidão para intervir em<br />

projectos arquitectónicos, apresenta também, uma postura essencial ao nível das<br />

colaborações. Que é compreendida na sua disponibilida<strong>de</strong> e flexibilida<strong>de</strong> como artista e pela<br />

sua dominante curiosida<strong>de</strong>, que a faz receber distintas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensamento e acção,<br />

com enorme vonta<strong>de</strong> e entusiasmo. No entanto, através dos casos <strong>de</strong> estudo e da entrevista<br />

realizada à artista, enten<strong>de</strong>-se que Fernanda Fragateiro não vai ao limite colaborativo<br />

<strong>de</strong>fendido ao longo da dissertação e exemplificado através da referência ao projecto Camp<br />

Good Times, na Califórnia, do edifício Roche Pharma 92, em Basileia ou da Subestação<br />

Eléctrica Viewland/Hoffman, em Seattle.<br />

Embora seja salvaguardado que a colaboração <strong>de</strong>verá partir <strong>de</strong> campos distintos, i<strong>de</strong>almente<br />

no <strong>de</strong>correr do processo as barreiras disciplinares <strong>de</strong>veram ser quebradas ou diluídas. Nos<br />

casos <strong>de</strong> estudo seleccionados, embora extremamente elucidadores para a temática,<br />

comprovam a rareza com que as colaborações resultam <strong>de</strong>sta forma.<br />

Fernanda Fragateiro integra <strong>de</strong> forma correcta todas as colaboração, ou seja, parte do seu<br />

campo disciplinar e <strong>de</strong>fine, à partida e eficazmente, os limites do seu campo <strong>de</strong> actuação. No<br />

entanto, raramente se <strong>de</strong>ixa contaminar no <strong>de</strong>correr do processo ou envolver-se a fundo na<br />

experiência colaborativa, ficando aquém da colaboração plena e dos benefícios que advêm da<br />

mesma. Comprovando esta atitu<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certo modo <strong>de</strong>fensiva, a própria artista afirma em<br />

entrevista, o <strong>de</strong>sconforto sentido e a ausência <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> em repetir o único projecto no qual<br />

<strong>de</strong>ixou cair as suas barreiras e se abriu totalmente a uma nova metodologia, em “O Paraíso é<br />

um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece”, <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada.<br />

107


Ao longo da dissertação foi sendo referida a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretização <strong>de</strong> colaborações<br />

literais. Na postura pragmática e na opção frequentemente funcional das suas obras, Fernanda<br />

Fragateiro garante a materialização das suas obras e a sua aceitação pelo público que as<br />

acolhe. A primazia pela concretização ao invés da experimentação é legitimada, quando posta<br />

em contraste com artistas e obras mais arrojadas, como Richard Serra ou quando comparada<br />

com a colaboração limite <strong>de</strong> Frank Gehry, Claes Ol<strong>de</strong>nburg e Coosje van Bruggen que não<br />

atingiu a materialida<strong>de</strong>.<br />

Conclui-se assim, que Fernanda Fragateiro apresenta um conjunto <strong>de</strong> características,<br />

exclusivas no âmbito das colaborações, no entanto, até ao momento, o seu pragmatismo e<br />

objectivida<strong>de</strong> têm-se sobreposto ao entusiasmo e curiosida<strong>de</strong> com que afirma aceitar este tipo<br />

<strong>de</strong> propostas, impedindo-a <strong>de</strong> levar a fundo o conceito colaborativo.<br />

Embora continuem sujeitas a contextos específicos, o futuro das colaborações parece<br />

assegurado, na medida em que, tanto Fernanda Fragateiro como os arquitectos entrevistados<br />

afirmam ambicionar a concretização da colaboração plena e, sem excepção, confirmam os<br />

benefícios que advêm da partilha <strong>de</strong> metodologias, procedimentos e i<strong>de</strong>ias que <strong>de</strong>corre do<br />

processo. Segundo a própria artista:<br />

“Se calhar, um dia vai surgir um projecto, e eu gostaria <strong>de</strong> trabalhar com João Gomes da Silva<br />

nesses mol<strong>de</strong>s, que nasça dos dois, que seja uma verda<strong>de</strong>ira colaboração, ou seja, que eu não<br />

seja chamada a comentar um projecto <strong>de</strong>le, mas que possamos pensar e construir qualquer<br />

coisa juntos. Um projecto no qual não se distinga arquitecto <strong>de</strong> artista e isso, se calhar, é a<br />

parte mais limite da colaboração, que é muito, muito difícil <strong>de</strong> acontecer.” 232<br />

232 Fernanda Fragateiro – Excerto da entrevista realizada pela autora.<br />

108


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:<br />

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Atelier RISCO<br />

http://www.risco.org/pt/02_04_expo98.html<br />

114


ANEXOS


ANEXO I:<br />

ENTREVISTA REALIZADA A FERNANDA FRAGATEIRO A 28-02-2012, NO SEU ATELIER:<br />

A primeira pergunta tem a ver com a característica do seu trabalho que <strong>de</strong>u aso ao tema da<br />

dissertação, ou seja, a sua relação muito específica com o espaço e com a arquitectura. Como<br />

surge esta relação na sua obra?<br />

A exploração do espaço existe na minha obra e no meu trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. Partindo da minha<br />

estadia na Escola Superior <strong>de</strong> Belas Artes (ESBAL) em que, mais importante do que as esculturas que fiz<br />

e do que a própria relação com os professores, foi uma <strong>de</strong>terminada atitu<strong>de</strong> relativamente à ocupação e<br />

compreensão do próprio espaço na Escola. A minha primeira paixão pela ESBAL, tem mais a ver com o<br />

espaço, um antigo convento, do que com o próprio ensino. Uma atitu<strong>de</strong>, que acabou por limitar a minha<br />

activida<strong>de</strong> na escola e por ser consi<strong>de</strong>rada como uma pessoa que trabalhava à margem do próprio<br />

sistema. Fui muitas vezes prejudicada por isso e acabei por abandonar a ESBAL no terceiro ano.<br />

Lembro-me que uma das coisas que fiz na escola, foi criar o meu próprio atelier <strong>de</strong>ntro do espaço da<br />

ESBAL. Descobri um saguão, uma espécie <strong>de</strong> pequeno vazio sem telhado. Rebentei uma porta para ter<br />

acesso ao espaço e criei uma peça, um dispositivo que construí com a artista Catarina Baleiras e que<br />

funcionava como atelier, essencialmente um espaço para pensar.<br />

Porquê criar um espaço seu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um espaço público, uma escola, que supostamente, já lhe<br />

oferecia condições para pensar?<br />

Acho que sempre tive muito a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um espaço q <strong>de</strong> trabalho meu. Não tem nada a ver com<br />

proprieda<strong>de</strong> nem com um sentimento <strong>de</strong> posse mas sim, com um espaço <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e<br />

que eu precisava <strong>de</strong> ter, seja uma mesa, seja um simples lugar no chão. Por exemplo, quando me<br />

retiraram o atelier que tinha construído, fiz outra coisa, agora mais comedida e <strong>de</strong>ntro do espaço <strong>de</strong><br />

trabalho comum dos alunos <strong>de</strong> Escultura, que foi limitar no chão uma área que era a minha área <strong>de</strong><br />

trabalho.<br />

Neste percurso inicial, a arquitectura e até a própria construção são as temáticas muito próximas<br />

da exploração espacial que também acaba por integrar no seu trabalho?<br />

As minhas primeiras exposições em 87 e 89/90, nascem, por exemplo, <strong>de</strong> uma observação da dinâmica<br />

do espaço da cida<strong>de</strong>, em que simultaneamente estão coisas a crescer, a nascer e a serem construídas,<br />

ao mesmo tempo que há coisas que se estão a <strong>de</strong>struir, a <strong>de</strong>sfazer, a envelhecer. Foram estas<br />

exposições que mais aproximaram o meu trabalho à arquitectura.<br />

Em que sentido?<br />

A minha primeira exposição, chamada ‘Instalação’ foi em 1987, na Galeria Monumental do artista Miguel<br />

Sampaio. Quando me convidam a expor na Galeria Monumental, o que me interessa não é o espaço da<br />

galeria, mas o espaço que está atrás da galeria, entre a primeira sala on<strong>de</strong> eu era suposto expor e o<br />

pátio. Esta sala interessa-me porque servia <strong>de</strong> atelier para os artistas mas estava em muito más<br />

condições. Não fiquei na sala <strong>de</strong>stinada porque não tinha nada para dizer ali! O que eu queria, era falar<br />

115


com aquele espaço e convocar o próprio espaço, as pare<strong>de</strong>s em ruinas, os fragmentos <strong>de</strong> tijolos.<br />

Interessava-me criar peças que refizessem aquele espaço, interessava-me trabalhar num espaço on<strong>de</strong><br />

nunca ninguém tinha feito nada e que nem tinha condições para ser uma galeria <strong>de</strong> arte. Uma das peças,<br />

por exemplo, era uma pare<strong>de</strong> inteira que fazia a ligação entre dois espaços <strong>de</strong> atelier, as restantes são<br />

também, peças <strong>de</strong> reconstrução do espaço.<br />

Este primeiro gesto, que surge <strong>de</strong> uma forma muito inconsciente, acaba por ter consequências<br />

permanentes para a galeria (…), quando a minha exposição sai <strong>de</strong> lá, o espaço ganha melhores<br />

condições, aliás, ainda hoje essa sala, em conjunto com a sala principal e o pátio é utilizado como uma<br />

gran<strong>de</strong> galeria. Mais do que as peças que fiz e que estão documentadas foi o gesto <strong>de</strong>, <strong>de</strong> repente, abrir<br />

aquilo tudo que mais me marcou.<br />

A segunda exposição tem também a ver com esse gesto e acontece em 1990, na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências,<br />

na Sala Sul. Na altura, andava a fotografar imenso a cida<strong>de</strong>, sobretudo esta zona do Chiado que tinha<br />

sido alvo <strong>de</strong> incêndio. Havia imensos prédios em ruinas e esse processo interessava-me imenso,<br />

sobretudo, a forma como as pessoas conviviam com estas ruínas, como se fosse uma coisa normal. Era<br />

como numa situação <strong>de</strong> guerra, as pessoas habituam-se, adaptam-se e seguem a sua vida normal<br />

enquanto, que ao lado está um prédio que levou com uma bomba em cima. Essa vida extremamente<br />

violenta, mas muitíssimo poética da construção e da ruina, sempre me interessou muito. (…) Consegui<br />

que me ce<strong>de</strong>ssem uma sala (na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências) durante três meses e fiz uma exposição com<br />

uma série <strong>de</strong> peças efémeras, umas casas em ma<strong>de</strong>ira e gesso em posições instáveis. No entanto, mais<br />

uma vez, o que interessa neste projecto é que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eu ter lá feito a exposição, aquele espaço ficou<br />

aberto até hoje.<br />

Portanto esses dois projectos, que são os projectos que iniciam o meu trabalho, são também fundadores<br />

daquilo que <strong>de</strong>pois, será o meu caminho como artista. Continuo a partir muito <strong>de</strong>sse gesto <strong>de</strong> abrir um<br />

espaço novo.<br />

Este trabalho <strong>de</strong> materiais que se associa na sua obra ao minimalismo, como a utilização <strong>de</strong> um só<br />

material, o cuidado que tem no tratamento <strong>de</strong>ste e da sua linguagem no espaço…<br />

Para mim, o material já é um texto. Usar um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> material já é um texto tão forte que o que<br />

me interessa, se calhar, é dizer numa frase aquilo que se po<strong>de</strong>ria dizer num livro. A minha procura em<br />

relação aos materiais é conseguir encontrar essa frase, ou seja, o material que contém a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> camadas <strong>de</strong> pensamento necessária para que a obra comunique ou diga, <strong>de</strong> uma forma<br />

muito sucinta uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisas que penso e que sinto.<br />

Na Exposição Invisibilida<strong>de</strong>s, na Galeria Leme, são apresentadas cinco peças. A que gostaria <strong>de</strong><br />

referir, para já é a peça: Expectativas <strong>de</strong> uma Paisagem <strong>de</strong> Acontecimentos #4. Como se enquadra<br />

esta peça no panorama geral da sua obra?<br />

É <strong>de</strong> facto uma peça quase matriz. Primeiro, porque é uma peça <strong>de</strong> chão e um plano <strong>de</strong> chão para mim,<br />

representa o mínimo <strong>de</strong> num lugar para habitar (…). Eu acho, que uma casa po<strong>de</strong> ser um chão, po<strong>de</strong> não<br />

ter mais nada, muitas vezes, quando há um edifício que é <strong>de</strong>molido ou que vai <strong>de</strong>saparecendo, o plano<br />

do chão é sempre a última marca a <strong>de</strong>saparecer, não é? É também uma peça, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do<br />

material se torna articulável, po<strong>de</strong>-se esten<strong>de</strong>r ou retrair e permite que nela se multipliquem paisagens. É<br />

uma peça que certamente vai continuar a aparecer no futuro, que eu vou continuar a trabalhar.<br />

116


As peças Caixas #4 e #5 que também figuram na exposição vão <strong>de</strong> encontro a outra temática,<br />

também muito presente na sua obra que é o vazio. São contentores ou representam mais do que<br />

isso?<br />

O que me interessa nas Caixas é a i<strong>de</strong>ia do contentor ser simultaneamente o conteúdo. Essas peças<br />

nascem <strong>de</strong> um pensamento acerca das caixas <strong>de</strong> cartão que se encontram por todo o lado no espaço da<br />

cida<strong>de</strong>, da fragilida<strong>de</strong> que ganham ao serem abandonadas e expostas às condições atmosféricas ou às<br />

pessoas que quase as <strong>de</strong>stroem antes <strong>de</strong> as <strong>de</strong>itarem fora. Da importância e força que ganham ao serem<br />

reutilizadas, habitadas e ao servirem <strong>de</strong> abrigo. Em todas estas situações, <strong>de</strong> repente surgem mo<strong>de</strong>los,<br />

podiam ser mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> casas ou <strong>de</strong> espaços habitáveis. Durante muitos anos olhei e registei esses<br />

objectos e chegou uma altura em que os apanhei e comecei a trazê-los para o atelier, para os medir e<br />

estuda e <strong>de</strong> repente há mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>sses objectos que encontramos e que nos fazem lembrar maquetes <strong>de</strong><br />

casas ou <strong>de</strong> espaços habitáveis. Os <strong>de</strong>sdobramentos das caixas representam estes mo<strong>de</strong>los no tempo a<br />

partir <strong>de</strong> uma matriz, uma caixa <strong>de</strong> dimensão fixa, que quando aberta vai colapsando <strong>de</strong> uma forma<br />

organizada. Existe um movimento contínuo implícito em todas essas peças.<br />

O aço ou alumínio polido é o material dominante nesta exposição e é também o material <strong>de</strong> eleição<br />

para muitas peças realizadas pelas gran<strong>de</strong>s figuras do minimalismo. Porque opta por este tipo <strong>de</strong><br />

material?<br />

Acho que são materiais, que pelo facto <strong>de</strong> serem reflectores, acabam por <strong>de</strong>saparecer no espaço. É esse<br />

<strong>de</strong>saparecimento e essa ausência que me interessa quando exponho em espaços arquitectónicos<br />

fortíssimos como é o caso da Galeria Leme ou do Mosteiro <strong>de</strong> Alcobaça. O facto <strong>de</strong> eu levar para <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>sses espaços peças em aço polido, fazia com que as peças <strong>de</strong>saparecessem, mantendo assim a<br />

integrida<strong>de</strong> do espaço arquitectónico e simultaneamente, como as peças reflectem, quer as pessoas, quer<br />

o espaço, também se tornavam receptores. Por um lado são extremamente invisíveis e quase<br />

<strong>de</strong>saparecem e por outro lado, têm uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser vistos e convocar várias<br />

coisas. O facto <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nso e ser intenso, <strong>de</strong> ter muitas camadas e simultaneamente ser quase invisível,<br />

é uma coisa que me interessa muito.<br />

A relação entre o espaço, o espectador e a obra é então propositado e conseguido através da<br />

utilização <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> materiais?<br />

Sim, eu acho que o meu trabalho, (…) pensa muito sobre o espaço on<strong>de</strong> está a ser incluído, mas também<br />

pensa sobre ou implica muito o espectador. Todas as minhas obras têm um lado performativo.<br />

Essa separação entre o pensar o espaço e quem o habita ou utiliza, existe por vezes na arquitectura.<br />

Quando só se pensa na arquitectura, por vezes esquecesse o conforto, o <strong>de</strong>sconforto ou o que isso<br />

provoca nas pessoas. Eu trabalho sempre nesses dois campos. Na Casa da Musica, por exemplo, fiz uma<br />

instalação com re<strong>de</strong>s vermelhas <strong>de</strong> modo a criar um diálogo que surge <strong>de</strong> um confronto muito forte com o<br />

espaço. Aí houve um pensar sobre, dar às pessoas um lugar ou criar um lugar extremamente acolhedor,<br />

em oposição àquilo que a arquitectura oferecia.<br />

O conceito site-specific aplica-se <strong>de</strong> que forma à sua obra?<br />

O meu trabalho respon<strong>de</strong> muito ao lugar. Eu consi<strong>de</strong>ro-me uma artista extremamente flexível, no sentido<br />

em que, não tenho exactamente uma agenda na cabeça, ou seja, não tenho um ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que<br />

117


vou aplicando à medida que as oportunida<strong>de</strong>s vão surgindo. Aquilo que me interessa e me entusiasma é<br />

a disponibilida<strong>de</strong> para pensar <strong>de</strong> novo cada vez que me surge um problema ou um <strong>de</strong>safio ou uma i<strong>de</strong>ia.<br />

A Caixa para Guardar o Vazio, surge como uma epítome <strong>de</strong>sse lado performativo e da exploração<br />

do espaço. Como surge e como foi pensada esta obra?<br />

A Caixa para Guardar o Vazio nasce <strong>de</strong> um pedido que me é feito pelo Serviço Educativo do Teatro<br />

Viriato, em Viseu, para a realização <strong>de</strong> um projecto que, através das crianças, chegasse e comunicasse<br />

com a comunida<strong>de</strong>. Aqui as crianças são um veículo para chegar a uma comunida<strong>de</strong> do interior, do Norte<br />

<strong>de</strong> Portugal, extremamente fechada, conservadora e que não a<strong>de</strong>ria muito aos projectos e iniciativas mais<br />

contemporâneas. O Teatro sentia, acima <strong>de</strong> tudo, uma gran<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicar e <strong>de</strong> expandir<br />

um público que se tinha tornado extremamente restrito e portanto, eu sabia que tinha que tinha <strong>de</strong> ser<br />

uma coisa muitíssimo experimental e muitíssimo sensorial, mas ainda não sabia bem o que era.<br />

Decidi trabalhar sobre o espaço porque achava que havia um <strong>de</strong>sconhecimento geral sobre esse tema, é<br />

um tema que não é discutido e é também um tema, sobre o qual as crianças não pensam. (…) O que eu<br />

queria era que se começa-se a pensar o espaço e ainda, trazer ao <strong>de</strong> cima o tema do vazio.<br />

Estamos sempre a falar do património material e esquecemo-nos que há uma parte muito importante<br />

<strong>de</strong>sse património, que é o vazio, que é o não ter nada, que é o silêncio e discutir isso com miúdos, discutir<br />

sem palavras, parecia-me muito interessante.<br />

Consi<strong>de</strong>ra que esta sua obra ultrapassa a barreira da arte para a arquitectura pelo facto <strong>de</strong> ser um<br />

habitáculo, uma construção?<br />

Por um lado sim, mas por outro não serve para aquilo que a arquitectura serve. A sua função não é tanto<br />

da or<strong>de</strong>m da arquitectura mas talvez mais da poesia, ou seja, serve para pensar mas não serve para mais<br />

nada. No entanto, é importante dizer que sentir é também uma forma <strong>de</strong> habitar o espaço, mas eu acho,<br />

que é um projecto que só podia ser feito por um artista, se calhar aquela caixa e o <strong>de</strong>senho podia ser feito<br />

por um arquitecto…<br />

Houve intervenção <strong>de</strong> arquitectos no <strong>de</strong>senho da obra?<br />

(…) Nós fizemos, aqui no atelier, uma maquete que não partiu <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho, não houve um projecto<br />

com acontece na arquitectura. Quer dizer, houve uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos em articulação com a parte da<br />

dança, mas nunca foram feitos projectos técnicos <strong>de</strong>sta peça. A peça foi construída pelos carpinteiros a<br />

partir da maquete e foram os próprios carpinteiros que pediram para que eu falar com arquitectos (…). A<br />

construção era feita simplesmente através <strong>de</strong> medições na maquete, eu ia vendo, os bailarinos iam<br />

testando e portanto, é uma obra que parece que foi muito <strong>de</strong>senhado e pensada, mas há ali muita coisa<br />

que foi sendo criada por todos os intervenientes. Só pedi ajuda a dois amigos arquitectos, para fazer uma<br />

segunda maquete, a partir da minha, porque era preciso uma para testar se estava tudo a funcionar, mas<br />

não existem <strong>de</strong>senhos técnicos da peça. Mesmo em projectos públicos, que obviamente têm esse lado da<br />

arquitectura e da engenharia, tento que o projecto técnico seja o mais leve e menos elaborado possível.<br />

“O Paraíso é um Lugar On<strong>de</strong> Nada Nunca Acontece” (título <strong>de</strong> uma canção dos Talking Heads), foi<br />

um trabalho que envolveu toda uma comunida<strong>de</strong>, como se estabeleceu esse diálogo?<br />

Esse projecto foi muito especial e durou um largo período <strong>de</strong> tempo a ir acontecendo porque teve muitos<br />

percalços pelo meio. Nasce, do evento <strong>Lisboa</strong> Capital do Nada, no qual a própria organização <strong>de</strong>safiava<br />

as associações locais a proporem projectos, i<strong>de</strong>ais ou colocarem uma espécie <strong>de</strong> mapa <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s<br />

118


sobre o qual os artistas po<strong>de</strong>riam trabalhar. A “Tempo <strong>de</strong> Mudar”, do Bairro dos Lóios, era uma<br />

associação extremamente activa e séria, que disse que tinham uma série <strong>de</strong> jardins no Bairro da Pantera<br />

Cor-<strong>de</strong>-Rosa, projecto do Gonçalo Byrne, que nunca tinham sido plantados e que eles gostariam <strong>de</strong><br />

plantar ou <strong>de</strong> fazer qualquer coisa. Fiquei logo muito interessada nesse assunto, mas não havia verbas<br />

nenhumas para o projecto e portanto, era preciso entrar em contacto com a Câmara para ver se po<strong>de</strong>riam<br />

ajudar. Quando fiz o primeiro contacto com a Câmara, percebi que já havia um projecto para aquele<br />

espaço, um projecto <strong>de</strong> reabilitação da praça Raul Lino, uma praça fabulosa, que serve aquele conjunto<br />

<strong>de</strong> edifícios.<br />

A primeira fase, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> perceber que a Câmara tinha um projecto <strong>de</strong> requalificação, foi tentar perceber,<br />

como é que o meu projecto, que tinha a ver com o plantar daqueles canteiros <strong>de</strong> uma forma muito<br />

simples, se podia articular com o projecto da Câmara. (…) O que me chamou a atenção naquele espaço,<br />

foi um jardim <strong>de</strong>nsamente plantado mas todo vedado com paus e re<strong>de</strong>s, que ‘pertencia’ há mais <strong>de</strong> 15<br />

anos a morador chamado Sr. João. Este jardim tinha um ar horrível, palmeiras, oliveiras, sardinheiras,<br />

arrozeiras, couves entre outras, plantadas do modo ‘tudo ao molho e fé em Deus’ e o projecto da Câmara,<br />

obviamente, ia arrasar com o jardim do Sr. João e plantar nesse lugar umas lavandas lindíssimas, mas<br />

todas iguais. Isso fez-me muita impressão! Achei que era uma atitu<strong>de</strong> extremamente invasiva pela parte<br />

da autarquia e, embora o senhor não fosse proprietário daquele espaço, tinha cuidado <strong>de</strong>le e manteve-o<br />

ver<strong>de</strong> durante muitos anos.<br />

Quando a Câmara soube que eu estava a fazer ali um projecto, o que tentaram foi que eu fizesse uma<br />

escultura no meio da praça, coisa a que obviamente me recusei. O que me interessava na altura, era dar<br />

à comunida<strong>de</strong> o que eles precisavam e não uma peça <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração. (…)<br />

É aí que se inicia o diálogo com a população do bairro?<br />

Sim, para além das reuniões públicas com a Câmara, houve também uma série <strong>de</strong> reuniões com o Sr.<br />

João. A i<strong>de</strong>ia era convencê-lo a abrir o espaço tinha ocupado e vedado, a todas as outras pessoas (…),<br />

preservando um trabalho que era, <strong>de</strong> certo modo, um exemplo para as outras pessoas. Aqui, o meu papel<br />

como artista era, como eu dizia sempre: “eu não faço nada, sou só uma espécie <strong>de</strong> fada que faz com que<br />

as pessoas conversem entre si. Por sorte, ele ficou logo convencido com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abrir o espaço <strong>de</strong>le e<br />

até, <strong>de</strong> fazer uma selecção das plantas e árvores que estavam no jardim e distribuí-las pelos outros<br />

canteiros e espaços que não tinham nada (…). Basicamente o que se fez foi isso.<br />

Houve somente um diálogo inicial ou houve também uma participação activa ou física por parte da<br />

comunida<strong>de</strong> no projecto?<br />

Quem fez a operação <strong>de</strong> retirar as plantas, foi um grupo <strong>de</strong> crianças do bairro, que pertenciam a um<br />

grupo <strong>de</strong> futebol (…), a Santa Casa da Misericórdia, que dava apoio a esse grupo e alguns jardineiros da<br />

Câmara que acompanhavam e ensinavam os processos <strong>de</strong> transplantação. Arranjámos um fim-<strong>de</strong>-<br />

semana em que os miúdos vieram todos e fez-se esse trabalho envolvendo a comunida<strong>de</strong>. Foi um<br />

processo muito simples, foi somente transplantar uma série <strong>de</strong> coisas <strong>de</strong> uns espaços para outros e abrir<br />

aquilo tudo.<br />

Em relação à manutenção, a Câmara forneceu um sistema <strong>de</strong> rega.<br />

119


A própria praça foi também requalificada. Foi também um projecto da sua autoria?<br />

Isso foi um projecto do Zé Luís (arquitecto da Câmara) e eu acompanhei o que estava a ser feito mas não<br />

intervim directamente.<br />

O facto <strong>de</strong> o público ou da população entrar logo na fase criativa da obra e <strong>de</strong> certa forma<br />

condicioná-la, é uma coisa com a qual se sente à vonta<strong>de</strong>, repetiria este tipo <strong>de</strong> trabalho<br />

participativo?<br />

Eu acho que são sempre processos muito complicados e para darem algum resultado, <strong>de</strong>moram tempo e<br />

implicam muita <strong>de</strong>dicação, muita energia, e eu não sei se tenho essa energia, esse tempo e muitas vezes<br />

o dinheiro e a disponibilida<strong>de</strong> para o fazer.<br />

O que eu posso dizer <strong>de</strong>ste projecto é que houve um momento, em que implicar as pessoas no meu<br />

trabalho e mais uma vez, uma comunida<strong>de</strong> maioritariamente <strong>de</strong> pessoas muito jovens, não foi nada<br />

condicionante, aliás, foi o motor do trabalho. Muito mais condicionante do que a população, são todas as<br />

limitações <strong>de</strong> um trabalho para um espaço público. Um projecto <strong>de</strong> arte pública, no fundo, é sempre um<br />

projecto <strong>de</strong> negociação com muitas partes e até com o próprio tempo, com o clima, etc.<br />

Tem vindo nos últimos anos a colaborar com vários arquitectos. Como distingue as diferentes<br />

relações?<br />

A relação com o João Trinda<strong>de</strong> é se calhar, a relação mais informal que tenho em termos <strong>de</strong> colaboração.<br />

Há muitas coisas que surgem das nossas conversas que eventualmente se vão reflectir no meu trabalho<br />

aqui no atelier ou no trabalho <strong>de</strong>le e que nem sequer faz sentido que apareça o meu nome ou o <strong>de</strong>le. É a<br />

relação mais especial <strong>de</strong> trabalho que tenho, porque está assente na informalida<strong>de</strong> e numa partilha <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ias muito natural. Gosto particularmente da forma como o João pensa e <strong>de</strong> como resolve os<br />

problemas. É uma pessoa muito prática, mas ao mesmo tempo muitíssimo curiosa e tal como eu, não<br />

repete fórmulas, está sempre à procura <strong>de</strong> maneiras diferentes <strong>de</strong> pensar sobre as coisas. Para além<br />

disso, nos projectos que fizemos juntos, há sempre uma separação, ou seja, embora haja uma gran<strong>de</strong><br />

articulação com o trabalho <strong>de</strong>le, há uma fronteira. Pois é um projecto meu que se integra ou que pensa<br />

um espaço que o João <strong>de</strong>senhou.<br />

Se calhar, um dia vai surgir um projecto, e eu gostaria <strong>de</strong> trabalhar com João nesses mol<strong>de</strong>s, que nasça<br />

dos dois, que seja uma verda<strong>de</strong>ira colaboração, ou seja, que eu não seja chamada a comentar um<br />

projecto <strong>de</strong>le, mas que possamos pensar e construir qualquer coisa juntos, na qual não se distinga<br />

arquitecto <strong>de</strong> artista, e isso se calhar é a parte mais limite da colaboração, que é muito, muito difícil <strong>de</strong><br />

acontecer.<br />

No Garducho, por exemplo, se um dia apagarmos todas aquelas frases, o projecto do edifício continua a<br />

ter uma autonomia, continua a ser o que é. No fundo, o meu trabalho é mais um comentário. Por um lado,<br />

é um comentário à arquitectura e por outro, é uma espécie <strong>de</strong> projecto expositivo ou <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong>ntro<br />

do programa daquela estação, que surge in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente e para além da arquitectura.<br />

O José Veludo é uma pessoa mais técnica, aliás, ele era uma das pessoas, que em relação ao Jardim<br />

das Ondas, estavam um bocado mais sépticas. Mas porque ele tinha uma noção <strong>de</strong> que aqueles espaços<br />

são extremamente difíceis <strong>de</strong> manter, portanto, a preocupação <strong>de</strong>le era em como é que se manteriam<br />

aqueles montes <strong>de</strong> terra cobertos <strong>de</strong> matéria vegetal com a enorme carga <strong>de</strong> utilização diária... E o que<br />

eu disse sempre foi: isto tem <strong>de</strong> ser tratado como uma coisa muito especial, não po<strong>de</strong> ser tratado como<br />

um relvado qualquer. Se é um espaço on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m acontecer coisas muito diferentes daquelas que<br />

120


acontecem num jardim normal tem que se ter esse tipo <strong>de</strong> cuidados, portanto, tem que ser<br />

constantemente reparado e há zonas que têm que ser vedadas quando estão muito <strong>de</strong>sgastadas. Ele foi<br />

das pessoas que fez bastante força para que eu introduzisse matérias duras, e eu disse sempre que não,<br />

sabendo obviamente que seria mais difícil.<br />

No texto sobre o Jardim das Ondas, presente no catálogo da exposição: Co-laborações:<br />

Arquitectos/Artistas, é referido como um projecto <strong>de</strong> colaboração que dilui todas as linhas que<br />

separam artistas <strong>de</strong> arquitectos. Isso aconteceu na prática, no processo criativo ou construtivo ou<br />

vem só da imagem final da obra?<br />

Embora seja um trabalho <strong>de</strong> colaboração, tem uma linha divisória até bastante marcada. No fundo, o que<br />

o João Gomes da Silva faz, é permitir que aquele projecto aconteça.<br />

Claro que, o <strong>de</strong>ixar que um projecto aconteça já é uma coisa muito importante porque, se olhar para o<br />

<strong>de</strong>senho urbano da zona <strong>de</strong> intervenção da Expo e se olhar para o <strong>de</strong>senho que tem a ver com a parte<br />

paisagística, projecto também do João Gomes da Silva, aquele jardim é um objecto estranho que aterrou<br />

ali e que rompe com aquela linguagem ‘mais natural’ do projecto. Portanto, eu proponho aquele projecto e<br />

concebo-o sozinha e o que o João faz, é enten<strong>de</strong>r, respeitar imenso a minha proposta e contribuir com o<br />

saber <strong>de</strong>le para que aquele projecto seja possível. Os outros paisagistas ligados ao espaço da Expo,<br />

achavam que aquele espaço não era viável, que não funcionava ou que tinha uma artificialida<strong>de</strong> que não<br />

coincidia com a linguagem do resto do espaço. Não concebemos aquele projecto juntos, mas o João<br />

Gomes da Silva teve, neste cenário, a sensibilida<strong>de</strong> e a abertura para dizer: “eu vou ajudar a artista a<br />

fazer o seu projecto e vou pôr todo o meu saber ao serviço”. (…) E isso foi muito importante porque havia<br />

muitas resistências ao projecto.<br />

A sua intervenção para a Expo’98 foi singular e díspar das dos outros artistas, porquê? Como<br />

surgem estas intervenções?<br />

É muito simples a forma com nasceram as cerca <strong>de</strong> sete intervenções que fiz no espaço da Expo. Tudo<br />

começou com um pedido do Arq. Manuel Salgado, para que eu resolvesse o revestimento do muro <strong>de</strong><br />

entrada dos Jardins da Água. Um pedido que é clássico, ou seja, é para resolver um revestimento, uma<br />

superfície, um <strong>de</strong>senho que se aplique num chão ou numa pare<strong>de</strong> que já está <strong>de</strong>senhada, que o artista é<br />

normalmente chamado, e foi só para isso que ele me convidou e claro que eu fiquei muito contente por<br />

trabalhar naquele espaço da Expo e ter, pela primeira vez um projecto público <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> escala e com a<br />

sorte <strong>de</strong> ter meios disponíveis para o fazer.<br />

Pedi primeiro, que ele me explicasse o que eram os Jardins da Água e há medida que ele me ia<br />

explicando e mostrado o projecto, eu ia, <strong>de</strong> uma forma muito naïf, criticando e propondo outras soluções<br />

(…) Neste momento, penso sinceramente que, também pelo facto <strong>de</strong> os arquitectos estarem tão cheios<br />

<strong>de</strong> trabalho, o Manuel achou muito bem-vindo que alguém <strong>de</strong> fora interviesse, e acabou por dizer: então<br />

resolve, então pensa. Assim nascem um muro, uns bancos, um chão e umas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um lago e,<br />

quando se chega ao fim dos Jardins da Água, há um espaço vazio ainda pouco <strong>de</strong>finido, que me<br />

interessou imenso. Para esse espaço pedi especificamente ao Manuel para fazer um jardim.<br />

Foi então o seu primeiro projecto para um jardim?<br />

Sim, nunca tinha feito um jardim na vida. (…) Fiquei seriamente a pensar sobre, como é que podíamos<br />

criar ali situações <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> espaço, diferentes daquelas que já estavam autocriadas pela forma<br />

muito simples e quadriculada pela qual este se organizava. A questão que se punha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, era que<br />

121


quando olhava para o rio queria esquecer tudo o resto, mas não percebia porque é que não se conseguia<br />

criar qualquer coisa que tivesse a ver com a subtileza, com o movimento, com a leveza e com a força do<br />

movimento do rio. Se todo o tema da Expo era sobre o mar, porque é que tudo estava a ser construído <strong>de</strong><br />

uma forma extremamente rígida?<br />

Porque opta por mo<strong>de</strong>lar o terreno e realizar um jardim, atípico, totalmente revestido a relva?<br />

Eu acho que muitas vezes os jardins mantêm a mesma lógica que resto do espaço urbano. São espaços<br />

segmentados, cheios <strong>de</strong> atravessamentos, caminhos, zonas para sentar, etc. A experiência que eu tive,<br />

em pequenina, <strong>de</strong> viver junto a um jardim do velho Cal<strong>de</strong>ira Cabral, no Montijo, que é um jardim muito<br />

inglês, com gran<strong>de</strong>s planos <strong>de</strong> relva, ou seja, espaços muitíssimo flexíveis on<strong>de</strong> podia pisar a relva, on<strong>de</strong><br />

não tinha que estar num caminho ou sentada num banco <strong>de</strong> um jardim. (…) Essa experiência influenciou-<br />

me muito e durante muito tempo não conheci, em Portugal, mais nenhum jardim on<strong>de</strong> se pu<strong>de</strong>sse pisar a<br />

relva. Portanto, isso era a experiência principal <strong>de</strong> espaço que eu queria reproduzir.<br />

Estes projectos estiveram integrados no programa <strong>de</strong> arte pública da Expo?<br />

No catálogo da Expo, o meu projecto está nos projectos <strong>de</strong> arte pública simplesmente porque era<br />

estúpido separá-los, mas eu trabalhei, penso eu, <strong>de</strong> forma diferente dos outros artistas. No fundo, eu<br />

colaborava com o atelier do Manuel Salgado, o RISCO, e <strong>de</strong>pois, mais especificamente com o João<br />

Gomes da Silva, portanto, era quase como se eu fosse mais um membro da equipa.<br />

Havia <strong>de</strong> facto um programa <strong>de</strong> arte pública, dirigido pelo meu marido e para o qual eu não fui convidada,<br />

mas para o qual foram escolhidos um série <strong>de</strong> artistas. A partir do momento em que o Manuel Salgado<br />

me convidou, ficou logo muito claro que eu não estava ligada ao programa <strong>de</strong> arte pública.<br />

Quem fez a produção das obras?<br />

A produção dos meus trabalhos foi feita pela RISCO, na altura não fiz, mas é uma coisa que agora faço<br />

sempre. Naquele caso eu nem sequer tinha experiência, portanto, o que eu fiz, foi a parte <strong>de</strong> projecto e<br />

<strong>de</strong>pois a RISCO resolveu toda a parte técnica, <strong>de</strong> projecto e <strong>de</strong> produção ou encomenda das peças. No<br />

caso do Jardim das Ondas foi o atelier do João Gomes da Silva.<br />

Existe nesse processo uma certa perca <strong>de</strong> controlo pelo facto <strong>de</strong> não ter sida a Fernanda a tratar<br />

da produção das peças?<br />

Não houve, neste caso, porque eu tive muito próxima e consi<strong>de</strong>ro, que tive até bastante controlo em<br />

ambos os jardins. Por exemplo, no muro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolha do material, ao esquema <strong>de</strong> cores, até à<br />

disposição e colocação das pastilhas <strong>de</strong> vidro, foram tudo processos totalmente controlados por mim. Os<br />

bancos, também em pastilha <strong>de</strong> vidro e com frases da Virginia Wolf retiradas do Livro das Ondas e o<br />

<strong>de</strong>senho da calçada foram executados conforme <strong>de</strong>senhos feito por mim, assim como os painéis<br />

cerâmicos das algas, já no fim do jardim, foram revestidos com um vidrado especial feito com uma técnica<br />

<strong>de</strong>scoberta por duas amigas minhas para eu utilizar ali. Portanto, acho que houve um controle muito<br />

gran<strong>de</strong>.<br />

No Jardim das Ondas, também houve um controle no terreno, embora a primeira vez que se fez o jardim<br />

ele não ficou bem construído, quando se reconstruiu tivemos tempo para refazer exactamente como<br />

queríamos.<br />

122


A obra Jardim das Margens surge na continuação <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lação do terreno que<br />

utiliza primeiro no Jardim das Ondas, como distingue estes dois projectos <strong>de</strong> arte pública?<br />

Esse projecto surge também a partir <strong>de</strong> um convite do Arq. Manuel Salgado para eu trabalhar com a NPK,<br />

no projecto do Cacém. Neste projecto, por exemplo, embora as formas fossem similares às da Expo, era<br />

ridículo estar a propor um revestimento com matéria vegetal num sitio urbano, duro, complicado e que<br />

não vai ter os mesmos cuidados que numa zona da Expo, feita para uma classe média alta, num espaço<br />

on<strong>de</strong> aconteceu a Expo e para o qual tinha sido especialmente contratada um equipa para tratar dos<br />

jardins. No Cacém, interessava-me agora introduzir matérias mais duras como o betão. O Jardim nas<br />

Margens, <strong>de</strong>via ser um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scompressão, em oposição, ao resto do Parque Linear da Ribeira<br />

das Jardas, que era um sítio para andar, para passear ou atravessar. Aquela espécie <strong>de</strong> pêra enterrada,<br />

com carros a circular à volta, tinha mesmo <strong>de</strong> ser um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scompressão para os miúdos e para<br />

os adolescentes, portanto, a introdução <strong>de</strong> matérias como o betão e as borrachas foi muito pensada.<br />

O Arq. José Veludo revelou que sentiu alguma perda <strong>de</strong> controlo na materialização do projecto. Os<br />

artistas estão habituados a ter um maior controle sobre as suas peças e os arquitectos estão mais<br />

habituados a lidar com esse tipo <strong>de</strong> situações. Como encarou essa situação?<br />

O que acontece é que, não sei como é que a NPK <strong>de</strong>senvolveu a relação com os construtores, mas a<br />

certa altura eu perdi completamente o po<strong>de</strong>r e a voz nesse projecto. Simplesmente disseram-me que as<br />

coisas tinham que ser assim, porque não havia outra maneira <strong>de</strong> as produzir.<br />

As peças em betão, por exemplo, eram peças únicas realizadas com cofragens feitas no lugar. Uma<br />

calote esférica é uma calote esférica e não uma data <strong>de</strong> gomos <strong>de</strong> betão como os que lá estão. Portanto,<br />

houve ali soluções que não foram como eu as tinha pensado e confesso, que também não consegui lidar<br />

muito bem com isso e acabei por me afastar um bocado. Vi o jardim já acabado <strong>de</strong> longe, mas nem o<br />

tenho fotografado nem nada.<br />

Quando as coisas não correm como eu gostaria que corressem, tenho alguma dificulda<strong>de</strong> em aceitar<br />

esses erros. É um <strong>de</strong>feito meu!<br />

O processo criativo das peças ou obras <strong>de</strong> arte é muito distinto do da arquitectura, ou seja, um<br />

espaço, um edifício ou mesmo uma paisagem, no caso da arquitectura paisagista, é muitas vezes<br />

pensada para se adaptar a certos processos construtivos. Foi isso que aconteceu?<br />

Eu <strong>de</strong>senhei aquele jardim com colheres e com as mãos. (…) Quando fiz os projectos para os jardins, a<br />

minha mão era como se fosse o meu corpo, é uma escala para a criação da maquete. Acho que o gesto<br />

da mão tem um saber que lhe pertence, (…) a mão sabe coisas que não estão no cérebro mas que estão<br />

em nós como um todo. O jardim do Cacém tinha muito o gesto <strong>de</strong> se retirar uma parte da matéria para<br />

criar lugares <strong>de</strong> acolhimento para o corpo e, por isso, é que eu queria que as coisas fossem feitas em<br />

betão mas que fossem macias, que fossem acolhedoras o suficiente para uma mãe se <strong>de</strong>itar com o filho<br />

(…) e a zona <strong>de</strong> borracha, também <strong>de</strong>veria ser suficientemente mole para que um miúdo pu<strong>de</strong>sse cair<br />

sem se magoar. Aqueles espaços e formas foram imaginados para que se façam coisas que uma pessoa<br />

não faz normalmente no meio da cida<strong>de</strong>.<br />

123


A apropriação do espaço é um tema que é pensado com o processo criativo ou é uma<br />

preocupação que surge posterior à obra <strong>de</strong> arte?<br />

Acho que não posso <strong>de</strong>finir uma regra. Quando faço um projecto para o espaço público penso sempre: o<br />

que é que eu posso trazer para este espaço, que <strong>de</strong> algum modo contribua para uma maior qualida<strong>de</strong> ou<br />

uma experiência <strong>de</strong> espaço diferente.<br />

Há um lado, sempre muito optimista na minha visão do espaço público. Interessa-me trazer, acima <strong>de</strong><br />

tudo, qualida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>ria ter uma atitu<strong>de</strong> mais crítica, mais cínica ou até mais <strong>de</strong>strutiva, e isso seria<br />

igualmente interessante, (…) o que não faltam são coisas para <strong>de</strong>struir e para criticar, mas a minha<br />

abordagem é sempre: como é que eu posso criar condições para que, no espaço público, haja uma<br />

experiência do espaço e que essa experiência envolva sempre uma comunida<strong>de</strong>.<br />

Que referências tem <strong>de</strong> artistas que trabalham maioritariamente no espaço público e <strong>de</strong> uma forma<br />

próxima com a arquitectura?<br />

Lembro-me <strong>de</strong> ler uma frase do pensamento do Vito Acconci, em que acho que ele diz: “se o espaço for<br />

flexível, as pessoas passam a ser flexíveis”. Outra, do mesmo artista, que também tenho sempre muito<br />

presente é: “se um espaço pu<strong>de</strong>r ser usado por um adulto da mesma forma que uma criança usa esse<br />

espaço, é porque é um espaço interessante, é um espaço que nos abre, que não nos condiciona”.<br />

O que me interessa é romper com todos os condicionalismos que temos criado nas cida<strong>de</strong>s, (…). Cada<br />

vez mais, temos sítios específicos para fazer coisas específicas, e as pessoas já não conseguem<br />

escolher, portanto, sobretudo gosto da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as peças sejam bastante flexíveis, que permitam<br />

muitos acontecimentos e que ultrapassem as minhas espectativas.<br />

O Vito Acconci, por exemplo, embora pareça muito um arquitecto, eu acho que não é. O Vito Acconci,<br />

através da criação do seu próprio atelier, encontrou uma forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer projectos enquanto artista,<br />

que estão muito mais próximos ou que às vezes são do campo da arquitectura, <strong>de</strong> uma forma legal.<br />

Começam mais recentemente a existir uma série <strong>de</strong> intervenções em edifícios, sempre foi um<br />

objectivo seu, superar o que é a clássica instalação <strong>de</strong> arte em arquitectura?<br />

Sim, existe essa vonta<strong>de</strong> e até, espero po<strong>de</strong>r fazê-las no futuro <strong>de</strong> formas mais radicais.<br />

Em termos <strong>de</strong> colaborações entre artistas e arquitectos, quais são as suas principais referências?<br />

Conheço muito bem o trabalho e a relação dos Herzog & <strong>de</strong> Meuron, com o Rémy Zaugg, essa é talvez a<br />

que eu tenho mais presente, porque é um trabalho muito subtil e muito interessante. Acho que o Herzog,<br />

ao contrário da maioria dos arquitectos, tem uma enorme curiosida<strong>de</strong> relativamente áquilo que o artista<br />

po<strong>de</strong> trazer. Se calhar é mesmo dos poucos arquitectos que tem.<br />

O problema dos arquitectos é que têm um <strong>de</strong>sejo, quase incontrolável, <strong>de</strong> controlar todo o processo e só<br />

o facto, <strong>de</strong> pensarem que o artista po<strong>de</strong> contaminar esse processo, é um risco muito gran<strong>de</strong> para a sua<br />

imagem.<br />

Isso não acontece, por exemplo, com o Arq. João Maria Ventura Trinda<strong>de</strong>?<br />

É evi<strong>de</strong>nte que relações <strong>de</strong> confronto também são muito válidas, mas a relação entre mim e o João Maria<br />

Ventura Trinda<strong>de</strong> é assim, porque eu sou muito ‘soft’. Tenho muito essa posição política <strong>de</strong> colaborar<br />

para chegar a um porto comum, que seja bom para as pessoas. Se calhar, não estou tão interessada em<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma <strong>de</strong>terminada imagem para o meu trabalho, ou seja, se a imagem não for tão boa ou tão<br />

124


interessante, mas se funcionar para as pessoas para mim já é bom, já fico contente. Há um momento, em<br />

que é preciso <strong>de</strong>cidir se queremos criar uma <strong>de</strong>terminada imagem, que tenha um efeito nos media e na<br />

aceitação da crítica ou, se queremos fazer uma coisa que, se calhar, po<strong>de</strong> não ser tão radical ou tão<br />

experimental mas que, funciona e traz qualquer coisa <strong>de</strong> bom para a comunida<strong>de</strong>. Esta é uma <strong>de</strong>cisão<br />

que um artista po<strong>de</strong> tomar e acho que ambas as posturas são válidas e interessantes. Eu tenho a que me<br />

dá, se calhar, mais prazer, que tem mais a ver comigo e que me faz sentir mais equilibrada. Normalmente<br />

não me interessa <strong>de</strong>corar um espaço ou fazer uma escultura, o que me interessa, é que o meu trabalho<br />

possa contribuir para atravessar as coisas e sem ser impositivo.<br />

Porque opta, mesmo quando não está a trabalhar com o arquitecto por uma linguagem quase<br />

arquitectónica nas suas obras?<br />

Eu acho, que há muitos artistas a trabalhar com uma linguagem que é mais do âmbito da arquitectura,<br />

mas também há outros a trabalhar com linguagens que são do âmbito da Filosofia. Acho que os artistas<br />

têm tudo ao seu dispor! Isso é a parte interessante da minha profissão, ou seja, po<strong>de</strong>s trabalhar em<br />

microprojectos ligado a um cientista ou a uma paisagem imensa, que a tua forma <strong>de</strong> ver as coisas e os<br />

resultados serão sempre muito diferentes. O que é interessante é um artista ter <strong>de</strong>safios, <strong>de</strong>safios que o<br />

façam, <strong>de</strong> repente esquecer tudo, partir do zero e pensar: como é que eu posso pensar sobre isto que<br />

traga uma nova discussão, uma nova perspectiva aos outros. A arquitectura é um dos temas sobre o qual<br />

me questiono e que me <strong>de</strong>sperta curiosida<strong>de</strong>, mas é também um, entre outros que me interessam.<br />

As colaborações com arquitectos é um tema que preten<strong>de</strong> continuar?<br />

É como lhe digo, eu sou muito receptiva e portanto, no caso do João Maria Trinda<strong>de</strong> há um <strong>de</strong>safio que<br />

está na mesa <strong>de</strong> trabalharmos juntos num museu em Moura, com o João Pedro Falcão <strong>de</strong> Campos estou<br />

a trabalhar num projecto para o Banco <strong>de</strong> Portugal...<br />

O uso do texto e da literatura difere muito na sua obra quando orientada para o espaço público ou<br />

para o museu. Porquê esta distinção?<br />

Eu acho que uma frase ou um texto inscrito num elemento arquitectónico <strong>de</strong>senha um espaço, ou seja,<br />

não é outra pare<strong>de</strong>, não é um chão, um tecto ou um móvel, estes elementos transformam-se em outras<br />

coisas que, para mim, passam também a <strong>de</strong>senhar espaço. Tenho sempre muito cuidado na colocação<br />

do texto em arquitectura, porque não gosto que surja <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>corativa, <strong>de</strong>ve ser muito mais do<br />

que isso, ou seja, não é para ser lido como se estivesse numa página. O que me interessa é que o texto<br />

crie outra dimensão espacial, que atravesse quase como uma janela. Escrever uma frase numa pare<strong>de</strong><br />

não é criar uma janela obviamente, mas é também um dispositivo. É um dispositivo que cria ou <strong>de</strong>strói<br />

espaço e por isso, utilizo-o <strong>de</strong> forma muito cuidadosa, escolho on<strong>de</strong> é que o texto é escrito, se é num<br />

rodapé ao longo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado percurso, se é numa zona em que se <strong>de</strong>sce uma escada, se é num<br />

canto <strong>de</strong> uma pare<strong>de</strong>, o local <strong>de</strong>termina sempre a forma como ele vai ser encarado.<br />

A forma como utiliza a literatura, <strong>de</strong> uma forma indirecta em peças expositivas ou <strong>de</strong> uma forma<br />

textual e directa no espaço público é consequência <strong>de</strong> públicos distintos, talvez menos<br />

informados no caso do espaço público?<br />

Há muitas surpresas boas no espaço público com um público que não sabe nada e por vezes, tenho isso<br />

em conta e noutras sou surpreendida.<br />

125


A ‘Caixa Para Guardar o Vazio’, por exemplo, é um projecto muitíssimo abstracto, porque no fundo, não<br />

acontece nada ali. Tem somente a magia do quotidiano <strong>de</strong> uma criança pequena que abre uma gaveta<br />

pela primeira vez, que brinca com uma porta, que se põe <strong>de</strong> baixo <strong>de</strong> uma mesa. Essa magia, que<br />

sentimos quando estamos a <strong>de</strong>scobrir uma coisa nova, foi exactamente o que eu quis que acontecesse<br />

na Caixa para Guardar o Vazio. Mesmo sendo um projecto para pessoas que já abriram muitas gavetas,<br />

queria mostrar que esses gestos simples po<strong>de</strong>m ser mágicos e misteriosos e que as coisas que fazes<br />

diariamente po<strong>de</strong>m ser sentidas <strong>de</strong> outras maneiras. Só no final é que tive a noção do risco que estava a<br />

correr e que pensei que po<strong>de</strong>ria não resultar <strong>de</strong> todo. Era um projecto para miúdos que não tinha cores,<br />

não tinha musica, tinha somente uns bailarinos que fazem uns gestos, mas era uma coisa em ma<strong>de</strong>ira<br />

que parecia, não ter história nenhuma, na qual se espera que aconteça qualquer coisa e no fim, quando<br />

entram na Caixa, apercebem-se, que não há nada a não ser um espelho no chão e aí o que acontece são<br />

eles próprios. Nisto, foi uma enorme surpresa ver a reacção dos miúdos.<br />

Não me interessa explicar porque é que funciona tão bem, mas interessa dizer que funciona ainda melhor<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> quão dura é a vida para as pessoas que o habitam, ou seja, grupos <strong>de</strong> crianças mais<br />

<strong>de</strong>sprotegidas, <strong>de</strong> miúdos com <strong>de</strong>ficiências ou pessoas idosas. Quanto menos coisas as pessoas têm,<br />

mais disponíveis estão para fazer o projecto.<br />

126


ANEXO II:<br />

ENTREVISTA REALIZADA A JOÃO MARIA VENTURA TRINDADE A 14-02-2012, NO<br />

ATELIER VENTURA TRINDADE ASSOCIADOS:<br />

Percebi, nas várias leituras que fiz sobre a sua obra, que tem uma relação muito específica com a<br />

artista Fernanda Fragateiro. Podia <strong>de</strong>screver um pouco esta relação?<br />

No fundo, eu aqui tenho a sorte <strong>de</strong> estar ro<strong>de</strong>ado, e é mesmo esse o termo, porque o meu atelier está<br />

exactamente no meio, entre um engenheiro <strong>de</strong> estruturas, o Paulo Cardoso e uma artista plástica, a<br />

Fernanda Fragateiro e portanto, não necessito <strong>de</strong> estar eu a pensar, nem sobre a estrutura do edifício,<br />

como fazia o Corbusier, nem sobre uma intervenção mais <strong>de</strong> arte sobre o edifício, porque no fundo<br />

estamos aqui numa espécie <strong>de</strong> pequena comunida<strong>de</strong>. É por isso que isto funciona <strong>de</strong>sta maneira. Mas é<br />

assim uma coisa bastante casuística diria eu. Não foi uma coisa procurada, mas sim uma coisa que<br />

aconteceu.<br />

Não foi uma coisa que eu optei por ter ou que possa agora optar por não ter porque mas acaba sempre<br />

por acontecer. Quando chegamos a <strong>de</strong>terminado ponto num projecto em que é mesmo necessário que a<br />

Fernanda cá passe, e tem acontecido <strong>de</strong> uma forma natural, mas quando não acontece eu também lhe<br />

telefono e ela vem cá propositadamente, fazer uma espécie <strong>de</strong> consulta <strong>de</strong> psicanálise, como nós<br />

costumamos dizer. Eu explico-lhe os meus problemas e ela, muitas vezes explica-me que aquilo não é<br />

um problema porque a partir do seu ponto <strong>de</strong> vista, aquilo até é fácil <strong>de</strong> resolver.<br />

Um dos primeiros trabalhos nos quais a Fernanda Fragateiro colaborou com o atelier, foi na<br />

remo<strong>de</strong>lação <strong>de</strong> uma moradia unifamiliar em Évora (Casa na Quinta do Evaristo, 2000-2005), como<br />

surge esta intervenção?<br />

Nessa casa, por exemplo, estávamos com umas dúvidas sobre como resolver uns alpendres que surgem,<br />

tanto do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>molição parcial da casa existente, como os que foram criados para fortalecer a<br />

relação entre a casa e o exterior e achámos que <strong>de</strong>veriam ter uma matéria, uma cor ou uma textura<br />

qualquer que assinala-se a sua importância naquele projecto, e aí lembro-me <strong>de</strong> ter telefonado<br />

especificamente à Fernanda, para ela cá vir ver a maquete e ver o que achava que se <strong>de</strong>via fazer naquilo.<br />

Nós andávamos com umas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> fazer um revestimento em cerâmico, tipo azulejo ou tijolo nesses<br />

alpendres e a Fernanda andava entusiasmadíssima, na altura, a ler um livro <strong>de</strong> um autor francês (Maurice<br />

Blanchot, L’attente l’oubli <strong>de</strong> 1962), que aparenta ser um diálogo entre duas personagens mas percebe-<br />

se, no fim do livro, que é só uma, que é um monólogo escrito em diálogo. Quando eu lhe mostrei o<br />

projecto daquela casa, ela associou-o imediatamente a esse livro, porque dizia, que aquela casa também<br />

eram duas, uma era a casa que estava lá antes e que se mantém em gran<strong>de</strong> medida, mas tem também,<br />

uma espécie <strong>de</strong> formalização nova que a faz parecer uma casa diferente. Então, começou a retirar textos<br />

<strong>de</strong>sse livro e a usá-los pela casa, criando uma espécie <strong>de</strong> jogo no qual se vão <strong>de</strong>scobrindo os textos nos<br />

espaços. (…) As frases retiradas do livro são colocadas perto do rodapé, gravadas na ma<strong>de</strong>ira do<br />

pavimento.<br />

127


Este projecto e o da Estação Biológica sobrepõem-se no tempo, foi daí que surgiu a colaboração<br />

ou intervenção da artista na Estação Biológica do Garducho?<br />

Sim, ela estava a trabalhar nesse projecto e uma vez fomos juntos a Évora porque eu ia ver a obra da<br />

Estação Biológica e ela foi também. Quando viu a Estação ficou fascinada com o projecto e neste caso,<br />

foi ela que se propôs trabalhar sobre o edifício e nós dissemos logo que sim!<br />

Já distinguida com um prémio <strong>de</strong> arquitectura ibérica (FAD, 2009), a Estação Biológica do<br />

Garducho, é uma obra arquitectónica <strong>de</strong> enorme beleza, qualida<strong>de</strong> e funcionalida<strong>de</strong>, o que lhe<br />

faltava? Havia algum tipo <strong>de</strong> intenção inicial da sua parte em acrescentar uma obra ou intervenção<br />

da artista?<br />

Não, a Fernanda começou a trabalhar sobre a obra sem termos nenhuma intenção específica, portanto,<br />

ao contrário da casa em Évora, que eu tinha pedido especificamente para ela olhar para dois espaços e<br />

nos dar a sua opinião, na Estação Biológica não! Simplesmente propôs-nos trabalhar sobre o edifício<br />

quando este já estava em obra.<br />

Lembro-me que ela pediu logo a maquete <strong>de</strong> trabalho que tínhamos feito e levou-a para o atelier <strong>de</strong>la<br />

durante uns tempos para fazer experiências sobre o edifício e ver o que é que achava que podia propor.<br />

Só se tornou uma coisa mais <strong>de</strong>liberada, quando começou a haver algum interesse <strong>de</strong> várias entida<strong>de</strong>s,<br />

por um lado, do CEAI, a associação que era dona do edifício e por outro, também da Gulbenkian, ou seja,<br />

ambas viam com bons olhos a intervenção da Fernanda sobre aquele edifício e até se conseguiram<br />

fundos à parte para que esta se realizasse.<br />

Da parte do seu atelier, foi então dada total liberda<strong>de</strong> à artista em relação à sua intervenção?<br />

Completamente! Eu nunca soube o que ela ia fazer. A obra continuava e ela (…) <strong>de</strong> vez em quando<br />

pedia-me para ir ao atelier <strong>de</strong>la e eu percebia que ela andava a fazer umas experiências sobre a maquete<br />

e as pessoas que iam passando pelo atelier da Fernanda, também se iam pronunciando sobre aquilo e, a<br />

dada altura, ela apareceu com uma proposta que é basicamente aquilo que lá está.<br />

Visto ter sido concedido um fundo especial, houve alguma intenção específica por parte do CEAI,<br />

por exemplo?<br />

De facto, havia uma coisa que tinha sido proposta pelo CEAI, que ia <strong>de</strong> encontro às muitas acções <strong>de</strong><br />

educação ambiental que realizam com miúdos <strong>de</strong> escolas. Eles queriam estabelecer um percurso<br />

didáctico na Estação, e queriam, nomeadamente, ter alguns animais pintados sobre as pare<strong>de</strong>s do<br />

edifício. Mas a Fernanda apareceu com uma i<strong>de</strong>ia muito mais interessante sobre isso, que era ter uma<br />

espécie <strong>de</strong> silhuetas ou sombras parciais ou não, <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animais (…). Já não me lembro se isso<br />

começou primeiro ou se foi mesmo as inscrições dos textos sobre o edifício. Não sei. Sei que havia essa<br />

i<strong>de</strong>ia e que, às tantas, a Fernanda apareceu também com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> escrever uma espécie <strong>de</strong> legendas<br />

sobre o edifício, coisas que tinham a ver com a paisagem e que eram retiradas <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> textos.<br />

Como foram seleccionados os textos?<br />

A Fernanda tinha conhecido, nessa altura, um escritor que é o Gonçalo M. Tavares, que foi ao atelier <strong>de</strong>la<br />

e veio aqui também ao nosso e tornámo-nos todos muito amigos, (…).<br />

128


O Gonçalo tinha editado um livro incrível nessa altura que são as 'Breves Notas Sobre a Ciência' (Abril<br />

2006) que a Fernanda tinha lido e que me emprestou para ler. Andávamos muito entusiasmados com o<br />

livro e fala-mos daquilo com o Gonçalo.<br />

Portanto, foi um processo parecido com o da casa em Évora, foi também a partir <strong>de</strong> um livro que <strong>de</strong>pois<br />

se escolheram essas frases. Nem todas são do Gonçalo, existem também frases <strong>de</strong> outros autores sobre<br />

a paisagem, mas a maior são <strong>de</strong>le e todas elas foram escritas pela Fernanda.<br />

Referiu-se anteriormente aos excertos <strong>de</strong> textos ou às frases como “legendas” do edifício. Acha<br />

que a arquitectura precisa por vezes <strong>de</strong> ser explicada ou legendada?<br />

Eu confesso que <strong>de</strong> início o trabalho não me pareceu muito interessante, quer dizer, não é que não<br />

parecesse interessante mas pareceu-me um pouco provocatório. Num certo sentido, a maneira como nós<br />

tínhamos <strong>de</strong>senhado o edifício, já procurava estabelecer uma <strong>de</strong>terminada relação com aquela paisagem<br />

e por isso, quando a Fernanda propunha escrever frases sobre o edifício, era um pouco como se a<br />

arquitectura não funciona-se e fosse necessário fazer legendas para que essa relação fosse perceptível.<br />

Era como se manifestassem que a arquitectura não era suficiente para explicar uma <strong>de</strong>terminada relação<br />

do espaço com a paisagem.<br />

Não é que me parecesse <strong>de</strong>snecessário ter aquelas frases, mas <strong>de</strong> alguma forma aquilo que as frases<br />

diziam ou propunham na relação com a paisagem, era aquilo que nós já estávamos a fazer ao <strong>de</strong>senhar o<br />

edifício daquela forma, portanto, aquilo parecia-me um bocado redutor. (…)<br />

Esse aspecto foi discutido com os vários intervenientes? Como foi resolvido?<br />

Sim, discutimos bastante sobre isto numa série <strong>de</strong> conversas entre mim, a Fernanda e o Gonçalo M.<br />

Tavares. O Gonçalo, por exemplo, estava fascinado com o trabalho e disse uma coisa muito interessante<br />

sobre os textos, que é: “o facto <strong>de</strong> escrever uma coisa, ou seja, escrever em letras sobre um edifício, é<br />

como se essas letras ganhassem espessura, e não é só isso, é como se isso obrigasse a que as pessoas<br />

tivessem um tempo mais <strong>de</strong>morado <strong>de</strong> atenção sobre um edifício. Se tivermos a olhar para uma pare<strong>de</strong><br />

branca, olhamos três segundos, mas se tivermos a olhar para uma pare<strong>de</strong> branca que tem uma coisa<br />

escrita, olhamos durante o tempo que precisamos para ler essa coisa e reflectir sobre ela”. Portanto, ao<br />

contrário da opinião que eu tinha, que achava que essas legendas da Fernanda eram redutoras sobre o<br />

edifício, o Gonçalo achava que não, pelo contrário, achava que era uma espécie <strong>de</strong> elogio ao edifício e<br />

que no fundo, reforçavam um <strong>de</strong>terminado sentido que o edifício já estava a propor.<br />

Isto <strong>de</strong>u origem a imensas discussões. Foi bastante engraçado e acabei por ultrapassar essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />

a obra revelava uma espécie <strong>de</strong> falha do nosso trabalho como arquitectos e eles, acabaram por me<br />

convencer completamente em as ter. Mas era uma coisa que me incomodava um bocado e admito que <strong>de</strong><br />

início não estava muito convicto.<br />

Passados quase 5 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a finalização da obra, como olha agora para a intervenção da<br />

artista? Como seria o edifício sem esta obra?<br />

Não é que eu ache que o trabalho da Fernanda sobre o edifício seja supérfluo. Nada disso, bem pelo<br />

contrário! O que eu acho é que, não era por ele não existir, que o edifício não conseguiria comunicar<br />

também, algumas i<strong>de</strong>ias.<br />

A questão que torna o trabalho da Fernanda agora tão interessante, é que a arquitectura, num certo<br />

sentido, é uma coisa muda, é entendível por um conjunto <strong>de</strong> pessoas que são arquitectos ou que estão<br />

129


próximos disso, mas é relativamente muda para o resto das pessoas. Agora, é como se o edifício, para<br />

além <strong>de</strong> estar ali, <strong>de</strong> ser o que é, <strong>de</strong> ter a sua forma e <strong>de</strong> propor uma certa relação entre aquele espaço e<br />

a paisagem à volta, falasse também, ou seja, nós po<strong>de</strong>mos não ir lá, mas as pessoas vão e conseguem<br />

compreendê-lo na totalida<strong>de</strong> das suas intenções, e isso faz muito sentido, principalmente, num edifício<br />

que é público e que tem um teor e até um programa muito didáctico ou educativo.<br />

Decorrente <strong>de</strong> propostas e obras da artista, existe neste caso, ou costumam existir alterações a<br />

nível da arquitectura?<br />

Sim, isso acontece bastante.<br />

Embora neste caso, a Fernanda tenha entrado no processo quando o edifício estava já a começar a ser<br />

construído ou pelo menos, nós já tínhamos o projecto acabado. Lembro-me <strong>de</strong> algumas coisas que foram<br />

alteradas a partir <strong>de</strong> coisas que a Fernanda ia dizendo ou <strong>de</strong> coisas que nós íamos discutindo com o<br />

Paulo Cardoso, com o engenheiro, com a Fernanda ou com o Gonçalo M. Tavares. Ou seja, houve <strong>de</strong><br />

certeza alterações ao projecto motivadas pela proposta da Fernanda e costuma haver porque nós<br />

discutimos sempre bastante, mesmo à medida que o projecto vai avançando.<br />

Como caracteriza a sua relação com a Fernanda Fragateiro, tendo em conta o que é a sua noção<br />

da realida<strong>de</strong> das colaborações entre artistas e arquitectos?<br />

A versão mais clássica é os edifícios já estarem mais ou menos prontos e <strong>de</strong>pois é pedido a um artista,<br />

uma peça para um <strong>de</strong>terminado espaço. Não é que essa peça não interaja <strong>de</strong> uma maneira interessante<br />

com esse espaço e até o modifique num certo sentido, mas é sempre uma opção um pouco a posteriori.<br />

Aqui não tem sido a posteriori, tem sido sempre à medida que o projecto avança e às vezes antes <strong>de</strong><br />

projecto começar a ser construído. Normalmente é numa fase em que nós já temos o projecto muito<br />

<strong>de</strong>finido, mas na qual, ainda há também muito espaço para alterações e ainda há coisas que nos surgem<br />

um bocado em dúvida, que a Fernanda entra, ou seja, entra mal consigamos explicar o projecto como um<br />

todo. No processo criativo inicial ou enquanto o projecto está a ser experimentado ou ainda em trabalho<br />

<strong>de</strong> maquete, nessa fase normalmente não discutimos os projectos, mesmo quando eu vou ao atelier da<br />

Fernanda ou ela ao meu.<br />

Os projectos <strong>de</strong> que falamos são os projectos que ela já tem mais ou menos montados ou ensaiados no<br />

atelier, ou seja, nos quais já tem muito claro o que vai fazer e aí apresenta-mos cheia <strong>de</strong> entusiasmo e eu<br />

dou a minha opinião, às vezes até bem outras mal, mas provoca sempre para ambos uma reacção<br />

qualquer.<br />

O nosso caso é diferente do clássico, acima <strong>de</strong> tudo, porque ela não tem criado peças para um espaço,<br />

no sentido em que nem sequer são peças, são intervenções sobre o próprio edifício que muitas vezes o<br />

modificam e que, muitas vezes é modificando mesmo o projecto que nós estávamos a fazer que ela<br />

intervém, ou seja, o trabalho <strong>de</strong>la, por vezes, nem se materializa num projecto próprio ou numa<br />

intervenção. É diferente porque nem sempre é i<strong>de</strong>ntificável. O termo é mesmo intrometer-se no nosso<br />

trabalho.<br />

É pela forma da Fernanda Fragateiro trabalhar que torna a sua colaboração com arquitectos<br />

distinta da que refere como clássica?<br />

Acho que nesse aspecto, o trabalho da Fernanda é eventualmente bastante diferente da maior parte do<br />

trabalho <strong>de</strong> outros artistas contemporâneos, nomeadamente portugueses, que trabalham com arquitectos.<br />

130


Em muitas das colaborações, o trabalho é normalmente mais individual, quer o do artista, quer o do<br />

arquitecto com quem colabora. Relacionam-se, sim, mas são processos separados. No caso da<br />

Fernanda, eu acho que não é assim que ela pensa. Não sei ao certo, mas acho que ela, à partida, ou se<br />

interessa ou não e, quando se interessa pelo projecto, interessa-se também pelo que ele propõe, pelo<br />

espaço, pelo carácter, etc. Ela trabalha e reage a isso modificando muitas vezes o projecto, ou seja, não é<br />

tanto a perspectiva <strong>de</strong> fazer uma coisa para um sítio ou <strong>de</strong> fazer uma peça para um espaço, mas é o<br />

próprio espaço que é trabalhado.<br />

O trabalho da Fernanda Fragateiro aproxima-se por vezes da arquitectura, no entanto, também se<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> nesta dissertação, que se não houver distinção entre as áreas também não é possível que<br />

haja colaborações?<br />

Acho que <strong>de</strong> facto, a Fernanda trabalha muito como se fosse um arquitecto, não é? Ela odiará que eu<br />

diga isto, mas é verda<strong>de</strong>.<br />

Há, eu não diria pudor, mas uma resistência mútua entre os arquitectos e os artistas, exactamente porque<br />

a linha <strong>de</strong> fronteira entre o nosso trabalho não é muito clara. Muitas vezes os arquitectos intrometem-se<br />

num trabalho que já é mais do campo <strong>de</strong> um artista e vice-versa.<br />

Eventualmente, a razão pela qual é muito simples, muito produtivo e também muito vantajoso trabalhar<br />

com a Fernanda Fragateiro, é que é para os dois, muito claro, quais são os nossos domínios. Não quer<br />

dizer que eles não se cruzem ou misturem mas, para mim sempre foi muito claro que eu queria fazer<br />

arquitectura. Nós aqui no atelier, não entramos em nenhum campo que não seja da arquitectura mas sei,<br />

que há uma certa tendência dos arquitectos para fazerem isso.<br />

A evolução tecnológica e as novas possibilida<strong>de</strong>s e técnicas <strong>de</strong> construção, actualmente, permitem-nos<br />

fazer todo o tipo <strong>de</strong> formas, e portanto, po<strong>de</strong>mos trabalhar um edifício como se fossemos um escultor, (…)<br />

até porque os escultores, hoje em dia também fazem peças que se habitam, não é? Exactamente por isso<br />

é que há uma espécie <strong>de</strong> diluição e uma certa, não lhe chamaria rivalida<strong>de</strong>, mas uma certa resistência<br />

entre os arquitectos e os artistas porque às vezes há, <strong>de</strong> facto, uma certa intromissão.<br />

A própria maneira <strong>de</strong> trabalhar aqui no atelier não tem muito a ver com isso, portanto, não nos <strong>de</strong>ixamos<br />

seduzir pelas possibilida<strong>de</strong>s construtivas dos materiais ou tecnologias e tentamos nunca no intrometer no<br />

que é o campo do artista. Temos esses espectros bem distintos, por isso, quando achamos que há um<br />

ponto qualquer no projecto em que faria sentido um tipo <strong>de</strong> trabalho que já sai do nosso métier, muitas<br />

vezes discutimos isso com a Fernanda (…).<br />

Embora trabalhe por vezes no limite da fronteira entre a arte e a arquitectura, a Fernanda não quer ser<br />

arquitecta, disso eu tenho a certeza. É muito claro o tipo <strong>de</strong> trabalho que ela faz tem a ver com espaço e<br />

muitas vezes até, com construção e com edifícios, po<strong>de</strong>ndo parecer que está quase a intervir como um<br />

arquitecto, mas não está. E para nós é muito claro!<br />

Quais são as suas referências a nível nacional e internacional <strong>de</strong> colaborações entre artistas e<br />

arquitectos?<br />

Há uma colaboração que se tornou mais ou menos constante, entre os Herzog & <strong>de</strong> Meuron com um<br />

artista que é o Rémy Zaugg, houve muitos trabalhos que fizeram em conjunto, eles chegaram até a<br />

<strong>de</strong>senhar o estúdio do Rémy Zaugg, tal como nós <strong>de</strong>senha-mos o da Fernanda.<br />

Aí trata-se também <strong>de</strong> uma colaboração menos separável, portanto, o que o Rémy Zaugg faz muitas<br />

vezes, é intervir sobre as <strong>de</strong>finições do projecto <strong>de</strong> arquitectura e por isso, o trabalho, não é muitas vezes<br />

separável do edifício. (…)<br />

131


Outro exemplo do Herzog & <strong>de</strong> Meuron que tenho, é o trabalho que fizeram para o Estádio Olímpico <strong>de</strong><br />

Pequim, conhecido como o Ninho <strong>de</strong> Pássaro, com o Ai Weiwei, um artista chinês. Também foi uma<br />

colaboração, (…) muito discutida em conjunto e isso é que me interessa imenso.<br />

(…)<br />

A nível nacional, acho que a gran<strong>de</strong> referência é o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, que tem vários<br />

exemplos <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> arte ou <strong>de</strong> intervenções <strong>de</strong> artistas na sua arquitectura. No entanto fá-lo <strong>de</strong><br />

uma forma diferente da minha e da Fernanda, ou seja, trata-se somente da colocação <strong>de</strong> obras em<br />

edifícios já terminados e portanto, com um teor talvez mais <strong>de</strong>corativo.<br />

Quais as vantagens <strong>de</strong> uma relação tão próxima entre um arquitecto e neste caso, uma artista?<br />

O que para mim é muito fascinante em trabalhar com a Fernanda, tem exactamente a ver com o que<br />

estava a dizer, ou seja, não me interessa muito que ela produza uma peça para um edifício nosso. Não é<br />

que não goste dos trabalhos que ela faz que são mais objectuais mas, não é isso que nos resolve<br />

problemas. Eu costumo dizer que às vezes lhe telefono quando precisamos <strong>de</strong> uma visão exterior e<br />

diferente da nossa, porque às vezes a solução que é difícil para nós, é fácil para ela.<br />

O que me interessa é isso, é o facto <strong>de</strong> estarmos a pensar sobre o mesmo assunto, que é o espaço, a<br />

partir <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista diferentes.<br />

Existe para si uma receita, ou uma postura chave, para que uma colaboração resulte e funcione?<br />

Não faço i<strong>de</strong>ia, mas imagino que são coisas muito mais simples do que as pessoas às vezes possam<br />

pensar.<br />

Em primeiro lugar, acho que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> haver uma sintonia qualquer <strong>de</strong> pensamento e uma relação a nível<br />

pessoal. Por exemplo, no meu caso e da Fernanda, (…) não há pudores nem constrangimentos e por<br />

isso, estamos livres para dizer as maiores barbarida<strong>de</strong>s sobre o trabalho um do outro. Isso é uma coisa<br />

fundamental porque não se po<strong>de</strong> estar a fazer cedências, não é?<br />

É uma coisa horrível, uma pessoa estar a fazer cedências sobre a sua posição, sobre a sua convicção<br />

para tentar agradar ou para fazer diplomacia, isso não funciona! (…) Se calhar o que acontece<br />

frequentemente na relação dos arquitectos com os artistas é um bocado isso. Há ali uma espécie <strong>de</strong><br />

limitação diplomática dos territórios para que aquilo tudo funcione e para que não sejam feridas<br />

susceptibilida<strong>de</strong>s. Isso não po<strong>de</strong> existir na nossa maneira <strong>de</strong> trabalhar.<br />

Existem outros casos, como por exemplo, o Pedro Cabrita Reis quando trabalha com o Souto Moura,<br />

normalmente faz peças que reagem fortemente ao espaço arquitectónico que foi <strong>de</strong>senhado. Esta relação<br />

começa a ganhar alguma dimensão, mas nos três ou quatro trabalhos que fizeram, não se po<strong>de</strong> dizer que<br />

colaboraram, mas sim, que trabalharam ambos para o mesmo espaço. Se calhar, qualquer dia começam<br />

a ficar mais à vonta<strong>de</strong> um com o outro, começam a haver mais discussões ou <strong>de</strong>bates, menos cedências,<br />

menos pudor nas suas opiniões sobre o trabalho um do outro e começam a sair coisas diferentes.<br />

Mas o confronto é por vezes necessário e po<strong>de</strong> também dar azo a resultados muito interessantes,<br />

não?<br />

Sim, isso também é muito interessante e eu não vejo problema nenhum em que isso aconteça, mas não é<br />

a nossa maneira <strong>de</strong> trabalhar. Esta maneira <strong>de</strong> trabalhar com a Fernanda é o que nos é mais natural, mas<br />

não é que ache que isto seja mais ou menos interessante do que outro tipo <strong>de</strong> posições.<br />

132


Eu, por exemplo, gosto imenso da peça que o Pedro Cabrita Reis fez para o edifício do Souto Moura no<br />

Campus da Novartis em Basileia (…). Quando vi esta peça pela primeira vez, senti que era<br />

completamente necessária ao edifício porque, era como se o projecto do Souto Moura fosse tão<br />

mecânico, tão racional, tão frio, tão geométrico que chegasse quase ao ponto <strong>de</strong> ser insuportável. Era<br />

como se não houvesse nenhuma falha, nenhum erro, nenhum <strong>de</strong>feito e aquela obra do Pedro Cabrita<br />

Reis é exactamente o contrário disso tudo. É uma espécie <strong>de</strong> caos no meio daquele espaço e funciona<br />

claramente por confronto, mas é uma espécie <strong>de</strong> confronto complementar, parece que é necessária, ou<br />

seja, a partir do momento em que aquela peça lá está, parece que ela não po<strong>de</strong>ria nunca, não ter estado<br />

lá.<br />

E isso, também acho muitíssimo interessante. É uma coisa diferente daquilo que tem acontecido aqui<br />

connosco e com a Fernanda Fragateiro, que no fundo, é quase estarmos lado a lado na mesma mesa a<br />

trabalhar na mesma direcção. Neste trabalho do Pedro Cabrita Reis com o Eduardo Souto Moura, é como<br />

se eles estivessem frente a frente nessa mesa a discutir violentamente, cada um com a sua posição e a<br />

fazerem coisas totalmente diferentes, que no final, também gera um resultado que faz todo o sentido<br />

interligado.<br />

Em que é que a colaboração com a Fernanda Fragateiro alterou a sua prática arquitectónica ou<br />

mesmo a dinâmica <strong>de</strong> trabalho do seu atelier?<br />

O ponto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nós partimos, e isto tem a ver com uma espécie <strong>de</strong> convicção minha sobre os projectos<br />

<strong>de</strong> arquitectura e é uma coisa que eu <strong>de</strong>fendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que comecei a trabalhar no atelier do João Luís<br />

Carrilho da Graça, on<strong>de</strong> fiquei muitos anos. Lembro-me <strong>de</strong> discutir isto, vezes sem conta, com o João<br />

Luís Carrilho da Graça, porque ele tinha uma posição diferente. Eu sempre <strong>de</strong>fendi que todos os projectos<br />

das várias especialida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o projecto <strong>de</strong> climatização, ao <strong>de</strong> estruturas, ao <strong>de</strong> instalações eléctricas<br />

etc., todos têm que ser autonomamente impecáveis e isto é uma coisa muito minha. O que eu gosto é que<br />

os engenheiros que trabalham connosco, possam ter orgulho do projecto que fizeram (…) e que ele faça<br />

sentido como um todo, como uma coisa autónoma que <strong>de</strong>pois, claro, que faça sentido conjuntamente com<br />

os restantes trabalhos.<br />

Para mim, é completamente impensável fazer um projecto em que a estrutura é apenas uma coisa que<br />

está por trás para servir os interesses da arquitectura (…) ou seja, quando tudo é feito para que se<br />

chegue a um <strong>de</strong>terminado resultado formal do espaço arquitectónico. Para mim não faz sentido!<br />

O que faz sentido, e isso tem muito a ver com o facto <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre em conjunto com o<br />

Paulo Cardoso, que é tão responsável pelos projectos que fazemos aqui com eu sou. (…)<br />

Essa postura vai <strong>de</strong> encontro ao conceito <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> arte total quando se tenta transpô-la para o<br />

séc. XIX…<br />

Por exemplo, o projecto da Estação Biológica é um projecto do ponto <strong>de</strong> vista da engenharia <strong>de</strong> estruturas<br />

fascinante, tudo aquilo faz imenso sentido. Há até coisas engraçadas como, por exemplo, o facto <strong>de</strong> não<br />

termos sido nós a <strong>de</strong>senhar os alçados daquele edifício. Como as fachadas são umas pare<strong>de</strong>s vigas,<br />

foram os engenheiros <strong>de</strong> estruturas que <strong>de</strong>senharam os alçados do edifício. Todos, tanto eu, como o<br />

Paulo Cardoso e por vezes a Fernanda ou outros, trabalhamos neste sentido, ou seja, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que cada parte seja válida, autónoma e que nos possamos orgulhar individualmente do nosso trabalho<br />

mas, no entanto, caminhamos para um todo, para um único elemento no qual todas essas partes<br />

sobressaiam <strong>de</strong> forma equilibrada.<br />

133


É um equilíbrio que no caso da arquitectura nem sempre é fácil <strong>de</strong> atingir, mas é um princípio que<br />

se mantém?<br />

É muito mais difícil no caso da arquitectura porque há sempre essa tendência <strong>de</strong> prevalecer sobre todas<br />

as outras especialida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> todas lhe serem subservientes ou funcionarem, simplesmente, para que a<br />

arquitectura brilhe, não é?<br />

Eu não me interesso muito por isso. Interessa-me muito mais, que todos os projectos sejam<br />

autonomamente inteligentes, que façam sentido e quando, todos eles são cruzados uns com os outros,<br />

façam sentido para uma coisa mais global.<br />

Portanto, quando trabalhamos com um artista a posição não é diferente da do engenheiro <strong>de</strong> hidráulicas,<br />

<strong>de</strong> estruturas ou outro qualquer. O artista tem que ter todo o seu campo aberto e não <strong>de</strong>ve fazer<br />

cedências no seu projecto para servir os interesses da arquitectura. (…)<br />

Faz lembrar um pouco um arquitecto Renascentista com vários heterónimos que encarnam as<br />

várias especialida<strong>de</strong>s…<br />

Uma vez tive exactamente essa conversa, já não me lembro com quem é que era, mas a Fernanda<br />

também estava, e havia alguém dizia, em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, que nós aqui éramos um bocado uns<br />

arquitectos Renascentistas, mas já no séc. XXI, portanto, estávamos para aí quatro séculos atrasados. E<br />

é um bocado isso.<br />

Houve uma altura em que as obras <strong>de</strong>moravam imenso tempo e o arquitecto, ao trabalhar em obra, tinha<br />

uma espécie <strong>de</strong> visão global <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> todas as especialida<strong>de</strong>s, aliás essa palavra nem se quer existia<br />

ainda, mas no fundo, uma obra era uma obra e todas as coisas faziam sentido cruzadas (…) e todos os<br />

elementos partiam <strong>de</strong> uma só visão, a do arquitecto.<br />

A verda<strong>de</strong> é que hoje em dia fazer um projecto <strong>de</strong> um edifício é bastante mais complexo porque há um<br />

sem número <strong>de</strong> requisitos legais, funcionais, etc., (da acústica, às estruturas, às hidráulicas, às eficiências<br />

térmicas, etc.), portanto, é absolutamente impossível fazermos tudo sozinhos, temos sempre que<br />

trabalhar com equipas cada vez maiores.<br />

O que eu tento é que, no final, o trabalho <strong>de</strong> todas as pessoas aparente po<strong>de</strong>ria ter ser feito por uma<br />

espécie <strong>de</strong> super pessoa, por alguém que reunia todas essas competências, que talvez seja o arquitecto<br />

Renascentista.<br />

Estou-me a lembrar, (…) que o Corbusier era ainda no séc. XX, uma espécie <strong>de</strong> arquitecto Renascentista.<br />

Pensava <strong>de</strong> uma forma muito racional os edifícios, pensava a estrutura como se fosse um engenheiro, a<br />

seguir, trabalhava como um arquitecto ao <strong>de</strong>finir os espaços (…) e por fim, ainda <strong>de</strong>senha sobre eles e<br />

introduzia pinturas, baixos-relevos ou esculturas como se fosse um artista.<br />

Como vê o futuro das colaborações, em geral e no caso específico do atelier?<br />

Eu acho que faz todo o sentido existir, e digo por experiência própria, que às vezes a nossa maneira <strong>de</strong><br />

pensar não é suficiente para resolver completamente um projecto. Há uma expressão do Gonçalo M.<br />

Tavares que até está no nosso site como abertura e <strong>de</strong> que eu gosto imenso, que diz que:<br />

“Observar pelo canto do olho é, em ciência, começar a elaborar a hipótese. O que é observado pelo<br />

centro do olho é o evi<strong>de</strong>nte, o óbvio, aquilo que é partilhado pela multidão. Na ciência, como no mundo<br />

das invenções, observar pelo canto do olho é ver o pormenor diferente, aquele que é o começo <strong>de</strong><br />

qualquer coisa <strong>de</strong> significativo.<br />

Observar a realida<strong>de</strong> pelo canto do olho, isto é: pensar ligeiramente ao lado.<br />

134


A isto chama-se criativida<strong>de</strong>. Daqui saíram todas as gran<strong>de</strong>s teorias científicas importantes.” 233<br />

Nós como arquitectos, estamos sempre a olhar a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado ponto <strong>de</strong> vista mas se<br />

conseguíssemos olhar para a mesma coisa, a partir <strong>de</strong> uma outra perspectiva muitas das coisas que às<br />

vezes são difíceis <strong>de</strong> resolver num projecto, tornar-se-iam bastante mais claras, não é? Mas isso (…) é<br />

extremamente difícil <strong>de</strong> conseguir fazer.<br />

O que tem acontecido muito facilmente, é que nós discutimos um projecto e a Fernanda tem um ponto <strong>de</strong><br />

vista que é o seu, eu tenho o meu, o Paulo Cardoso tem o <strong>de</strong>le e às vezes, ainda vêm outras pessoas<br />

que têm outros pontos <strong>de</strong> vista muito diferente. Nesse sentido e, pelo menos no nosso caso, acho<br />

completamente necessário, aliás, não consigo sequer imaginar trabalhar <strong>de</strong> outra forma. No fundo seria o<br />

mesmo que agora começarmos a ser nós a pensar nos projectos <strong>de</strong> estruturas dos edifícios que<br />

<strong>de</strong>senhamos.<br />

De facto, é como diz, não só a relação que criou entre o arquitecto, o engenheiro e o artista é<br />

casuística é também rara no panorama da arquitectura…<br />

Eu percebo, mas <strong>de</strong> facto, na maneira como nós temos trabalhado aqui com a Fernanda, lá está, não são<br />

coisas complementares. Ela não vem <strong>de</strong>pois introduzir uma coisa qualquer que se possa optar por ter ou<br />

não, não é isso que se passa. (…) Mas claro que se ela não entrevir, hão <strong>de</strong> haver coisas que ficam pior<br />

resolvidas no projecto.<br />

Hoje em dia não há hipótese porque os requisitos <strong>de</strong> um edifício são <strong>de</strong> tal modo exigentes e são tantos,<br />

que nós temos que estar completamente concentrados na nossa especialida<strong>de</strong>, é difícil ter tempo ou ter<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerir ou dominar várias coisas ao mesmo tempo, não é? Portanto, eu diria que cada vez é<br />

mais necessário haver estas colaborações com outro tipo <strong>de</strong> pessoas, e neste aspecto, eu não falava só<br />

dos artistas, mas também <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong> pessoas como sociólogos, por exemplo, escritores porque não.<br />

233 Gonçalo M. Tavares – Breves Notas sobre a Ciência. <strong>Lisboa</strong>: Relógio d’Água Editores, Abril 2006.<br />

135


ANEXO III:<br />

ENTREVISTA REALIZADA A JOÃO GOMES DA SILVA, A 30-01-2012, NO ATELIER<br />

GLOBAL <strong>ARQUITECTURA</strong> PAISAGISTA:<br />

Começo por lhe pedir para <strong>de</strong>screver a sua intervenção no projecto da Expo’98.<br />

Eu fui co-autor, com o Arq. Manuel Salgado, do plano que ganhou o concurso para o recinto da Expo’98 e<br />

<strong>de</strong>pois tivemos a tarefa <strong>de</strong> fazer, o que se chamou na altura, projecto <strong>de</strong> solo. Fizemos, em colaboração e<br />

a vertente <strong>de</strong> colaboração esten<strong>de</strong>sse aqui a todos os intervenientes, o projecto <strong>de</strong> espaços públicos da<br />

Expo, no seu todo. Começando pelo que constituiu uma espécie <strong>de</strong> plano geral, no qual uma série <strong>de</strong><br />

regras e elementos <strong>de</strong> base se estabeleceram, nomeadamente, a relação entre o espaço público, a sua<br />

infra-estrutura e a tão importante revelação ou ocultação da mesma. A partir do momento em que se fez<br />

esse trabalho <strong>de</strong> base, começaram-se a i<strong>de</strong>ntificar os temas <strong>de</strong> trabalho mais isolados e autonomizaram-<br />

se alguns projectos, quer para o meu lado, quer para o lado do Arq. Manuel Salgado e do RISCO.<br />

Surgiram assim, vários espaços, entre eles os jardins e, a certa altura, pensou-se que seria interessante,<br />

antes <strong>de</strong> se começar a fazer qualquer projecto, envolver outras pessoas que pu<strong>de</strong>ssem pensar e ajudar a<br />

conceber o espaço público.<br />

Refere-se agora aos artistas?<br />

Estamos em finais dos anos 90, ou seja, vimos <strong>de</strong> uma cultura, estabelecida nas últimas duas décadas<br />

(80 e 90), que assentava na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> espaço público e da interacção com as artes. Assim surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

convidar vários artistas e criar um programa <strong>de</strong> arte pública, a <strong>de</strong>senvolver no âmbito da Expo. Portanto,<br />

para além do envolvimento dos engenheiros, foram convidados vários artistas para intervir no espaço,<br />

alguns intervieram <strong>de</strong> maneira mais tradicional, trabalhando sobre os pavimentos a partir <strong>de</strong> padrões<br />

regulares, abstractos ou figurativos; outros trabalharam <strong>de</strong> uma forma mais tridimensional, ou seja, sobre<br />

a forma <strong>de</strong> esculturas ou <strong>de</strong> instalações e outros trabalharam <strong>de</strong> uma forma mais insidiosa mas também<br />

mais intensa ou intrincada como é o caso da Fernanda Fragateiro.<br />

Como distingue este Jardim, dos Jardins <strong>de</strong> Água, em termos <strong>de</strong> envolvência dos vários<br />

intervenientes? Consi<strong>de</strong>ra que foi também um projecto colaborativo ou foi somente um projecto<br />

conjunto?<br />

Os Jardins <strong>de</strong> Água e o Jardim das Ondas foram dois jardins que se autonomizaram no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do projecto <strong>de</strong> espaço público. O projecto dos Jardins <strong>de</strong> Água, foi conduzido pela RISCO e portanto,<br />

houve uma li<strong>de</strong>rança em relação a esse processo e o nosso envolvimento numa outra posição, que não a<br />

<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação ou <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança, mas talvez <strong>de</strong> colaboração. O Jardim das Ondas tinha um sentido<br />

diferente dos Jardins <strong>de</strong> Água e era da nossa inteira responsabilida<strong>de</strong> e mais tar<strong>de</strong>, seria também, da<br />

Fernanda Fragateiro.<br />

Como surgem os temas para ambos os jardins e como afectam estes, o <strong>de</strong>senho dos espaços?<br />

O pensamento que está por trás do <strong>de</strong>senvolvimento dos espaços da Expo’98 e da própria exposição em<br />

si, é ainda muito influenciado pelo pensamento pós-mo<strong>de</strong>rno da tematização da arquitectura e da<br />

136


figuração das i<strong>de</strong>ias. Portanto, a utilização dos temas <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>stacada, serve muito o propósito<br />

<strong>de</strong> uma exposição, que é moldada por um acontecimento mais do domínio do marketing (...).<br />

A Expo 98, celebra os oceanos e sua importância a partir <strong>de</strong> muitos pontos <strong>de</strong> vista, entre os quais, a<br />

questão da relação entre os vários cantos do mundo através dos oceanos. Do tema geral começam a<br />

<strong>de</strong>clinar, uma série <strong>de</strong> outros temas como os Jardins <strong>de</strong> Água ou o Jardim das Ondas. Os temas são<br />

escolhidos por um gabinete, ou se quisermos, um corpo <strong>de</strong>ntro da própria Expo’98, que basicamente<br />

pensava o tema dos conteúdos. Toda esta questão dos temas esteve muito presente na concepção do<br />

evento em si, tanto na questão dos conteúdos e dos espaços, como dos conteúdos e das exposições e<br />

ainda, dos conteúdos e das instalações. (…) Os Jardins <strong>de</strong> Água, por exemplo, foi um tema que nos foi<br />

proposto, não fomos nós que inventámos, aliás, nós fugimos dos temas como ‘diabo da cruz’ porque não<br />

trabalhamos a partir <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> figuração ou <strong>de</strong> configuração, mas digamos que, aquilo que foi<br />

entregue aos responsáveis pelo conceito, neste caso arquitectos, arquitectos paisagistas e artistas foi<br />

esse tema propriamente dito.<br />

Como distingue o Jardim das Ondas, dos Jardins <strong>de</strong> Água em termos <strong>de</strong> programa e envolvência<br />

dos vários intervenientes?<br />

Os Jardins <strong>de</strong> Água são <strong>de</strong>terminados pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> querer fazer um conjunto <strong>de</strong> espaços públicos com<br />

uma função fundamentalmente <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, <strong>de</strong> lazer, <strong>de</strong> uma certa alternância em relação à visita dos<br />

pavilhões e <strong>de</strong> um contraste com os espaços <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> gente ou <strong>de</strong> direccionamento <strong>de</strong><br />

fluxos. O Jardim das Ondas, supostamente seria um espaço <strong>de</strong> um lazer ainda mais profundo, ou seja, a<br />

i<strong>de</strong>ia é que fosse um gran<strong>de</strong> espaço aberto e relvado, que criasse uma gran<strong>de</strong> superfície <strong>de</strong> estadia e<br />

permanência na margem do rio. Portanto, são duas situações um bocado diferentes mas <strong>de</strong> função<br />

similar e, se reparar bem, a estrutura dos Jardins <strong>de</strong> Água é uma sequência <strong>de</strong> espaços, uns mais do<br />

domínio do duro, do artificial, do pavimento; englobam toda aquela parte central que cruza fluxos e nos<br />

dois extremos, encontram-se espaços mais do domínio do jardim. O Jardim das Ondas constitui uma só<br />

unida<strong>de</strong> espacial.<br />

Nesse sentido, o Arq. Manuel Salgado propôs que trabalhássemos juntos, o RISCO, nós e a Fernanda<br />

Fragateiro em relação aos Jardins das Águas. Em relação ao Jardim das Ondas, que era um projecto que<br />

nos tinha sido atribuído em exclusivo, com o <strong>de</strong>senrolar do processo acabamos por envolver a Fernanda<br />

Fragateiro e acabamos até, por <strong>de</strong>sistir (…) <strong>de</strong> uma configuração <strong>de</strong> espaço que já tínhamos<br />

<strong>de</strong>senvolvido e abraçámos o projecto que fizemos com ela.<br />

Portanto foi uma escolha que aconteceu <strong>de</strong> uma forma quase natural e que surgiu enca<strong>de</strong>ada com<br />

os Jardins das Águas?<br />

Foi, foi uma que surgiu da naturalida<strong>de</strong> como a nossa relação <strong>de</strong> trabalho se <strong>de</strong>senvolveu.<br />

Agora incidindo no Jardim das Ondas, em alguma altura do processo surgiram questões <strong>de</strong><br />

autoria, tendo também em conta que já havia, da parte do arquitecto, um estudo <strong>de</strong>senvolvido para<br />

este espaço?<br />

Devo dizer, que a coisa foi muito personalizada em termos do trabalho <strong>de</strong>senvolvido entre mim e ela. Ao<br />

contrário <strong>de</strong> outros espaços que envolveram outras pessoas, houve, <strong>de</strong> uma forma talvez mais<br />

inconsciente da minha parte e <strong>de</strong> uma forma mais controlada e consciente da parte <strong>de</strong>la, tal como é<br />

muitas vezes próprio entre os homens e as mulheres, essa intenção e disponibilida<strong>de</strong>. Sobretudo<br />

disponibilida<strong>de</strong> para o fazer.<br />

137


Portanto, aquilo que foi a minha posição foi – Bom, temos uma hipótese mas estamos completamente<br />

abertos para explorar outra e portanto, como é que vamos fazer, como é que vamos trabalhar? A posição<br />

do lado <strong>de</strong>la foi um pouco diferente, até porque os artistas funcionam muito mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da noção<br />

<strong>de</strong> autoria e trabalham <strong>de</strong> uma forma normalmente muito mais isolada do que arquitectos. No meu caso<br />

<strong>de</strong> arquitecto paisagista, estamos habituados a ter que colaborar com outras pessoas para po<strong>de</strong>r<br />

concretizar as coisas. Os projectos são coisas muito complexas, então estes espaços públicos, são<br />

muitíssimo complexos porque envolve muita gente, muitos problemas.<br />

Neste caso concreto houve essa disponibilida<strong>de</strong> e, essa disponibilida<strong>de</strong> é o mais importante para se<br />

eliminarem esse tipo <strong>de</strong> problemas que surgem quando a questão da autoria se põe. Portanto, isso não<br />

foi discutido inicialmente, daquilo que me recordo e posteriormente não se pôs esse problema.<br />

Como <strong>de</strong>correu a fase mais conceptual do projecto, foi um processo partilhado?<br />

O que se passou, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista muito prático foi que, uma vez entendidas ambas as posições,<br />

fizeram-se reuniões e sessões <strong>de</strong> trabalho nas quais, a Fernanda Fragateiro disse que gostaria <strong>de</strong> fazer<br />

um projecto que <strong>de</strong> alguma maneira se baseava num livro, numa referência que ela tem da Virginia Woolf,<br />

que é o ‘The Waves’ (1931), que aliás aparece também no Jardim das Águas. A Fernanda trabalha muito<br />

a partir da reflexão e do pensamento sobre as realida<strong>de</strong>s em que está interessada no momento.<br />

Apresentou-nos então, uma proposta sobre a forma <strong>de</strong> uma maquete <strong>de</strong> gesso, que surgiu do trabalhar<br />

sobre as formas da água. A água que é aparentemente uma matéria formal, na verda<strong>de</strong> não o é, porque a<br />

água, sendo uma matéria com proprieda<strong>de</strong>s que não se ficam apenas pelo plástico, <strong>de</strong>forma-se<br />

constantemente em função da energia que possui ou em função do elemento que a contem, ou seja, a<br />

água ao ser representada através da forma surge <strong>de</strong> uma maneira absolutamente transfigurada.<br />

Na verda<strong>de</strong>, aquilo que a Fernanda Fragateiro propõe, é a configuração <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> formas com<br />

escalas absolutamente transgredidas. Não há uma escala comum às formas, há um espaço em que<br />

coexistem várias formas <strong>de</strong> muitas escalas, que aparecem compostas nesses vários estudos que ela fez<br />

a partir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los em gesso e também <strong>de</strong> fotografias. Ela <strong>de</strong>bruça-se sobre um conjunto <strong>de</strong> formas que<br />

são normalmente próprias da relação e, mais exactamente, do contacto entre o mar e a terra. Essas<br />

formas, compostas e articuladas entre si, são próprias à água nos seus diversos estados e formas <strong>de</strong><br />

energia, são próprias daquilo que a água imprime na terra. Por exemplo, há um conjunto <strong>de</strong> formas que<br />

representam <strong>de</strong> alguma maneira o movimento provocado pela energia transmitida à água pelo vento, há<br />

outras formas que têm a ver com a inscrição que a água faz na areia, há outros momentos em que se<br />

observa a forma <strong>de</strong> quando um pingo cai num plano <strong>de</strong> água. Estas formas têm simplesmente a ver com<br />

a impressão da água, com o efeito da água sobre a matéria e não a água em si. (…)<br />

Qual foi a sua reacção a esta proposta, já que, a passagem <strong>de</strong>stes esquemas conceptuais para o<br />

<strong>de</strong>senho e mesmo materialização nem sempre é óbvia ou fácil?<br />

Há na tradição dos anos 70 na arquitectura paisagista mo<strong>de</strong>rna, po<strong>de</strong>-se chamar assim, sobretudo, em<br />

França e na Bélgica, a que se chamou "Jardins Culture", ou seja, "Jardins Cultura", em que a construção<br />

<strong>de</strong> espaços a partir da mo<strong>de</strong>lação do terreno, que é uma das três gran<strong>de</strong>s tectónicas da paisagem, foi<br />

muito utilizada, sobretudo, num <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, pós Carta <strong>de</strong> Atenas. (…)<br />

Os "Jardins Culture" surgem da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar espaços públicos a partir <strong>de</strong> uma perspectiva plástica e<br />

muito livre em relação ao espaço em si. Nós po<strong>de</strong>mos ver alguns exemplos disso em Portugal, nos Olivais<br />

Sul. (…) A minha reacção é então, mais ou menos esta – Bom mas isso é um "Jardin Culture" dos anos<br />

70 e passados 20 anos, isto é ainda um conceito muito presente, portanto, tenho um certo receio da<br />

138


colagem a essa imagem. E ela disse – Não tenha receios, isto é uma outra coisa. E como a minha<br />

posição <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início era bastante aberta, disse – Bom, se é outra coisa, vamos tentar perceber o que é.<br />

Passando agora para a questão do projecto, ou seja, já <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho do espaço…<br />

O que fizemos em seguida foi tentar perceber, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, esquiços e <strong>de</strong> várias maquetas que<br />

a Fernanda foi fazendo e ainda <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos e cálculos que nós também fomos fazendo, como é que<br />

essas formas, com escalas muito diversas convocadas para o mesmo espaço, se po<strong>de</strong>riam articular,<br />

tomar forma e começar a concretizar. Obviamente que se queremos convocar várias formas no mesmo<br />

espaço precisamos <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong>, precisamos <strong>de</strong> uma certa abstracção relativamente à matéria, ou<br />

seja precisávamos <strong>de</strong> uma matéria única e portanto, a relva aparece como material que estabiliza as<br />

formas que são feitas com terra.<br />

Depois há problemas técnicos que se põem na construção daquelas formas, porque a certa altura, temos<br />

ondulações que são bastante <strong>de</strong>clivosas, não é? Ora a matéria tem proprieda<strong>de</strong>s físicas e momentos <strong>de</strong><br />

estabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>, nós não íamos fazer aquelas formas em betão, não íamos fazê-las em<br />

gesso, não íamos fazê-las em nenhuma matéria estável, mas sim em terra e <strong>de</strong>pois, íamos estabilizá-las<br />

e sobretudo unificá-las com relva.<br />

Isto parece tudo muito simples mas, na verda<strong>de</strong>, teve <strong>de</strong> se perceber como é que se conseguia, primeiro,<br />

chegar a uma forma final muito complexa. Segundo, torná-la possível <strong>de</strong> construir e em último, resolver<br />

todos os problemas técnicos que estão inerentes. Escolhida a matéria que era a relva, perceber que<br />

várias relvas tinham ali que existir e como as manter num contexto mediterrânico <strong>de</strong> verões quentes e<br />

secos. Evitámos colocar can<strong>de</strong>eiros ou focos, a não ser muito pontualmente, no conjunto <strong>de</strong> árvores, que<br />

nós propusemos e a Fernanda <strong>de</strong>cidiu juntar. Que são um conjunto <strong>de</strong> chocos plantados sobretudo num<br />

dos limites, para que a sombra, quando a luz sobretudo Poente, começa a ser mais baixa, se projectasse<br />

para o interior do espaço e o tornasse não só habitável no Verão mas, que cria-se uma amenida<strong>de</strong><br />

inerente ao conforto e que faz parte <strong>de</strong>ste sentido lúdico característico <strong>de</strong>ste espaço em particular. Todas<br />

estas questões, que se envolvem com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ‘fazer’, que é própria da construção <strong>de</strong> projectos<br />

artísticos, unem-se às da construção <strong>de</strong> espaços públicos e <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> paisagem, como a questão do<br />

conforto, da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser mantido. Depois há outras questões que têm haver, com a apropriação e<br />

que são bastante interessantes.<br />

Durante a fase <strong>de</strong> construção, obviamente surgiram problemas ou questões com ela relacionadas,<br />

como foi acompanhado esse processo?<br />

A Fernanda Fragateiro é uma pessoa que trabalha tanto na fase conceptual, como na fase <strong>de</strong> produção<br />

ou para nós, a fase <strong>de</strong> obra. Foi um trabalho muito conjunto, sobretudo o lado escultural, <strong>de</strong> moldar o<br />

terreno e a confirmação e ajuste da forma, foi algo que foi bastante acompanhado por ela, até porque<br />

tinha objectivos, bastante concretos, em relação a isso. Eu fui pondo questões e fui, no fundo, ajudando a<br />

concretizar esse trabalho, através <strong>de</strong> técnicas topográficas escolhidas e utilizadas para transpor os<br />

<strong>de</strong>senhos que tínhamos feito para o espaço.<br />

Depois há um momento, em que se atinge a forma pretendida e se faz o revestimento com tapetes <strong>de</strong><br />

relva. A relva foi aplicada <strong>de</strong> uma maneira muito rápida, para que o vento não <strong>de</strong>strui-se ou altera-se as<br />

formas (…). A área foi reservada e a relva ficou a enraizar durante algumas semanas. Estes trabalhos<br />

finais <strong>de</strong> pavimentações, revestimentos e plantações, sobretudo plantações <strong>de</strong> revestimentos, são<br />

sempre os últimos a serem feitos e, apesar <strong>de</strong> ter havido uma excelente coor<strong>de</strong>nação do conjunto <strong>de</strong><br />

139


obras no recinto, as coisas <strong>de</strong>pois precipitaram-se. Mas quando chegou o dia, a relva estava instalada e o<br />

projecto da Fernanda e nosso estava concretizado.<br />

Essa dicotomia entre um objecto <strong>de</strong> arte e um espaço <strong>de</strong> exaustiva utilização foi tida em<br />

consi<strong>de</strong>ração?<br />

Des<strong>de</strong> a arte mo<strong>de</strong>rna à arte contemporânea, a interacção com as pessoas é um factor chave, e aqui,<br />

mais uma vez foi um pressuposto do projecto e, um aspecto talvez tão importante quanto a concepção e<br />

produção do objecto artístico, que neste caso é o espaço. Do meu ponto <strong>de</strong> vista esta interacção é<br />

fundamental porque, basicamente, estamos a criar um espaço público e minha perspectiva era: Se é um<br />

espaço público, como é que ele se apropria e como é que ele resiste? Há aqui situações <strong>de</strong> um limite <strong>de</strong><br />

fragilida<strong>de</strong>. Aquelas pen<strong>de</strong>ntes e encostas são muito frágeis do ponto <strong>de</strong> vista da soli<strong>de</strong>z, portanto,<br />

quando há uma apropriação que é muito intensa e sendo a relva um material vivo, quando é muito pisado<br />

chega a momentos <strong>de</strong> uma certa instabilida<strong>de</strong>. Ai iniciou-se outro processo muito importante, que foi a<br />

observação <strong>de</strong>ssa apropriação através <strong>de</strong> várias formas <strong>de</strong> registo, que foi também, objecto <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong><br />

comunicação enquanto projecto.<br />

Agora, passados quase 14 anos, como olha para este espaço que co-criou? É um jardim ou é uma<br />

obra <strong>de</strong> arte?<br />

A minha opinião é que o jardim é essas coisas todas. Não estou muito preocupado com a categorização,<br />

até porque existe um território <strong>de</strong>liberadamente híbrido e é essa hibri<strong>de</strong>z e essa fusão, se bem que com<br />

objectivos e olhares diferentes, é o que torna o Jardim das Ondas numa coisa única, na qual, a forma<br />

como as pessoas se relacionam com ela é o fundamental e é daí que se retira essa experiência.<br />

Há vários registos que são feitos sobre esta obra, uns são do domínio da fotografia, portanto, estáticos e<br />

no fundo, gestos que objectualizam este espaço vivido, mas há um outro registo muito importante, feito<br />

por um cineasta, a pedido da Fernanda. É um registo dinâmico no qual as imagens são tomadas a partir<br />

<strong>de</strong> um ângulo fixo e por fracções ao longo <strong>de</strong> 24h, que montadas sequencialmente revelam, num<br />

<strong>de</strong>terminado tempo, a dinâmica do espaço e as diversas formas como pessoas com diferentes interesses,<br />

miúdos, jovens, adultos e pessoas mais velhas, utilizam o espaço a várias horas, com luz diferente e com<br />

todas as dinâmicas do próprio espaço. Há uma altura em que a rega começa a funcionar, as sombras<br />

movimentam-se quase como pessoas e tudo se suce<strong>de</strong> ali. Todo o tipo <strong>de</strong> interacções entre as pessoas,<br />

entre as pessoas e o espaço, tudo inimaginável suce<strong>de</strong> ali. (…)<br />

Portanto consi<strong>de</strong>ra irrelevante ou <strong>de</strong>snecessária a catalogação <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> espaços?<br />

Não, eu acho que é preciso catalogar, no sentido em que, quando reflectirmos sobre as coisas,<br />

reflectirmos a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas perspectivas. Estas reflexões são sempre feitas <strong>de</strong> uma perspectiva<br />

<strong>de</strong> limites disciplinares ou da observação <strong>de</strong>ssa transgressão das fronteiras disciplinares, (…).<br />

E nesse sentido, é muito interessante, especialmente para mim, perceber <strong>de</strong> que forma, <strong>de</strong> que<br />

processos e a que resultados se chegou com estas intervenções que não são originais ou originadas<br />

nesse momento. A colaboração entre artistas e arquitectos existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre e portanto, essa hibri<strong>de</strong>z<br />

e essa complexida<strong>de</strong> no espaço, que é própria da arte em conjunto com a arquitectura, existem também<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, ou seja, o que existe é um revisitar <strong>de</strong>ssa disponibilida<strong>de</strong> naquele momento.<br />

140


Ao longo da sua carreira já tinha tido colaborado <strong>de</strong>sta forma com algum artista?<br />

Já colaborei muitas vezes com artistas, mas nunca <strong>de</strong> uma forma tão concretizada. Mais ao menos ao<br />

mesmo tempo, trabalhei para o projecto do Museu <strong>de</strong> Serralves. (…) Nessa altura houve uma interacção<br />

forte com alguns artistas que lá trabalharam.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les foi o Richard Serra para a peça 'Walking is Measuring'. Houve uma interacção,<br />

obviamente, não tão próxima, por ser alguém que está muito distante e que trabalha <strong>de</strong> uma maneira<br />

muito fechada, fruto <strong>de</strong> boas e más experiências sobre os temas da colaboração. O Richard Serra vem <strong>de</strong><br />

uma experiência traumática, que é sobretudo a experiência do Tilted Arc. Este é um processo que está<br />

muito bem documentado e eu estu<strong>de</strong>i-o muito bem na altura, para perceber a natureza do trabalho <strong>de</strong>le e,<br />

sobretudo, <strong>de</strong>ste tema da colaboração.<br />

Esta colaboração teve um sentido completamente distinto, pois houve comunicação, mas cada um<br />

interagiu a seguir, da maneira que melhor enten<strong>de</strong>u. (…) O meu trabalho articulou-se para, <strong>de</strong> alguma<br />

maneira, tornar mais explícito e mais claro o trabalho do artista. Uma das alterações óbvias foi, a<br />

substituição <strong>de</strong> tiras em chapa <strong>de</strong> aço corten, que <strong>de</strong>limitava o percurso, para que não anulassem a força<br />

expressiva da peça <strong>de</strong>le. Isso foi uma coisa que eu entendi <strong>de</strong> imediato e retirei, nem penso que ele tenha<br />

chegado a saber.<br />

Para além disso tenho colaborado com outros artistas, nomeadamente com o Gilberto Reis, que é um<br />

artista quase invisível mas que tem um trabalho bastante interessante e que, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

conceptual, ainda interage bastante connosco<br />

Que referências tem, em termos <strong>de</strong> colaborações entre artistas e arquitectos no panorama<br />

nacional e internacional?<br />

A referência mais contemporânea que tenho e que foi a que mais me interessou conhecer e investigar<br />

durante esse período, foi obviamente a relação entre Herzog & Meuron e o Rémy Zaugg, que terminou<br />

com a morte do Rémy Zaugg, mas que produziu um conjunto <strong>de</strong> experiências em ambos os campos e<br />

especialmente no campo das colaborações, que me parecem ter feito avançar a arquitectura e a<br />

produção do espaço, tanto por artistas como por arquitectos.<br />

Num plano mais próximo, é o arquitecto Carrilho da Graça, com quem nós temos colaborado muito e que<br />

foi aliás, uma das minhas colaborações mais importantes, no tempo, em quantida<strong>de</strong> e em qualida<strong>de</strong>. O<br />

Carrilho da Graça sempre teve essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, ou interagir directamente com artistas e tem-no feito<br />

com diversos artistas, ou interagir indirectamente a partir da observação <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

artistas e da sua incorporação como parte da arquitectura.<br />

Eu tenho para mim, que o trabalho dos artistas, funciona um pouco como um laboratório <strong>de</strong> pesquisa<br />

avançada e <strong>de</strong> investigação da matéria, porque estão, em relação a todas as artes mais sociais e<br />

políticas, que são a arquitectura e a arquitectura paisagista, menos constrangidos por questões <strong>de</strong><br />

regulamentos, programas ou mesmo <strong>de</strong> encomendas <strong>de</strong> clientes e portanto, têm uma liberda<strong>de</strong> um pouco<br />

maior que nós.<br />

Esta interacção e esta observação é uma forma <strong>de</strong> colaborar indirecta. Um artista que observo muito, por<br />

exemplo, é o Eliasson. Claro que eu nunca o conheci nem nunca interagi com ele, no entanto, investigo<br />

muito o trabalho <strong>de</strong>le e <strong>de</strong> outras pessoas e, a partir daí, tento extrair experiências, tento reinventá-las e<br />

reinventar o espaço e a produção do espaço a partir <strong>de</strong>ssa observação. Nós agimos não isoladamente e<br />

esta colaboração indirecta é muito visível em quase toda a produção <strong>de</strong> espaço e produção <strong>de</strong> artistas<br />

como a Fernanda Fragateiro.<br />

141


Para fechar a entrevista pergunto-lhe como olha para o futuro <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> trabalho colaborativo?<br />

O tema das colaborações, pessoalmente interessa-me muito porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eu comecei a trabalhar<br />

como arquitecto paisagista, procurei justamente trabalhar em colaboração e isso foi um mote, uma<br />

intenção que explorei até agora e com resultados bastante próprios <strong>de</strong>ssa postura, resultados positivos<br />

mas também negativos. É uma forma <strong>de</strong> trabalhar que põe questões <strong>de</strong> fronteira e <strong>de</strong> limite às vezes<br />

complexas, mas outras vezes ajuda a <strong>de</strong>fini-las e a enten<strong>de</strong>-las. É um ciclo que <strong>de</strong> alguma maneira se<br />

acaba, que vai fechar agora e que se centra nesta questão da colaboração.<br />

Quando diz que é um ciclo que agora se está a fechar, o que é que isso significa?<br />

Quando eu digo que isto está a terminar, é porque é um tipo <strong>de</strong> produção que só é possível com fundos<br />

públicos, ou com a articulação <strong>de</strong> fundos privados que permitam a produção <strong>de</strong>stas peças.<br />

No caso da Expo’98, não houve um programa governamental mas criou-se um fundo, um programa que<br />

<strong>de</strong> alguma maneira é produzido pelo governo mas num contexto específico, concreto e limitado no tempo.<br />

Vamos lá ver, a colaboração com arquitectos, quando se faz um edifício e se cria um espaço <strong>de</strong> paisagem<br />

que o envolve ou que o contém, ou ainda, a criação <strong>de</strong> espaço público através da interacção com artistas<br />

ou com outras visões, tem a ver, com um período da nossa história recente e da nossa economia, em que<br />

há disponibilida<strong>de</strong> para isso. Essa disponibilida<strong>de</strong> terminou. Estamos a fechar um ciclo económico e esta<br />

cultura <strong>de</strong> espaço público, tal como a conhecemos até agora, terminou.<br />

Temos agora <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> outra maneira, <strong>de</strong> tentar perceber como é que vamos trabalhar, sendo que<br />

estamos a operar sobre outras coisas, outros problemas. A cida<strong>de</strong> é hoje uma coisa muito in<strong>de</strong>terminada<br />

nalguns aspectos e é exactamente essa in<strong>de</strong>terminação e esse limite, que é preciso enten<strong>de</strong>r. Por<br />

exemplo, como é que as paisagens são produtivas, como é que se criam espaços que são também<br />

públicos noutras realida<strong>de</strong>s que não apenas as da cida<strong>de</strong> mais tradicional ou, <strong>de</strong> que maneira é que a<br />

infra-estrutura entra na nossa vida e <strong>de</strong> que maneira se criam gran<strong>de</strong>s espaços públicos que na verda<strong>de</strong><br />

são espaços <strong>de</strong> infra-estrutura. Estes são temas que resultam <strong>de</strong> um ciclo económico, social e cultural<br />

que se fecha agora, que terminou, não há mais, não há mais dinheiro.<br />

142


ANEXO IV:<br />

ENTREVISTA REALIZADA A JOSÉ VELUDO, A 30-01-2012, NO ATELIER NPK<br />

ARQUITECTOS PAISAGISTAS ASSOCIADOS:<br />

Começo por lhe pedir para enquadrar a NPK e a colaboração com a Fernanda Fragateiro, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um projecto multidisciplinar e <strong>de</strong> enorme dimensão como foi o Plano <strong>de</strong> Pormenor do Cacém.<br />

Antes do Programa Polis do Cacém, houve um estudo <strong>de</strong> um Plano <strong>de</strong> Pormenor, feito com o RISCO, que<br />

englobava várias unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> projecto. Entretanto, a Câmara <strong>de</strong> Sintra aproveitou o aparecimento da<br />

Polis e lançou o Programa Polis do Cacém e aí foram <strong>de</strong>senvolvidos vários projectos, um <strong>de</strong>les, o Parque<br />

Linear, que foi entregue aos NPK. A i<strong>de</strong>ia do trabalho com a Fernanda Fragateiro, acho que já vinha <strong>de</strong><br />

trás mas como nós gostamos muito do trabalho <strong>de</strong>la e nos dávamos muito bem, a coisa seguiu assim, ou<br />

seja, quando o projecto avançou, avançamos com ela.<br />

No Cacém esta é a única intervenção <strong>de</strong> Fernanda Fragateiro?<br />

Sim, penso que foi.<br />

O projecto do Parque Linear da Ribeira das Jardas supera o espaço público ou o jardim relvado e<br />

arborizado, pela sua complexida<strong>de</strong> a nível da biodiversida<strong>de</strong>, presença da ribeira, percursos e<br />

ligação não só à cida<strong>de</strong> mas entre as duas freguesias que une. De on<strong>de</strong> surge a necessida<strong>de</strong> ou<br />

intenção <strong>de</strong> colocar arte urbana num parque já em si tão completo e diversificado?<br />

Eu acho que é mais uma oportunida<strong>de</strong> do que uma necessida<strong>de</strong>. Neste caso, tem muito a ver com a<br />

escala, trata-se <strong>de</strong> uma escala relativamente generosa para o espaço urbano e um espaço maior do que<br />

aquilo a que nós normalmente chamamos um jardim e por isso lhe chamamos parque. Há neste tipo <strong>de</strong><br />

situação, uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversificar a equipa e no fundo, <strong>de</strong> ampliar aquilo que são os olhares e as<br />

sensibilida<strong>de</strong>s no tratamento do território. Aliás, a questão da necessida<strong>de</strong> é uma questão que também<br />

precisa <strong>de</strong> contexto, quer dizer, há muitos tipos <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s. Qual necessida<strong>de</strong>?<br />

A integração da arte no espaço público urbano teve por <strong>de</strong>trás, por exemplo, nos primeiros<br />

programas <strong>de</strong> arte pública que refiro na dissertação, uma procura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e carácter para um<br />

espaço?<br />

Sim, aí já faz sentido e <strong>de</strong> facto, pareceu-nos ser um caminho ou um melhor caminho, para dar uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e caracterizar o espaço <strong>de</strong> modo a que as pessoas se i<strong>de</strong>ntifiquem com ele.<br />

A escolha da localização da obra <strong>de</strong>ntro do espaço po<strong>de</strong> advir também, <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong>s. Como foi feita, neste caso, essa <strong>de</strong>cisão?<br />

O sítio ou o espaço físico para a obra, foi escolhido (…) porque somava várias características, como a<br />

sua centralida<strong>de</strong>, a forma do espaço, a sua relação com a envolvente e o facto <strong>de</strong> que neste local, o<br />

<strong>de</strong>senho viário se sobrepunha muito àquilo que era a lógica geral, ou seja, criar uma maior aproximação<br />

aquilo que era os valores naturais do local e do próprio sistema do rio. Nesse sentido, como isto era uma<br />

coisa que se afastava mais, havia uma maior necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar para integrar, portanto, quando<br />

este espaço surgiu, achamos que era óptimo, por todas essas razões e por esta necessida<strong>de</strong> específica.<br />

143


Essa escolha foi realizada em conjunto e <strong>de</strong> forma consensual com a artista?<br />

Sim, mas há aqui situações que eu estou a <strong>de</strong>screver com alguma assertivida<strong>de</strong> relativa porque<br />

entretanto já se passaram alguns anos, mas penso que foi assim. Todo o processo criativo foi conjunto<br />

mas também é evi<strong>de</strong>nte que mesmo os processos criativos que são conjuntos têm processos criativos<br />

autónomos que <strong>de</strong>pois se casam, se juntam, se encontram e se complementam.<br />

Que informações ou talvez programa foram dadas a Fernanda Fragateiro para a criação da sua<br />

obra?<br />

Eu acho que não houve programa, o programa era: O que vamos fazer aqui e, o que é que se vai passar<br />

aqui? Eu acho que era mais isso. É óbvio que a partir daí há uma adaptação, há um <strong>de</strong>scer ao programa<br />

<strong>de</strong> um parque no geral e <strong>de</strong>ste em particular. Mas no início não havia um programa <strong>de</strong>finido.<br />

Como foi <strong>de</strong>cidido o carácter da obra, se seria lúdico, <strong>de</strong> intervenção social, simbólico ou temático<br />

por exemplo?<br />

Houve um falar com a Fernanda, houve um conhecer e experimentar o sítio e a seguir, houve uma<br />

vonta<strong>de</strong>, um conceito e uma <strong>de</strong>cisão tomada pela Fernanda. Da nossa parte, houve uma aceitação das<br />

<strong>de</strong>cisões tomadas e um trabalho conjunto para integrar as i<strong>de</strong>ias da Fernanda.<br />

É muito interessante essa libertação em relação ao programa, que existe por vezes nas<br />

colaborações. Pedia-lhe então que explicasse que dinâmica <strong>de</strong> trabalho foi adoptada para a<br />

realização <strong>de</strong>sta obra?<br />

Eu acho que só há uma forma <strong>de</strong> trabalhar quando se trabalha com equipas, que, como diz bem, uma<br />

coisa é: os programas são os programas e ponto final, ou seja, são algo que muitas vezes nos<br />

transcen<strong>de</strong>, que vem <strong>de</strong> montante e que, no fundo, é importante porque são <strong>de</strong>cisões que extravasão o<br />

nosso contexto e a dimensão em que estamos a trabalhar.<br />

A outra coisa é: a partir do momento em que se trabalha com alguém ou em que existem várias<br />

componentes numa equipa, a i<strong>de</strong>ia é haver o menos programa possível. Eu acho que com a Fernanda<br />

isso aconteceu em pleno. É evi<strong>de</strong>nte que se houvesse alguma coisa, naquilo que a Fernanda tivesse<br />

feito, que incomodasse ou que <strong>de</strong> alguma forma inviabilizasse aquilo que era parte do conceito do parque,<br />

teríamos discutido isso com ela. Isso aconteceu <strong>de</strong> facto mais tar<strong>de</strong>, na materialização do projecto e aí<br />

tivemos que em conjunto, encontrar um caminho e afinar <strong>de</strong>cisões.<br />

Concorda com a postura <strong>de</strong> que essa tensão é essencial e benéfica ao processo colaborativo?<br />

Eu acho que essa tensão é boa mas tem que haver sempre um encontro. Se não há esse encontro,<br />

então, estão as pessoas erradas a trabalhar umas com as outras. Quer dizer, quando esse <strong>de</strong>sencontro<br />

acontece em trabalhos (…), é porque a coisa não está bem ou então, não há empatia na forma <strong>de</strong><br />

trabalhar.<br />

144


A arquitectura paisagista é em si uma profissão que requer um constante trabalho interdisciplinar,<br />

normalmente mais direccionado para a arquitectura. O que traz <strong>de</strong> novo a colaboração com<br />

artistas? Quais os principais benefícios?<br />

Eu acho que é a aprendizagem.<br />

(…)<br />

Por mais que façamos um esforço para não o ser, estamos sempre a ser preconceituosos e o simples<br />

facto <strong>de</strong> entrarem outras pessoas na equipa, que vêem as coisas <strong>de</strong> outra maneira, ajuda-nos a<br />

questionar os preconceitos e a experimentar outras coisas.<br />

É <strong>de</strong> facto, muito importante, nós questionarmos a forma como trabalhamos e sobre esse ponto <strong>de</strong> vista,<br />

o trabalhar com pessoas com uma visão diferente, como no caso dos artistas plásticos, é uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> questionar as coisas <strong>de</strong> forma diferente. Podiam ser outros olhares mas é mais fácil<br />

encontrar neste campo das artes, olhares mais diversos que questionem mais as coisas que estão a ser<br />

feitas. Eu acho que a importância esgotasse toda aí.<br />

Depois há uma outra dimensão, já menos importante, que é a dimensão daquilo que se produz, porque<br />

aquilo que eu estava a falar anteriormente era da dimensão do processo.<br />

O processo é mesmo a coisa mais importante, talvez no início, uma pessoa não veja isso com clareza<br />

mas, há medida que os anos vão avançando, eu acho que isso se torna mais claro. O que nos alimenta<br />

mais, o que nos dá aprendizagem, aquilo que nos apaixona, aquilo que nos dá vida é sempre o processo<br />

e não tanto, o resultado.<br />

É óbvio que a <strong>de</strong>terminada altura, quando esse casamento <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> é bom, achamos que aquilo<br />

que é produzido é qualquer coisa <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m superior. É mais bonito, é mais perfeito, é mais equilibrado,<br />

não é? Mas se a primeira parte do processo não tiver corrido bem, também olhamos para o resultado e<br />

achamos que aquilo não nos transmite equilíbrio nenhum.<br />

Neste caso específico, aconteceu essa aprendizagem?<br />

Sim, eu acho que sim. Neste caso, não acho importante i<strong>de</strong>ntificar ou sintetizar o que foi mais marcante,<br />

mas <strong>de</strong> forma geral e até mais óbvia, acho que a aprendizagem é uma pessoa sentir-se satisfeita com<br />

aquilo que aconteceu. De alguma forma, po<strong>de</strong>mos dizer que isto nunca teria sido assim se a Fernanda<br />

não tivesse trabalhado connosco, portanto, houve qualquer coisa <strong>de</strong> diferente e ela há-<strong>de</strong> dizer a mesma<br />

coisa.<br />

Voltando agora ao Jardim nas Margens no Parque Linear, como é que a artista apresentou a sua<br />

i<strong>de</strong>ia e daí se partiu para a materialização?<br />

Já lá foi?<br />

Sim várias vezes.<br />

Este projecto tem muito a ver com o género <strong>de</strong> preocupações da Fernanda Fragateiro e como pô<strong>de</strong> então<br />

ver, foi um processo com algumas semelhanças ao outro que referiu, o Jardim das Ondas. Para o Jardim<br />

nas Margens, a Fernanda fez uma maqueta muito bonita mas que foi um problema e digo isto somente<br />

em relação à mo<strong>de</strong>lação do terreno, que nem sempre é uma coisa simples. Nessa materialização, teve <strong>de</strong><br />

haver um importante trabalho <strong>de</strong> ajuste entre aquilo que foi o impulso da Fernanda e aquilo que nós<br />

achávamos que era viável. Tudo isto foi muito falado e muito trabalhado entre nós, NPK, e a artista.<br />

145


Há uma coisa nesta fase, que acho que é importante dizer-lhe: É que, à partida, um artista plástico é<br />

aquele que leva até ao fim a realização da sua obra, isto para dizer, que a <strong>de</strong>terminada altura nestes<br />

processos, a materialização escapa às nossas mãos. Isso é um problema, porque na materialização,<br />

tudo, incluído o mais pequeno pormenor é importante para o processo mas nem sempre é possível<br />

controlar todas as coisas que acontecem em obra.<br />

Também aconteceram aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stes nesta obra, ou seja, a <strong>de</strong>terminada altura, aquilo que se tinha na<br />

cabeça, na da Fernanda e na nossa, não se conseguiu materializar por que causa <strong>de</strong>sta perda <strong>de</strong><br />

controlo <strong>de</strong>vido há quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que são postas no processo: donos <strong>de</strong> obra, fiscalizações,<br />

empreiteiros, há muitos processos burocráticos e jurídicos que a <strong>de</strong>terminada altura não se controlam.<br />

Acho que isso é uma coisa que não faz muito sentido em muitas materializações. Basta que haja uma<br />

falha no ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> encargos, algo que a fiscalização não vê ou um prazo que entretanto é apertado,<br />

para que a materialização tenha problemas que não são controlados e se para nós, isso já é difícil e a<br />

coisa diluísse mais, por parte dos artistas plásticos, isto torna-se ainda mais grave. Por exemplo, quando<br />

a Fernanda fez aquela girafa que está no Jardim das Águas, foi ela que a realizou e trabalhou com os<br />

artesãos que fizeram aquilo, e isso, neste tipo <strong>de</strong> projecto é impensável.<br />

Neste caso, a artista manteve-se também ao longo <strong>de</strong>sse processo ou distanciou-se <strong>de</strong>ssas<br />

questões técnicas?<br />

Esteve muito presente, até porque, sempre que havia questões <strong>de</strong> alterações ou <strong>de</strong> nós percebermos que<br />

nesse processo algo ia contra algo que estava conversado com a Fernanda, a Fernanda era chamada.<br />

Já referiu que foi dada muita liberda<strong>de</strong> à artista para questões relacionadas com a forma, o tema e<br />

as características gerais da obra, pergunto-lhe agora sobre a responsabilida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tomar <strong>de</strong>cisões mais técnicas e sobre essa pressão que refere como inerente à materialização <strong>de</strong><br />

um projecto?<br />

A maior parte das coisas que se passa na vida são batalhas: “eu quero, posso e mando” existe em<br />

poucas situações e há que tentar encontrar a maneira mais viável e compatível para a situação que se<br />

apresenta. Mas no sentido <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dar capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão à Fernanda, isso sim. À vonta<strong>de</strong>!<br />

Isso é uma questão do mundo em que se vive. Nós arquitectos, hoje em dia, queixamo-nos exactamente<br />

do mesmo, queixamo-nos também que o processo nos está a ser retirado das mãos. É exactamente a<br />

mesma coisa.<br />

A tendência é para a especificida<strong>de</strong> disciplinar, que culmina na não-aceitação <strong>de</strong> que há uma visão mais<br />

global acerca <strong>de</strong> um processo. (…) Até mesmo no Cacém, a <strong>de</strong>terminada altura, senti que era uma pena<br />

que a materialização não pu<strong>de</strong>sse ter sido ainda mais acompanhada, por nós e pela Fernanda. Nós<br />

andámos sempre em cima, estávamos lá permanentemente, mas mesmo assim, senti falta <strong>de</strong> uma<br />

interacção maior no processo <strong>de</strong> materialização, e eu acho que a Fernanda também sentiu.<br />

Que relevância teve o tema da apropriação do espaço no processo colaborativo ou <strong>de</strong> trabalho?<br />

A apropriação do espaço por parte das pessoas foi muito discutida até porque, como arquitecto paisagista<br />

essa é uma das minhas principais preocupações já que influência muito a forma como este é mantido ao<br />

longo do tempo. Foi muito importante pormo-nos todos ao mesmo nível para discutir questões como: Para<br />

que é que isto servia? Para quem era? Como ia ser utilizado? Todas elas foram amplamente discutidas<br />

com a Fernanda.<br />

146


Olhando agora com uma certa distância temporal, como vê este projecto e a presença da obra<br />

como parte integrante do mesmo?<br />

Acho que resultou bem, estou satisfeito.<br />

Sabe que há aqui uma coisa que, penso eu, é uma das maiores diferenças entre as pessoas que<br />

trabalham só na arquitectura para as pessoas que trabalham só na arquitectura paisagística, ou seja, há<br />

uma temporalida<strong>de</strong> que nos projectos <strong>de</strong> arquitectura paisagística é mais alongado que nos <strong>de</strong><br />

arquitectura. Eu só consi<strong>de</strong>ro que uma coisa resulta bem ao fim <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. No ano em que o<br />

projecto é feito, resulta sempre, não há razão para não resultar; agora, o que é que vai ser aquele espaço<br />

daqui a <strong>de</strong>z anos é uma coisa que eu tenho muita curiosida<strong>de</strong>. Para este projecto, no fim <strong>de</strong>ste ano, já<br />

começo a achar que a coisa funciona muito bem, mas mantenho a curiosida<strong>de</strong> para saber como é que o<br />

espaço vai evoluir em <strong>de</strong>z anos. Um sinal <strong>de</strong> que funciona muito bem, é o facto <strong>de</strong> o espaço ter sido muito<br />

pouco vandalizado, aliás, este espaço já foi vandalizado (…). O Parque Linear da Ribeira das Jardas foi<br />

um processo muito disciplinar, não nos po<strong>de</strong>mos queixar da falta <strong>de</strong> disciplinarida<strong>de</strong> neste processo.<br />

Correu muito bem!<br />

Já tinham colaborado anteriormente com artistas?<br />

Poucas vezes ou raramente se concretiza, no nosso caso raramente se concretiza, eu acho que é mais<br />

por uma questão financeira. Acho que é essa a gran<strong>de</strong> questão.<br />

Houve uma situação <strong>de</strong> colaboração com o Fernando Brízio, que tem formação em <strong>de</strong>sign, mas que não<br />

<strong>de</strong>u num projecto. (…)<br />

Que referências tem em termos <strong>de</strong> colaborações ou mesmo <strong>de</strong> artistas aos quais recorra como<br />

inspiração?<br />

É evi<strong>de</strong>nte que tenho referências, mas não olho para a arte como inspiração, como referência, nem<br />

recorro a esse meio para resolver projectos específicos. Acho que a arte é uma coisa vasta e aberta e,<br />

acho acima <strong>de</strong> tudo, que é um processo.<br />

Há um romantismo em relação à arte e aos artistas, da parte das pessoas que não o são. Eu, como<br />

qualquer outro, nesta perspectiva tenho muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com artistas.<br />

De uma forma mais pragmática, o artista plástico é alguém que olha para as situações com mais<br />

liberda<strong>de</strong> porque não há um programa funcional normalmente <strong>de</strong>dicado à arte ou o programa funcional é<br />

pelo menos, mais diminuto e isso é uma vantagem em <strong>de</strong>terminada altura porque também nos ajuda <strong>de</strong><br />

alguma forma a justificar muita coisa. É verda<strong>de</strong>! Ajuda-nos a legitimar <strong>de</strong>terminados caminhos que não<br />

são tão materializáveis, nem tão funcionais.<br />

Como prevê o futuro das colaborações entre artistas e arquitectos?<br />

Agora as coisas estão complicadas, não sei se eram <strong>de</strong>masiado diferentes noutras alturas mas isto é o<br />

que nós vivemos. Vou-lhe dar um exemplo, quando entramos num concurso para uma coisa qualquer,<br />

aquilo que se passa é que, muitas vezes, quando se trabalha com artistas plásticos não se sabe o que vai<br />

acontecer e portanto, não se consegue nem <strong>de</strong>finir, nem materializar, nem custear essa parte do projecto.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, já no meio do processo, as coisas já estão fechadas em termos contratuais e aí fechasse a<br />

porta e os artistas já não conseguem trabalhar.<br />

No nosso caso, a colaboração com artistas, poucas vezes ou raramente se concretiza e eu acho, que é<br />

mais por uma questão financeira. Acho que é essa a gran<strong>de</strong> questão. Hoje em dia, ou há um programa <strong>de</strong><br />

147


arte pública que obriga a isso, ou então é muito difícil. No fundo, a parte mais interessante, que é a <strong>de</strong>,<br />

sensibilida<strong>de</strong>s diferentes po<strong>de</strong>rem participar num processo comum, é o que faz mais falta. Isto é o que faz<br />

mais sentido.<br />

Para mim, e repito o que já disse, temos que estar sempre a pôr em causa os nossos preconceitos e a<br />

nossa forma <strong>de</strong> trabalhar. As outras visões, nomeadamente, visões que estejam menos formatadas ou<br />

que estejam preparadas para constantemente sair <strong>de</strong>ssa formatação, como é o caso dos artistas, é<br />

sempre uma boa parceria.<br />

Por fim, o que consi<strong>de</strong>ra que sejam os pontos chaves para que uma colaboração seja bem-<br />

sucedida? Existe a seu ver uma fórmula?<br />

Sim, para mim há uma fórmula muito simples, que é: acreditar. Tem que ir buscar alguém em quem se<br />

acredite e não po<strong>de</strong> ser alguém em que a postura é: vamos lá ver o que este vai fazer e <strong>de</strong>pois se eu não<br />

gostar controlo ou faço diferente. Não dá para trabalhar <strong>de</strong> outra maneira em parceria, uma pessoa tem<br />

que acreditar em quem envolve, e isso é válido, não só em relação aos arquitectos e artistas plásticos,<br />

mas também entre arquitectos, arquitectos paisagistas, engenheiros e por aí fora. O acreditar, é aceitar<br />

algo que vai para além dos nossos caprichos, é acreditar no trabalho que a outra pessoa faz. Se não<br />

acredita no trabalho que a outra pessoa faz então tem que ir trabalhar com outra pessoa.<br />

Acho que isso é uma boa dica!<br />

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