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26.07.2013 Views

Cabe lembrar que a mídia também contribui para a representação negativa dos catadores, quando os mostra nos lixões - disputando restos de comida com animais (porcos, cachorros, urubus, entre outros) - ou quando tem a idéia de discutir as “profissões-perigo” ou menos valorizadas. Em recente pesquisa realizada pelo Datafolha - afirma Eigenheer (2003) - a profissão de catador de lixo ficou em primeiro lugar como a mais rejeitada e a de gari em terceiro lugar. Certamente, isso tem relação com o fato de a sociedade sempre ter se relacionado com o seu lixo com atitudes de afastamento, preconceito e estigma. Ainda segundo o relato apresentado há um aspecto inusitado: um catador foi espancado por ter sido confundido com um marginal. Sob o ponto de vista dos direitos humanos, esse ato feri vários princípios - como liberdade, fraternidade, entre outros - dos artigos da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, dentre os quais o: Artigo I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo V: Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Bursztyn (2003) traz uma reflexão nesse sentido quando discute as conseqüências sofridas por pessoas pobres em países como o Brasil. O autor cita que tais pessoas, além de nunca terem sido beneficiadas por políticas de proteção social amplas e universalizadas, são empurradas da pobreza para a miséria e, daí, acabam sendo objeto do estigma da “desnecessidade” [...] e de práticas sociais xenófobas e racistas. Ainda segundo o autor: A violência social cometida contra os pobres tem raízes históricas e não configura um fato novo. O que surpreende hoje é seu recrudescimento lá onde se imaginava já ter sido debelada. Ela choca e causa mal-estar como 123

uma praga ou uma epidemia que já havia sido controlada e que, depois de muito tempo, retorna, com vigor (BURSZTYN, 2003, p.38). Entretanto, um entrevistado acredita que o trabalho com os RSD é motivo para reconhecimento social, conforme se observa no relato: “...a sociedade tá tendo mais consciência que o serviço que a gente faz é ruim mas a população também se olha pelo lado deles também. Que estamos ajudando eles também. Hoje, tá tudo tranqüilo. Hoje, você passa num canto ninguém não discrimina. Hoje, o pessoal já fala com você como um cidadão, uma pessoa boa, trabalhador...” (Entrevistado 1, Gari). O depoimento aponta que o trabalhador percebe algumas melhorias na relação trabalho-sociedade e, aparentemente, seu relato comporta um “tom” de superação próximo ao que conhecemos por “resiliência”, ou seja, capacidade de vencer as dificuldades por mais fortes e traumáticas que elas sejam (FLACH, 1991; MELILO, NESTOR e OJEDA, 2006). Cyrulnik (1995) nos apresenta um conceito de “resiliência” que pode ser potencialmente interessante para melhor explicar o que falamos acima. Segundo o autor, “la résilience” (do francês) é uma expressão utilizada no campo da física para designar a resistência de uma estrutura à absorção de uma energia cinética sem se romper. Em outras palavras - e fazendo uma metáfora à definição de Cyrulnik - a resiliência apontada para os entrevistados consiste em compreender como eles, que passaram (e passam) por uma dura realidade, conseguem encontrar alguma forma de adaptar-se, habituar-se, adequar-se na medida do possível, ou seja, como ser “resiliente” frente a um contexto de precárias condições de trabalho e vida. 4.4.6 - Do Lixo a um Novo Horizonte Essa categoria traz os desejos e/ou sonhos dos entrevistados considerando suas respectivas realidades sociais e de trabalho. Assim, emergiram perspectivas acerca da vontade que alguns entrevistados têm de abandonar o trabalho com os RSD: 124

Cabe lembrar que a mídia também contribui para a representação negativa<br />

<strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, quan<strong>do</strong> os mostra nos lixões - disputan<strong>do</strong> restos <strong>de</strong> comida com<br />

animais (porcos, cachorros, urubus, entre outros) - ou quan<strong>do</strong> tem a idéia <strong>de</strong> discutir<br />

as “profissões-perigo” ou menos valorizadas.<br />

Em re<strong>ce</strong>nte pesquisa realizada pelo Datafolha - afirma Eigenheer (2003) - a<br />

profissão <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>r <strong>de</strong> lixo ficou em primeiro lugar como a mais rejeitada e a <strong>de</strong> gari<br />

em ter<strong>ce</strong>iro lugar. Certamente, isso tem relação com o fato <strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> sempre<br />

ter se relaciona<strong>do</strong> com o seu lixo com atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afastamento, precon<strong>ce</strong>ito e<br />

estigma.<br />

Ainda segun<strong>do</strong> o relato apresenta<strong>do</strong> há um aspecto inusita<strong>do</strong>: um cata<strong>do</strong>r foi<br />

espanca<strong>do</strong> por ter si<strong>do</strong> confundi<strong>do</strong> com um marginal. Sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos, esse ato feri vários princípios - como liberda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>, entre<br />

outros - <strong>do</strong>s artigos da própria Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos, <strong>de</strong>ntre<br />

os quais o:<br />

Artigo I: Todas as pessoas nas<strong>ce</strong>m livres e iguais em dignida<strong>de</strong> e<br />

direitos. São <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> razão e consciência e <strong>de</strong>vem agir em relação<br />

umas às outras com espírito <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong>.<br />

Artigo V: Ninguém será submeti<strong>do</strong> à tortura, nem a tratamento ou<br />

castigo cruel, <strong>de</strong>sumano ou <strong>de</strong>gradante (ASSEMBLÉIA GERAL DAS<br />

NAÇÕES UNIDAS, 1948).<br />

Bursztyn (2003) traz uma reflexão nesse senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> discute as<br />

conseqüências sofridas por pessoas pobres em países como o Brasil. O autor cita<br />

que tais pessoas, além <strong>de</strong> nunca terem si<strong>do</strong> beneficiadas por políticas <strong>de</strong> proteção<br />

social amplas e universalizadas, são empurradas da pobreza para a miséria e, daí,<br />

acabam sen<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> estigma da “<strong>de</strong>sne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>” [...] e <strong>de</strong> práticas sociais<br />

xenófobas e racistas. Ainda segun<strong>do</strong> o autor:<br />

A violência social cometida contra os pobres tem raízes históricas e não<br />

configura um fato novo. O que surpreen<strong>de</strong> hoje é seu recru<strong>de</strong>scimento lá<br />

on<strong>de</strong> se imaginava já ter si<strong>do</strong> <strong>de</strong>belada. Ela choca e causa mal-estar como<br />

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