centro federal de educação tecnológica do ceará – cefet/ce
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ<br />
FACULDADE DE MEDICINA<br />
DEPARTAMENTO DE SAÚDE COMUNITÁRIA<br />
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA<br />
RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES, AMBIENTE E SAÚDE:<br />
(INTER)RELAÇÕES A PARTIR DA VISÃO DOS TRABALHADORES DO SISTEMA<br />
DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE FORTALEZA/CE<br />
GEMMELLE OLIVEIRA SANTOS<br />
FORTALEZA<br />
2008
GEMMELLE OLIVEIRA SANTOS<br />
RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES, AMBIENTE E SAÚDE:<br />
(INTER)RELAÇÕES A PARTIR DA VISÃO DOS TRABALHADORES DO SISTEMA<br />
DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE FORTALEZA/CE<br />
Dissertação apresentada ao Mestra<strong>do</strong> em<br />
Saú<strong>de</strong> Pública pela Linha <strong>de</strong> Pesquisa:<br />
Produção, Ambiente e Saú<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
Departamento <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Comunitária da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará, como requisito parcial<br />
para obtenção <strong>do</strong> título <strong>de</strong> mestre.<br />
Orienta<strong>do</strong>ra: Prof. Dra. Raquel Maria Rigotto.<br />
FORTALEZA<br />
2008
S235r Santos, Gemmelle Oliveira<br />
Resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares, ambiente e<br />
saú<strong>de</strong>: (Inter)relações a partir da Visão <strong>do</strong>s<br />
Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong><br />
Resíduos Sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Fortaleza-CE. /Gemmelle<br />
Oliveira Santos. - Fortaleza, 2008.<br />
149 f. : il.<br />
Orienta<strong>do</strong>ra: Profa. Dra. Raquel Maria<br />
Rigotto<br />
Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>do</strong> Ceará. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Saú<strong>de</strong><br />
Pública.<br />
1. Saú<strong>de</strong> Ambiental. 2. Resíduos Sóli<strong>do</strong>s. 3. Meio<br />
Ambiente. I. Rigotto, Raquel Maria (orient.). II. Título.<br />
CDD 614
GEMMELLE OLIVEIRA SANTOS<br />
RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES, AMBIENTE E SAÚDE:<br />
(INTER)RELAÇÕES A PARTIR DA VISÃO DOS TRABALHADORES DO SISTEMA<br />
DE GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE FORTALEZA/CE<br />
BANCA EXAMINADORA:<br />
_____________________________<br />
Profa. Dra. Raquel Maria Rigotto (Orienta<strong>do</strong>ra)<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará - UFC<br />
_____________________________<br />
Prof(a). Dra. Márcia Macha<strong>do</strong> (Membro Interno)<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará - UFC<br />
______________________________<br />
Prof. Dr. Luiz Fernan<strong>do</strong> Ferreira da Silva (Membro Interno)<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará - UFC<br />
_____________________________<br />
Prof(a). Dra. Maria Elisa Zanella (Membro Externo)<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará - UFC
AGRADECIMENTOS<br />
À Deus por con<strong>ce</strong><strong>de</strong>r mais um momento importante e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
enriquecimento intelectual na minha vida.<br />
Aos garis e cata<strong>do</strong>res entrevista<strong>do</strong>s nessa pesquisa.<br />
À toda minha família pelo apoio e in<strong>ce</strong>ntivo aos estu<strong>do</strong>s.<br />
À Catarina <strong>de</strong> Brito Alves, por me <strong>de</strong>ixar fazer parte da sua vida.<br />
À Fundação Cearense <strong>de</strong> Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />
<strong>do</strong> Ceará (FUNCAP) pela bolsa <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> con<strong>ce</strong>dida.<br />
Ao Prof. Dr. Luiz Fernan<strong>do</strong> Ferreira da Silva pela orientação da primeira etapa<br />
da pesquisa e confiança <strong>de</strong>positada.<br />
À Profa. Dra. Raquel Maria Rigotto da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará - UFC,<br />
pelo acolhimento, orientação da segunda etapa da pesquisa, contribuições e<br />
amiza<strong>de</strong>.<br />
Aos integrantes da banca examina<strong>do</strong>ra pelo rigor e contribuições.<br />
Aos professores Alberto Novais e Jaqueline Cararas pelos permanentes<br />
in<strong>ce</strong>ntivos e oportunida<strong>de</strong>s.<br />
Ao Diretor <strong>de</strong> Operações da Empresa Municipal <strong>de</strong> Limpeza e Urbanização<br />
(EMLURB), Raimun<strong>do</strong> César Marques <strong>de</strong> Sá, pelas informações.<br />
Ao presi<strong>de</strong>nte e ao coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tráfego da con<strong>ce</strong>ssionária responsável<br />
pela coleta <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares em Fortaleza/CE, pelo espaço<br />
con<strong>ce</strong>di<strong>do</strong>.<br />
Às secretárias <strong>do</strong> Mestra<strong>do</strong> em Saú<strong>de</strong> Pública da UFC, Zenai<strong>de</strong> e Dominik,<br />
pela companhia e presteza.<br />
Ao caríssimo amigo Severino Alexandre por acreditar quan<strong>do</strong> digo “Que a<br />
vida <strong>do</strong> Planeta Terra não é a vida humana”.<br />
Aos amigos <strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> Marco Túlio, Tatiana, Alexandre, Carlos Henrique e<br />
André Moura, pelos diálogos estabeleci<strong>do</strong>s.
Aos colegas e professores <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Saú<strong>de</strong> Pública da<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará (UFC), que ajudaram direta ou indiretamente na<br />
concretização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
Ao Flávio - coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu - pela<br />
par<strong>ce</strong>ria e amiza<strong>de</strong>.<br />
Aos integrantes <strong>do</strong> Núcleo TRAMAS (Trabalho, Meio Ambiente e Saú<strong>de</strong> para<br />
a Sustentabilida<strong>de</strong>) pelas contribuições.
Aos meus pais Gerar<strong>do</strong> Albuquerque e Suzana Santos<br />
e meus Irmãos Karol Wojtyla e Germana Oliveira.
“Tem gente que chega até a jogar<br />
pedra, chama a gente <strong>de</strong> urubu,<br />
carniça, e dá alimento a gente<br />
estraga<strong>do</strong> porque pensa que a gente<br />
trabalha com o lixo e come lixo,<br />
enten<strong>de</strong>u?!...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 5, gari).
LISTA DE FIGURAS<br />
Figura 1 - Esquemas das vias <strong>de</strong> contato homem-lixo....................................................... 6<br />
Figura 2 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo ................................... 40<br />
Figura 3 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará.................................. 42<br />
Figura 4 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra ................................ 45<br />
Figura 5 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Henrique Jorge.................................. 46<br />
Figura 6 - Cata<strong>do</strong>res no Lixão <strong>do</strong> Jangurussu em 1996..................................................... 47<br />
Figura 7 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu........................................ 48<br />
Figura 8 - Vista Parcial <strong>de</strong> um “Morro <strong>de</strong> Lixo” <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu............................ 50<br />
Figura 9 - Representação da Ca<strong>de</strong>ia Produtiva <strong>do</strong>s RSD <strong>de</strong> Fortaleza ............................. 56<br />
Figura 10 - Vista <strong>de</strong> um Caminhão Coletor <strong>de</strong> RSD <strong>de</strong> Fortaleza e da Guarnição ............ 57<br />
Figura 11 - Formas <strong>de</strong> Acondicionamento Correta e Incorreta <strong>do</strong>s RSD em Fortaleza ..... 58<br />
Figura 12 - Trabalho <strong>de</strong> Coleta <strong>do</strong>s RSD e Vista Parcial <strong>do</strong> Trabalho da Equipe .............. 59<br />
Figura 13 - Vista Lateral da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu .......................................... 60<br />
Figura 14 - Vista Parcial <strong>de</strong> uma Esteira <strong>de</strong> Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu ................. 62<br />
Figura 15 - Vista <strong>do</strong> Pátio, <strong>de</strong> uma Esteira e <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem ........... 63<br />
Figura 16 - Células Abertas para Compactação <strong>do</strong> RSD no ASMOC................................ 65<br />
Figura 17 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> ASMOC.......................................................... 66<br />
Figura 18 - Vista Frontal <strong>do</strong> Galpão da ASCAJAN ............................................................. 70<br />
Figura 19 - Vista Lateral <strong>do</strong> Caminhão da ASCAJAN <strong>de</strong> 35m 3 .......................................... 70<br />
Figura 20 - Vista Parcial da Rampa da ASCAJAN para Triagem <strong>de</strong> Materiais .................. 71<br />
Figura 21 - Alguns Materiais Recicláveis Re<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong>s pela ASCAJAN ................................ 72<br />
Figura 22 - Vista Parcial <strong>de</strong> Alguns Integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem ............................... 77<br />
Figura 23 - Segregação <strong>de</strong> Recicláveis na Usina <strong>de</strong> Triagem ........................................... 79
LISTA DE QUADROS<br />
Quadro 1 - Vetores e Enfermida<strong>de</strong>s relacionadas aos Resíduos Sóli<strong>do</strong>s.......................... 6<br />
Quadro 2 - Composição Gravimétrica <strong>do</strong> Lixo <strong>de</strong> Alguns Países (%) ................................ 34<br />
Quadro 3 - Componentes Mais Comuns da Composição Gravimétrica............................. 35<br />
Quadro 4 - Microrganismos Patogênicos nos Resíduos Sóli<strong>do</strong>s........................................ 38<br />
Quadro 5 - Materiais Separa<strong>do</strong>s nas Esteiras e Vendi<strong>do</strong>s aos Deposeiros....................... 63<br />
Quadro 6 - Distribuição da Área <strong>do</strong> Aterro Sanitário <strong>de</strong> Caucaia por Setor ....................... 66<br />
Quadro 7 - Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> RSD Destinadas ao ASMOC em 2006 e 2007 ........................ 68<br />
Quadro 8 - Materiais Recicláveis e Preços <strong>de</strong> Venda pela ASCAJAN............................... 72<br />
Quadro 9 - Composição <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> Trabalha<strong>do</strong>res Entrevista<strong>do</strong>s por Setor.................. 75<br />
Quadro 10 - Categorias Principais e Empíricas Construídas na Pesquisa ........................ 76
LISTA DE SÍMBOLOS E ABREVIATURAS<br />
ABNT - Associação Brasileira <strong>de</strong> Normas Técnicas<br />
ASCAJAN - Associação <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu<br />
ASMOC - Aterro Sanitário Metropolitano Oeste <strong>de</strong> Caucaia<br />
ASTEF - Associação Técnico-Científica Engenheiro Paulo <strong>de</strong> Frotin<br />
CNEN - Comissão Nacional <strong>de</strong> Energia Nuclear<br />
CONAMA - Conselho Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />
EMLURB - Empresa Municipal <strong>de</strong> Limpeza e Urbanização<br />
FUNASA - Fundação Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />
IBAM - Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Administração Municipal<br />
IBGE - Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística<br />
NBR - Norma Brasileira<br />
PET - PoliTereftalato <strong>de</strong> Etileno<br />
PNGRS - Política Nacional <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
PNSB - Plano Nacional <strong>de</strong> Saneamento Básico<br />
RAR - Resíduos <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Rurais<br />
RMF - Região Metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza<br />
RR - Rejeitos Radioativos<br />
RSD - Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares<br />
RSI - Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Industriais<br />
RSS - Resíduos <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />
RSU - Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Urbanos<br />
SEMACE - Superintendência Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />
SGRSD - Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares<br />
UFC - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará<br />
OPAS - Organização Pan-Americana <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>
RESUMO<br />
SANTOS, G. O. Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares, Ambiente e Saú<strong>de</strong>:<br />
(Inter)relações a partir da Visão <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong><br />
Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Fortaleza/CE. Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong>.<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Saú<strong>de</strong> Pública. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará,<br />
2008.<br />
Como um <strong>do</strong>s produtos finais da lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento hegemônica, <strong>do</strong><br />
crescimento populacional, <strong>do</strong>s avanços tecnológicos e <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> consumo, os<br />
Resíduos Sóli<strong>do</strong>s, comumente chama<strong>do</strong>s por lixo, constituem hoje um “problema”<br />
(direto ou indireto) para o ambiente e para a saú<strong>de</strong> pública. Nessa perspectiva, essa<br />
pesquisa teve por objetivo geral compreen<strong>de</strong>r as (inter)relações entre os Resíduos<br />
Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (RSD), o ambiente e a saú<strong>de</strong> a partir da visão <strong>de</strong> alguns<br />
trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> RSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE. Para tanto,<br />
realizamos revisão bibliográfica, levantamento <strong>de</strong> informações e imagens junto aos<br />
órgãos competentes e pesquisa <strong>de</strong> campo constan<strong>do</strong> <strong>de</strong> entrevistas semiestruturadas<br />
com diferentes segmentos <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res que lidam com os RSD:<br />
garis, cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu e da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> Jangurussu (ASCAJAN). Realizamos ainda registros fotográficos, contatos as<br />
comunida<strong>de</strong>s e observação direta. Após realização <strong>de</strong> 10 entrevistas, fizemos as<br />
transcrições e sistematizamos as informações chegan<strong>do</strong> às seguintes categoriais<br />
sobre as (inter)relações entre os RSD, o ambiente e a saú<strong>de</strong>: “O Trabalho, a Doença<br />
e a Saú<strong>de</strong>”, “Os Significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Lixo”, “Que Lixo é Esse?”, “O Lixo e o Ambiente”,<br />
“O Trabalho com o Lixo e a Socieda<strong>de</strong>” e “Do Lixo a um Novo Horizonte”. As<br />
perspectivas apresentadas pelos sujeitos mostraram um pouco <strong>do</strong> “lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
falam”. Assim, os garis entrevista<strong>do</strong>s falam <strong>de</strong> um lugar repleto <strong>de</strong> muito trabalho e<br />
esforço físico e marca<strong>do</strong> por más relações <strong>de</strong> trabalho. Os integrantes da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem falam <strong>de</strong> um lugar aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pelos órgãos competentes e socieda<strong>de</strong>,<br />
subordina<strong>do</strong> aos interesses <strong>de</strong> <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos e claramente propício à<br />
problemas ocupacionais. Já os membros da ASCAJAN falam <strong>de</strong> um lugar mais<br />
salubre, entretanto com ganhos relativos reduzi<strong>do</strong>s e que espera materiais<br />
recicláveis provenientes da solidarieda<strong>de</strong> alheia. Trabalhar com os RSD não tem,<br />
para os entrevista<strong>do</strong>s, uma única representação ou senti<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
características positivas ou negativas, da dialética inclusão/exclusão, saú<strong>de</strong>/<strong>do</strong>ença,<br />
orgulho/humilhação. Os <strong>de</strong>poimentos permitiram observar que há um cotidiano<br />
marca<strong>do</strong> por riscos ambientais e ocupacionais, omissão e/ou <strong>de</strong>spreparo <strong>do</strong>s órgãos<br />
competentes e da socieda<strong>de</strong> e ainda um trabalho que torna os envolvi<strong>do</strong>s cada vez<br />
mais invisíveis, além da produção <strong>de</strong> RSD representar negativos impactos<br />
ambientais e à saú<strong>de</strong> pública.<br />
Palavras-chaves: Saú<strong>de</strong> Ambiental, Resíduos Sóli<strong>do</strong>s, Meio Ambiente.
ABSTRACT<br />
SANTOS, G. O. Household Solid Residues, Environment and Health:<br />
inter(relations) from the view of the workers of the Management System of<br />
Solid Residues of Fortaleza/CE. Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong>. Programa <strong>de</strong> Pósgraduação<br />
em Saú<strong>de</strong> Pública. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará, 2008.<br />
As one of the final products of the hegemonic <strong>de</strong>velopment logic, of the the<br />
population growth, of the technological advan<strong>ce</strong>s and the increase in consumption,<br />
the Solid Waste, commonly called by garbage, today constitute a "problem" (direct or<br />
indirect) for the environment and public health. In this perspective, this research<br />
objectified un<strong>de</strong>rstand the (inter)relations among the Household Solid Waste (HSW),<br />
the environment and health from the view of some workers of the Management<br />
System of HSW of Fortaleza/CE. Thus, were ma<strong>de</strong> bibliographical review, survey of<br />
informations and images with the responsible sectors and field research containing<br />
semi-structured interviews with different segments of workers who <strong>de</strong>al with HSW:<br />
garbage collectors, recycled garbage pickers from the Jangurussu Recycling Plant<br />
and the Jangurussu Recycled Garbage Pickers Association (ASCAJAN).<br />
Photographic records, contacts with the communities and direct observation were<br />
ma<strong>de</strong>. After accomplishment of 10 interviews, the transcripts and systematization of<br />
the informations were effected resulting in the following categories about the<br />
(inter)relations among HSW, environment, and health: " The Labor, Disease and<br />
Health", "The Meanings of Garbage", "What is This Garbage?", "The Garbage and<br />
the Environment", "The Work with Garbage and the Society" and "From Garbage to a<br />
New Horizon". The perspectives presented by the interviewed ones showed a little of<br />
"the pla<strong>ce</strong> from where they speak". So, the garbage collectors speak of a pla<strong>ce</strong> full of<br />
hard work and physical effort and marked by bad working relations. The members of<br />
the Recycling Plant speak of a pla<strong>ce</strong> aban<strong>do</strong>ned by the relevant authorities and<br />
society, subordinated to the <strong>de</strong>posits owners' interests and clearly propitious to<br />
occupational problems. Already the members of ASCAJAN speak of a pla<strong>ce</strong> more<br />
salubrious, though with redu<strong>ce</strong>d earnings and that waits for recyclable materials from<br />
solidarity of others. Working with HSW <strong>do</strong>es not have, to the interviewed, a single<br />
representation or meaning, but have positives and negatives characteristics, the<br />
dialectic inclusion-exclusion, health/disease, pri<strong>de</strong>/humiliation. The testimony led to<br />
note that there is a daily marked by occupational and environmental risks, omissions<br />
and/or unpreparedness of the responsible sectors and society and also a job that<br />
makes the workers more invisible, beyond the production of HSW represents<br />
negative impacts, to the environment and to public health.<br />
Key-words: Environment Health, Solid Residues, Environment.
SUMÁRIO<br />
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1<br />
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................... 11<br />
3. A Questão <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s ................................................................... 18<br />
3.1 Consi<strong>de</strong>rações Iniciais ................................................................................. 18<br />
3.2 Resíduos Sóli<strong>do</strong>s: Um olhar complementar ................................................. 27<br />
3.2.1 Origens e Natureza <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s ........................................... 29<br />
3.2.2 Características <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s .................................................. 33<br />
4. RESULTADOS................................................................................................... 39<br />
4.1 O SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE......................................................................... 39<br />
4.2 A Ca<strong>de</strong>ia Produtiva <strong>de</strong> RSD em Fortaleza/CE.......................................... 53<br />
4.3 Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> os Entrevista<strong>do</strong>s e as Entrevistas ..................................... 73<br />
4.4 As Categorias Apreendidas ...................................................................... 75<br />
4.4.1 O Trabalho, a Doença e a Saú<strong>de</strong> ....................................................... 76<br />
4.4.1.1 Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho ................................................................ 76<br />
4.4.1.2 Trabalhan<strong>do</strong> e A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong>............................................................. 88<br />
4.4.1.3 A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> e Buscan<strong>do</strong> a Cura ..................................................... 93<br />
4.4.2 Os Significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Lixo ..................................................................... 96<br />
4.4.2.1 O Lixo como Perigo ....................................................................... 96<br />
4.4.2.2 O Lixo como Meio <strong>de</strong> Sobrevivência ............................................. 99<br />
4.4.2.3 O Trabalho com o Lixo como Ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong> ................................... 104<br />
4.4.3 Que Lixo é Esse? ................................................................................ 105<br />
4.4.4 O Lixo e o Ambiente ........................................................................... 113<br />
4.4.5 O Trabalho com o Lixo e a Socieda<strong>de</strong> .............................................. 120<br />
4.4.6 Do Lixo a um Novo Horizonte ............................................................ 124
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 128<br />
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................. 132<br />
Apêndi<strong>ce</strong> 1 - Formulário <strong>de</strong> Conhecimento Geral <strong>do</strong>s Entrevista<strong>do</strong>s ..................... 147<br />
Apêndi<strong>ce</strong> 2 - Roteiro da Entrevista Semi-estruturada ............................................ 148<br />
Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre e Esclareci<strong>do</strong>........................................................ 149
1. INTRODUÇÃO<br />
O crescimento populacional registra<strong>do</strong> na última meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século,<br />
acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong>s avanços tecnológicos e <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> consumo gerou (e ainda<br />
gera) uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s 1 , que <strong>de</strong>mandam<br />
tratamento e/ou disposição a<strong>de</strong>quada para se evitar problemas (diretos ou indiretos)<br />
ambientais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, algumas alternativas 2 vêm sen<strong>do</strong> estudadas e aplicadas, no<br />
âmbito nacional, com o objetivo <strong>de</strong> tratar e/ou dispor a<strong>de</strong>quadamente os resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntre as quais mere<strong>ce</strong>m <strong>de</strong>staque a reciclagem (para a fração inorgânica<br />
existente nos resíduos sóli<strong>do</strong>s), a compostagem (para a fração orgânica), a<br />
incineração, pirólise ou microondas (para os resíduos sépticos) e o aterramento<br />
sanitário (para os resíduos <strong>do</strong>miciliares).<br />
Apesar <strong>de</strong>ssas alternativas, várias cida<strong>de</strong>s fazem uso <strong>de</strong> lixões 3 para dispor<br />
seus resíduos sóli<strong>do</strong>s, mas tal opção não é recomendável pelos conheci<strong>do</strong>s<br />
problemas <strong>de</strong> contaminação ao ambiente <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> chorume 4 (líqui<strong>do</strong> gera<strong>do</strong><br />
pela <strong>de</strong>gradação anaeróbica <strong>do</strong> material orgânico existente nos resíduos sóli<strong>do</strong>s e<br />
<strong>de</strong> fortes características físico-químicas e biológicas) - e <strong>do</strong>s gases, especialmente<br />
dióxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono (CO2) e metano (CH4), provenientes da digestão <strong>do</strong>s resíduos.<br />
1 O termo “resíduos sóli<strong>do</strong>s” permite mudar a relação entre as pessoas e o que <strong>de</strong>scartam. Favore<strong>ce</strong> enten<strong>de</strong>r, entre outras<br />
coisas, que o <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> por um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grupo social po<strong>de</strong> ter valor para outro e não traz a idéia <strong>de</strong> ‘sujeira’, <strong>de</strong> ‘rejeito’<br />
ou mesmo ‘pejorativa’ que o termo “lixo” carrega. Foi <strong>do</strong> nosso interesse sempre utilizar o termo “resíduos sóli<strong>do</strong>s” pelos<br />
motivos acima, mesmo ouvin<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguns entrevista<strong>do</strong>s o termo “lixo”. É importante <strong>de</strong>stacar que o dis<strong>ce</strong>rnimento entre esses<br />
con<strong>ce</strong>itos não está claro na literatura, pois muitos autores, inclusive alguns li<strong>do</strong>s aqui, não fazem essa distinção con<strong>ce</strong>itual e,<br />
por vezes, fazem uma simples alternância entre tais termos. Nobre diferenciação con<strong>ce</strong>itual é feita, por exemplo, por Abreu<br />
(2001), Zaneti (2006) e Pereira Neto (2007).<br />
2 Falamos das alternativas utilizadas para a “resolução da questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s” porque é muito comum encontrá-las<br />
sob esse olhar na literatura e porque o “la<strong>do</strong> tecnológico” tem sempre ocupa<strong>do</strong> lugar privilegia<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o tema é ambiental,<br />
notadamente quan<strong>do</strong> se fala na questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s. Entretanto, acreditamos que a temática aqui discutida exige uma<br />
mudança <strong>de</strong> olhar, <strong>de</strong> <strong>educação</strong> e da própria cultura, <strong>de</strong> forma individual e coletiva, se não quisermos sempre remediar e sim<br />
prevenir, pensan<strong>do</strong> na perspectiva da sustentabilida<strong>de</strong>, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e no “cuidar da Terra”, trazida por Boff (2003).<br />
3 Segun<strong>do</strong> Castilhos Júnior et al (2003), o <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s a céu aberto ou lixão é uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>posição<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada sem compactação ou cobertura <strong>do</strong>s resíduos, o que propicia a poluição <strong>do</strong> solo, ar e água, bem como a<br />
proliferação <strong>de</strong> vetores <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças. Provavelmente, o lixão representa o mo<strong>do</strong> mais primitivo para a <strong>de</strong>stinação <strong>do</strong>s resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s, por não consi<strong>de</strong>rar os impactos ambientais gera<strong>do</strong>s nem o risco à saú<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s (SANTOS, 2007). Do ponto<br />
<strong>de</strong> vista econômico, as cida<strong>de</strong>s ou regiões que ainda possuem este tipo <strong>de</strong> disposição <strong>de</strong> resíduos po<strong>de</strong>m per<strong>de</strong>r atrativida<strong>de</strong><br />
nos investimentos priva<strong>do</strong>s, particularmente na área <strong>do</strong> turismo como bem lembrou BNB (1999). Além disso, acabam excluídas<br />
da lista internacional <strong>de</strong> financiamento, pois se encontram fora da lógica da Agenda 21 e <strong>do</strong> Mecanismo <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Limpo (MDL) por possuir um sistema tão rudimentar para tratar seus resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
4<br />
A con<strong>ce</strong>ntração média <strong>do</strong> valor poluente <strong>do</strong> chorume chega a ser <strong>de</strong>z vezes mais superior ao valor poluente <strong>do</strong> esgoto<br />
<strong>do</strong>miciliar (PEREIRA NETO, 2007).<br />
1
Apesar <strong>de</strong>sse reconhecimento, 63,6% <strong>do</strong>s municípios <strong>do</strong> Brasil dispõem seus<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s em lixão conforme o Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística -<br />
IBGE (2002). Na mesma situação, apenas oito municípios 5 <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ceará -<br />
que produz 10.150,5 toneladas/dia - Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Maranguape,<br />
Pacatuba, Aquiraz, Eusébio e Sobral - não utilizam lixão como “alternativa” para<br />
<strong>de</strong>stino final <strong>do</strong>s seus resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, o tema “resíduos sóli<strong>do</strong>s” não tem re<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong> a atenção<br />
ne<strong>ce</strong>ssária por parte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público da maioria <strong>do</strong>s municípios brasileiros e<br />
<strong>ce</strong>arenses e, com isso, “[...] compromete-se cada vez mais a já combalida saú<strong>de</strong> da<br />
população, bem como se <strong>de</strong>gradam os recursos naturais, especialmente o solo e os<br />
recursos hídricos” (INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL -<br />
IBAM, 2001, p.1).<br />
Contraditoriamente:<br />
A responsabilida<strong>de</strong> pela proteção <strong>do</strong> meio ambiente, pelo combate à<br />
poluição e pela oferta <strong>de</strong> saneamento básico a to<strong>do</strong>s os cidadãos<br />
brasileiros está prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>ixa ainda, a cargo<br />
<strong>do</strong>s municípios, legislar sobre assuntos <strong>de</strong> interesse local e <strong>de</strong> organização<br />
<strong>do</strong>s serviços públicos. Por isto, e por tradição, a gestão da limpeza urbana<br />
e <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s gera<strong>do</strong>s em seu território é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
municípios (IBGE, 2002, p.49).<br />
Portanto, a estrutura constitucional <strong>do</strong> município brasileiro assegura ao nível<br />
local a autonomia para organizar seus serviços públicos, em especial, com relação à<br />
<strong>de</strong>stinação final <strong>de</strong> seus resíduos sóli<strong>do</strong>s. Porém, fica na responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> a fiscalização ambiental e na responsabilida<strong>de</strong> da União, a <strong>de</strong>finição das<br />
normas gerais como nos trouxe BANCO DO NORDESTE DO BRASIL - BNB (1999).<br />
Apesar da responsabilida<strong>de</strong>, observamos na literatura - Acurio et al (1997),<br />
Cal<strong>de</strong>roni (1999), IBAM (2001), IBGE (2002), Castilhos Júnior et al (2003), Mota<br />
(2003), Alves et al (2006), Santos et al (2006), Zaneti (2006), Santos (2007), - que a<br />
maioria <strong>do</strong>s municípios brasileiros encontra-se fragiliza<strong>do</strong> (técnica e<br />
finan<strong>ce</strong>iramente), a ponto <strong>de</strong> não conseguir a<strong>do</strong>tar nenhuma alternativa <strong>de</strong><br />
5<br />
Informação verbal conseguida com um técnico da Superintendência Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente (SEMACE) em entrevista<br />
realizada.<br />
2
tratamento e/ou disposição a<strong>de</strong>quada para suas inúmeras toneladas <strong>de</strong> resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s, nem <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong>s educativas e voltadas, por exemplo, à ”não-<br />
geração” com suas comunida<strong>de</strong>s.<br />
Na perspectiva <strong>de</strong> Sisinno (2002, p.13):<br />
Ainda segun<strong>do</strong> a autora:<br />
[...] as prefeituras - responsáveis pela coleta, transporte e <strong>de</strong>stino final <strong>do</strong>s<br />
resíduos produzi<strong>do</strong>s nas cida<strong>de</strong>s - muitas vezes esbarram na <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong><br />
verbas e <strong>de</strong> preparo técnico <strong>de</strong> seus funcionários, além da falta <strong>de</strong><br />
cobrança por parte da população e <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política, uma vez que<br />
muitos políticos consi<strong>de</strong>ram que lixo não dá voto.<br />
Muitas prefeituras, órgãos <strong>de</strong> fiscalização ambiental e companhias <strong>de</strong><br />
limpeza urbana estão <strong>de</strong>sprepara<strong>do</strong>s para o levantamento e organização<br />
<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s sobre a produção e <strong>de</strong>stino <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos e<br />
industriais (SISINNO, 2002, p.14).<br />
Sob tais perspectivas, os resíduos sóli<strong>do</strong>s, especialmente os <strong>de</strong> origem<br />
<strong>do</strong>miciliar 6 , se tornam um gran<strong>de</strong> problema ambiental e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública para a<br />
maioria <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e cida<strong>de</strong>s brasileiras, assumin<strong>do</strong> uma magnitu<strong>de</strong> alarmante e<br />
que se agrava cada vez mais com o crescimento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> das cida<strong>de</strong>s, a<br />
utilização predatória da natureza e a manutenção <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> consumo<br />
insustentáveis.<br />
A socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna vive, portanto, um para<strong>do</strong>xo; ao mesmo tempo em<br />
que aumenta a preocupação com o esgotamento <strong>do</strong>s recursos naturais,<br />
que é pouco disseminada, permane<strong>ce</strong> o encorajamento <strong>do</strong>s hábitos <strong>de</strong><br />
consumo indiscrimina<strong>do</strong>s, veicula<strong>do</strong>s especialmente pelos meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, com eleva<strong>do</strong> potencial <strong>de</strong> impacto em nível global<br />
e intergeracional (BNB, 1999, p.230).<br />
Comungam com essa discussão outros autores, <strong>de</strong>ntre os quais mere<strong>ce</strong>m<br />
<strong>de</strong>staque Freire Dias (2003) e Porto (2007). O primeiro autor postula que:<br />
[...] esse <strong>ce</strong>nário nos conduziu a uma situação <strong>de</strong> autêntica emergência<br />
planetária, marcada por toda uma série <strong>de</strong> graves problemas estreitamente<br />
relaciona<strong>do</strong>s: contaminação e <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s ecossistemas, esgotamento<br />
6 Falamos aqui <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares porque eles foram o “foco” <strong>de</strong>ssa pesquisa, mas fizemos breves<br />
consi<strong>de</strong>rações sobre os <strong>de</strong>mais tipos <strong>de</strong> resíduos no referencial teórico da pesquisa.<br />
3
<strong>de</strong> recursos ambientais, conflitos <strong>de</strong>strutivos, perda <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />
biológica e cultural (FREIRE DIAS, 2003, p.66).<br />
Já Porto (2007, p.43) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que:<br />
[...] a atual civilização vive uma época extremamente contraditória, em que<br />
se <strong>de</strong>stacam opostos radicais: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a produção abundante <strong>de</strong><br />
riquezas materiais com o potencial <strong>de</strong> livrar a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
mazelas e misérias; <strong>de</strong> outro, a con<strong>ce</strong>ntração mesquinha <strong>de</strong> riquezas<br />
acompanhada da miséria humana e da <strong>de</strong>gradação sócio-ambiental.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Porto (2007, p.43-44),<br />
Alcançamos um estágio <strong>de</strong> conhecimento técnico-científico e circulação <strong>de</strong><br />
informações que, em tese, possibilitariam níveis <strong>de</strong> organização social e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano em extensões inimagináveis em qualquer<br />
perío<strong>do</strong> histórico passa<strong>do</strong>, que permitiriam libertar o ser humano da fome e<br />
das privações materiais mais prementes. Entretanto, os problemas sociais<br />
e ambientais tornam-se cres<strong>ce</strong>ntemente mais abrangentes, complexos e<br />
ameaça<strong>do</strong>res.<br />
Inserida nesse <strong>ce</strong>nário e, semelhante às gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras,<br />
Fortaleza/CE apresenta crônicos problemas urbanos, ambientais e <strong>de</strong> saneamento<br />
que <strong>de</strong>safiam, numa perspectiva ampliada, tanto as gestões municipais quanto a<br />
socieda<strong>de</strong>. Seu alarmante “inchaço” urbano soma<strong>do</strong> à especulação imobiliária, por<br />
exemplo, provocam uma ex<strong>ce</strong>ssiva impermeabilização <strong>do</strong>s solos, <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong><br />
áreas ver<strong>de</strong>s e aterramento <strong>de</strong> recursos hídricos.<br />
Além <strong>de</strong>sses problemas, a gestão sócio-ambiental <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Domiciliares (RSD) gera<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE representa outro grave <strong>de</strong>safio.<br />
Conforme o IBGE (2002) são produzidas diariamente 2.375 toneladas na cida<strong>de</strong>,<br />
porém, informações obtidas apontam para 3.000 toneladas/dia 7 .<br />
Para tratar e/ou dispor a<strong>de</strong>quadamente tais resíduos, Fortaleza/CE dispõe,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998, <strong>de</strong> um Sistema 8 <strong>de</strong> Gerenciamento forma<strong>do</strong> por Coleta Domiciliar,<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem e Aterramento Sanitário. Na operação <strong>de</strong>sse sistema, muitos<br />
trabalha<strong>do</strong>res são mobiliza<strong>do</strong>s diariamente e submeti<strong>do</strong>s ao contato diário (direto ou<br />
7 Informação verbal obtida junto ao atual diretor da Empresa Municipal <strong>de</strong> Limpeza Urbana (EMLURB).<br />
8 Utilizamos o termo “Sistema” porque esta é a expressão usada pela gestão pública local responsável pela temática <strong>do</strong>s<br />
Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (RSD). Observamos, inclusive, que esse termo é emprega<strong>do</strong> pela gestão pública para <strong>de</strong>signar<br />
o “caminho <strong>do</strong>s RSD”, ou seja, on<strong>de</strong> os resíduos são dispostos pela população, como são coleta<strong>do</strong>s e para on<strong>de</strong> são envia<strong>do</strong>s,<br />
portanto, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que a expressão “serviço” - no lugar <strong>de</strong> “sistema” - seria mais apropriada.<br />
4
indireto) com diversos tipos <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s e pouco se conhe<strong>ce</strong> sobre as<br />
repercussões <strong>de</strong>sses resíduos na saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas pessoas e no ambiente.<br />
Os RSD, por conterem uma par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> cada material que chega ao interior<br />
das residências (absorventes higiênicos, lenços <strong>de</strong> papel, fraldas, sobras <strong>de</strong><br />
alimentos, pilhas, baterias, óleos, vasilhames <strong>de</strong> solventes, tintas, produtos <strong>de</strong><br />
limpeza, cosméticos, remédios, vidros, papéis, plásticos, metais, etc.) po<strong>de</strong>m abrigar<br />
um amplo espectro <strong>de</strong> organismos patogênicos, elementos tóxicos ou serem por si<br />
só um risco para a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res que realizam a coleta, a segregação, o<br />
transporte ou mesmo o aterramento sanitário.<br />
Apesar <strong>de</strong>ste reconhecimento, são escassas as pesquisas realizadas na<br />
capital <strong>ce</strong>arense sobre o assunto. Isto se dá, em parte, pelo fato <strong>de</strong> existirem poucos<br />
<strong><strong>ce</strong>ntro</strong>s <strong>de</strong> pesquisas que lidam com a questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s municipais, e<br />
também pelo fato <strong>de</strong> que, na maioria das vezes, os trabalhos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s -<br />
Marques (1999), Filho (2001), Soares (2004) e Firmeza (2005) - não voltaram seus<br />
objetivos para esse “olhar”, ou seja, para a tría<strong>de</strong> RSD-ambiente-saú<strong>de</strong>.<br />
Sob tal <strong>ce</strong>nário, esta pesquisa se apresenta como relevante por:<br />
i) preencher parte da lacuna <strong>de</strong>ixada na literatura pertinente, notadamente na local;<br />
ii) proporcionar que seus resulta<strong>do</strong>s sirvam <strong>de</strong> apoio à formulação <strong>de</strong> um novo<br />
sistema <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> resíduos ou ao aprimoramento <strong>do</strong> existente;<br />
iii) fomentar reflexões para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas volta<strong>do</strong>s à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s no “trabalho com o lixo 9 ”<br />
iv) forne<strong>ce</strong>r e sistematizar to<strong>do</strong> um histórico da problemática <strong>do</strong>s RSD <strong>de</strong><br />
Fortaleza/CE em termos <strong>de</strong> ambiente e saú<strong>de</strong> importante para práticas <strong>de</strong> <strong>educação</strong><br />
ambiental.<br />
9 Utilizamos aqui a expressão ‘trabalho com o lixo” porque ela é comum à gestão pública local. Portanto, o termo “Resíduos<br />
Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares - RSD” não é utiliza<strong>do</strong> e isso significa, na melhor das hipóteses, que a gestão pública possui uma arcaica<br />
visão a<strong>ce</strong>rca daquilo que é <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> pela população, que to<strong>do</strong> o universo <strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong>s inerentes à ca<strong>de</strong>ia produtiva<br />
<strong>do</strong>s RSD é <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong> e que o início <strong>de</strong> uma nova cultura sobre “os ex<strong>ce</strong>ssos” não tem apoio público.<br />
5
Nesse senti<strong>do</strong>, os problemas advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s RSD são aqueles que po<strong>de</strong>m<br />
causar impactos negativos (diretos ou indiretos) ao ar, solo, água, fauna, flora e a<br />
saú<strong>de</strong> humana. Portanto, “os resíduos não <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>s no estu<strong>do</strong> da<br />
estrutura epi<strong>de</strong>miológica, uma vez que pela sua variada composição, po<strong>de</strong>m conter<br />
agentes biológicos patogênicos e/ou substâncias químicas que po<strong>de</strong>m alcançar o<br />
ser humano” (SISINNO, 2002, p.35).<br />
A qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida humana po<strong>de</strong> ser afetada pelos RSD <strong>de</strong> várias formas:<br />
quan<strong>do</strong> os RSD transmitem <strong>do</strong>enças diretamente ou por vetores abriga<strong>do</strong>s; quan<strong>do</strong><br />
causam aci<strong>de</strong>ntes (tanto terrestres quanto marítimos e aéreos); quan<strong>do</strong> a<strong>de</strong>ntram<br />
nas residências em <strong>de</strong>corrências <strong>de</strong> inundações; quan<strong>do</strong> exalam o<strong>do</strong>res ao se<br />
<strong>de</strong>gradarem; quan<strong>do</strong> os RSD são ingeri<strong>do</strong>s pelas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res e;<br />
quan<strong>do</strong> esses resíduos limitam a aquisição <strong>de</strong> recursos para o município em<br />
<strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> <strong>de</strong>scaso com o tema.<br />
A Figura 1 traz um esquema das vias <strong>de</strong> contato lixo-homem segun<strong>do</strong> Heller<br />
(1998) e sinteticamente explica as trajetórias a partir das quais po<strong>de</strong> ocorrer<br />
transmissão <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças oriundas da disposição ina<strong>de</strong>quada <strong>do</strong> RSD. Notamos que,<br />
dada à diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vias e, especialmente, a ação <strong>do</strong>s vetores - biológicos e<br />
mecânicos - o raio <strong>de</strong> influência <strong>do</strong>s resíduos é muito extenso.<br />
Figura 1 - Esquemas das vias <strong>de</strong> contato homem-lixo.<br />
Fonte: NAJM (s.d.) apud Heller (1998) /(*) Adapta<strong>do</strong> por Heller.<br />
6
O Quadro 1 apresenta toda uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vetores e enfermida<strong>de</strong>s<br />
relacionadas aos resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
Quadro 1 - Vetores e Enfermida<strong>de</strong>s relacionadas aos Resíduos Sóli<strong>do</strong>s.<br />
Vetores Forma <strong>de</strong> Transmissão Enfemida<strong>de</strong>s<br />
Rato e Pulga<br />
Mosca<br />
Mosquito<br />
Barata<br />
Ga<strong>do</strong> e Porco<br />
Mordida, urina, fezes e picada<br />
Asas, patas, corpo, fezes e saliva<br />
Picada<br />
Leptospirose, Peste<br />
Bubônica, Tifo murino<br />
Febre tifói<strong>de</strong>, Cólera,<br />
Amebíase, Disenteria,<br />
Giardíase, Ascaridíase<br />
Malária, Febre amarela,<br />
Dengue, Leishimaniose<br />
Febre tifói<strong>de</strong>, Cólera,<br />
Asas, patas, corpo e fezes<br />
Giardíase<br />
Ingestão <strong>de</strong> carne contaminada Teníase, Cisti<strong>ce</strong>rcose<br />
Cão e Gato Urina e fezes Toxoplasmose<br />
Fonte: Adapta<strong>do</strong> <strong>de</strong> FUNASA (1999).<br />
“Além <strong>de</strong>stes vetores, os urubus que são atraí<strong>do</strong>s pela matéria orgânica em<br />
<strong>de</strong>composição encontrada no lixo po<strong>de</strong>m albergar o agente da toxoplasmose”<br />
(LEITE, ROCHA e VENÂNCIO, 1990 apud SISINNO, 2002), constituin<strong>do</strong>-se<br />
igualmente em um risco para as aeronaves que circulam nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> áreas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo <strong>de</strong> RSD.<br />
Esse risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte com aviões soma<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>scaso com o <strong>de</strong>stino final<br />
<strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s fez com que Fortaleza, por exemplo, adiasse em 01 ano a<br />
construção <strong>do</strong> Aeroporto Internacional Pinto Martins porque os organismos<br />
internacionais <strong>de</strong> financiamento não liberavam o dinheiro enquanto a cida<strong>de</strong> não<br />
resolvesse a questão <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu - situa<strong>do</strong> em plena área urbana.<br />
“Alguns estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s no Brasil têm aponta<strong>do</strong> para uma possível<br />
Associação entre o manejo ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos e o aumento <strong>de</strong><br />
eventos mórbi<strong>do</strong>s, notadamente diarréia e parasitoses intestinais, em crianças”<br />
(CATAPRETA e HELLER, 1999 apud RÊGO, BARRETO e KILLINGER, 2002).<br />
7
Cabe observar que os problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> associa<strong>do</strong>s aos RSD ou mesmo<br />
as vias <strong>de</strong> contato se potencializam quan<strong>do</strong> lembramos das populações resi<strong>de</strong>ntes<br />
nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lixões ou aterros sanitários, pois a gran<strong>de</strong> maioria vive em<br />
precárias habitações e são submetidas a problemas sanitários 10 e ambientais.<br />
Refletin<strong>do</strong> sobre esse <strong>ce</strong>nário Sisinno (2002, p.36) nos traz que:<br />
To<strong>do</strong>s esses problemas influenciam negativamente a saú<strong>de</strong> das<br />
populações resi<strong>de</strong>ntes nas proximida<strong>de</strong>s das áreas <strong>de</strong> disposição <strong>de</strong><br />
resíduos: populações que muitas vezes já se encontravam no local antes<br />
<strong>do</strong> início da instalação <strong>de</strong>ssas áreas ou se mudaram para as re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>zas<br />
<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> moradia.<br />
Ozonoff, Colten e Cupples (1987) apud Sisinno (2002) <strong>de</strong>monstraram como<br />
resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu estu<strong>do</strong> em mora<strong>do</strong>res resi<strong>de</strong>ntes nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> várias áreas<br />
<strong>de</strong> disposição <strong>de</strong> resíduos perigosos que estes apresentavam maior incidência <strong>de</strong><br />
sintomas respiratórios (respiração ofegante, tosse, resfria<strong>do</strong>s persistentes, etc.),<br />
problemas cardíacos e casos <strong>de</strong> anemia, compara<strong>do</strong>s com um grupo controle,<br />
localiza<strong>do</strong> mais afasta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas áreas.<br />
Observamos em Acurio et al (1997) sete principais problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
associa<strong>do</strong>s às substâncias presentes nos locais <strong>de</strong> disposição <strong>de</strong> resíduos<br />
perigosos: i) anomalias imunológicas; ii) cân<strong>ce</strong>r; iii) danos ao aparelho reprodutor e<br />
<strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> nas<strong>ce</strong>nça; iv) <strong>do</strong>enças respiratórias e pulmonares; v) problemas<br />
hepáticos; vi) problemas neurológicos e; vii) problemas renais. Ainda segun<strong>do</strong> os<br />
autores, os problemas que mais preocupam as comunida<strong>de</strong>s afetadas pela<br />
disposição <strong>de</strong> resíduos perigosos são: cân<strong>ce</strong>r, efeitos neurológicos e <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong><br />
nas<strong>ce</strong>nça.<br />
Outras formas <strong>de</strong> abordar a temática <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s foram encontradas<br />
nos trabalhos <strong>de</strong> Marques (1999) e Firmeza (2005), que analisaram aos RSD sob a<br />
dimensão da reciclagem; Filho (2001) e Soares (2004), que con<strong>ce</strong>beram o mesmo<br />
assunto sob o foco da <strong>de</strong>stinação final e da gestão; Vieira (2004) e Santos et al<br />
10 Segun<strong>do</strong> a Organização Pan-Americana <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - OPAS (1999) os problemas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências no saneamento<br />
básico seguem minan<strong>do</strong> a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas na América Latina e Caribe: a diarréia ainda é responsável pela morte<br />
<strong>de</strong> 80.000 crianças/ano na região enquanto que a combinação <strong>de</strong> água potável e esgotamento sanitário com <strong>educação</strong><br />
sanitária po<strong>de</strong> reduzir 25% <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> diarréia, 29% <strong>de</strong> ascaridíase e 55% da mortalida<strong>de</strong> infantil em geral.<br />
8
(2006), que trataram da questão <strong>do</strong>s RSD sob a dimensão da <strong>educação</strong> ambiental;<br />
Ensinas (2003) e Alves et al (2006), que trabalharam a questão <strong>do</strong>s RSD sob o foco<br />
da geração <strong>de</strong> energia.<br />
Além <strong>do</strong>s trabalhos cita<strong>do</strong>s, observamos outras publicações sobre a temática<br />
<strong>do</strong>s RSD: as que trazem consi<strong>de</strong>rações sobre o comportamento das pessoas em<br />
relação aos resíduos que produzem como nos trouxe Bursztyn (2003), Zaneti (2006)<br />
e Pereira Neto (2007).<br />
Observamos que há uma linha unin<strong>do</strong> os autores no que diz respeito à<br />
afirmação <strong>de</strong> que as pessoas a<strong>do</strong>tam posturas <strong>de</strong> ‘rejeição’ e/ou ‘<strong>de</strong>sprezo’ em<br />
relação ao que chamam <strong>de</strong> “lixo” ou aquilo que ‘põem para fora das suas<br />
residências’. É como se cada ser humano tivesse em seu imaginário a idéia <strong>de</strong> que<br />
os RSD representam aquilo que ‘não presta mais’, que <strong>de</strong>ve ser afasta<strong>do</strong> o mais<br />
rápi<strong>do</strong> possível da sua frente ou que ‘alguém <strong>de</strong>ve cuidar’, etc.<br />
Cabe lembrar que um <strong>do</strong>s frutos <strong>de</strong>sse olhar, na socieda<strong>de</strong> vigente, é o<br />
comportamento que as pessoas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, a<strong>do</strong>tam para com os trabalha<strong>do</strong>res<br />
envolvi<strong>do</strong>s na coleta seletiva (chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res) e para com os envolvi<strong>do</strong>s na<br />
coleta formal <strong>de</strong> RSD (chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> garis 11 ); comportamento <strong>de</strong> ‘estigmatização’ -<br />
que seria, conforme enten<strong>de</strong>mos em Nascimento (2003), uma situação na qual o<br />
indivíduo está inabilita<strong>do</strong> para a a<strong>ce</strong>itação social plena.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, grupos específicos <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res estão diariamente em<br />
contato com ‘aquilo que os outros não querem mais’, portanto, lidan<strong>do</strong> com “as<br />
sobras“ (Zaneti, 2006) - que conferem riscos à saú<strong>de</strong> - e sofren<strong>do</strong> as conseqüências<br />
- a exemplo <strong>do</strong> precon<strong>ce</strong>ito - <strong>de</strong>sse trabalho.<br />
Foi refletin<strong>do</strong> sobre essas questões que tivemos o interesse em <strong>de</strong>senvolver<br />
essa pesquisa sob a seguinte pergunta <strong>de</strong> partida: como alguns trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
11 A <strong>de</strong>nominação gari, dada aos coletores <strong>de</strong> lixo, surgiu na década <strong>de</strong> 40, com a empresa "Irmãos Gari", que prestava<br />
serviços <strong>de</strong> coleta e transporte <strong>de</strong> lixo até seu <strong>de</strong>stino final. Em função <strong>de</strong>ste trabalho e sua permanência nesta execução, os<br />
coletores <strong>de</strong> lixo passaram a ser chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Garis, e esta <strong>de</strong>nominação, ainda, perpetua em to<strong>do</strong> o Brasil (FERREIRA DOS<br />
SANTOS, 1999). É importante dizer que outra <strong>de</strong>nominação dada a estes trabalha<strong>do</strong>res é a <strong>de</strong> "lixeiro", que, ao nosso ver,<br />
vulgariza a ativida<strong>de</strong> profissional exercida, pois traz um núcleo simbólico <strong>de</strong>preciativo.<br />
9
Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (SGRDS) <strong>de</strong><br />
Fortaleza/CE compreen<strong>de</strong>m as (inter)relações entre os RSD, o ambiente e sua<br />
saú<strong>de</strong>?<br />
Para buscar respon<strong>de</strong>r a esta pergunta construiu-se uma meto<strong>do</strong>logia<br />
baseada em entrevistas com alguns garis e cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong><br />
Jangurussu e <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res, porque acreditamos que eles são<br />
pessoas que conhe<strong>ce</strong>m e compreen<strong>de</strong>m profundamente essa realida<strong>de</strong>, pois a<br />
vivenciam diariamente e diretamente.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, o objetivo geral <strong>de</strong>ssa pesquisa foi compreen<strong>de</strong>r as<br />
inter(relações) entre os RSD, o ambiente e a saú<strong>de</strong> a partir da visão <strong>de</strong> alguns<br />
trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE.<br />
Com relação aos objetivos específicos buscamos:<br />
• Resgatar o histórico <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE;<br />
• Esboçar a ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>do</strong>s RSD da capital <strong>ce</strong>arense;<br />
• I<strong>de</strong>ntificar algumas características <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s garis e cata<strong>do</strong>res;<br />
• Conhe<strong>ce</strong>r a visão <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s em relação aos RSD, o ambiente e a saú<strong>de</strong>.<br />
O trabalho está estrutura<strong>do</strong> nos seguintes itens principais: no ponto 1<br />
trouxemos essa introdução (com um pouco da apresentação <strong>do</strong> problema, da<br />
justificativa, objetivos e relevância <strong>do</strong> trabalho), no ponto 2 trouxemos os<br />
pro<strong>ce</strong>dimentos meto<strong>do</strong>lógicos, no ponto 3 uma breve revisão da literatura, no ponto<br />
4 os resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s (com o histórico da questão <strong>do</strong>s RSD, com o estu<strong>do</strong> da<br />
ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>do</strong>s RSD, com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> algumas características <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso<br />
<strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s garis e cata<strong>do</strong>res e com a visão <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s). No ponto 5<br />
trouxemos as consi<strong>de</strong>rações finais e sugestões <strong>de</strong> trabalhos futuros e no ponto 6 as<br />
referências.<br />
10
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS<br />
O primeiro momento da pesquisa envolveu a realização da revisão<br />
bibliográfica, por meio da qual foi possível con<strong>ce</strong>ituar e inter-relacionar os três<br />
gran<strong>de</strong>s eixos temáticos <strong>de</strong>sta pesquisa, quais sejam: trabalho com os RSD,<br />
ambiente e saú<strong>de</strong>.<br />
A realização <strong>de</strong>sse primeiro momento foi importante por ter proporciona<strong>do</strong> um<br />
melhor entendimento <strong>do</strong>s acha<strong>do</strong>s ou observações com aquele(a)s existentes da<br />
literatura, contribuí<strong>do</strong> no recorte <strong>do</strong> objeto e inspiran<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finição da meto<strong>do</strong>logia.<br />
Tal momento representa uma ativida<strong>de</strong> imprescindível em pesquisas qualitativas sob<br />
o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Glazier e Powell (1992) e Dias (2000). Além disso, o trabalho <strong>de</strong><br />
pesquisa bibliográfica evitou que os acha<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta pesquisa ficassem separa<strong>do</strong>s da<br />
totalida<strong>de</strong>, o que é relevante em meto<strong>do</strong>logias qualitativas segun<strong>do</strong> Haguette (1995).<br />
Pelo dito acima, esta pesquisa é qualitativa, a qual, na visão <strong>de</strong> Moreira<br />
(2002, p.44) “trabalha com discursos, textos, sons, imagens, símbolos, abdican<strong>do</strong><br />
total ou quase totalmente das abordagens matemáticas no tratamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s”.<br />
Aprofundan<strong>do</strong> esse olhar Minayo et al (1994, p.22) nos traz que:<br />
[...] a meto<strong>do</strong>logia qualitativa trabalha com um universo <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s,<br />
motivos, aspirações, crenças, valores e atitu<strong>de</strong>s, o que correspon<strong>de</strong> a um<br />
espaço mais profun<strong>do</strong> das relações, <strong>do</strong>s pro<strong>ce</strong>ssos e <strong>do</strong>s fenômenos que<br />
não po<strong>de</strong>m ser reduzi<strong>do</strong>s à operacionalização <strong>de</strong> variáveis.<br />
Da mesma forma, Silva e Menezes (2002, p.20) afirmam que “na pesquisa<br />
qualitativa há uma relação dinâmica entre o mun<strong>do</strong> real e o sujeito, isto é, um vínculo<br />
indissociável entre o mun<strong>do</strong> objetivo e a subjetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito que não po<strong>de</strong> ser<br />
traduzi<strong>do</strong> em números”.<br />
Minayo et al (1994, p.24) nos trazem que:<br />
Ao aprofundar-se no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s das ações e relações<br />
humanas a pesquisa qualitativa possibilita uma apreensão/aproximação <strong>de</strong><br />
fenômenos inscritos no mun<strong>do</strong> real que muitas vezes passam<br />
<strong>de</strong>saper<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong>s em outros tipos <strong>de</strong> pesquisas científicas<br />
11
Alves-Mazzotti e Gewandsznaj<strong>de</strong>r (2002) nos trazem ainda uma leitura<br />
complementar sobre a meto<strong>do</strong>logia aqui empregada. Segun<strong>do</strong> os autores ela “se<br />
caracteriza pelo fato <strong>de</strong> seguir a tradição compreensivo-interpretativo, que no<br />
contexto das ciências sociais, se coloca como mo<strong>de</strong>lo alternativo ao positivismo”. Tal<br />
tradição, para Fraser e Gondim (2004, p.3), “parte da premissa <strong>de</strong> que a ação<br />
humana tem sempre um significa<strong>do</strong> (subjetivo e intersubjetivo) que não po<strong>de</strong> ser<br />
apreendi<strong>do</strong> somente <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista quantitativo e objetivo”.<br />
Fraser e Gondim (2004, p.4) ressaltam ainda que “[...] a tradição idiográfica<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> que as ciências sociais têm como objetivo <strong>ce</strong>ntral a<br />
compreensão da realida<strong>de</strong> humana vivida socialmente”. Para os autores:<br />
[...] o essencial não é quantificar e mensurar e sim captar os significa<strong>do</strong>s. O<br />
que se busca não é explicar a relação ante<strong>ce</strong><strong>de</strong>nte e conseqüente (nexos<br />
causais) e sim compreen<strong>de</strong>r uma realida<strong>de</strong> particular na sua complexida<strong>de</strong><br />
(influência mútua <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res na construção <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>)<br />
(FRASER e GONDIM, 2004, p.4).<br />
A nossa escolha pela perspectiva qualitativa se <strong>de</strong>u em função <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong><br />
pesquisa permitir uma melhor compreensão <strong>do</strong> fenômeno no contexto em que ele<br />
ocorre a partir da interação das condições envolvidas, permitin<strong>do</strong> um<br />
aprofundamento maior sobre o tema.<br />
O segun<strong>do</strong> momento da pesquisa compreen<strong>de</strong>u o levantamento <strong>de</strong><br />
informações junto aos órgãos competentes, especialmente, a Superintendência<br />
Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente (SEMACE), a Empresa Municipal <strong>de</strong> Limpeza e<br />
Urbanização (EMLURB) e com a con<strong>ce</strong>ssionária responsável pela gestão <strong>do</strong>s RSD<br />
na capital <strong>ce</strong>arense.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, cabe <strong>de</strong>stacar que:<br />
i) a SEMACE é o órgão responsável pelo li<strong>ce</strong>nciamento ambiental <strong>de</strong><br />
empreendimentos potencialmente polui<strong>do</strong>res no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ceará, e como tal, tem<br />
par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> sobre o SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE, inclusive sobre o<br />
aterro sanitário que re<strong>ce</strong>be os RSD coleta<strong>do</strong>s;<br />
12
ii) a EMLURB é responsável pela qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s serviços presta<strong>do</strong>s pela<br />
con<strong>ce</strong>ssionária ven<strong>ce</strong><strong>do</strong>ra da licitação, mas também pelo acompanhamento <strong>do</strong>s<br />
serviços realiza<strong>do</strong>s para os <strong>de</strong>mais tipos <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos gera<strong>do</strong>s e;<br />
iii) a con<strong>ce</strong>ssionária é quem planeja, organiza, executa e coor<strong>de</strong>na o “fluxo” <strong>do</strong>s RSD<br />
e é o órgão emprega<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s “garis” entrevista<strong>do</strong>s.<br />
A realização <strong>de</strong>sse segun<strong>do</strong> momento foi importante por ter proporciona<strong>do</strong><br />
uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> cada etapa <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE. Neste senti<strong>do</strong>, Manning<br />
(1979, p.668) <strong>de</strong>staca que “o trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição tem caráter fundamental em um<br />
estu<strong>do</strong> qualitativo, pois é por meio <strong>de</strong>le que os da<strong>do</strong>s são coleta<strong>do</strong>s”.<br />
A partir <strong>do</strong> escrito pelo autor, pensamos ser relevante <strong>de</strong>stacar que esta<br />
pesquisa <strong>de</strong>u privilégio ao uso da palavra “informação” em <strong>de</strong>trimento da palavra<br />
“da<strong>do</strong>”, por <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rmos a tese <strong>de</strong> que àquela está mais próxima das pesquisas <strong>de</strong><br />
cunho qualitativo.<br />
A pesquisa aqui realizada é <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong>scritiva. Conforme enten<strong>de</strong>mos em<br />
Triviños (1987), o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>scritivo é aquele on<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver os fatos e<br />
fenômenos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong>. De forma muito semelhante, Vilela (2008, p.7)<br />
<strong>de</strong>fine o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>scritivo como “aquele que o pesquisa<strong>do</strong>r observa, registra, analisa<br />
e correlaciona os fatos ou fenômenos”.<br />
Rudio (1999, p.71) afirma que “a pesquisa <strong>de</strong>scritiva, está interessada em<br />
<strong>de</strong>scobrir e observar fenômenos, procuran<strong>do</strong> <strong>de</strong>screvê-los, classificá-los e interpretálos”.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a realida<strong>de</strong> que se preten<strong>de</strong>u apreen<strong>de</strong>r nessa pesquisa<br />
envolve os significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s para os trabalha<strong>do</strong>res, como é trabalhar<br />
com os RSD, como os entrevista<strong>do</strong>s per<strong>ce</strong>bem a relação entre os resíduos e a sua<br />
saú<strong>de</strong>, quais seus <strong>de</strong>sejos e sonhos diante das suas vivências.<br />
Outro aspecto importante <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> momento é que ele contribuiu para a<br />
or<strong>de</strong>nação das informações e atribuição preliminar <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s aos <strong>de</strong>poimentos<br />
a partir <strong>de</strong> cada realida<strong>de</strong> observada - que são pressupostos da pesquisa qualitativa.<br />
Além disso, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> cada etapa <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE permitiu iniciar a<br />
13
compreensão das (inter)relações entre os RSD, o ambiente e a saú<strong>de</strong> a partir da<br />
visão <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s.<br />
O ter<strong>ce</strong>iro momento da pesquisa envolveu a realização <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> campo<br />
por meio <strong>do</strong>s quais cada componente <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza foi visita<strong>do</strong>, para<br />
imersão no contexto e construção inicial das informações junto aos trabalha<strong>do</strong>res<br />
envolvi<strong>do</strong>s na operação <strong>do</strong> sistema, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> as variáveis que o compõem,<br />
reconhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong>-se a presença <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>s e interfa<strong>ce</strong>s que o caracterizam e o<br />
particularizam.<br />
Durante o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> campo, realizamos contatos com informantes-chaves<br />
das comunida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>ntes nas áreas outrora utilizadas para disposição <strong>de</strong> RSD<br />
em Fortaleza/CE, quais sejam: Monte Castelo, Barra <strong>do</strong> Ceará, Antônio Bezerra,<br />
Henrique Jorge e Jangurussu. Esses contatos tiveram por objetivo melhor <strong>de</strong>limitar<br />
as áreas diretamente impactadas pela disposição <strong>do</strong>s RSD em suas respectivas<br />
épocas, bem como analisar as atuais condições <strong>de</strong> uso e ocupação. Após esses<br />
levantamentos fizemos a procura e seleção das imagens <strong>de</strong>ssas áreas via uso <strong>do</strong><br />
Programa Google Earth, versão 2007, além da observação direta.<br />
O registro fotográfico também representou um importante instrumento nesse<br />
trabalho, permitin<strong>do</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r a situação atual das áreas ocupadas pelos<br />
lixões <strong>de</strong> Fortaleza/CE e também registrar momentos ou componentes da ca<strong>de</strong>ia<br />
produtiva <strong>de</strong> RSD da cida<strong>de</strong>. Cada imagem capturada permitiu refletir sobre os<br />
pro<strong>ce</strong>dimentos operacionais existentes na ca<strong>de</strong>ia produtiva e sobre a dimensão<br />
ambiental e social existente.<br />
Houve ainda outra intenção na realização <strong>do</strong>s registros fotográficos: permitir<br />
que futuramente outras pesquisas tomem a realida<strong>de</strong> estudada como referência,<br />
favore<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> ações preventivas e/ou corretivas. A fotografia, segun<strong>do</strong><br />
Humberto (2000, p.14), “não é um simples registro viabiliza<strong>do</strong> por recursos<br />
tecnológicos que nos permitem aprisionar o tempo, mas é antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, uma<br />
linguagem, porta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> múltiplas leituras”.<br />
14
De forma complementar Salga<strong>do</strong> (2000, p.31) explica que “a fotografia tem o<br />
gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sintetizar várias coisas ao mesmo tempo, em uma só imagem”.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, as fotos apresentadas aqui po<strong>de</strong>m ser vistas como o ‘testemunho’ <strong>de</strong><br />
um momento.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse momento tomou como referencial os escritos <strong>de</strong><br />
Go<strong>do</strong>y (1995) - que ressalta a importância <strong>do</strong> ambiente natural como fonte direta <strong>de</strong><br />
da<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> se trabalha com pesquisa qualitativa. O referi<strong>do</strong> autor alerta, em seu<br />
artigo, para outras características essenciais <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> pesquisa que, inclusive,<br />
foram - em maior ou menor intensida<strong>de</strong> - utilizadas nessa pesquisa, quais sejam: o<br />
caráter <strong>de</strong>scritivo, o significa<strong>do</strong> que as pessoas dão às coisas e à sua vida como<br />
preocupação <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r e o enfoque indutivo.<br />
Esse ter<strong>ce</strong>iro momento (estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> campo) foi importante ainda por<br />
proporcionar o início <strong>de</strong> um relacionamento longo e flexível com os entrevista<strong>do</strong>s.<br />
Essa vivência representou o começo da fase exploratória interpretativa que coube à<br />
essa pesquisa, pois nos preocupamos com o pro<strong>ce</strong>sso e não simplesmente com os<br />
resulta<strong>do</strong>s ou produtos.<br />
O quarto momento da pesquisa envolveu a realização das entrevistas e se<br />
su<strong>ce</strong><strong>de</strong>u após obtenção favorável <strong>do</strong> Comitê <strong>de</strong> Ética em Pesquisa com Seres<br />
Humanos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará (Pro<strong>ce</strong>sso 205/2007).<br />
Foram entrevista<strong>do</strong>s 05 representantes da coleta <strong>do</strong>miciliar <strong>de</strong> RSD, 03 da<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem e 02 da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu (ASCAJAN).<br />
Fizemos o levantamento <strong>de</strong> alguns da<strong>do</strong>s biográficos (ida<strong>de</strong>, escolarida<strong>de</strong>, tempo <strong>de</strong><br />
trabalho com os resíduos sóli<strong>do</strong>s, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem, registros <strong>de</strong> outros trabalhos,<br />
local <strong>de</strong> moradia, renda, esta<strong>do</strong> civil, etc.) para melhor compreen<strong>de</strong>r os sujeitos<br />
entrevista<strong>do</strong>s e nos aproximarmos <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> RSD”. A<strong>do</strong>tamos técnica utilizada<br />
por Porto et al (2004) num estu<strong>do</strong> sobre lixo, trabalho e saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> com<br />
cata<strong>do</strong>res em um aterro metropolitano no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Para abordar a temática, optamos pela entrevista semi-estruturada, que<br />
segun<strong>do</strong> Duarte (2002, p.17) “representa uma técnica que evita dúvidas por parte <strong>do</strong><br />
15
entrevista<strong>do</strong> em relação à temática <strong>ce</strong>ntral pesquisada”. Além disso, Fraser e<br />
Gondim (2004, p.4) <strong>de</strong>stacam que “além <strong>de</strong> um instrumento orienta<strong>do</strong>r para a<br />
entrevista, o tópico guia po<strong>de</strong> ser útil para a elaboração e antecipação <strong>de</strong> categorias<br />
<strong>de</strong> análises <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s”.<br />
Lembramos ainda que o objetivo maior, ao utilizarmos um roteiro semiestrutura<strong>do</strong>,<br />
foi minimizar <strong>de</strong>svios nos <strong>de</strong>poimentos e alcançar melhores resulta<strong>do</strong>s,<br />
pois se trabalhou com diferentes grupos <strong>de</strong> pessoas. Além disso, a entrevista semiestruturada<br />
foi a<strong>do</strong>tada por valorizar a presença <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r, ofere<strong>ce</strong>r todas as<br />
perspectivas possíveis para que o informante alcan<strong>ce</strong> a liberda<strong>de</strong> e a<br />
espontaneida<strong>de</strong> ne<strong>ce</strong>ssárias, enrique<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> a investigação, conforme nos traz<br />
Minayo (1992) ao se referir a esse tipo <strong>de</strong> entrevista.<br />
Certamente, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas como material<br />
empírico nesta pesquisa constituiu uma opção teórico-meto<strong>do</strong>lógica que está no<br />
<strong><strong>ce</strong>ntro</strong> <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>bates entre pesquisa<strong>do</strong>res das ciências sociais. Entretanto,<br />
encontramos em Fraser e Gondim (2004, p.3) uma alternativa para tais <strong>de</strong>bates<br />
quan<strong>do</strong> afirmam que “toda técnica <strong>de</strong> pesquisa tem alcan<strong>ce</strong>s e limites <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s”,<br />
e tal assertiva foi importante, inclusive, para reconhe<strong>ce</strong>rmos que esta pesquisa<br />
representa apenas uma das várias leituras que po<strong>de</strong>m ser feitas <strong>do</strong> fenômeno<br />
estuda<strong>do</strong>. Nesse mesmo senti<strong>do</strong>, Morin (2001, p.19) nos traz que “não há<br />
conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaça<strong>do</strong> pelo erro e pela ilusão”.<br />
A a<strong>do</strong>ção da entrevista como uma das técnicas nesta pesquisa nos pare<strong>ce</strong>u<br />
representar um caminho importante <strong>de</strong> interação social entre o entrevista<strong>do</strong>r e o<br />
entrevista<strong>do</strong>. Compartilhan<strong>do</strong> com a visão <strong>de</strong> Brandão (2000, p.8) “entrevista é<br />
trabalho e como tal reclama uma atenção permanente <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r aos seus<br />
objetivos, obrigan<strong>do</strong>-o a colocar-se intensamente à escuta <strong>do</strong> que é dito, a refletir<br />
sobre a forma e conteú<strong>do</strong> da fala <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>”. Além disso, tal técnica valoriza o<br />
uso da palavra, símbolo e signo privilegia<strong>do</strong>s das relações humanas, por meio da<br />
qual os atores sociais constroem e procuram dar senti<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong> que os <strong>ce</strong>rca<br />
(FLICK, 2002; JOVECHLOVITCH e BAUER, 2002).<br />
A entrevista constitui:<br />
16
[...] uma fonte <strong>de</strong> informação importante referente a opiniões, a fatos, a<br />
crenças, à maneira <strong>de</strong> pensar, a sentimentos, à maneira <strong>de</strong> atuar e <strong>de</strong> se<br />
comportar frente a um da<strong>do</strong> objeto real ou imaginário. Por outro la<strong>do</strong>,<br />
também serve como um meio <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informações sobre um<br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tema científico (CRUZ NETO, 1994, p.57).<br />
A entrevista não significa uma conversa <strong>de</strong>spretensiosa e neutra, uma vez<br />
que se insere como meio <strong>de</strong> coleta <strong>do</strong>s fatos relata<strong>do</strong>s pelos atores,<br />
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa, que vivenciam uma <strong>de</strong>terminada<br />
realida<strong>de</strong> que está sen<strong>do</strong> focalizada (CRUZ NETO, 1994, p.57).<br />
O quinto momento da pesquisa envolveu a análise <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos. Para o<br />
pro<strong>ce</strong>ssamento das entrevistas realizamos, inicialmente, as transcrições e leitura<br />
livre das falas, anotan<strong>do</strong> as primeiras observações em relação ao tema estuda<strong>do</strong>.<br />
Em seguida, pro<strong>ce</strong><strong>de</strong>mos a categorização interna das mesmas utilizan<strong>do</strong> o roteiro <strong>de</strong><br />
entrevista como um guia <strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong> informações, sem impedir o<br />
aprofundamento <strong>de</strong> aspectos relevantes ao entendimento <strong>do</strong> fenômeno. Esse quinto<br />
momento foi importante por possibilitar um esforço analítico que ampliou a<br />
compreensão <strong>do</strong> universo cultural <strong>do</strong>s diferentes grupos <strong>de</strong> entrevista<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s<br />
significa<strong>do</strong>s que eles produzem a partir <strong>de</strong> um cotidiano <strong>de</strong> trabalho.<br />
De toda uma complexida<strong>de</strong> que se abre no estu<strong>do</strong> das relações RSDambiente-saú<strong>de</strong><br />
foram selecionadas algumas informações relevantes para a<br />
compreensão <strong>do</strong> universo <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s emergi<strong>do</strong> das conversas. Assim, o que<br />
apresentamos aqui é também passível <strong>de</strong> aprofundamento e estu<strong>do</strong>s posteriores,<br />
porém as “nossas costuras” contribuem para começarmos a contar a história <strong>de</strong><br />
alguns seres humanos que lidam com RSD: os garis e os cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> recicláveis<br />
<strong>de</strong> Fortaleza/CE.<br />
17
3. A QUESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS<br />
3.1 - Consi<strong>de</strong>rações Iniciais<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>r a questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s traçamos nessa<br />
seção breves consi<strong>de</strong>rações sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento 12 a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela<br />
gran<strong>de</strong> maioria das nações, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> seus paradigmas e posturas sobre o<br />
patrimônio vivo (e não vivo) existente na Terra e distribuí<strong>do</strong> nos espaços nacionais.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, buscamos compreen<strong>de</strong>r aspectos <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo Brasil situan<strong>do</strong> nele a temática <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Domiciliares (RSD) para nos remeter à discussão - mesmo que <strong>de</strong> forma resumida -<br />
<strong>de</strong> alguns aspectos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, na perspectiva <strong>de</strong> construir um <strong>ce</strong>nário que<br />
esbo<strong>ce</strong> algumas forças motrizes responsáveis pela <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s ambientes<br />
naturais, geração <strong>de</strong> resíduos e <strong>de</strong>créscimo na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das maiorias<br />
humanas.<br />
Assim, o que será apresenta<strong>do</strong> aqui não tem o propósito <strong>de</strong> “ser algo<br />
fecha<strong>do</strong>”, mas uma “costura <strong>de</strong> idéias” que subsidiam melhor enten<strong>de</strong>r a relação<br />
RSD-ambiente-saú<strong>de</strong> e compreen<strong>de</strong>r que a problemática socioambiental <strong>do</strong>s RSD é<br />
fruto também <strong>de</strong>ssa “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> sem limites”, que para Robert Moraes (2005,<br />
p.17) é “[...] a experiência <strong>de</strong> viver nesse mun<strong>do</strong> em constante mutação”.<br />
O termo “mutação”, utiliza<strong>do</strong> pelo autor, traz uma idéia intrínseca <strong>de</strong><br />
mudanças, alterações, etc. que nos pare<strong>ce</strong> muito a<strong>de</strong>quada aos nossos dias, pois as<br />
transformações <strong>tecnológica</strong>s e ambientais são cada vez mais enérgicas e<br />
freqüentes, com conseqüências às mais diversas instâncias da vida humana e não<br />
humana.<br />
A internacionalização da produção, distribuição e consumo, juntamente<br />
com o avanço das tecnologias da informação, tem como resulta<strong>do</strong> a<br />
globalização da economia e suas conseqüências macroeconômicas:<br />
transnacionalização empresarial, <strong>de</strong>sterritorialização da força <strong>de</strong> trabalho,<br />
<strong>de</strong>semprego estrutural, entre outras. Ao mesmo tempo, verifica-se aumento<br />
das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre os povos e os grupos sociais, a eclosão <strong>de</strong><br />
12<br />
Rigotto (2003, p.393) trás que o <strong>de</strong>senvolvimento veio a se constituir como i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong> capitalismo, a qual nas<strong>ce</strong>u e se<br />
expandiu junto com a burguesia, a partir <strong>do</strong> século XIV.<br />
18
movimentos nacionalistas, a exa<strong>ce</strong>rbação <strong>do</strong>s conflitos étnicos, a agressão<br />
ao meio ambiente, a <strong>de</strong>terioração <strong>do</strong> espaço urbano, a intensificação da<br />
violência e o <strong>de</strong>srespeito aos direitos humanos (PAIM & ALMEIDA FILHO,<br />
2007, p.3).<br />
Historicamente, todas essas mudanças aconte<strong>ce</strong>ram num curto intervalo <strong>de</strong><br />
tempo e se <strong>de</strong>ram num contexto econômico instável, on<strong>de</strong> as relações econômicas<br />
globais e os fluxos finan<strong>ce</strong>iros disseminaram novos padrões tecnológicos e<br />
organizacionais da produção.<br />
Robert Moraes (2005, p.17) complementa que “as transformações que<br />
ocorreram após a década <strong>de</strong> trinta, internacionalmente, nos levaram a conhe<strong>ce</strong>r uma<br />
a<strong>ce</strong>leração da fronteira <strong>de</strong> inovações, impon<strong>do</strong> um ritmo sem paralelo no passa<strong>do</strong>”.<br />
Para o autor (p.17), “a velocida<strong>de</strong> das mudanças, principalmente no que importa à<br />
tecnologia, é cres<strong>ce</strong>nte a<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> cumulativa”, levan<strong>do</strong>-o a afirmar que “nunca a<br />
história havia corri<strong>do</strong> tão rápi<strong>do</strong> e a mo<strong>de</strong>rnização tão <strong>de</strong>pressa”.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a mo<strong>de</strong>rnização distribuiu (e distribui) benefícios e mazelas<br />
por to<strong>do</strong> o planeta, prolifera um estilo <strong>de</strong> vida basea<strong>do</strong> na acumulação e no<br />
consumismo exagera<strong>do</strong>, que para Freire (2003, p.77) “nos leva a viver um mun<strong>do</strong> no<br />
qual vale mais o ‘ter’, o <strong>de</strong>sperdício e a ostentação, <strong>do</strong> que o ‘ser' e a preservação<br />
<strong>do</strong>s bens naturais”.<br />
Os valores que dizem respeito ao TER cristalizam ações no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
possuir, guardar, segurar e reter, ao passo que valores que dizem respeito<br />
ao SER permitem compartilhar, <strong>do</strong>ar, cooperar e respeitar a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
outro e da natureza com inteireza, solidarieda<strong>de</strong> e justiça (ZANETI, 2006,<br />
p.83).<br />
Para Bernar<strong>de</strong>s e Ferreira (2003, p.21):<br />
[...] como membros <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res, na atual fase <strong>do</strong><br />
capitalismo, vivemos num mun<strong>do</strong> em que a economia se caracteriza pelo<br />
<strong>de</strong>sperdício, on<strong>de</strong> todas as coisas <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>voradas e aban<strong>do</strong>nadas<br />
tão rapidamente como surgem.<br />
Aproxima-se da perspectiva trazida por Bernar<strong>de</strong>s e Ferreira, uma das<br />
consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Mello (2004, p.5), quan<strong>do</strong> afirma que:<br />
19
A forma <strong>de</strong> vida e a economia oci<strong>de</strong>ntal sustentam-se sobre o baluarte da<br />
produção <strong>de</strong> bens a cada dia mais rotativos, mais breves, para que a<br />
ca<strong>de</strong>ia produção-consumo possa sustentar a subsistência das socieda<strong>de</strong>s<br />
e, principalmente, o status quo das socieda<strong>de</strong>s industriais.<br />
De forma complementar, Lessa (2003, p.15) nos traz que “[...] na pós-<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, as coisas são <strong>de</strong>svalorizadas no momento da compra, estimulan<strong>do</strong> a<br />
idéia <strong>do</strong> <strong>de</strong>scartável como comportamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e <strong>de</strong>sejável <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r”.<br />
Portanto, ao vivenciarmos a era <strong>do</strong> <strong>de</strong>sperdício, o tema “consumo” toma corpo nos<br />
<strong>de</strong>bates ambientais, políticos e sociais, manten<strong>do</strong> íntima relação com a questão da<br />
geração <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
Herculano (2005, p.10) vai um pouco mais além, ao acreditar que “[...] as<br />
socieda<strong>de</strong>s humanas não apenas produzem e consomem; elas criam um conjunto<br />
<strong>de</strong> idéias, <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s sobre sua produção e seu consumo”. Para a<br />
autora, “[...] hierarquias sociais se arranjam ten<strong>do</strong> por base não apenas a posse <strong>de</strong><br />
riquezas, mas o seu uso distintivo e os significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stes usos”.<br />
Bernar<strong>de</strong>s e Ferreira (2005, p.25) nos trazem uma reflexão complementar<br />
sobre essa temática. Para os autores, “a produção em massa cria novos problemas,<br />
significa merca<strong>do</strong>, comprar e ven<strong>de</strong>r; a<strong>ce</strong>sso a lugares distintos e não basta<br />
produzir; é preciso colocar a produção em movimento”.<br />
A produção em massa <strong>de</strong> bens é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência<br />
<strong>do</strong> consumo em massa, e esta relação engendrou modificações na maneira<br />
<strong>de</strong> se pensar os objetos. Diariamente são cria<strong>do</strong>s tantos tipos <strong>de</strong><br />
ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s quanto aquelas que a indústria resolve <strong>de</strong>terminar,<br />
caracterizan<strong>do</strong> o que a Associação <strong>do</strong>s Ex-Bolsistas da Alemanha (1989)<br />
consi<strong>de</strong>rou <strong>de</strong> um aprimoramento da “engenharia <strong>de</strong> obsolescência”<br />
(DAGNINO, 2004, p.21).<br />
Pelo apresenta<strong>do</strong> acima, “a dita socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo pauta-se pelo<br />
momentâneo, pelo fugaz, pelo imediato, pelo fruir <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias e serviços e pela<br />
ausência <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> final” (HERCULANO, 2005, p.13) e, esta lógica, tem contribuí<strong>do</strong><br />
fortemente para levar as socieda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Século XXI (filhas da racionalida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna<br />
e da obsolescência programada 13 ) à uma condição insustentável e próxima <strong>de</strong> uma<br />
13 No nosso enten<strong>de</strong>r, a obsolescência programada é a maior “arma” <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> para ven<strong>de</strong>r cada vez mais, crian<strong>do</strong><br />
“ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sne<strong>ce</strong>ssárias” (FREIRE DIAS, 2003) via lançamento programa<strong>do</strong> <strong>de</strong> um novo produto, que por ser mais<br />
“mo<strong>de</strong>rno” <strong>de</strong>ve ser adquiri<strong>do</strong> para que cada consumi<strong>do</strong>r esteja “atualiza<strong>do</strong>” ou mesmo “inseri<strong>do</strong>”.<br />
20
ota <strong>de</strong> colisão 14 , o que na perspectiva <strong>de</strong> Leff (2001, p.23) “[...] representa uma<br />
fatalida<strong>de</strong> que se expressa na negação das causas da crise socioambiental e nessa<br />
obsessão pelo crescimento”.<br />
Como nos trouxe Rigotto e Augusto (2007, p.1):<br />
"Sucumbir" foi o verbo utiliza<strong>do</strong> pelo Massachusetts Institute of Technology<br />
para dizer o que aconte<strong>ce</strong>ria se to<strong>do</strong>s os países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> continuassem<br />
em sua política <strong>de</strong> crescimento: sucumbir à poluição <strong>do</strong> meio ambiente, ou<br />
à exaustão <strong>do</strong>s recursos naturais, ou ao custo eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> controle da<br />
poluição.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Grécia Clássica ou a Ida<strong>de</strong> Média, as ativida<strong>de</strong>s<br />
humanas sobre o meio - as obras hidráulicas no Egito, o crescimento da<br />
urbis romana, a expansão cristã na Europa - <strong>de</strong>spertaram, em alguma<br />
medida, indagações sobre os efeitos <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s sobre o entorno.<br />
Entretanto, a realização histórica <strong>do</strong> capitalismo toma a dimensão <strong>de</strong> uma<br />
verda<strong>de</strong>ira revolução técnica e social, repercutin<strong>do</strong>, em escala e<br />
abrangência inéditas, em to<strong>do</strong>s os aspectos da vida das socieda<strong>de</strong>s<br />
oci<strong>de</strong>ntais mo<strong>de</strong>rnas, inclusive o trabalho, a saú<strong>de</strong> e o ambiente<br />
(RIGOTTO e AUGUSTO, 2007, p.1).<br />
Freire Dias (2003, p.87) ao analisar as repercussões ambientais <strong>de</strong>correntes<br />
da “vida mo<strong>de</strong>rna” ressalta que:<br />
Estamos diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio on<strong>de</strong> as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem escolher entre<br />
perpetuar o padrão atual (on<strong>de</strong> os países mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s consomem<br />
intensamente os recursos naturais, permitin<strong>do</strong> a suas populações um<br />
eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> consumo que contrasta com as carências <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>) ou rever esses padrões em benefício <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo que<br />
exerça menor pressão sobre a base <strong>do</strong>s recursos naturais e permita níveis<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento mais eqüitativos.<br />
Pensamos, então, que no pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> “escolha” entre uma das alternativas<br />
postas é fundamental repensar os caminhos até então trilha<strong>do</strong>s pela socieda<strong>de</strong>, pela<br />
simples constatação <strong>de</strong> que o crescimento econômico, industrial e populacional<br />
gerou uma socieda<strong>de</strong> sem perspectivas <strong>de</strong> um futuro sustentável.<br />
14 O termo “rota <strong>de</strong> colisão” vem sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> para <strong>de</strong>signar os conflitos sociais e ambientais advin<strong>do</strong>s da crise civilizatória<br />
vigente (FREIRE DIAS, 2003) e trás a suspeita <strong>de</strong> que vários seres vivos, inclusive os humanos, estão caminhan<strong>do</strong> para uma<br />
clara condição <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>gradante em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> conflitos diversos e <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>do</strong>s ecossistemas. Fazen<strong>do</strong> uma<br />
analogia à <strong>do</strong>cumentos já publica<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>ríamos nos aproximar da idéia geral trazida pelo <strong>do</strong>cumento Our Future Commum<br />
(Nosso Futuro Comum) da Comissão Brundtland, quan<strong>do</strong> formula a idéia <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s os seres estariam caminhan<strong>do</strong> para o<br />
fim, caso não mu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> “olhar” e <strong>de</strong> “paradigma”.<br />
21
Cabe, aqui, dialogar com Leff (2001, p.28), quan<strong>do</strong> afirma que “precipitamo-<br />
nos para o futuro sem uma perspectiva clara”. Contraditoriamente, é contínuo o<br />
in<strong>ce</strong>ntivo à população para buscar uma vida repleta <strong>de</strong> bens não duráveis como se a<br />
Terra (que possui uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte 15 ) conseguisse manter “para sempre”<br />
tão insano ritmo <strong>de</strong> exploração e assimilação <strong>de</strong> rejeitos, tanto sóli<strong>do</strong>s quanto<br />
líqui<strong>do</strong>s e gasosos.<br />
Essa “vonta<strong>de</strong> global” para que to<strong>do</strong>s sejam meros consumi<strong>do</strong>res foi objeto<br />
das reflexões <strong>de</strong> Abreu (2001, p.27), quan<strong>do</strong> pontuou que “[...] somos invadi<strong>do</strong>s a<br />
to<strong>do</strong> o momento pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> consumir mais e mais supérfluos, transforma<strong>do</strong>s em<br />
ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s pelo merca<strong>do</strong>, e que rapidamente viram lixo”.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Abreu (2001, p.27):<br />
As embalagens, <strong>de</strong>stinadas à proteção <strong>de</strong> produtos, passam a ser estímulo<br />
para aumentar o consumo (a embalagem “valoriza” o produto), e os<br />
<strong>de</strong>scartáveis ocupam o lugar <strong>de</strong> bens duráveis. O resulta<strong>do</strong> é um planeta<br />
com menos recursos ambientais e com mais lixo, que além da quantida<strong>de</strong>,<br />
aumenta a varieda<strong>de</strong>, conten<strong>do</strong> materiais cada vez mais estranhos ao<br />
ambiente natural.<br />
Segun<strong>do</strong> Galeano (1994) apud Dagnino (2004),<br />
a criação <strong>de</strong> novas ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong> lazer, entre outras, vem<br />
acompanhada <strong>de</strong> datas específicas para a renovação <strong>de</strong>ste ritual, e a<br />
valorização cres<strong>ce</strong>nte da proprieda<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> ser e sentir<br />
humanos, tem alimenta<strong>do</strong> um pensamento <strong>de</strong> que “consumin<strong>do</strong> mais,<br />
teremos nossa vida enriquecida.<br />
Per<strong>ce</strong>bemos, então, que pre<strong>do</strong>mina na “lógica vigente” uma compreensão<br />
remota das relações socieda<strong>de</strong>-natureza, on<strong>de</strong> os ‘humanos’ representam um pólo à<br />
parte e que <strong>de</strong>ve, alimentan<strong>do</strong> seu espírito imediatista, explorar a natureza. Foi com<br />
base nessa con<strong>ce</strong>pção que <strong>de</strong>senvolveram-se práticas em que a acumulação se<br />
realiza via exploração intensa <strong>do</strong> patrimônio natural e <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, com efeitos<br />
perversos para ambos.<br />
15 A expressão “capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte” vem sen<strong>do</strong> cada vez mais empregada nos textos da área ambiental e se refere à<br />
capacida<strong>de</strong> que o planeta terra tem <strong>de</strong> suportar as agressões sofridas (em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s seus ecossistemas,<br />
produção <strong>de</strong> alimentos, assimilação <strong>de</strong> rejeitos, etc.) sem comprometer a sustentabilida<strong>de</strong> da vida. Essa expressão tem ainda<br />
encontra<strong>do</strong> abrigo nas discussões sobre a pegada ecológica.<br />
22
Frente a essas consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>mos pensar que estamos diante <strong>de</strong> um<br />
“duelo <strong>de</strong> gigantes” sem pre<strong>ce</strong><strong>de</strong>ntes para a vida na Terra, on<strong>de</strong> <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>,<br />
posiciona-se a lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento vigente - capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir ou transformar<br />
em frações <strong>de</strong> segun<strong>do</strong>s o patrimônio natural -; e <strong>do</strong> outro, a força in<strong>do</strong>mável da<br />
natureza, que por estar viva, “respon<strong>de</strong>” aos agravos sofri<strong>do</strong>s na forma <strong>de</strong> inúmeras<br />
catástrofes, diziman<strong>do</strong> populações inteiras.<br />
Complementa essa idéia Rigotto (2003, p.390) quan<strong>do</strong> nos lembra que:<br />
[...] o ambiente - vivo e propicia<strong>do</strong>r da vida - apresenta também ameaças.<br />
Algumas <strong>de</strong>las são naturais - embora possam ser influenciadas pela ação<br />
antrópica, pelo menos em suas conseqüências - como os terremotos,<br />
vulcões, torna<strong>do</strong>s, inundações. Outras ameaças - cres<strong>ce</strong>ntes e que põem<br />
em risco a manutenção da vida no Planeta - <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>bitadas na conta<br />
da intervenção da socieda<strong>de</strong> sobre a Natureza e, por isso, exigem <strong>de</strong> nós<br />
uma profunda reflexão.<br />
Na visão <strong>de</strong> Leff (2001, p.15) “a crise ambiental veio questionar a<br />
racionalida<strong>de</strong> e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o<br />
crescimento econômico, negan<strong>do</strong> a natureza”. Para o autor (p.15):<br />
A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no princípio<br />
constitutivo <strong>de</strong> uma teoria econômica que pre<strong>do</strong>minou sobre os paradigmas<br />
organicistas da vida, legitiman<strong>do</strong> uma falsa idéia <strong>de</strong> progresso da<br />
civilização mo<strong>de</strong>rna. Desta forma, a racionalida<strong>de</strong> econômica baniu a<br />
natureza da esfera da produção, geran<strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />
ecológica e <strong>de</strong>gradação ambiental.<br />
Zaneti (2006, p.77) nos traz reflexão complementar quan<strong>do</strong> nos diz que:<br />
A <strong>de</strong>sconexão <strong>do</strong> ser humano com os pro<strong>ce</strong>ssos biológicos cíclicos <strong>do</strong>s<br />
ecossistemas repercute na dimensão pessoal e intersubjetiva sob a forma<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>senraizamento físico, emocional e mental que faz <strong>do</strong>s indivíduos<br />
peças atreladas à máquina <strong>de</strong> produzir ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s artificiais,<br />
representada pela mídia merca<strong>do</strong>lógica. A perda das raízes ecológicas se<br />
traduz na insatisfação consumista, na i<strong>de</strong>ntificação i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />
com o ter, e contamina os padrões <strong>de</strong> sentimentos e per<strong>ce</strong>pções<br />
intersubjetivas, nas relações com a família, com o território, com a<br />
comunida<strong>de</strong> e com a história.<br />
“Através da criativida<strong>de</strong> e da propaganda, consegue-se fazer crer à população<br />
que os bens que as empresas <strong>de</strong>sejam produzir sejam imprescindíveis à sua<br />
existência” (DAGNANO, 2004, p.21). Fomos, então, leva<strong>do</strong>s a crer que <strong>de</strong>vemos<br />
‘TER’, que temos que progredir e alcançar os “países <strong>ce</strong>ntrais” via aumento da<br />
23
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “cres<strong>ce</strong>r sem fim” 16 , via consumo exagera<strong>do</strong> e sem “senti<strong>do</strong> final”,<br />
materialização da vida, <strong>do</strong>s sentimentos e das relações humanas.<br />
Bernar<strong>de</strong>s e Ferreira (2003, p.21), ao problematizarem essa idéia, afirmam<br />
que “a era mo<strong>de</strong>rna - fascinada pela produtivida<strong>de</strong> com base na força humana -<br />
assiste ao aumento consi<strong>de</strong>rável <strong>do</strong> consumo, já que todas as coisas se tornam<br />
objetos a serem consumi<strong>do</strong>s”.<br />
Essa idéia <strong>de</strong> “coisificação” <strong>do</strong> vivo (e <strong>do</strong> não vivo) como espaço para “venda<br />
e consumo” também é criticada por Leff (2001) quan<strong>do</strong> lamenta o fato <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r<br />
ser reduzi<strong>do</strong> a um valor <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, representa<strong>do</strong>s nos códigos <strong>do</strong> capital. Por isso,<br />
o novo discurso ambientalista, para Portilho (2005, p.15), mostra “[...] que o consumo<br />
das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, além <strong>de</strong> socialmente injusto e moralmente in<strong>de</strong>fensável,<br />
é ambientalmente insustentável”.<br />
Acreditamos que a autora, ao utilizar o termo “moralmente in<strong>de</strong>fensável”,<br />
pontuou claramente a força que o merca<strong>do</strong> exer<strong>ce</strong> sobre parte das pessoas,<br />
<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-as sem saídas - pelas facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compra e pagamento - e sob<br />
constante pressão visual e logística.<br />
Para Freire Dias (2003) isso leva muitas pessoas a ‘comprar por comprar’ e<br />
Portilho (2005, p.22) contesta fortemente o fato <strong>de</strong> o cidadão ser reduzi<strong>do</strong> à esfera<br />
<strong>do</strong> consumo, sen<strong>do</strong> cobra<strong>do</strong> por uma “[...] espécie <strong>de</strong> obrigação moral e cívica <strong>de</strong><br />
consumir”.<br />
Sob a lógica <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, até mesmo a “informação” passou a ser<br />
reconhecida como um valoroso recurso em todas ativida<strong>de</strong>s humanas, ou<br />
seja, ela se transformou em um recurso estratégico e <strong>de</strong> valor agrega<strong>do</strong><br />
para as ativida<strong>de</strong>s <strong>tecnológica</strong>s e, especialmente, para a transferência <strong>de</strong><br />
tecnologia (CYSNE, 1996, p.12).<br />
Entretanto, quan<strong>do</strong> estudamos os pressupostos <strong>de</strong>ssas tecnologias,<br />
observamos que a maioria <strong>de</strong>las objetivam alimentar o crescimento econômico e a<br />
16 “Cres<strong>ce</strong>r sem fim” é mera ilusão <strong>do</strong> sistema capitalista porque tu<strong>do</strong> que existe na socieda<strong>de</strong> e que estar a nossa disposição<br />
(transforma<strong>do</strong> ou não) é um ‘pedacinho’ retira<strong>do</strong> da natureza; a mesma que compõe o Planeta Terra: matriz única que sustenta<br />
todas as formas <strong>de</strong> vida, inclusive a humana, e que tem seus limites por ser um planeta vivo (Thompson, 2003). Para termos<br />
uma noção numérica <strong>de</strong>sse limite, FREIRE DIAS (2003) nos traz que se to<strong>do</strong>s os seres humanos passarem a ter um nível <strong>de</strong><br />
vida igual ao <strong>do</strong>s norte-americanos, nós precisaríamos <strong>de</strong> sete planetas Terras, portanto há limites.<br />
24
produção <strong>de</strong> supérfluos, sob a justificativa <strong>de</strong> promover o bem-estar eqüitativo <strong>do</strong><br />
povo e proporcionar a satisfação <strong>de</strong> ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s básicas. Contu<strong>do</strong>, há uma<br />
contradição, pois o a<strong>ce</strong>sso aos bens e serviços fundamentais às ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s<br />
básicas da maioria humana, quan<strong>do</strong> não é nega<strong>do</strong>, é restrito e/ou precário, e mais<br />
re<strong>ce</strong>ntemente, privatiza<strong>do</strong>. Portanto, essa idéia <strong>de</strong> minimizar <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s via<br />
crescimento econômico e produção <strong>de</strong> supérfluos é falsa, mas permane<strong>ce</strong> como<br />
verda<strong>de</strong> absoluta e “promessa <strong>tecnológica</strong>”.<br />
Para Latres et al (1998, p.1):<br />
Para Lessa (2003, p.17):<br />
[...] a emergência <strong>de</strong> um novo paradigma tecnológico e a globalização<br />
finan<strong>ce</strong>ira são os traços mais marcantes da economia mundial nos últimos<br />
15 anos, contu<strong>do</strong>, a expectativa <strong>de</strong> que a entrada maciça <strong>do</strong> capital<br />
estrangeiro pu<strong>de</strong>sse a<strong>ce</strong>lerar a difusão das novas tecnologias e a<br />
integração das economias locais com um merca<strong>do</strong> global frustrou-se e a<br />
crise social tornou-se mais aguda.<br />
A globalização está produzin<strong>do</strong> um terremoto social e atrofian<strong>do</strong> a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> setor público para administrar políticas compensatórias,<br />
enquanto a pobreza ajusta-se e ganha cres<strong>ce</strong>nte visibilida<strong>de</strong> nas ruas. Há<br />
uma tendência <strong>do</strong>s ricos criarem suas próprias “cida<strong>de</strong>s”: em São Paulo, o<br />
Alphaville; no Rio, Barra da Tijuca, etc.; no coração <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>sejo elas<br />
aspiram estar em Miami/Nova York. Enquanto isso, a pobreza organiza<br />
“outra cida<strong>de</strong>”, complexamente imbricada [...].<br />
A co-existência <strong>de</strong> “cida<strong>de</strong>s ricas” e “cida<strong>de</strong>s pobres” num mesmo espaço<br />
geográfico evi<strong>de</strong>ncia as contradições <strong>do</strong> próprio sistema capitalista, que nos nossos<br />
tempos, <strong>de</strong>grada as condições <strong>de</strong> vida das maiorias humanas, segrega e a<strong>ce</strong>ntua<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. Conforme observamos em Abreu (2001), alguns ricos <strong>do</strong> Brasil são<br />
até mais ricos que milionários <strong>do</strong> “primeiro mun<strong>do</strong>” e há brasileiros em piores<br />
condições que miseráveis das regiões mais pobres <strong>do</strong> planeta.<br />
Zaneti (2006, p.67) nos traz reflexão complementar:<br />
A con<strong>ce</strong>ntração <strong>de</strong> renda se a<strong>ce</strong>ntua, pois os ricos aumentaram o seu<br />
rendimento, enquanto os mais pobres diminuíram. Isto indica que o tipo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento que está sen<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> ten<strong>de</strong> a se inviabilizar porque é<br />
injusto. Ao gerar con<strong>ce</strong>ntração <strong>de</strong> renda, cada vez mais serão ampliadas<br />
as diferenças sociais entre uma minoria, cada vez menor, que possui cada<br />
vez mais e uma imensa maioria, cada vez maior, que possui cada vez<br />
menos. O resulta<strong>do</strong> não será outro, senão a gigantesca explosão social,<br />
que já estamos assistin<strong>do</strong> nos dias <strong>de</strong> hoje.<br />
25
Assim, “a grave crise social existente no país tem leva<strong>do</strong> um número cada vez<br />
maior <strong>de</strong> pessoas a buscar a sua sobrevivência através da catação <strong>de</strong> materiais<br />
recicláveis existentes no lixo <strong>do</strong>miciliar” (IBAM, 2001, p.127). Estima-se que haja<br />
mais <strong>de</strong> 200 mil cata<strong>do</strong>res no Brasil e mais <strong>de</strong> 45 mil crianças que trabalham nos<br />
resíduos, conforme da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Programa Lixo e Cidadania da UNICEF divulga<strong>do</strong>s no<br />
seu sítio eletrônico 17 .<br />
Já Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006, p.65) apontam que “no Brasil, estima-se que o<br />
número <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais recicláveis seja <strong>de</strong> aproximadamente 500.000<br />
(quinhentos mil), estan<strong>do</strong> 2/3 <strong>de</strong>les no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo”. Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBAM (2001)<br />
indicam ainda que em 68% <strong>do</strong>s municípios brasileiros há cata<strong>do</strong>res nas ruas, em<br />
66% há cata<strong>do</strong>res nos aterros e em 36% também há crianças catan<strong>do</strong> “lixo” nos<br />
aterros.<br />
Sobre esses da<strong>do</strong>s, Valle Mota (2005, p.5) alerta que:<br />
[...] tais números, ainda que sejam oficiais, são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s subestima<strong>do</strong>s<br />
pelo Fórum Nacional Lixo e Cidadania, uma instância organizada <strong>de</strong><br />
discussão que reúne organizações não-governamentais, instituições<br />
religiosas, órgãos governamentais e instituições <strong>de</strong> ensino e pesquisa que<br />
atuam nas áreas relacionadas à gestão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s e também na<br />
área social. O Movimento Nacional <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res, órgão cria<strong>do</strong> por<br />
cata<strong>do</strong>res e cata<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> Brasil em 1999, que conta com representantes<br />
em quase to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s brasileiros, também consi<strong>de</strong>ra que o número<br />
<strong>de</strong> pessoas que trabalham atualmente em lixões é maior <strong>do</strong> que o apura<strong>do</strong><br />
pela PNSB.<br />
O Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Tecnológica - IPT (2003) apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong><br />
(2006) relaciona o crescimento <strong>do</strong> número <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais recicláveis com<br />
as cres<strong>ce</strong>ntes exigências para o a<strong>ce</strong>sso ao merca<strong>do</strong> formal <strong>de</strong> trabalho e também ao<br />
aumento <strong>do</strong> <strong>de</strong>semprego. Para o referi<strong>do</strong> instituto, “alguns trabalha<strong>do</strong>res da catação<br />
constituem uma massa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s que, por sua ida<strong>de</strong>, condição social e<br />
baixa escolarida<strong>de</strong>, não encontram lugar no merca<strong>do</strong> formal <strong>de</strong> trabalho”.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Loiola Ferreira (2007) traz que 45% <strong>do</strong>s seus entrevista<strong>do</strong>s<br />
afirmaram que estão na catação por causa <strong>do</strong> <strong>de</strong>semprego e que as ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s<br />
17 www.lixoecidadania.org.br<br />
26
ásicas ainda são o motivo principal que levou as pessoas para a “coleta <strong>de</strong> lixo” em<br />
90% <strong>de</strong>las.<br />
Devi<strong>do</strong> à exclusão social nos paises em <strong>de</strong>senvolvimento, inúmeras<br />
pessoas se sentem atraídas para as áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo <strong>de</strong> lixo, on<strong>de</strong> catam<br />
material reciclável para venda informal. Trata-se <strong>de</strong> uma prática<br />
con<strong>de</strong>nável <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da saú<strong>de</strong> pública, visto que estas pessoas se<br />
expõem a várias <strong>do</strong>enças (pneumonia, <strong>do</strong>enças <strong>de</strong> pele, diarréia, <strong>de</strong>ngue,<br />
etc.) e contaminações por material cortante, além <strong>de</strong> sofrerem aci<strong>de</strong>ntes<br />
com a movimentação <strong>de</strong> caminhões e máquinas (PEREIRA NETO, 2007,<br />
p.73).<br />
3.2 - Resíduos Sóli<strong>do</strong>s: Um Olhar Complementar<br />
O tema “resíduos sóli<strong>do</strong>s” vem assumin<strong>do</strong> papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque entre as<br />
cres<strong>ce</strong>ntes <strong>de</strong>mandas da socieda<strong>de</strong> brasileira pelos aspectos liga<strong>do</strong>s à veiculação<br />
<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, pela contaminação <strong>de</strong> águas subterrâneas e superficiais, pelas<br />
questões sociais ligadas aos cata<strong>do</strong>res ou ainda pelas pressões advindas das<br />
ativida<strong>de</strong>s turísticas.<br />
Diante <strong>de</strong>sses inconvenientes, alguns setores governamentais estão se<br />
mobilizan<strong>do</strong> para enfrentar o problema, por muito tempo relega<strong>do</strong> a segun<strong>do</strong><br />
plano 18 , pois tem-se observa<strong>do</strong> a <strong>de</strong>s<strong>ce</strong>ntralização <strong>de</strong> competências, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a<br />
gestão <strong>do</strong>s RSD sob a responsabilida<strong>de</strong> da administração municipal, mesmo que<br />
esta não tenha as mínimas condições <strong>de</strong> lidar com a temática numa perspectiva<br />
sustentável.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a socieda<strong>de</strong> civil pouco tem se mobiliza<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o tema em<br />
discussão é o lixo 19 . As pessoas ainda preferem <strong>de</strong>ixar o assunto para outro<br />
momento e este comportamento é, também, fruto da <strong>educação</strong> fragmentada que<br />
re<strong>ce</strong>beram. Como <strong>de</strong>stacaram Santos, Alves e Lustosa (2006, p.1) “[...] a <strong>educação</strong><br />
oferecida pela gran<strong>de</strong> maioria das escolas <strong>do</strong> Brasil ficou estagnada no tempo sem<br />
18 Na visão <strong>de</strong> Barros (2002), os resíduos sóli<strong>do</strong>s têm re<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong> tratamento <strong>de</strong> segunda categoria e ainda não existe vocação e<br />
uma consciência política <strong>do</strong>s governantes, parlamentares e <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s, efetivamente comprometida com a<br />
implementação <strong>de</strong> políticas preventivas e corretivas.<br />
19 Utilizamos aqui o termo “lixo” porque a palavra “resíduo sóli<strong>do</strong>” é pouco próxima <strong>do</strong> cotidiano da população em geral.<br />
27
per<strong>ce</strong>ber os problemas ambientais e sem discutir com os alunos e socieda<strong>de</strong> suas<br />
soluções”.<br />
Inseri<strong>do</strong> nesse <strong>ce</strong>nário, o crescimento urbano <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong><br />
aponta<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s vilões da questão ambiental, por ter íntima relação<br />
com a geração <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s e esta com a <strong>de</strong>terioração das condições <strong>do</strong><br />
ambiente e da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida humana. Prova disso é o cres<strong>ce</strong>nte número <strong>de</strong><br />
trabalhos sobre a temática observa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntre os quais os explora<strong>do</strong>s nessa<br />
pesquisa.<br />
Como bem lembrou Mota (2003, p.285), “a maioria das cida<strong>de</strong>s brasileiras<br />
ainda utiliza a forma <strong>de</strong> dar <strong>de</strong>stino aos resíduos sóli<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos a céu<br />
aberto”. “Tal alternativa, conhecida por lixão, se caracteriza pela simples <strong>de</strong>scarga<br />
<strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s sobre o solo sem medidas <strong>de</strong> proteção ao meio ambiente ou à<br />
saú<strong>de</strong> pública” (ALVES et al 2006, p.2).<br />
Ainda nesse senti<strong>do</strong>, Castilhos Júnior et al (2003, p.2) afirmam que:<br />
“[...] o <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s a céu aberto ou lixão é uma forma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>posição <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada sem compactação ou cobertura <strong>do</strong>s resíduos, o<br />
que propicia a poluição <strong>do</strong> solo, ar e água, bem como a proliferação <strong>de</strong><br />
vetores <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças”.<br />
Além <strong>de</strong>sses problemas, Sisinno (2002, p.13) <strong>de</strong>staca “[...] a contaminação da<br />
biota, poluição visual e sonora, <strong>de</strong>svalorização imobiliária, <strong>de</strong>scaracterização<br />
paisagística e <strong>de</strong>sequilíbrio ecológico” e alerta que:<br />
Além <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pósitos oficiais <strong>de</strong> resíduos, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>stacar a<br />
ocorrência <strong>de</strong> pequenos e “móveis” <strong>de</strong>pósitos clan<strong>de</strong>stinos. Esses<br />
<strong>de</strong>pósitos - na maior parte <strong>do</strong>s casos - estão localiza<strong>do</strong>s em regiões<br />
distantes e pouco urbanizadas, sen<strong>do</strong> sua vida útil condicionada à ação<br />
<strong>do</strong>s órgãos competentes: ação esta muitas vezes impulsionada por<br />
<strong>de</strong>núncias da população vizinha, <strong>de</strong> ONG’s ou da mídia. Os <strong>de</strong>pósitos<br />
clan<strong>de</strong>stinos ofere<strong>ce</strong>m riscos ao equilíbrio ambiental e à saú<strong>de</strong> humana<br />
uma vez que não se conhe<strong>ce</strong> a natureza <strong>do</strong>s resíduos <strong>de</strong>posita<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong><br />
que muitos <strong>de</strong>sses resíduos po<strong>de</strong>m conter substâncias com potencial <strong>de</strong><br />
causar sérios danos aos sistemas vivos (SISINNO, 2002, p.13).<br />
A partir <strong>do</strong> exposto, introduzimos alguns problemas sócio-ambientais<br />
advin<strong>do</strong>s da má gestão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s e lembramos que tais problemas<br />
28
assumem uma magnitu<strong>de</strong> ainda maior se for consi<strong>de</strong>rada a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e<br />
<strong>de</strong> natureza <strong>do</strong>s resíduos, conforme se observa nas consi<strong>de</strong>rações expostas nas<br />
seções seguintes.<br />
3.2.1 - Origens e Natureza <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista con<strong>ce</strong>itual,<br />
Qualquer forma <strong>de</strong> matéria ou substância, no esta<strong>do</strong> sóli<strong>do</strong> e semi-sóli<strong>do</strong>,<br />
que resulte <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> industrial, <strong>do</strong>miciliar, hospitalar, comercial,<br />
agrícola, <strong>de</strong> serviços, <strong>de</strong> varrição e <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s humanas, capazes<br />
<strong>de</strong> causar poluição ou contaminação ambiental são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s (CEARÁ, 2003, p.123).<br />
Ficam incluí<strong>do</strong>s nesta <strong>de</strong>finição os lo<strong>do</strong>s provenientes <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong><br />
tratamento <strong>de</strong> água, aqueles gera<strong>do</strong>s em equipamentos e instalações <strong>de</strong><br />
controle <strong>de</strong> poluição, bem como <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s líqui<strong>do</strong>s cujas<br />
particularida<strong>de</strong>s tornem inviável o seu lançamento na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
esgotos ou corpos d’água, ou exijam para isto soluções técnica e<br />
economicamente inviáveis em fa<strong>ce</strong> à melhor tecnologia disponível (ABNT,<br />
1987, p.13).<br />
Apesar da <strong>de</strong>finição, é importante esclare<strong>ce</strong>r que existem várias formas para<br />
classificar os resíduos sóli<strong>do</strong>s e que a<strong>do</strong>tamos a mesma linha <strong>de</strong> classificação<br />
apresentada pela Norma Brasileira (NBR) 10.004 da Associação Brasileira <strong>de</strong><br />
Normas Técnicas (ABNT).<br />
Desta forma, os resíduos sóli<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser classifica<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> sua<br />
origem ou natureza. Quanto à origem po<strong>de</strong>m ser urbanos, industriais, <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s rurais e rejeitos radioativos e, quanto à natureza, perigosos<br />
(Classe I), não-inertes (Classe II) e inertes (Classe III).<br />
Segun<strong>do</strong> Mandarino (2000) apud Zaneti (2006) “faz-se ne<strong>ce</strong>ssário uma<br />
classificação <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s, a fim <strong>de</strong> propiciar a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong><br />
tratamento e <strong>de</strong>stinação final que <strong>de</strong>vem re<strong>ce</strong>ber, para que não causem maiores<br />
danos ao homem e ao meio ambiente”.<br />
29
Assim, discorremos resumidamente abaixo sobre cada tipo <strong>de</strong> resíduo sóli<strong>do</strong>:<br />
- Os Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Urbanos (RSU):<br />
São também conheci<strong>do</strong>s como lixo <strong>do</strong>méstico e gera<strong>do</strong>s nas residências, no<br />
comércio ou em outras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas nas cida<strong>de</strong>s. Nesse grupo estão<br />
incluí<strong>do</strong>s os resíduos <strong>do</strong>s logra<strong>do</strong>uros públicos, como ruas e praças, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s<br />
por lixo <strong>de</strong> varrição ou público.<br />
Castilhos Júnior et al (2003, p.4) complementam que:<br />
- Os Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Industriais (RSI):<br />
Dentre os vários RSU gera<strong>do</strong>s, são normalmente encaminha<strong>do</strong>s para<br />
disposição em aterros, sob responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r municipal, os<br />
resíduos <strong>de</strong> origem <strong>do</strong>miciliar ou aqueles com características similares,<br />
como os comerciais, e os resíduos <strong>de</strong> limpeza pública.<br />
São geralmente produzi<strong>do</strong>s em gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s e dividi<strong>do</strong>s em sóli<strong>do</strong>s,<br />
líqui<strong>do</strong>s ou gasosos. De acor<strong>do</strong> com Sisinno (2003, p.370),<br />
O pro<strong>ce</strong>sso produtivo, na gran<strong>de</strong> maioria das vezes, tem como<br />
conseqüência a geração <strong>de</strong> resíduos que precisam <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong>stino<br />
a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, uma vez que diversas substâncias bastante comuns nos<br />
resíduos industriais são tóxicas e algumas têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
bioacumulação nos seres vivos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> entrar na ca<strong>de</strong>ia alimentar e<br />
chegar até o homem.<br />
Além <strong>de</strong>sse problema, o resíduo industrial é um <strong>do</strong>s maiores responsáveis<br />
pelas agressões fatais ao ambiente em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> suas características<br />
específicas e quantida<strong>de</strong> gerada diariamente.<br />
Os resíduos provenientes <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s industriais em geral contêm uma<br />
varieda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais e substâncias que não se <strong>de</strong>compõem<br />
ou po<strong>de</strong>m permane<strong>ce</strong>r muito tempo estáveis, sem mudar suas<br />
características; estes tipos <strong>de</strong> resíduos, que muitas vezes representam<br />
sérios perigos para a saú<strong>de</strong> pública, exigem acondicionamento, transporte<br />
e <strong>de</strong>stinação especiais (BNB, 1999, p.232).<br />
30
Cabe consi<strong>de</strong>rar que os próprios gera<strong>do</strong>res são os responsáveis pelos<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s gera<strong>do</strong>s pelas suas indústrias, caben<strong>do</strong>-lhes o cuida<strong>do</strong> na<br />
separação entre resíduos perigosos e não perigosos, sua coleta, tratamento e<br />
<strong>de</strong>stinação final.<br />
- Os Resíduos <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (RSS):<br />
Entre os tipos <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s os provenientes <strong>do</strong> “setor saú<strong>de</strong>”<br />
possivelmente assumem as maiores preocupações quan<strong>do</strong> se pensa na questão<br />
<strong>do</strong>s riscos à saú<strong>de</strong> pública e na contaminação <strong>do</strong> ambiente.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a Resolução RDC n o 33 <strong>de</strong> 2003 traz a ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
prevenir e reduzir os riscos à saú<strong>de</strong> e ao ambiente, propon<strong>do</strong> o gerenciamento <strong>do</strong>s<br />
RSS a partir da classificação <strong>de</strong>sses resíduos em: potencialmente infectantes<br />
(Grupo A), químicos (Grupo B), rejeitos radioativos (Grupo C), resíduos comuns<br />
(Grupo D) e perfurocortantes (Grupo E) .<br />
Em termos con<strong>ce</strong>ituais, a Lei Estadual 11.103 <strong>de</strong> 2001 <strong>de</strong>fine os RSS como:<br />
Os provenientes <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> natureza médico-assistencial, <strong>de</strong> <strong><strong>ce</strong>ntro</strong>s<br />
<strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e experimentação na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
bem como os remédios venci<strong>do</strong>s e/ou <strong>de</strong>teriora<strong>do</strong>s requeren<strong>do</strong> condições<br />
especiais quanto ao acondicionamento, coleta, transporte, tratamento e<br />
disposição final, por apresentarem periculosida<strong>de</strong> real ou potencial à saú<strong>de</strong><br />
humana, animal e ao meio ambiente (CEARÁ, 2001, p.2)<br />
Acres<strong>ce</strong>ntamos que os remédios venci<strong>do</strong>s e/ou <strong>de</strong>teriora<strong>do</strong>s por<br />
apresentarem periculosida<strong>de</strong> real ou potencial à saú<strong>de</strong> humana, animal e ao<br />
ambiente também são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s resíduos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. “No entanto,<br />
cabe consi<strong>de</strong>rar que somente uma par<strong>ce</strong>la <strong>do</strong>s RSS apresenta características <strong>de</strong><br />
patogenicida<strong>de</strong> e/ou periculosida<strong>de</strong>” (BNB, 1999, p.232).<br />
Conforme o IBGE (2002, p.52):<br />
[...] a situação <strong>de</strong> disposição e tratamento <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - RSS - melhorou, com 9,5% <strong>do</strong>s municípios<br />
encaminhan<strong>do</strong>-os para aterros <strong>de</strong> resíduos especiais (69,9% próprios e<br />
30,1% <strong>de</strong> ter<strong>ce</strong>iros). Em número <strong>de</strong> municípios, 2.569 <strong>de</strong>positam-nos nos<br />
mesmos aterros que <strong>do</strong>s resíduos comuns, enquanto 539 já estão<br />
31
envian<strong>do</strong>-os para locais <strong>de</strong> tratamento ou aterros <strong>de</strong> segurança. A<br />
disposição <strong>de</strong>stes resíduos nos mesmos aterros que re<strong>ce</strong>bem o lixo<br />
<strong>do</strong>miciliar não é ne<strong>ce</strong>ssariamente uma medida ina<strong>de</strong>quada, pois sua<br />
disposição em valas sépticas, isoladas e protegidas <strong>do</strong> a<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> pessoas<br />
tem si<strong>do</strong> a<strong>ce</strong>ita por alguns órgãos <strong>de</strong> controle ambiental. É interessante<br />
observar, também, que apenas uma diminuta per<strong>ce</strong>ntagem <strong>de</strong> municípios<br />
utiliza algum sistema <strong>de</strong> tratamento térmico <strong>do</strong>s RSS (incinera<strong>do</strong>r,<br />
microondas, autoclave).<br />
A cres<strong>ce</strong>nte consciência sobre os riscos à saú<strong>de</strong> pública e ao meio ambiente<br />
provoca<strong>do</strong>s por RSS <strong>de</strong>ve-se, principalmente, as suas frações infectantes. Assim, o<br />
maior problema <strong>do</strong>s RSS é seu potencial <strong>de</strong> risco, haja vista que são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
perigosos tanto pela legislação americana quanto pela normalização brasileira.<br />
Amplian<strong>do</strong> as discussões sobre os riscos associa<strong>do</strong>s aos RSS, trabalhos<br />
científicos confirmam o reconhecimento <strong>do</strong>s riscos pela sobrevivência <strong>de</strong> agentes<br />
<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> elevada resistência às condições ambientais. Morel e Bertussi Filho<br />
(1997) i<strong>de</strong>ntificaram importantes patógenos como a Mycobacterium tuberculosis, que<br />
inclusive, apresentou um tempo <strong>de</strong> resistência ambiental <strong>de</strong> até 180 dias na massa<br />
<strong>de</strong> resíduos. Já Hirai (1991) mostrou a resistência da Escherichia coli à <strong>de</strong>ssecação<br />
na presença <strong>de</strong> proteínas <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> flui<strong>do</strong>s corpóreos como sangue e <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s.<br />
- Os Resíduos <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s Rurais (RAR):<br />
São aqueles provenientes da ativida<strong>de</strong> agrosilvopastoril, inclusive os resíduos<br />
<strong>do</strong>s insumos utiliza<strong>do</strong>s nestas ativida<strong>de</strong>s, portanto, as embalagens <strong>de</strong> adubos, <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fensivos agrícolas e <strong>de</strong> ração, bem como os restos <strong>de</strong> colheita e o esterco animal<br />
enquadram-se nessa <strong>de</strong>finição.<br />
- Os Rejeitos Radioativos (RR):<br />
São resultantes <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s humanas que contenham radionuclí<strong>de</strong>os em<br />
quantida<strong>de</strong>s superiores aos limites <strong>de</strong> isenção especifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a norma<br />
da Comissão Nacional <strong>de</strong> Energia Nuclear (CNEN). “Po<strong>de</strong>m vir <strong>de</strong> laboratório <strong>de</strong><br />
análises clínicas, serviços <strong>de</strong> medicina nuclear e radioterapia” (IBAM, 2001, p.32).<br />
32
Desta forma, traçamos as consi<strong>de</strong>rações acima para classificar os resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> sua origem. No que diz respeito à natureza, os<br />
resíduos po<strong>de</strong>m ser perigosos (Classe I), não-inertes (Classe II) e inertes (Classe<br />
III).<br />
“Os resíduos perigosos são aqueles que apresentam periculosida<strong>de</strong> ou uma<br />
das características seguintes: inflamabilida<strong>de</strong>, corrosivida<strong>de</strong>, reativida<strong>de</strong>, toxicida<strong>de</strong><br />
ou patogenicida<strong>de</strong>” (CASTILHOS JÚNIOR et al 2003, p.5). Por isso conferem<br />
problemas à saú<strong>de</strong> pública e ao ambiente, exigin<strong>do</strong> tratamento e disposição<br />
especiais. Acres<strong>ce</strong>ntamos que resíduos contamina<strong>do</strong>s com metais pesa<strong>do</strong>s como<br />
chumbo, mercúrio, cádmio, com dioxinas ou com furanos são exemplos <strong>de</strong> resíduos<br />
perigosos.<br />
Os resíduos não-inertes são aqueles que po<strong>de</strong>m apresentar características<br />
<strong>de</strong> combustibilida<strong>de</strong>, bio<strong>de</strong>gradabilida<strong>de</strong> ou solubilida<strong>de</strong>, com possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> acarretar problemas à saú<strong>de</strong> ou ao meio ambiente, não se enquadran<strong>do</strong><br />
nas classificações <strong>de</strong> resíduos Classe I - Perigosos ou Classe III - Inertes<br />
(IBAM, 2001, p.26).<br />
Os resíduos não-inertes são basicamente os resíduos com as características<br />
<strong>do</strong> RSD.<br />
Por fim, os resíduos inertes são aqueles que, ao serem submeti<strong>do</strong>s aos testes<br />
<strong>de</strong> solubilização, não têm nenhum <strong>de</strong> seus constituintes solubiliza<strong>do</strong>s em<br />
con<strong>ce</strong>ntrações superiores aos padrões <strong>de</strong> potabilida<strong>de</strong> da água. Isto significa dizer<br />
que a água permane<strong>ce</strong>rá potável quan<strong>do</strong> em contato com o resíduo.<br />
3.2.2 - Características <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Segun<strong>do</strong> Castilhos Júnior et al (2003, p.7):<br />
As características quali-quantitativas <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m variar em<br />
função <strong>de</strong> vários aspectos, como os sociais, econômicos, culturais,<br />
geográficos e climáticos, ou seja, os mesmos fatores que também<br />
diferenciam as comunida<strong>de</strong>s entre si.<br />
33
Nessa perspectiva, o Quadro 2 expressa a variação das composições <strong>do</strong>s<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s em alguns países, <strong>de</strong>duzin<strong>do</strong>-se que a participação da matéria<br />
orgânica ten<strong>de</strong> a se reduzir nos países mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s ou industrializa<strong>do</strong>s,<br />
provavelmente em razão da gran<strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> alimentos semiprepara<strong>do</strong>s<br />
disponíveis no merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />
Quadro 2 - Composição Gravimétrica <strong>do</strong> Lixo <strong>de</strong> Alguns Países (%)<br />
Composto Brasil Alemanha Holanda EUA<br />
Matéria Orgânica 65,00 61,20 50,30 35,60<br />
Vidro 3,00 10,40 14,50 8,20<br />
Metal 4,00 3,80 6,70 8,70<br />
Plástico 3,00 5,80 6,00 6,50<br />
Papel 25,00 18,80 22,50 41,00<br />
Fonte: IBAM (2001).<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista qualitativo, os resíduos sóli<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser analisa<strong>do</strong>s por<br />
meio da <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> variáveis físicas, químicas e biológicas. Entre as variáveis<br />
físicas <strong>de</strong>stacamos: a geração per capita, a composição gravimétrica, o peso<br />
específico, o teor <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> e a compressivida<strong>de</strong>.<br />
Entre as químicas <strong>de</strong>stacamos: o po<strong>de</strong>r calorífero, o potencial hidrogeniônico<br />
(pH), a composição química e a relação carbono/nitrogênio, e entre as biológicas, a<br />
<strong>de</strong>terminação da população microbiana e <strong>do</strong>s agentes patogênicos. Abaixo,<br />
discorremos <strong>de</strong> forma objetiva e clara sobre cada uma das variáveis:<br />
- Geração per capita: relaciona a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resíduos urbanos gerada<br />
diariamente e o número <strong>de</strong> habitantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada região.<br />
Segun<strong>do</strong> o IBGE (2002, p.34) “a geração per capita <strong>de</strong> lixo no Brasil varia<br />
entre 450 e 700 gramas nos municípios com população inferior a 200 mil habitantes<br />
e entre 700 e 1.200 gramas em municípios com população superior a 200 mil<br />
habitantes”.<br />
34
Esta característica é fundamental para projetarmos as quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
resíduos a coletar e a dispor, sen<strong>do</strong> ainda importante no dimensionamento <strong>de</strong><br />
veículos, na <strong>de</strong>terminação da taxa <strong>de</strong> coleta, bem como para o correto<br />
dimensionamento <strong>de</strong> todas as unida<strong>de</strong>s que compõem o sistema <strong>de</strong> limpeza urbana.<br />
- Composição Gravimétrica: traduz o per<strong>ce</strong>ntual <strong>de</strong> cada componente em relação ao<br />
peso total da amostra <strong>de</strong> lixo analisada.<br />
Segun<strong>do</strong> o IBAM (2001), os componentes mais utiliza<strong>do</strong>s na <strong>de</strong>terminação da<br />
composição gravimétrica <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos são (Quadro 3):<br />
Quadro 3 - Componentes Mais Comuns da Composição Gravimétrica<br />
Matéria Orgânica Metal Não-Ferroso Borracha<br />
Papel Alumínio Plástico Rígi<strong>do</strong><br />
Papelão Cerâmica Plástico Maleável<br />
PET Agrega<strong>do</strong> Fino Vidro Claro<br />
Ma<strong>de</strong>ira Pano/Trapo Vidro Escuro<br />
Metal Ferroso Ossos -<br />
Fonte: IBAM (2001).<br />
O conhecimento da composição gravimétrica nos possibilita o aproveitamento<br />
das frações recicláveis para comercialização e da matéria orgânica para a produção<br />
<strong>de</strong> composto orgânico. Entretanto, Valle Mota (2005, p.4) lembra que, “nas cida<strong>de</strong>s<br />
<strong>do</strong> interior e áreas rurais, é comum encontrar uma quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> lixo orgânico<br />
(cascas <strong>de</strong> frutas e legumes, restos <strong>de</strong> alimentos) na composição <strong>do</strong> lixo <strong>do</strong>méstico<br />
<strong>do</strong> que a encontrada em gran<strong>de</strong>s <strong><strong>ce</strong>ntro</strong>s urbanos”.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> a autora (p.4) “[...] o tratamento dispensa<strong>do</strong> ao lixo po<strong>de</strong><br />
revelar qual a importância que a socieda<strong>de</strong> dá ao tema, se existem marcos<br />
regulatórios eficazes e técnicas eficientes para a coleta, transporte, armazenamento<br />
e <strong>de</strong>stinação final <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s”.<br />
A composição gravimétrica constitui uma informação importante na<br />
compreensão <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong>s resíduos, aterra<strong>do</strong>s ou não, e<br />
expressa, em per<strong>ce</strong>ntual, a presença <strong>de</strong> cada componente em relação ao<br />
peso total da amostra <strong>do</strong>s resíduos (MELO e JUCÁ, 2000, p.8).<br />
35
Esses estu<strong>do</strong>s contribuem, ainda, para o monitoramento ambiental, na<br />
compreensão <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição <strong>do</strong>s resíduos e na estimativa<br />
da vida útil das áreas utilizadas para <strong>de</strong>stinação final <strong>de</strong> resíduos<br />
(MONTEIRO e JUCÁ, 1999, p.12).<br />
- Peso Específico: é o peso <strong>do</strong>s resíduos em função <strong>do</strong> volume por eles ocupa<strong>do</strong>,<br />
expresso em kg/m³.<br />
Sua <strong>de</strong>terminação é fundamental para o dimensionamento <strong>de</strong> equipamentos e<br />
instalações. Conforme o IBAM (2001, p.35):<br />
Na ausência <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s mais precisos, po<strong>de</strong>m-se utilizar os valores <strong>de</strong> 230<br />
kg/m³ para o peso específico <strong>do</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar, <strong>de</strong> 280 kg/m³ para o peso<br />
específico <strong>do</strong>s resíduos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> 1.300 kg/m³ para o peso<br />
específico <strong>de</strong> entulho <strong>de</strong> obras conforme relatou.<br />
- Teor <strong>de</strong> Umida<strong>de</strong>: representa a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água presente no lixo, medida em<br />
per<strong>ce</strong>ntual <strong>do</strong> seu peso.<br />
Lembramos que este parâmetro se altera em função das estações <strong>do</strong> ano e<br />
da incidência <strong>de</strong> chuvas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se estimar um teor <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> varian<strong>do</strong> em torno<br />
<strong>de</strong> 40 a 60%. Esta característica tem influência <strong>de</strong>cisiva, principalmente nos<br />
pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong>stinação <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s, na velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>composição da matéria orgânica no pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> compostagem e no cálculo da<br />
produção <strong>de</strong> chorume.<br />
- Compressivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Lixo: também conhecida como grau <strong>de</strong> compactação, indica a<br />
redução <strong>de</strong> volume que uma massa <strong>de</strong> lixo po<strong>de</strong> sofrer, quan<strong>do</strong> submetida a uma<br />
pressão <strong>de</strong>terminada.<br />
De acor<strong>do</strong> com o IBAM (2001, p.35):<br />
[...] submeti<strong>do</strong> a uma pressão <strong>de</strong> 4 kg/cm², o volume <strong>do</strong> lixo po<strong>de</strong> ser<br />
reduzi<strong>do</strong> <strong>de</strong> um terço (1/3) a um quarto (1/4) <strong>do</strong> seu volume original. Tais<br />
valores são utiliza<strong>do</strong>s para dimensionamento <strong>de</strong> equipamentos<br />
compacta<strong>do</strong>res e estações <strong>de</strong> transferência.<br />
- Po<strong>de</strong>r Calorífero: indica a capacida<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> um material <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>terminada quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> calor quan<strong>do</strong> submeti<strong>do</strong> à queima.<br />
36
Segun<strong>do</strong> o IBAM (2001, p.36), “o po<strong>de</strong>r calorífico médio <strong>do</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar se<br />
situa na faixa <strong>de</strong> 5.000 kcal/kg. Tal variável influencia o dimensionamento das<br />
instalações <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> tratamento térmico (incineração, pirólise e<br />
outros)”.<br />
- Potencial Hidrogeniônico (pH): expressa a intensida<strong>de</strong> da condição ácida, básica<br />
ou neutra <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> meio.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser muito comum essa variável é <strong>de</strong> extrema importância. Por meio<br />
<strong>do</strong> pH po<strong>de</strong>mos indicar o grau <strong>de</strong> corrosivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s resíduos coleta<strong>do</strong>s e<br />
estabele<strong>ce</strong>r o tipo <strong>de</strong> proteção contra a corrosão a ser usa<strong>do</strong> em veículos,<br />
equipamentos, contêineres e caçambas metálicas.<br />
Além <strong>do</strong> pH, lembramos que estu<strong>do</strong>s sobre a composição química <strong>do</strong>s<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> outros constituintes<br />
importantes, <strong>de</strong>ntre os quais: o nitrogênio, o fósforo, o potássio, o enxofre, o<br />
carbono, os sóli<strong>do</strong>s totais dissolvi<strong>do</strong>s e voláteis, etc.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista biológico, os resíduos sóli<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser caracteriza<strong>do</strong>s por<br />
meio da <strong>de</strong>terminação da população microbiana e <strong>do</strong>s agentes patogênicos.<br />
Diversos estu<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntre os quais o <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Monteiro et al (2006)<br />
<strong>de</strong>stacam a importância da quantificação <strong>de</strong> fungos, bactérias aeróbias e<br />
anaeróbias, bem como <strong>de</strong> microrganismos proteolíticos, <strong>ce</strong>lulolíticos e amilolíticos<br />
presentes na massa <strong>de</strong> resíduos.<br />
Segun<strong>do</strong> o IBAM (2001, p.38) “a caracterização biológica é fundamental para<br />
auxiliar a fabricação <strong>de</strong> inibi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> cheiro e <strong>de</strong> a<strong>ce</strong>lera<strong>do</strong>res e retarda<strong>do</strong>res da<br />
<strong>de</strong>composição da matéria orgânica presente nos resíduos”.<br />
O Quadro 4 apresenta toda uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agentes biológicos<br />
prejudiciais a saú<strong>de</strong> humana e que vivem nos resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
37
Quadro 4 - Microrganismos Patogênicos nos Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Microrganismos Doenças Tempo <strong>de</strong> Sobrevivência (dias)<br />
Bactérias - -<br />
Salmonella typhi Febre tifói<strong>de</strong> 29 - 70<br />
Salmonella Paratyphi Febre paratifói<strong>de</strong> 29 - 70<br />
Salmonella SP Salmoneloses 29 - 70<br />
Shigella Disenteria bacilar 02 - 07<br />
Coliformes termotolerantes Gastroenterites 35<br />
Leptospira Leptospirose 15 - 43<br />
Mycobacterium tuberculosis Tuberculose 150 - 180<br />
Vibrio colerae Cólera 1 - 13<br />
Vírus - -<br />
Enterovirus Poliomielite 20 - 70<br />
Helmintos - -<br />
Ascaris lumbricói<strong>de</strong>s Ascaridíase 2000 - 2500<br />
Trichuris trichiura Trichiuríase 1800<br />
Larvas <strong>de</strong> ancilóstomos Ancilostomose 35<br />
Protozoários - -<br />
Entamoeba histolytica Amebíase 08 - 12<br />
Fonte: Adapta<strong>do</strong> <strong>de</strong> FUNASA (1999).<br />
Além <strong>do</strong>s aspectos qualitativos é ne<strong>ce</strong>ssário <strong>de</strong>terminar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
resíduos produzi<strong>do</strong>s por dia (toneladas/dia; m 3 /dia). Contu<strong>do</strong>, Castilhos Júnior et al<br />
(2003, p.9) lembram que “a quantida<strong>de</strong> exata <strong>de</strong> resíduos gera<strong>do</strong>s é <strong>de</strong> difícil<br />
<strong>de</strong>terminação pelo fato <strong>de</strong> esta sofrer interferências <strong>do</strong> armazenamento, da<br />
reutilização ou reciclagem e <strong>do</strong> <strong>de</strong>scarte em locais clan<strong>de</strong>stinos, que acabam por<br />
<strong>de</strong>sviar parte <strong>do</strong> fluxo <strong>de</strong> materiais antes <strong>do</strong> <strong>de</strong>scarte <strong>do</strong>s resíduos por seu gera<strong>do</strong>r”.<br />
Mesmo assim, algumas publicações tentam estimar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s por dia no Brasil, mas não há na literatura uma homogeneida<strong>de</strong><br />
nos da<strong>do</strong>s. O IBGE (2002) afirma que são produzidas diariamente <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong> 126 mil<br />
toneladas. Lizárraga (2001) apud Mazzer e Cavalcanti (2004) aponta para 200 mil<br />
toneladas/dia. SÃO PAULO (1999) indica 241 mil toneladas/dia e Pereira Neto<br />
(2007) estima 115 mil toneladas.<br />
38
4. - RESULTADOS<br />
Os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa pesquisa foram dividi<strong>do</strong>s em quatro seções principais:<br />
- Na primeira foram apresentadas informações históricas sobre o Sistema <strong>de</strong><br />
Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (SGRSD) <strong>de</strong> Fortaleza/CE.<br />
- Na segunda, a atual ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (RSD) foi<br />
<strong>de</strong>scrita.<br />
- Na ter<strong>ce</strong>ira seção foram apresentadas algumas informações biográficas <strong>do</strong>s<br />
entrevista<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s alguns aspectos das entrevistas.<br />
- Na quarta seção, foram apresenta<strong>do</strong>s os relatos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro das<br />
categorias apreendidas, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> as implicações ambientais e à saú<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> trabalho com os RSD e compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as condições sociais e <strong>de</strong><br />
vida <strong>de</strong> alguns trabalha<strong>do</strong>res.<br />
4.1 - O SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE<br />
A questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE é marcada por vários<br />
momentos históricos diferentes.<br />
De 1956 a 1960 a capital <strong>ce</strong>arense fazia uso <strong>de</strong> um lixão localiza<strong>do</strong> no Bairro<br />
Monte Castelo, conheci<strong>do</strong> por Lixão <strong>do</strong> João Lopes. A coleta <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>miciliares, sob responsabilida<strong>de</strong> da prefeitura da época, era feita com caminhões<br />
abertos nas áreas <strong>de</strong> maior a<strong>ce</strong>sso e com carroças em locais <strong>de</strong> difícil a<strong>ce</strong>sso e,<br />
inclusive, nas praias da capital <strong>ce</strong>arense.<br />
O Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo, o primeiro <strong>de</strong> Fortaleza, coincidiu com a<br />
efervescência <strong>do</strong> consumo na capital que se intensificou com a entrada <strong>do</strong> Brasil na<br />
II Guerra Mundial e a chegada <strong>de</strong> bens importa<strong>do</strong>s. Em pouco tempo, o referi<strong>do</strong> lixão<br />
39
se tornou inapto para “acomodar” o montante <strong>de</strong> resíduos e a “solução” foi transferí-<br />
los para uma área <strong>do</strong> bairro Barra <strong>do</strong> Ceará nos anos seguintes.<br />
A Figura 2 mostra uma visão geral <strong>do</strong> bairro Monte Castelo (3 o 43’ 50.25’’ S e<br />
38 o 33’ 39.51’’ O 20 ) on<strong>de</strong> se circulou 21 a área <strong>do</strong> lixão outrora instala<strong>do</strong>. Observamos<br />
que hoje há uma total urbanização da área; o que <strong>de</strong>ve conferir to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
riscos as edificações - consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que muitas substâncias presentes nos resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares po<strong>de</strong>m ser corrosivas para alguns materiais <strong>de</strong> construção<br />
(Emberton e Parker, 1987 apud Sisinno, 2002) -, ao ambiente - consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a<br />
questão da contaminação pelo chorume e pelos gases -, e consequentemente à<br />
saú<strong>de</strong> da população.<br />
Figura 2 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
Observan<strong>do</strong> a Figura 2 per<strong>ce</strong>bemos que a área utilizada para o Lixão <strong>do</strong><br />
Monte Castelo apresenta em suas proximida<strong>de</strong>s um pequeno espelho d’água<br />
perten<strong>ce</strong>nte ao antigo Açu<strong>de</strong> João Lopes.<br />
Segun<strong>do</strong> Rocca, Iacovone e Barrotti (1993) <strong>de</strong>vem ser observadas distâncias<br />
maiores <strong>de</strong> 200m entre o terreno utiliza<strong>do</strong> para disposição <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s e os<br />
corpos <strong>de</strong> água superficiais, sen<strong>do</strong> esta distância também corroborada pela Norma<br />
20 As coor<strong>de</strong>nadas se referem a figura como um to<strong>do</strong> e não somente as áreas <strong>do</strong>s lixões.<br />
21<br />
As áreas circuladas não representam a área real <strong>de</strong> cada lixão pesquisa<strong>do</strong>, mas uma <strong>de</strong>limitação aproximada feita com a<br />
ajuda das comunida<strong>de</strong>s locais.<br />
40
Técnica NBR 8.419 e pela NBR 13.896, ambas da Associação Brasileira <strong>de</strong> Normas<br />
Técnicas e publicadas em 1984 e 2002, respectivamente.<br />
Trabalhan<strong>do</strong> com os limites acima Possamai et al (2007) criaram alguns<br />
“indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> risco” para melhor compreen<strong>de</strong>r os impactos ambientais <strong>do</strong>s<br />
lixões inativos <strong>de</strong> Santa Catarina e qualificaram as intensida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses “riscos” em<br />
“baixo”, “regular” e “crítico”. No que diz respeito a distância entre os lixões e as<br />
águas superficiais, Possamai et al (2007) a<strong>do</strong>taram o seguinte parâmetro: distância<br />
acima <strong>de</strong> 200 metros: grau <strong>de</strong> risco baixo; distância entre 101 a 200 metros: grau <strong>de</strong><br />
risco regular; e distância entre 0 a 100 metros: grau <strong>de</strong> risco crítico.<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as informações <strong>do</strong>s autores acima, pu<strong>de</strong>mos melhor<br />
compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s lixões <strong>de</strong> Fortaleza/CE e observar que, hoje, a área <strong>do</strong><br />
Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo está afastada a mais <strong>de</strong> 200 metros <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> corpo<br />
d’água, representan<strong>do</strong> baixo risco <strong>de</strong> causar poluição ao referi<strong>do</strong> recurso hídrico via<br />
escoamento superficial. Entretanto, não sabemos precisar o impacto na qualida<strong>de</strong><br />
das águas subterrâneas da região, pois precisaríamos coletar amostras da água e<br />
realizar exames laboratoriais.<br />
Os contatos informais que realizamos com a comunida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>nte nas<br />
proximida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> espelho d’água, permitiram observar que o lixão já esteve<br />
la<strong>do</strong>-a-la<strong>do</strong> com o Açu<strong>de</strong> João Lopes durante o seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> operação, pois o<br />
açu<strong>de</strong> possuía gran<strong>de</strong>s proporções e Fortaleza não contava com a severa<br />
especulação imobiliária da atualida<strong>de</strong>, que aterra recursos hídricos importantes e<br />
<strong>de</strong>srespeita a legislação ambiental.<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que naquela época, Fortaleza contava com apenas<br />
514.818 habitantes (IBGE, 2001), o que implicava em uma baixa taxa <strong>de</strong> geração <strong>de</strong><br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s. Contu<strong>do</strong>, a capital <strong>ce</strong>arense já começava a dar sinais <strong>de</strong> um<br />
crescimento urbano a<strong>ce</strong>ntua<strong>do</strong>, pois surgiam diversos núcleos urbanos<br />
absolutamente <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> infra-estrutura básica conforme Aragão (2002)<br />
41
No que diz respeito a distância entre os lixões e as residências, a NBR 13.896<br />
aponta que os aterros 22 <strong>de</strong>vem possuir uma distância mínima <strong>de</strong> 500 metros <strong>do</strong>s<br />
núcleos populacionais. Para esse limite, Possamai et al (2007) a<strong>do</strong>taram o seguinte<br />
parâmetro e “riscos”: distância acima <strong>de</strong> 500 metros: grau <strong>de</strong> risco baixo; distância<br />
entre 251 a 500 metros: grau <strong>de</strong> risco regular; e distância entre 0 a 250 metros: grau<br />
<strong>de</strong> risco crítico.<br />
Observan<strong>do</strong> a Figura 02, per<strong>ce</strong>bemos que as comunida<strong>de</strong>s moram<br />
praticamente “em cima” da área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo, portanto, o “risco” po<strong>de</strong><br />
ser classifica<strong>do</strong> como “crítico”, se tomarmos como referência os autores.<br />
De 1961 a 1965, Fortaleza dispunha seus RSD no Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará<br />
por meio <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> coleta <strong>do</strong>miciliar à base <strong>de</strong> caçambas, carros <strong>de</strong><br />
carro<strong>ce</strong>ria e tratores. Um aspecto relevante <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong> é que a partir <strong>do</strong> Lixão da<br />
Barra <strong>do</strong> Ceará surgiram os primeiros cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> recicláveis da cida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong><br />
muitos <strong>de</strong>les provenientes <strong>do</strong> êxo<strong>do</strong> rural que marcou a década <strong>de</strong> 60.<br />
A Figura 3 mostra uma visão geral <strong>do</strong> bairro Barra <strong>do</strong> Ceará (3 o 43’ 24.67’ S e<br />
38 o 33’ 24.91’’ W) on<strong>de</strong> se circulou a área <strong>do</strong> lixão outrora instala<strong>do</strong>. Observamos<br />
que hoje há uma total urbanização da área em <strong>de</strong>corrência da instalação da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiabeiras.<br />
Figura 3 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
22 A NBR utiliza o termo aterro, mas não o <strong>de</strong>fine, portanto, po<strong>de</strong> estar haven<strong>do</strong> uma confusão entre “lixão” e “aterro sanitário”.<br />
42
A área utilizada para o Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará, conforme se observa na<br />
Figura 3, apresenta em suas proximida<strong>de</strong>s o mar, entretanto, nossa visita <strong>de</strong> campo<br />
permitiu observar que, atualmente, a área dista mais <strong>de</strong> 200 metros e representa<br />
baixo risco <strong>de</strong> contaminação superficial quan<strong>do</strong> comparamos essa distância aos<br />
limites aponta<strong>do</strong>s por Rocca, Iacovone e Barrotti (1993), ABNT (1984), ABNT (2002)<br />
e Possamai et al (2007). O mesmo não po<strong>de</strong>mos dizer quanto a contaminação<br />
subterrânea.<br />
O nosso contato com a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiabeiras permitiu observar que a<br />
“rampa <strong>de</strong> lixo” (como se chamava a área) ficava a menos <strong>de</strong> 200 metros <strong>do</strong> mar,<br />
portanto, representou para aquela época um ambiente <strong>de</strong> alto risco. Nos relatou um<br />
mora<strong>do</strong>r que para construir a sua casa foi ne<strong>ce</strong>ssário <strong>de</strong>s<strong>ce</strong>r mais <strong>de</strong> cinco metros<br />
<strong>de</strong> concreto na “rampa <strong>de</strong> lixo”, mas ainda hoje, os pisos <strong>do</strong>s cômo<strong>do</strong>s tremem se<br />
um transporte pesa<strong>do</strong> (caminhão, carreta, etc.) passar na frente da sua casa.<br />
Observan<strong>do</strong> a Figura 3, per<strong>ce</strong>bemos que a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiabeira se instalou<br />
praticamente “em cima” da área <strong>do</strong> Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará.<br />
Em termos históricos, o Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará surgiu durante o Governo <strong>de</strong><br />
Virgílio Távora (1963-1966) quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>u início à implantação <strong>do</strong> Distrito Industrial <strong>de</strong><br />
Fortaleza, o que in<strong>ce</strong>ntivou as pessoas a saírem <strong>do</strong> interior para a capital em busca<br />
<strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida. Contu<strong>do</strong>, ao chegar à Fortaleza, a baixa<br />
escolarida<strong>de</strong> propiciou o a<strong>ce</strong>sso a sub-empregos ou manteve tais pessoas<br />
<strong>de</strong>sempregadas, levan<strong>do</strong>-as, por vezes, a catação <strong>de</strong> recicláveis na Barra <strong>do</strong> Ceará.<br />
Alguns migrantes, conforme encontramos em Aragão (2002) <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong><br />
trabalhar na agricultura e começaram a catar. Assim, ganhar dinheiro catan<strong>do</strong><br />
objetos na Barra <strong>do</strong> Ceará era uma possibilida<strong>de</strong> que existia, antes mesmo <strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>dicarem a essa tarefa <strong>de</strong> forma mais sistemática e <strong>de</strong> a elegerem como fonte<br />
principal <strong>de</strong> renda. Como observamos em Paixão (2005), o lixão é um ‘recurso’<br />
numa socieda<strong>de</strong> marcada pela redução na oferta <strong>de</strong> empregos e está sempre<br />
disponível, enquanto outras portas se fecham.<br />
Esclare<strong>ce</strong>mos que a saída das pessoas <strong>do</strong> interior para Fortaleza/CE,<br />
naquela época, não foi um fato exclusivo da capital <strong>ce</strong>arense. Observamos em<br />
43
Dupas (1999, p.9), que esse “êxo<strong>do</strong>” se manifestava como um fenômeno nacional,<br />
ao afirmar que:<br />
[...] nos últimos cinqüenta anos, em virtu<strong>de</strong> da mudança <strong>do</strong> padrão<br />
tecnológico no campo, das migrações e da dinâmica populacional, as<br />
cida<strong>de</strong>s brasileiras passaram <strong>de</strong> 12 milhões para 130 milhões <strong>de</strong> pessoas,<br />
constituin<strong>do</strong>-se em um <strong>do</strong>s mais maciços pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento<br />
populacional da história mundial.<br />
A ilusão por melhores condições <strong>de</strong> vida na cida<strong>de</strong>, que leva muitas pessoas<br />
a aban<strong>do</strong>narem o campo, foi objeto das reflexões <strong>de</strong> Lessa (2003) e Bursztyn<br />
(2003). Segun<strong>do</strong> o primeiro autor, “no teci<strong>do</strong> urbano, em contraste com o interior,<br />
existe - ainda que em embrião - a idéia <strong>do</strong> público. Além disso, a cida<strong>de</strong> é per<strong>ce</strong>bida<br />
como um espaço <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s lotéricas, ainda que ínfimas; <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong><br />
individual”.<br />
Aproximan<strong>do</strong> essas consi<strong>de</strong>rações da realida<strong>de</strong> brasileira, o segun<strong>do</strong> autor<br />
(p.29) nos traz que “[...] em países como o Brasil, impasses na relação campocida<strong>de</strong><br />
servem <strong>de</strong> combustível ao agravamento das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção na<br />
vida urbana”. Ainda segun<strong>do</strong> Bursztyn (2003, p.44), “a dinâmica populacional <strong>do</strong><br />
Brasil configurou, na segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso século, uma fantástica inversão <strong>do</strong><br />
índi<strong>ce</strong> <strong>de</strong> urbanização que passa <strong>de</strong> algo em torno <strong>de</strong> 30% em 1950, para 80% na<br />
virada <strong>do</strong> século”.<br />
A cida<strong>de</strong> brasileira atravessou intensas transformações econômicas,<br />
sempre reproduzin<strong>do</strong> a difícil inserção <strong>de</strong> pobre na produção, no consumo<br />
e na cidadania. Ao mesmo tempo, ela foi a “universida<strong>de</strong>” que ensinou a<br />
esse mesmo pobre a sobrevivência nas brechas da socieda<strong>de</strong> e a<br />
prospectar estas transformações, adaptan<strong>do</strong>-se a elas (LESSA, 2003,<br />
p.13).<br />
Exatamente nas lacunas da socieda<strong>de</strong>, citadas pelo autor, estão os cata<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong> recicláveis, que cada vez mais se multiplicam e continuam à margem. Conforme<br />
Abreu (2001, p.33),<br />
“os cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais estão presentes em 3.800 municípios <strong>do</strong> Brasil,<br />
atuan<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s serviços municipais <strong>de</strong> limpeza urbana e <strong>de</strong>svian<strong>do</strong><br />
entre 10 e 20% <strong>do</strong>s resíduos urbanos para um circuito econômico<br />
complexo, que passa por intermediários e termina nas empresas <strong>de</strong><br />
reciclagem <strong>de</strong> plástico, vidro, papel, alumínio e ferro”.<br />
44
Com a <strong>de</strong>sativação <strong>do</strong> Lixão da Barra <strong>do</strong> Ceará, os cata<strong>do</strong>res foram para o<br />
Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra e, nesse perío<strong>do</strong>, Fortaleza já contava com<br />
aproximadamente 842.702 habitantes (IBGE, 2001), o que levou o lixão a sobreviver<br />
durante muito pouco tempo em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> aumento da taxa <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> RSD<br />
na cida<strong>de</strong>.<br />
Assim, <strong>de</strong> 1966 a 1967, os RSD <strong>de</strong> Fortaleza eram coleta<strong>do</strong>s pela Prefeitura e<br />
encaminha<strong>do</strong>s ao Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra (conheci<strong>do</strong> por Lixão <strong>do</strong> Buraco da Gia;<br />
hoje uma favela com a mesma <strong>de</strong>nominação), localiza<strong>do</strong> nas proximida<strong>de</strong>s da<br />
Fábrica <strong>de</strong> Beneficiamento <strong>de</strong> Castanha CIONE, na Avenida Mister Hall.<br />
A Figura 4 mostra uma visão geral <strong>do</strong> bairro Antônio Bezerra (3 o 44’ 31’’ S e<br />
38 o 34’ 47’’ W) on<strong>de</strong> se circulou a área <strong>do</strong> lixão outrora instala<strong>do</strong>. Observamos que<br />
lixão existiu em plena Área <strong>de</strong> Preservação Permanente <strong>de</strong> um recurso hídrico; que<br />
ainda sobrevivem.<br />
Figura 4 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os limites aponta<strong>do</strong>s por Rocca, Iacovone e Barrotti (1993),<br />
ABNT (1984), ABNT (2002) e Possamai et al (2007), o Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra<br />
representou alto risco <strong>de</strong> causar poluição ao recurso hídrico. Certamente, ele<br />
também não dista mais <strong>de</strong> 500m das residências, o que configura um outro risco à<br />
população.<br />
45
Com a <strong>de</strong>sativação <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Antônio Bezerra, os cata<strong>do</strong>res foram para o<br />
Lixão <strong>do</strong> Henrique Jorge. Portanto, <strong>de</strong> 1968 a 1977, a capital <strong>ce</strong>arense fazia uso <strong>de</strong><br />
um lixão localiza<strong>do</strong> no Bairro Henrique Jorge, por <strong>de</strong>trás da Avenida Fernan<strong>de</strong>s<br />
Távora.<br />
A coleta <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s ainda era feita com caçambas, contu<strong>do</strong>, surgia<br />
o primeiro coletor compacta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ceará, pois a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> RSD<br />
gerada pelos quase 1.308.919 habitantes (IBGE, 2001), crescia vertiginosamente<br />
em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong>s primeiros Shopping’s Center’s na cida<strong>de</strong>.<br />
A Figura 5 mostra uma visão geral <strong>do</strong> bairro Henrique Jorge (3 o 45’ 22’’ S e<br />
38 o 35’ 46’’ W) on<strong>de</strong> se circulou a área <strong>do</strong> lixão outrora instala<strong>do</strong>.<br />
Figura 5 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Henrique Jorge<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
Observamos a total urbanização da área na atualida<strong>de</strong> o que nos leva a<br />
suspeitar os mesmos problemas levanta<strong>do</strong>s para a área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo<br />
e da Barra <strong>do</strong> Ceará com o agravante da proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um recurso hídrico (Figura<br />
5).<br />
Com a <strong>de</strong>sativação <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Henrique Jorge, Fortaleza passou a utilizar<br />
uma nova área para lançamento final <strong>do</strong>s seus resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares: a <strong>do</strong><br />
Jangurussu. Então, os cata<strong>do</strong>res “se mudaram” e foram residir e sobreviver,<br />
46
encontran<strong>do</strong> nesse espaço algumas vezes o que comer e também o que ven<strong>de</strong>r no<br />
Lixão <strong>do</strong> Jangurussu.<br />
Instala<strong>do</strong> nas proximida<strong>de</strong>s da Bacia Hidrográfica <strong>do</strong> Rio Cocó, o referi<strong>do</strong><br />
lixão funcionou <strong>de</strong> 1978 à 1998, sen<strong>do</strong> “inaugura<strong>do</strong>” com a presença <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 80<br />
cata<strong>do</strong>res (Figura 6), entre crianças e adultos. Contu<strong>do</strong>, esse número alcançou a<br />
marca <strong>do</strong>s 400 cata<strong>do</strong>res em 1992 e, em 1997, <strong>do</strong>s 501, <strong>do</strong>s quais 69 eram<br />
crianças 23 . O lixão ocupou uma área total equivalente a 240.000m 2 .<br />
Figura 6 - Cata<strong>do</strong>res no Lixão <strong>do</strong> Jangurussu em 1996<br />
Fonte: Arquivo da EMLURB.<br />
A Figura 7 mostra uma visão geral <strong>do</strong> bairro Jangurussu (3 o 49’ 24’’ S e 38 o<br />
31’ 18’’ W) on<strong>de</strong> se circulou a área <strong>do</strong> lixão outrora instala<strong>do</strong>. Observamos pela<br />
Figura que não há ocupação <strong>de</strong>ssa área pelas comunida<strong>de</strong>s circunvizinhas, que o<br />
Rio Cocó encontra-se bem ao la<strong>do</strong> e há uma distância inferior a 200 metros<br />
conforme nossa visita <strong>de</strong> campo.<br />
No meio <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1997 o Lixão <strong>do</strong> Jangurussu encontrava-se praticamente<br />
satura<strong>do</strong> levan<strong>do</strong> a EMLURB a iniciar um pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> diálogo com os cata<strong>do</strong>res,<br />
informan<strong>do</strong> que o lixão iria ser <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong> para dar lugar a uma nova sistemática <strong>de</strong><br />
gerenciamento <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares para Fortaleza e sua região<br />
23 Informação verbal <strong>de</strong> um técnico da empresa responsável pela gestão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE.<br />
47
metropolitana. Aos cata<strong>do</strong>res restou escolher entre “perambular 24 ” pelas ruas à<br />
procura da sobrevivência (recicláveis) ou a<strong>de</strong>rir a COOSELC (Cooperativa <strong>do</strong>s<br />
Trabalha<strong>do</strong>res Autônomos da Seleção e Coleta <strong>de</strong> Materiais Recicláveis) - hoje<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
Figura 7 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu.<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
Com a <strong>de</strong>sativação <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu, Fortaleza atingiu a marca <strong>de</strong><br />
cinco gran<strong>de</strong>s lixões, que, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>m continuar durante anos<br />
provocan<strong>do</strong> problemas ambientais e à saú<strong>de</strong> humana, especialmente das pessoas<br />
que habitam áreas próximas; por sua vez, pobres e submetidas a ausência <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> esgotamento sanitário, abastecimento <strong>de</strong> água, drenagem urbana e<br />
limpeza pública, o que agrava o quadro.<br />
Para aprofundar esses impactos resgatamos na literatura alguns trabalhos<br />
(Sisinno e Moreira, 1996; D’Almeida, 2000; Filho, 2001) e nos aprofundamos no<br />
re<strong>ce</strong>nte estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Possamai et al (2007), pela proximida<strong>de</strong> temática e<br />
pelo fato <strong>de</strong> tais autores terem realiza<strong>do</strong> um levantamento <strong>do</strong>s lixões inativos na<br />
região carbonífera <strong>de</strong> Santa Catarina, analisan<strong>do</strong> os problemas que estes<br />
representam à saú<strong>de</strong> pública e ao ambiente, como dito anteriormente.<br />
24 Bursztyn (2003) utiliza o termo “mo<strong>de</strong>rnôma<strong>de</strong>s” para mesclar as andanças <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res e o paradigma da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
48
Os levantamentos feitos pelos autores revelaram que nos 11 municípios<br />
perten<strong>ce</strong>ntes à região carbonífera há 11 lixões inativos, localiza<strong>do</strong>s em 09<br />
municípios. Assim, há municípios com mais <strong>de</strong> um lixão inativo e municípios sem<br />
lixões inativos em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong> entre municípios<br />
vizinhos para uso <strong>de</strong> um mesmo lixão. Segun<strong>do</strong> os autores,<br />
[...] esses acor<strong>do</strong>s levam a uma configuração atual na qual o lixão, por<br />
estar inativo e "esqueci<strong>do</strong>", representa maior responsabilida<strong>de</strong> e<br />
reocupação para o município que o abriga. Assim, o ônus é unilateral,<br />
enquanto o benefício foi compartilha<strong>do</strong>. Todavia, mesmo nos municípios<br />
que abrigam os lixões essa preocupação é "intermitente", o que po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> os resíduos serem frutos <strong>de</strong> administrações<br />
passadas e <strong>de</strong> eventual inércia para com questões <strong>de</strong>sse gênero, fazen<strong>do</strong><br />
com que posicionamentos sejam assumi<strong>do</strong>s para a solução <strong>do</strong>s problemas<br />
apenas quan<strong>do</strong> há intervenção coercitiva <strong>do</strong>s órgãos ambientais<br />
(POSSAMAI et al 2007, p.175).<br />
A reflexão feita acima se aproxima <strong>do</strong> contexto aqui estuda<strong>do</strong> se<br />
consi<strong>de</strong>rarmos o fato <strong>de</strong> Fortaleza encaminhar, na atualida<strong>de</strong>, seus RSD para o<br />
município vizinho: Caucaia. Nessa perspectiva, o acor<strong>do</strong> feito entre as prefeituras<br />
vem geran<strong>do</strong> benefícios para ambas, mas quan<strong>do</strong> o aterro sanitário for <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong>, a<br />
responsabilida<strong>de</strong> e preocupação sobre a área serão <strong>do</strong> município que a abriga,<br />
portanto, o ônus será unilateral.<br />
O trabalho <strong>de</strong> Possamai et al (2007), em Santa Catarina, permitiu constatar<br />
que 07 lixões estão a menos <strong>de</strong> 200 metros <strong>do</strong>s corpos d’água, situação que<br />
contraria as normas e que indica alto potencial <strong>de</strong> interferência na qualida<strong>de</strong> das<br />
águas. Conforme os autores “[...] esses 07 lixões são potencialmente lesivos aos<br />
corpos <strong>de</strong> água, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contaminação <strong>do</strong>s rios na região carbonífera,<br />
já muito comprometi<strong>do</strong>s com a mineração <strong>do</strong> carvão”.<br />
Outro problema ambiental observa<strong>do</strong> por Possamai et al (2007) é que não há<br />
qualquer coleta e tratamento <strong>do</strong>s gases gera<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os lixões inativos<br />
estuda<strong>do</strong>s. Como conseqüência, to<strong>do</strong> poluente gasoso é "<strong>de</strong>scarrega<strong>do</strong>" na<br />
atmosfera e próximo a áreas habitadas, implican<strong>do</strong> em problemas para essa<br />
população.<br />
49
Em Fortaleza/CE esse quadro é similar, pois em nenhum <strong>do</strong>s lixões<br />
estuda<strong>do</strong>s houve qualquer coleta e tratamento <strong>do</strong>s gases gera<strong>do</strong>s. Hoje,<br />
possivelmente, esses gases não são mais gera<strong>do</strong>s nos quatro primeiros lixões, pois<br />
Ensinas (2003, p.121) aponta que “[...] os gases <strong>do</strong>s lixões só são produzi<strong>do</strong>s até 15<br />
anos após a <strong>de</strong>sativação da área”; prazo este já ultrapassa<strong>do</strong> para o Lixão <strong>do</strong> Monte<br />
Castelo, da Barra <strong>do</strong> Ceará, <strong>do</strong> Antônio Bezerra e <strong>do</strong> Henrique Jorge. Contu<strong>do</strong>, essa<br />
produção <strong>de</strong> gases e emissão para a atmosfera permane<strong>ce</strong> no Lixão <strong>do</strong> Jangurussu<br />
- <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong> há <strong>de</strong>z anos - <strong>de</strong> forma que ele se apresenta como um conjunto <strong>de</strong><br />
“morros <strong>de</strong> lixo” cobertos na atualida<strong>de</strong> conforme vemos na Figura 8.<br />
Figura 8 - Vista Parcial <strong>de</strong> um “Morro <strong>de</strong> Lixo” <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que os gases produzi<strong>do</strong>s a partir da digestão <strong>do</strong><br />
material orgânico existente nos RSD são <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s simplesmente por “biogás” e<br />
pelo fato <strong>do</strong> componente metano (CH4) existir em maior proporção nessa mistura, <strong>de</strong><br />
50 à 70% conforme Ensinas (2003), é comum encontrarmos na literatura a<br />
<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> que o metano é o “gás <strong>do</strong> lixo”.<br />
Na realida<strong>de</strong>, outros gases como Dióxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> Carbono (CO2), Hidrogênio (H2),<br />
Sulfídrico (H2S) entre outros, também estão presentes e assumem seus lugares na<br />
poluição <strong>do</strong> ar, mas a atenção se volta ao metano porque ele po<strong>de</strong> ser drena<strong>do</strong>,<br />
beneficia<strong>do</strong> e vendi<strong>do</strong> (num olhar mais econômico). Ele é também 21 vezes mais<br />
forte na alimentação <strong>do</strong> efeito estufa e aquecimento global (num olhar mais<br />
50
ecológico), conforme Ensinas (2003), McLennan (2003) e Korhonen e Dahlbo<br />
(2007).<br />
Aconte<strong>ce</strong> que além <strong>do</strong>s gases, os lixões também produzem chorume por um<br />
longo perío<strong>do</strong> e ao contrário <strong>do</strong> que se pensa, a acomodação <strong>do</strong>s resíduos, a<br />
cobertura com camada <strong>de</strong> terra e a instalação <strong>de</strong> coletores <strong>de</strong> gases, não tornam tal<br />
méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> disposição menos perigoso para a saú<strong>de</strong> da população e para o próprio<br />
meio ambiente.<br />
A existência <strong>de</strong> lixões inativos, sem qualquer instrumento <strong>de</strong> remediação das<br />
áreas aumenta consi<strong>de</strong>ravelmente o passivo ambiental. Cabe <strong>de</strong>stacar que os textos<br />
legais que estabele<strong>ce</strong>m diretrizes, mesmo que isoladas, para <strong>ce</strong>rtos pro<strong>ce</strong>dimentos<br />
<strong>de</strong> recuperação <strong>de</strong>ssas áreas no Brasil há pouco começam a surgir, no entanto, o<br />
país ainda não possui uma legislação voltada para a questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s<br />
ou mesmo para sua <strong>de</strong>stinação final - ainda tramita no Congresso Nacional o Projeto<br />
<strong>de</strong> Lei Nº 203/1991 a<strong>ce</strong>rca da Política Nacional <strong>de</strong> Gestão <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
(PNGRS).<br />
Segun<strong>do</strong> Possamai, Costa e Viana (2006, p.6),<br />
Este projeto está sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>bati<strong>do</strong> por inúmeros setores sociais interessa<strong>do</strong>s<br />
na implementação <strong>de</strong> uma legislação que não apenas regulamente o<br />
funcionamento <strong>de</strong>sta área <strong>de</strong> atuação, mas também, institua normas e<br />
regulamentos que resultem em mudanças na situação <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s<br />
nas esferas fe<strong>de</strong>rais, estaduais e municipais.<br />
A PNGRS - encaminhada pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral ao Congresso Nacional - é<br />
um produto final das discussões <strong>de</strong> um grupo interministerial forma<strong>do</strong> por integrantes<br />
<strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente, das Cida<strong>de</strong>s, da Saú<strong>de</strong>, <strong>do</strong> Desenvolvimento, <strong>do</strong><br />
Planejamento, entre outros, com participação <strong>de</strong> integrantes <strong>do</strong> Fórum Nacional Lixo<br />
& Cidadania e <strong>do</strong> Movimento Nacional <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Materiais Recicláveis.<br />
Porém, pare<strong>ce</strong> haver um pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s Ministérios na formulação<br />
<strong>de</strong>ssa lei porque são poucas as citações voltadas aos trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s no<br />
trabalho com resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
51
Não observamos, nos <strong>do</strong>cumentos até então disponíveis, um real interesse<br />
governamental em relação à efetiva integração <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res aos sistemas <strong>de</strong><br />
gerenciamento <strong>de</strong> resíduos, nem a criação <strong>de</strong> algum mecanismo <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong><br />
para os entes fe<strong>de</strong>rativos nesse senti<strong>do</strong>.<br />
Sob outro olhar, a PNGRS po<strong>de</strong> trazer uma “<strong>ce</strong>rta mudança <strong>de</strong> paradigma” ao<br />
colocar em seu Art. 5º princípios hierarquiza<strong>do</strong>s na seguinte or<strong>de</strong>m: i) a não geração<br />
<strong>de</strong> resíduos, ii) a minimização da geração, iii) a reutilização, iv) a reciclagem, v) o<br />
tratamento e vi) a disposição final.<br />
Assim, os gestores públicos municipais e a socieda<strong>de</strong> terão que compreen<strong>de</strong>r<br />
que a problemática <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s não se resolve somente com a disposição<br />
final - envolve toda uma ca<strong>de</strong>ia produtiva, mudanças <strong>de</strong> hábitos, trabalhos <strong>de</strong><br />
<strong>educação</strong> ambiental e mobilização individual e coletiva.<br />
Outro aspecto que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um ‘avanço’ para a realida<strong>de</strong><br />
brasileira é o Art. 48 da PNGRS, ao trazer algumas formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong><br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>radas como proibidas:<br />
I - lançamento “in natura” a céu aberto, tanto em áreas urbanas como<br />
rurais;<br />
II - queima a céu aberto ou em recipientes, instalações ou<br />
equipamentos não a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, conforme legislação vigente;<br />
III - lançamento em corpos d’água, praias, manguezais, terrenos<br />
baldios, poços ou cacimbas, cavida<strong>de</strong>s subterrâneas, em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
drenagem <strong>de</strong> águas pluviais, esgotos, eletricida<strong>de</strong> ou telefone, mesmo<br />
que aban<strong>do</strong>nadas, ou em áreas sujeitas à inundação;<br />
IV - infiltração no solo sem tratamento prévio;<br />
V - utilização para alimentação animal, em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com a legislação<br />
específica.<br />
52
Cabe acres<strong>ce</strong>ntar que a própria Agenda 21 - um <strong>do</strong>s produtos mais<br />
conheci<strong>do</strong>s da ECO-92 - <strong>de</strong>dicou um capítulo (n o 21, seção II) para a temática <strong>do</strong>s<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s chama<strong>do</strong> “Buscan<strong>do</strong> Soluções para o Problema <strong>do</strong> Lixo Sóli<strong>do</strong>”. Tal<br />
agenda propõe que a socieda<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong>senvolver formas eficazes <strong>de</strong> lidar com o<br />
problema da eliminação cada vez maior <strong>de</strong> resíduos. Os governos, juntamente com<br />
a indústria, as famílias e o público em geral, <strong>de</strong>vem envidar esforços conjuntos para<br />
reduzir a geração <strong>de</strong> resíduos e <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s.<br />
Um pouco a frente <strong>de</strong>ssa situação nacional - pelo menos em termos <strong>de</strong><br />
esforço legislativo - o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ceará já possui uma legislação específica para<br />
tratar da temática <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s: a Lei 13.103, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2001 -<br />
dispõe sobre a Política Estadual <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s e dá providências correlatas e<br />
o Decreto 26.604, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002 - que regulamenta a referida lei.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar que a referida legislação traz como um <strong>do</strong>s seus objetivos<br />
“promover a recuperação das áreas <strong>de</strong>gradadas ou contaminadas em razão <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes ambientais ou disposição ina<strong>de</strong>quada <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s”, mas até os<br />
nossos dias ainda não foi divulgada nenhuma ação realizada nesse senti<strong>do</strong> 25 ,<br />
apesar <strong>de</strong> sabermos que a maioria <strong>do</strong>s municípios <strong>do</strong> Ceará utiliza lixões como meio<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação final <strong>de</strong> seus resíduos - prática esta consi<strong>de</strong>rada proibida pela própria<br />
Lei 13.103.<br />
4.2 - A Ca<strong>de</strong>ia Produtiva <strong>de</strong> RSD em Fortaleza/CE<br />
Os RSD possuem uma par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> cada material que chega ao interior das<br />
nossas residências. Assim, para falarmos da ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>de</strong>sses resíduos em<br />
Fortaleza/CE é ne<strong>ce</strong>ssário refletir sobre o que compramos (entradas) e o que<br />
<strong>de</strong>scartamos (saídas) no dia-a-dia.<br />
Sob esse olhar, nossas residências po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas “microecossistemas”<br />
que importam e exportam uma série <strong>de</strong> bens naturais (transforma<strong>do</strong>s<br />
25 Informação dada por um técnico da SEMACE.<br />
53
em merca<strong>do</strong>rias e alimentos) para manter seus habitantes. Portanto, re<strong>ce</strong>bemos<br />
água e <strong>de</strong>volvemos esgoto ao ambiente, compramos alimentos pré-cozi<strong>do</strong>s ou<br />
enlata<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>volvemos materiais recicláveis, compramos frutas, por exemplo, e<br />
expulsamos das nossas residências materiais orgânicos, restos <strong>de</strong> comida, etc.<br />
Essa seção traz diretamente uma reflexão sobre essas “saídas” ao voltar seu<br />
olhar para os RSD, (inter)relacionan<strong>do</strong>-os com o ambiente e a saú<strong>de</strong>, especialmente<br />
<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> SGRSD da capital <strong>ce</strong>arense. Assim, o que pomos “para fora”<br />
das nossas residências - que para algumas pessoas representa “se livrar” <strong>do</strong>s<br />
resíduos que produzem - passam pelos setores mostra<strong>do</strong>s na Figura 9, on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stacamos os locais on<strong>de</strong> trabalham os entrevista<strong>do</strong>s nessa pesquisa.<br />
Cada um <strong>de</strong>sses setores <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> ser assim entendi<strong>do</strong>:<br />
- A Coleta Domiciliar<br />
A coleta <strong>do</strong>miciliar <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE está sob<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma con<strong>ce</strong>ssionária que, para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>manda da<br />
socieda<strong>de</strong> fortalezense dispõe <strong>de</strong>:<br />
- Sistema Computacional <strong>de</strong> Geração e Otimização <strong>de</strong> Rotas: que executa o<br />
planejamento e roteamento <strong>do</strong>s veículos coletores operacionais, otimizan<strong>do</strong> os<br />
pro<strong>ce</strong>ssos e reduzin<strong>do</strong> os tempos <strong>de</strong> trabalho das equipes operacionais bem como<br />
as distâncias ne<strong>ce</strong>ssárias para execução <strong>do</strong> serviço;<br />
- Computa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Bor<strong>do</strong>: que realizam o monitoramento completo <strong>do</strong>s veículos,<br />
<strong>de</strong>tectam e controlam tu<strong>do</strong> o que ocorre com cada unida<strong>de</strong> da frota, reduzin<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>sgastes prematuros, custos com a manutenção e consumo <strong>de</strong> óleo, lubrificantes e<br />
rodagem;<br />
- Equipamentos <strong>de</strong> limpeza e higienização <strong>de</strong> containers: que executam a<br />
manutenção <strong>de</strong> tais equipamentos;<br />
54
- Projetos <strong>de</strong> Conteinerização: que aumentam a produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> coleta<br />
<strong>do</strong> RSD; estabiliza a freqüência e atinge um melhor rendimento e;<br />
- Veículos compacta<strong>do</strong>res e Microcoletores: para coleta <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s em<br />
locais <strong>de</strong> difícil a<strong>ce</strong>sso.<br />
Além <strong>de</strong>ssas informações, entrevistas con<strong>ce</strong>didas por técnicos da<br />
con<strong>ce</strong>ssionária a essa pesquisa, apontam que a empresa coletora aten<strong>de</strong> a <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong><br />
2.256.233 habitantes, possui 150 veículos úteis e 15 máquinas pesadas. Isso<br />
significa dizer que a empresa aten<strong>de</strong> a 90,24% da população <strong>de</strong> Fortaleza/CE.<br />
Só no <strong><strong>ce</strong>ntro</strong> <strong>de</strong> Fortaleza, por exemplo, são mobiliza<strong>do</strong>s 3 caminhões (Figura<br />
10) com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 12 toneladas cada e 4 funcionários por caminhão coletor,<br />
sen<strong>do</strong> que um motorista e três garis 26 .<br />
A partir <strong>de</strong> 2007 os caminhões coletores que fazem a coleta <strong>do</strong>miciliar em<br />
Fortaleza passaram a ser monitora<strong>do</strong>s por sinais <strong>de</strong> satélite (Sistema GPS, Global<br />
Positioning System). Isto permite à empresa controlar o ritmo <strong>de</strong> trabalho,<br />
estabele<strong>ce</strong>r metas e padrões <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> para as equipes <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res.<br />
Assim, cada veículo, ao sair da garagem, passa a ter monitora<strong>do</strong> o tempo para<br />
chegar ao local <strong>de</strong> coleta, o tempo para fazer a coleta e para chegar ao <strong>de</strong>stino<br />
final 27 .<br />
26 Informação verbal conseguida em visita à empresa.<br />
27 Informação verbal <strong>de</strong> um técnico da empresa sobre a importância <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> monitoramento da frota recém implanta<strong>do</strong>.<br />
55
Fontes Gera<strong>do</strong>ras<br />
(residências, por exemplo)<br />
Disposição <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s nas Ruas<br />
Parte é Coleta<strong>do</strong> - Garis Parte é Não Coleta<strong>do</strong><br />
Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu<br />
Segregação<br />
<strong>de</strong> Recicláveis<br />
Deposeiros<br />
Industriais<br />
Rejeito<br />
Estação <strong>de</strong><br />
Transbor<strong>do</strong><br />
Aterro Sanitário -<br />
ASMOC<br />
Direto para<br />
o Aterro<br />
Sanitário -<br />
ASMOC<br />
Impactos na<br />
Saú<strong>de</strong> Humana<br />
Impactos no<br />
Ambiente<br />
Figura 9 - Representação da Ca<strong>de</strong>ia Produtiva <strong>do</strong>s RSD <strong>de</strong> Fortaleza<br />
Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu - ASCAJAN<br />
Re<strong>ce</strong>be Recicláveis <strong>de</strong> Alguns Doa<strong>do</strong>res<br />
Intermediários<br />
Industriais<br />
56
Figura 10 - Vista <strong>de</strong> um Caminhão Coletor <strong>de</strong> RSD <strong>de</strong> Fortaleza e da Guarnição.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Cabe ainda <strong>de</strong>stacar que na saída da garagem, os quatro membros <strong>do</strong><br />
caminhão precisam registrar seus nomes e número <strong>de</strong> matrícula a um fiscal <strong>de</strong><br />
tráfego e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse pro<strong>ce</strong>sso, to<strong>do</strong>s seguem na cabine <strong>do</strong> veículo até o local <strong>de</strong><br />
coleta - se esse local for distante da garagem, pois se o ponto <strong>de</strong> coleta for perto, os<br />
garis começam a <strong>de</strong>senvolver o seu trabalho.<br />
Quan<strong>do</strong> se iniciam os pro<strong>ce</strong>dimentos <strong>de</strong> coleta, os funcionários saltam <strong>do</strong><br />
estribo 28 com o veículo ainda em movimento, correm em direção aos resíduos e os<br />
recolhem muito rapidamente, numa tentativa <strong>de</strong> “a<strong>ce</strong>lerar” o trabalho.<br />
Per<strong>ce</strong>bemos durante a rotina <strong>de</strong> coleta que em <strong>de</strong>terminadas ruas da cida<strong>de</strong>,<br />
os RSD são acondiciona<strong>do</strong>s e “<strong>de</strong>posita<strong>do</strong>s” em calçadas ou em locais próprios<br />
28 O estribo é uma barra <strong>de</strong> ferro localizada na parte traseira <strong>do</strong>s caminhões coletores on<strong>de</strong> os garis pisam.<br />
57
(contentores, por exemplo) à espera da coleta; mas em outras ruas não, o que<br />
dificulta a coleta e propicia agravos à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> gari ou mesmo <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, além<br />
da poluição <strong>do</strong> ambiente (Figura 11).<br />
Figura 11 - Formas <strong>de</strong> Acondicionamento Correta e Incorreta <strong>do</strong>s RSD em Fortaleza.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Quan<strong>do</strong> os RSD estão ensaca<strong>do</strong>s, os funcionários os empurram para<br />
acomodá-los melhor <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> veículo compacta<strong>do</strong>r. Mas quan<strong>do</strong> estão em<br />
tambores - geralmente con<strong>do</strong>mínios resi<strong>de</strong>nciais acomodam assim - tais recipientes<br />
são arrasta<strong>do</strong>s e levanta<strong>do</strong>s manualmente para esvaziamento.<br />
Quan<strong>do</strong> os RSD se encontram espalha<strong>do</strong>s, têm-se duas situações distintas:<br />
ou se coleta o máximo <strong>de</strong> resíduos possível com as mãos (efetuan<strong>do</strong> uma coleta<br />
com resulta<strong>do</strong>s pouco satisfatórios) ou <strong>de</strong>ixa-se os RS para que outros funcionários<br />
(garis da varrição) possam acondicioná-lo em recipientes para aguardar uma nova<br />
coleta.<br />
Após um contato verbal <strong>do</strong> gari com o motorista (geralmente o gari dá um<br />
grito porque o barulho <strong>do</strong> carro liga<strong>do</strong> soma<strong>do</strong> ao movimento da rua dificulta a<br />
comunicação), o veículo avança até um novo ponto <strong>de</strong> coleta.<br />
Os funcionários sobem novamente nos estribos, com o veículo já em<br />
movimento e seguem até o novo ponto. Se este ponto estiver a poucos metros <strong>do</strong><br />
58
ponto anterior, o gari vai andan<strong>do</strong> ou corren<strong>do</strong> atrás <strong>do</strong> veículo em movimento,<br />
coleta os RS e os joga <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> caminhão compacta<strong>do</strong>r (Figura 12).<br />
Figura 12 - Trabalho <strong>de</strong> Coleta <strong>do</strong>s RSD e Vista Parcial <strong>do</strong> Trabalho da Equipe.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Após um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> número <strong>de</strong> coletas, é aciona<strong>do</strong> o “rolo compacta<strong>do</strong>r” <strong>do</strong><br />
carro que empurra os <strong>de</strong>tritos para a parte mais interna da caçamba, liberan<strong>do</strong><br />
espaço na parte anterior para que mais RSD possa ser <strong>de</strong>posita<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> o<br />
caminhão está cheio, o motorista segue até o Jangurussu (optan<strong>do</strong> pela Usina <strong>de</strong><br />
Triagem ou Estação <strong>de</strong> Transbor<strong>do</strong>) ou vai direto para o Aterro Sanitário<br />
Metropolitano Oeste <strong>de</strong> Caucaia (ASMOC) e os garis po<strong>de</strong>m ir <strong>de</strong>ntro da cabine <strong>do</strong><br />
veículo ou se equilibran<strong>do</strong> no estribo, sen<strong>do</strong> esta última opção a mais comum.<br />
As equipes operacionais <strong>de</strong> coleta saem <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> seu trabalho<br />
andan<strong>do</strong>/corren<strong>do</strong> aproximadamente 30 km por dia 29 , sem contar o fato <strong>de</strong> estarem<br />
em contato manual com diversos tipos <strong>de</strong> resíduos e com os o<strong>do</strong>res emana<strong>do</strong>s,<br />
além <strong>do</strong> levantamento e transporte <strong>de</strong> peso e da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes no<br />
trânsito. Os trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>de</strong> RSD (garis) representaram o primeiro grupo<br />
<strong>de</strong> sujeitos entrevista<strong>do</strong>s nessa pesquisa.<br />
Os garis entrevista<strong>do</strong>s informaram que são naturais <strong>de</strong> Fortaleza/CE, moram<br />
em bairros próximos ao setor on<strong>de</strong> trabalham, ganham em média um salário mínimo<br />
mais alguns benefícios como <strong>ce</strong>sta básica (<strong>de</strong> R$ 145,00), vale-refeição (<strong>de</strong> R$ 3,50<br />
29 Informação verbal <strong>de</strong> um técnico da empresa responsável pela coleta <strong>do</strong>s Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares <strong>de</strong> Fortaleza.<br />
59
a unida<strong>de</strong>) e vale-transporte. Dois <strong>de</strong>les afirmaram serem casa<strong>do</strong>s e os que não são<br />
casa<strong>do</strong>s, já possuem filhos.<br />
- Usina <strong>de</strong> Triagem<br />
Após a coleta <strong>do</strong>miciliar, parte <strong>do</strong>s RSD gera<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE<br />
(especialmente os provenientes da Regional II) é <strong>de</strong>stinada a uma Usina <strong>de</strong> Triagem<br />
(Figura 13) localizada nas proximida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu, para<br />
que os materiais recicláveis sejam seleciona<strong>do</strong>s em esteiras e encaminha<strong>do</strong>s à<br />
venda, constituin<strong>do</strong>-se numa fonte <strong>de</strong> sustento aos cata<strong>do</strong>res ali existentes.<br />
Figura 13 - Vista Lateral da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Santos, Zanella e Silva (2008) traz o motivo pelo<br />
qual os resíduos coleta<strong>do</strong>s na Regional II são <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à Usina <strong>de</strong> Triagem<br />
existente no Jangurussu antes <strong>de</strong> serem encaminha<strong>do</strong>s ao ASMOC. Os autores<br />
observaram que a Regional II compreen<strong>de</strong> a área com os melhores indica<strong>do</strong>res<br />
sociais (Índi<strong>ce</strong> <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano - 0,693, Índi<strong>ce</strong> <strong>de</strong> Alfabetização -<br />
90,45% e Po<strong>de</strong>r Aquisitivo Médio - R$ 1.979,49/habitante/mês) <strong>de</strong> Fortaleza,<br />
condicionan<strong>do</strong> um nível <strong>de</strong> “consumo” mais intenso e ativida<strong>de</strong>s mais gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong><br />
resíduos recicláveis, além <strong>de</strong> possuir mora<strong>do</strong>res que consomem uma maior<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos pré-prepara<strong>do</strong>s e “enlata<strong>do</strong>s” pelo eleva<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r aquisitivo.<br />
60
Ainda segun<strong>do</strong> tais autores,<br />
[...] existem 1.21% <strong>de</strong> metal, 2.40% <strong>de</strong> caixa e papelão, 3.64% <strong>de</strong> papel,<br />
2.84% <strong>de</strong> embalagem plástica, 5.38% <strong>de</strong> saco plástico e 1.35% <strong>de</strong> vidro<br />
entre os resíduos gera<strong>do</strong>s pelos mora<strong>do</strong>res da Regional II e per<strong>ce</strong>ntuais<br />
sempre menores nas outras regionais <strong>de</strong> Fortaleza, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> a<br />
potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal regional para a coleta seletiva e reciclagem<br />
(SANTOS, ZANELLA e SILVA, 2008, p.56).<br />
É interessante <strong>de</strong>stacar que os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong><br />
Jangurussu bem per<strong>ce</strong>bem essas diferenças na composição <strong>do</strong>s resíduos. Na<br />
realida<strong>de</strong>, eles “lêem” as formas <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s fortalezenses pelos resíduos que<br />
re<strong>ce</strong>bem, ten<strong>do</strong> sempre bem claro os “melhores dias” para se trabalhar, pela<br />
“qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s” <strong>de</strong>speja<strong>do</strong>s no pátio e que percorrem as esteiras.<br />
Zaneti (2006) também <strong>de</strong>stacou essa questão nas falas <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />
entrevista<strong>do</strong>s em sua pesquisa. Segun<strong>do</strong> ela, “a representação simbólica <strong>do</strong>s<br />
resíduos nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> triagem passa <strong>do</strong> <strong>de</strong>svelar da intimida<strong>de</strong> das pessoas”. Na<br />
visão <strong>de</strong> Mello (2004, p.8),<br />
“[...] os cata<strong>do</strong>res realizam leituras indiciárias <strong>do</strong> social pelo lixo produzi<strong>do</strong><br />
por outros grupos sociais. Fazem uma leitura das formas <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> ter<br />
<strong>do</strong>s sujeitos diversos - i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s pelas áreas urbanas on<strong>de</strong> habitam,<br />
mas fazem também uma leitura <strong>do</strong> próprio ex<strong>ce</strong>sso. Leitura política da<br />
distinção entre falta e ex<strong>ce</strong>sso; leitura econômica <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
classes que têm injustos critérios <strong>de</strong> distribuição da riqueza. E, o mais<br />
irônico, é que toda a riqueza <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vai, num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento,<br />
pôr-se a sua disposição, quan<strong>do</strong> os ‘ricos’ não querem mais.<br />
Para Velloso (2004, p.2), “os ricos consomem e <strong>de</strong>sperdiçam, enquanto os<br />
pobres, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra, sobrevivem <strong>do</strong>s restos”. Assim, os<br />
resíduos são o elo entre o que não serve mais para uns e o que para outros<br />
representa trabalho e sobrevivência (ZANETI, 2006) ou a única forma <strong>de</strong> unir ricos e<br />
podres (BURSZTYN, 2000).<br />
Retoman<strong>do</strong> à questão da Usina <strong>de</strong> Triagem, Santos (2007, p.45) nos explica<br />
que ela foi estruturada com 05 esteiras rolantes <strong>de</strong> 30 metros <strong>de</strong> comprimento cada,<br />
03 BOB-CAT’S, que alimentavam as esteiras com resíduos sóli<strong>do</strong>s e 05 prensas.<br />
Porém, nossas visitas permitiram observar que, hoje, apenas 3 esteiras (Figura 14)<br />
funcionam e que as <strong>de</strong>mais máquinas tiveram fim <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o pro<strong>ce</strong>sso<br />
61
<strong>de</strong> seleção <strong>do</strong>s materiais recicláveis manual e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong> 6 a 12<br />
cata<strong>do</strong>res por esteira (Figura 15).<br />
A usina <strong>de</strong> triagem foi criada em mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 90 após a<br />
<strong>de</strong>sativação <strong>de</strong> um antigo lixão, on<strong>de</strong> muitas famílias <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res<br />
vasculhavam, entre os mais diversos tipos <strong>de</strong> resíduos, o que comer e<br />
ven<strong>de</strong>r. Com a sua criação, os cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Lixão <strong>do</strong> Jangurussu<br />
(aproximadamente 500, entre adultos e crianças) passaram a trabalhar em<br />
condições mais “sadias”, à re<strong>ce</strong>ber maior atenção por parte das<br />
autorida<strong>de</strong>s competentes, entretanto, até hoje não conseguiram se inserir<br />
como cidadãos e cidadãs na socieda<strong>de</strong> fortalezense em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />
vários fatores, <strong>de</strong>ntre os quais, o precon<strong>ce</strong>ito e a falta <strong>de</strong> interesse político<br />
(SANTOS, ALVES e SILVA, 2007, p.2).<br />
Figura 14 - Vista Parcial <strong>de</strong> uma Esteira <strong>de</strong> Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Cabe ressaltar que os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem são, em sua<br />
gran<strong>de</strong> maioria analfabetos 30 , submeti<strong>do</strong>s à longas jornadas diárias <strong>de</strong> trabalho (10<br />
horas/dia) e explora<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> materiais recicláveis (conheci<strong>do</strong>s<br />
pelos cata<strong>do</strong>res por “<strong>de</strong>poseiros”) - que compram os resíduos recicláveis separa<strong>do</strong>s<br />
nas esteiras. Além disso, observou-se que, ao longo <strong>de</strong> vários dias, os cata<strong>do</strong>res<br />
trabalham sem equipamentos <strong>de</strong> proteção individual, pois estes <strong>de</strong>vem ser<br />
adquiri<strong>do</strong>s com recursos próprios; o que é inviável.<br />
30 Sabemos que os integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem são em sua maioria analfabetos pelo tempo <strong>de</strong> contato que temos com<br />
eles (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005) e porque sempre ouvimos isso <strong>de</strong> “li<strong>de</strong>res”.<br />
62
Figura 15 - Vista <strong>do</strong> Pátio, <strong>de</strong> uma Esteira e <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Os principais materiais seleciona<strong>do</strong>s são vidro, papel, plástico e metal, que<br />
são guarda<strong>do</strong>s pelos trabalha<strong>do</strong>res em gran<strong>de</strong>s sacos <strong>de</strong> plástico ou tambores para<br />
venda posterior aos <strong>de</strong>poseiros, que reven<strong>de</strong>m aos industriais. O Quadro 5 traz<br />
alguns materiais repassa<strong>do</strong>s pelos integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem aos <strong>de</strong>poseiros.<br />
Quadro 5 - Materiais Separa<strong>do</strong>s nas Esteiras e Vendi<strong>do</strong>s aos Deposeiros.<br />
Tipo <strong>de</strong> Material Preço <strong>de</strong> Venda (R$)/Kg<br />
Vidro Branco 0,06<br />
Vidro Ver<strong>de</strong> 0,03<br />
Vidro Marrom 0,02<br />
Alumínio 2,50<br />
Papel Branco 0,28<br />
Papel Misto 0,15<br />
Latinhas <strong>de</strong> Ferro 0,25<br />
PET 0,30<br />
PVC 1,00<br />
Fonte: Pesquisa direta.<br />
A presença <strong>de</strong>sses atravessa<strong>do</strong>res na Usina <strong>de</strong> Triagem é constante e <strong>de</strong>ixa<br />
um clima sempre tenso pelo mo<strong>do</strong> como falam com os integrantes da Usina, pela<br />
pressão que imprimem à produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res (conforme nossas<br />
observbações diretas). Além disso, to<strong>do</strong> o trabalho é realiza<strong>do</strong> em pé, com riscos <strong>de</strong><br />
cortes, contaminação, aci<strong>de</strong>ntes, entre outros.<br />
63
O trabalho na esteira é organiza<strong>do</strong> pelos próprios cata<strong>do</strong>res, porém cada<br />
grupo ganha por aquilo que produziu numa <strong>de</strong>terminada esteira, ou seja, a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> material reciclável separa<strong>do</strong> por cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma “esteira A” é<br />
vendida aos “<strong>de</strong>poseiros” e o dinheiro reparti<strong>do</strong> entre eles. Assim, cada esteira tem<br />
uma “produtivida<strong>de</strong>” diferente e um dia qualquer um cata<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> ficar numa “esteira<br />
B”, trabalhar da mesma forma, mas ganhar menos ou mais que o dia anterior.<br />
Segun<strong>do</strong> os levantamentos feitos, os rendimentos individuais na Usina <strong>de</strong><br />
Triagem con<strong>ce</strong>ntram-se em torno <strong>de</strong> R$ 150,00 à R$ 200,00 mensais, mas há um<br />
“benefício” suplementar propicia<strong>do</strong> pelo trabalho nas esteiras: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
encontrar produtos que aten<strong>de</strong>m às ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s da casa, como alimentos, roupas,<br />
calça<strong>do</strong>s, utensílios <strong>do</strong>mésticos, além <strong>de</strong> outros objetos <strong>de</strong> valor: bijuterias,<br />
<strong>ce</strong>lulares, relógios, etc.<br />
A usina <strong>de</strong> triagem foi projetada para pro<strong>ce</strong>ssar em média 300 toneladas<br />
<strong>de</strong> resíduos por dia e suas esteiras a<strong>de</strong>quadas a uma velocida<strong>de</strong> média <strong>de</strong><br />
3 km/h, contu<strong>do</strong>, problemas operacionais e mecânicos sempre foram<br />
motivos para paralisações no sistema e discórdia entre a prefeitura e seus<br />
integrantes (SANTOS, 2007, p.46).<br />
Apesar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os materiais seleciona<strong>do</strong>s pelos cata<strong>do</strong>res ao longo das<br />
esteiras terem venda garantida (Quadro 5), os custos <strong>de</strong> operação e manutenção da<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem são altos, o que levou a EMLURB a manter parte <strong>do</strong>s custos com<br />
água, luz e manutenção <strong>do</strong>s equipamentos durante um tempo. Hoje, observamos<br />
que esse apoio não ocorre mais, estan<strong>do</strong> os trabalha<strong>do</strong>res da Usina guia<strong>do</strong>s à<br />
própria sorte.<br />
O fato é que as dificulda<strong>de</strong>s finan<strong>ce</strong>iras e a exploração <strong>do</strong>s “<strong>de</strong>poseiros”<br />
apontam para a <strong>de</strong>sativação da Usina <strong>de</strong> Triagem, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará para os<br />
trabalha<strong>do</strong>res a extinção da sua atual fonte <strong>de</strong> renda, pois por mais adversas que<br />
sejam as condições, eles estão sobreviven<strong>do</strong> da Usina.<br />
Os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem representaram o segun<strong>do</strong> grupo <strong>de</strong><br />
sujeitos entrevista<strong>do</strong>s nessa pesquisa.<br />
64
- O Aterramento Sanitário<br />
Como dito anteriormente, parte <strong>do</strong>s RSD gera<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE é<br />
<strong>de</strong>stinada à Usina <strong>de</strong> Triagem. A outra parte segue direto para o Aterro Sanitário<br />
Metropolitano Oeste <strong>de</strong> Caucaia - ASMOC.<br />
De acor<strong>do</strong> com a ASTEF (1989), o ASMOC foi construí<strong>do</strong> como parte <strong>de</strong> um<br />
projeto que integrou o Plano Metropolitano <strong>de</strong> Limpeza Pública, elabora<strong>do</strong> pela<br />
Autarquia da Região Metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza (AUMEF), órgão <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ceará.<br />
Ao chegar na portaria <strong>do</strong> aterro, os resíduos são pesa<strong>do</strong>s em balanças com<br />
capacida<strong>de</strong> total <strong>de</strong> 80 toneladas e encaminha<strong>do</strong>s para compactação (Figura 14) e<br />
aterramento sanitário conforme o li<strong>ce</strong>nciamento ambiental.<br />
Figura 16 - Células Abertas para Compactação <strong>do</strong> RSD no ASMOC.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2007).<br />
O ASMOC, localiza<strong>do</strong> na margem esquerda e a 1,6 km da BR-020 em<br />
Caucaia, re<strong>ce</strong>be os resíduos da capital <strong>ce</strong>arense <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998 e <strong>do</strong> próprio município<br />
<strong>de</strong> Caucaia e possui uma área total <strong>de</strong> 123,20 hectares distribuí<strong>do</strong>s nos setores<br />
mostra<strong>do</strong>s no Quadro 6.<br />
65
Quadro 6 - Distribuição da Área <strong>do</strong> Aterro Sanitário <strong>de</strong> Caucaia por Setor.<br />
Tipo <strong>de</strong> Ocupação Área (ha) %<br />
Administração/Urbanização/Estacionamento 2,35 1,9<br />
Sistema Viário (A<strong>ce</strong>sso Interno) 3,19 2,6<br />
Área para compactação <strong>do</strong>s resíduos 78,47 63,71<br />
Faixa <strong>de</strong> Preservação <strong>do</strong> Contorno 7,04 5,7<br />
Área <strong>de</strong> Preservação Ambiental 32,15 26,1<br />
Total 123,20 100,00<br />
Fonte: Santos (2007).<br />
O referi<strong>do</strong> aterro é limita<strong>do</strong> pelos paralelos 3º 45' e 3º 47' <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong> Sul e<br />
pelos meridianos 38º 43' e 38º 45' <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong> Oeste conforme encontra<strong>do</strong> em<br />
ASTEF (1989) e foi projeta<strong>do</strong> para re<strong>ce</strong>ber aproximadamente 16 mil toneladas <strong>de</strong><br />
resíduos por mês e ter vida útil em torno <strong>de</strong> 15 anos (Figura 17).<br />
Figura 17 - Imagem <strong>de</strong> Satélite da Área <strong>do</strong> ASMOC<br />
Fonte: Google Earth (2007).<br />
Entretanto, somente o perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre 1998 e 2007, foi suficiente<br />
para ocupar 65,00% da área <strong>do</strong> ASMOC, mostran<strong>do</strong> que um <strong>do</strong>s problemas a serem<br />
enfrenta<strong>do</strong>s nos próximos anos na capital <strong>ce</strong>arense, será o <strong>de</strong> encontrar novas<br />
áreas para dispor seus resíduos sóli<strong>do</strong>s - se a taxa <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> RSD continuar<br />
como está e nenhuma ação educativa seja implementada visan<strong>do</strong> estimular a<br />
população à “não-geração”.<br />
66
Outro problema observa<strong>do</strong> na região <strong>do</strong> ASMOC é o aumento da urbanização<br />
das áreas circunvizinhas. Isso <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> fluxo <strong>de</strong> caminhões e pessoal<br />
que trabalha na coleta e transporte <strong>do</strong>s RSD na região on<strong>de</strong> se encontra o aterro,<br />
pois aumentaram também as ativida<strong>de</strong>s econômicas como <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> reciclagem,<br />
pequenos comércios, borracharias, outros equipamentos <strong>de</strong> apoio e até mesmo<br />
prostíbulos.<br />
Toda a circunvizinhança <strong>do</strong> ASMOC encontra-se em pleno estágio <strong>de</strong><br />
urbanização, caracteriza<strong>do</strong> principalmente pela construção <strong>de</strong> equipamentos<br />
urbanos, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se uma casa <strong>de</strong> custódia com capacida<strong>de</strong> para 200 presos,<br />
eletrificação <strong>de</strong> alta e baixa tensão, abertura <strong>de</strong> ruas, construção <strong>de</strong> residências,<br />
açu<strong>de</strong>s e até mesmo <strong>de</strong> um conjunto habitacional.<br />
O aumento da urbanização das áreas circunvizinhas <strong>do</strong> ASMOC está<br />
aconte<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> sem o acompanhamento nem orientação técnica por parte da<br />
Prefeitura <strong>de</strong> Caucaia, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> comprometer a operação <strong>do</strong> aterro e saú<strong>de</strong> da<br />
população. Esta situação agrava-se quan<strong>do</strong> levamos em consi<strong>de</strong>ração que a faixa<br />
<strong>de</strong> vegetação a ser preservada ao longo <strong>do</strong> limite <strong>do</strong> aterro e <strong>de</strong>terminada em<br />
projeto é <strong>de</strong> apenas 20m, portanto, insuficiente para promover a amortização ou<br />
mitigação <strong>do</strong>s impactos causa<strong>do</strong>s pela operação normal <strong>de</strong> um aterro sanitário<br />
O Quadro 7 mostra a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> RSD por mês (em toneladas) que foram<br />
geradas e coletadas em Fortaleza pela empresa responsável e que teve como<br />
<strong>de</strong>stino final o ASMOC e, por meio <strong>de</strong>le, observamos que a produção total <strong>de</strong> RSD<br />
aumentou <strong>de</strong> 2006 para 2007.<br />
Pelo ritmo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> RSD observa<strong>do</strong> em Fortaleza (Quadro 7), a “vida<br />
útil” <strong>do</strong> aterro se esgotará em 2011 (capacida<strong>de</strong>-limite em 2013), mas a extensão<br />
<strong>de</strong>sse prazo po<strong>de</strong> ser alcançada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam usadas as áreas <strong>de</strong> arruamento<br />
(que me<strong>de</strong>m 500m <strong>de</strong> comprimento por 27,6 <strong>de</strong> largura) para fusão <strong>de</strong> setores e<br />
formação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> platô <strong>de</strong> 34,14 hectares; o que permitiria trabalhar no<br />
méto<strong>do</strong> da área com altura máxima <strong>de</strong> 50m. Esta seria uma alternativa operacional e<br />
advinda <strong>do</strong>s conhecimentos da engenharia sanitária e ambiental.<br />
67
Quadro 7 - Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> RSD Destinadas ao ASMOC em 2006 e 2007.<br />
Mês <strong>de</strong> Referência Qtd. (Toneladas) - 2006 Qtd. (Toneladas) - 2007<br />
Janeiro 83.442,67 99.596,19<br />
Fevereiro 73.759,11 88.618,38<br />
Março 88.297,40 101.275,15<br />
Abril 82.659,51 89.719,60<br />
Maio 94.471,14 95.346,18<br />
Junho 90.346,03 91.240,50<br />
Julho 83.857,88 92.364,09<br />
Agosto 87.343,91 97.309,92<br />
Setembro 89.713,27 90.656,71<br />
Outubro 91.688,63 99.571,11<br />
Novembro 96.351,72 93.950,75<br />
Dezembro 99.656,13 99.060,83<br />
Fonte: EMLURB (2007 e 2008).<br />
Qtd = Quantida<strong>de</strong>, RSD: Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares<br />
Por outro la<strong>do</strong>, ações no contexto da <strong>educação</strong> ambiental po<strong>de</strong>riam tocar em<br />
um ponto mais racional, que seria a “não-geração”. Trabalhar com a população os<br />
da<strong>do</strong>s aqui apresenta<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> outras publicações (via palestras, cursos, escolas,<br />
empresas, residências, mídia, organizações não governamentais, entre outros) para<br />
contribuir na construção <strong>de</strong> uma “alfabetização ecológica” (Capra, 1996)<br />
fomenta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> uma nova cultura e <strong>de</strong> uma co-responsabilida<strong>de</strong> pela preservação<br />
<strong>do</strong> ambiente e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />
Total 1.061.587,40 1.138.709,41<br />
Enquanto a <strong>educação</strong> ambiental estaria aconte<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma continuada,<br />
ações <strong>de</strong> apoio às associações <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais recicláveis existentes na<br />
capital (somam 15 conforme levantamos no Fórum Municipal Lixo e Cidadania) e<br />
região metropolitana aconte<strong>ce</strong>riam por outro la<strong>do</strong> para mostrar o quanto o trabalho<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelos cata<strong>do</strong>res é relevante em termos sociais e ambientais - apesar<br />
<strong>de</strong> serem “invisíveis” para o po<strong>de</strong>r público e socieda<strong>de</strong> - por diminuir a poluição <strong>do</strong><br />
solo, água e ar, melhorar a limpeza da cida<strong>de</strong>, prolongar a vida útil <strong>do</strong>s aterros<br />
sanitários (porque <strong>de</strong>svia alguns materiais que teriam como fim o aterramento) e<br />
gerar renda (ao comercializarem os recicláveis).<br />
68
Certamente, todas as ações listadas possuem seus limites, mas são <strong>de</strong><br />
extrema importância para o aumento da “vida útil” <strong>do</strong> ASMOC e muito mais po<strong>de</strong> ser<br />
feito como, por exemplo, implantação <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> coleta seletiva na cida<strong>de</strong>.<br />
É importante esclare<strong>ce</strong>r que a coleta seletiva ou mesmo a reciclagem -<br />
sozinhas - não irá solucionar os problemas <strong>de</strong>correntes da questão <strong>do</strong>s RSD das<br />
cida<strong>de</strong>s em questão, mas ela po<strong>de</strong> contribuir na mitigação <strong>do</strong>s problemas aqui<br />
discuti<strong>do</strong>s enquanto que a <strong>educação</strong> ambiental po<strong>de</strong> semear um novo olhar sobre a<br />
temática, trabalhar com a perspectiva da “não geração”, “<strong>do</strong> reduzir” e <strong>de</strong> uma nova<br />
cultura.<br />
- ASCAJAN (Associação <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu)<br />
O eixo <strong>ce</strong>ntral <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE, como acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver, é<br />
forma<strong>do</strong> por coleta <strong>do</strong>miciliar, Usina <strong>de</strong> Triagem e aterramento sanitário. Entretanto,<br />
existe, além <strong>de</strong>sse eixo, e, paralelamente à Usina <strong>de</strong> Triagem, uma Associação <strong>de</strong><br />
cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong>nominada ASCAJAN (Associação <strong>do</strong>s Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu), que é<br />
formada por ex-trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
A ASCAJAN iniciou suas ativida<strong>de</strong>s em novembro <strong>de</strong> 2006 fazen<strong>do</strong> uso <strong>de</strong><br />
um galpão <strong>de</strong> 1.320m 2 (Figura 18) e teve como proponente a Cáritas Arquidio<strong>ce</strong>sana<br />
<strong>de</strong> Fortaleza. Porém, a i<strong>de</strong>alização inicial já vinha sen<strong>do</strong> discutida com os<br />
trabalha<strong>do</strong>res que hoje a compõem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, com <strong>do</strong>is técnicos <strong>do</strong> Banco <strong>do</strong><br />
Brasil (setor GEREL) e com o Centro Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação Tecnológica <strong>do</strong> Ceará<br />
(CEFET/CE).<br />
As visitas à Associação permitiram levantar que ela possui os seguintes<br />
equipamentos: 02 balanças (uma digital e outra manual), 01 eleva<strong>do</strong>r <strong>de</strong> materiais,<br />
02 prensas (uma vertical e outra horizontal), 01 tritura<strong>do</strong>r <strong>de</strong> papel (com motor <strong>de</strong><br />
10hp), 06 carrinhos para transporte <strong>de</strong> materiais e 01 caminhão <strong>de</strong> 35m 3 (Figura 19).<br />
69
Figura 18 - Vista Frontal <strong>do</strong> Galpão da ASCAJAN.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
De acor<strong>do</strong> com informações obtidas nesta pesquisa, os equipamentos da<br />
ASCAJAN são compatíveis com as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recolhimento e segregação <strong>do</strong>s<br />
materiais recicláveis, entretanto, os rendimentos médios mensais <strong>de</strong> cada associa<strong>do</strong><br />
ainda são inferiores aos rendimentos <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res existentes na Usina <strong>de</strong> Triagem,<br />
o que tem <strong>de</strong>sprestigia<strong>do</strong> o projeto <strong>de</strong> coleta seletiva, além da falta <strong>de</strong> apoio por<br />
parte da Prefeitura <strong>de</strong> Fortaleza, conforme apontam os próprios associa<strong>do</strong>s.<br />
Figura 19 - Vista Lateral <strong>do</strong> Caminhão da ASCAJAN <strong>de</strong> 35m 3<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
70
A rotina <strong>de</strong> trabalho na ASCAJAN começa com a saída <strong>do</strong> caminhão para o<br />
recolhimento <strong>do</strong>s materiais nas ‘’fontes gera<strong>do</strong>ras e <strong>do</strong>a<strong>do</strong>ras”. Hoje, os principais<br />
locais e coleta são algumas empresas públicas, bancos e supermerca<strong>do</strong>s.<br />
Ao chegar na Associação, os resíduos recicláveis - que vêm mistura<strong>do</strong>s<br />
(vidros, plásticos, papéis, metais) - são <strong>de</strong>speja<strong>do</strong>s em uma rampa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que<br />
existe <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> galpão on<strong>de</strong> funciona a Associação (Figura 20). Dessa rampa, os<br />
materiais são tria<strong>do</strong>s durante os <strong>do</strong>is primeiros turnos <strong>do</strong> dia e coloca<strong>do</strong>s em<br />
tambores, no caso <strong>do</strong> vidro e <strong>do</strong> plástico, e prensa<strong>do</strong>s, no caso <strong>do</strong> papel e papelão.<br />
Figura 20 - Vista Parcial da Rampa da ASCAJAN para Triagem <strong>de</strong> Materiais<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Não há relações contratuais entre os membros da ASCAJAN e o trabalho se<br />
dá através da divisão <strong>de</strong> algumas ‘funções’: alguns acompanham o caminhão no<br />
recolhimento <strong>do</strong>s materiais nas ‘fontes’, outros realizam a separação na rampa,<br />
outros confeccionam <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s sacolas para armazenamento <strong>do</strong>s vidros -<br />
chama<strong>do</strong>s comumente <strong>de</strong> BAG’s -, outros representam a administração e outros<br />
fazem a pesagem e venda.<br />
A par <strong>de</strong>ssa “distribuição funcional”, o trabalho na ASCAJAN pare<strong>ce</strong> ser um<br />
meio <strong>de</strong> integração que possibilita o relacionamento entre os cata<strong>do</strong>res e o<br />
sentimento <strong>de</strong> perten<strong>ce</strong>r a um grupo. Assim, a Associação configura-se em uma<br />
alternativa <strong>de</strong> fortalecimento <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, on<strong>de</strong> há uma espécie <strong>de</strong> afirmação da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (Dejours, 1987 apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong>, 2006).<br />
71
Os membros da ASCAJAN <strong>de</strong>senvolvem um trabalho conjunto (cooperativo e<br />
associativo) on<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s são responsáveis pelo “produto final”. Hoje, <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong> 127<br />
cata<strong>do</strong>res fazem parte da ASCAJAN, sen<strong>do</strong> que 63 trabalham durante o turno da<br />
manhã e 64 no turno da tar<strong>de</strong>. Dividin<strong>do</strong> o total <strong>de</strong> associa<strong>do</strong>s por sexo, observamos<br />
a presença <strong>de</strong> 75 mulheres e 52 homens.<br />
O que sustenta esses associa<strong>do</strong>s é a venda <strong>do</strong>s materiais mostra<strong>do</strong>s no<br />
Quadro 8 por meio da partilha igualitária quinzenal <strong>do</strong> dinheiro arrecada<strong>do</strong>. Desse<br />
quadro se observa os reduzi<strong>do</strong>s valores por material reciclável.<br />
Quadro 8 - Materiais Recicláveis e Preços <strong>de</strong> Venda pela ASCAJAN.<br />
Tipo <strong>de</strong> Material Preço <strong>de</strong> Venda (R$)/Kg<br />
Vidro Branco 0,08<br />
Vidro Ver<strong>de</strong> 0,06<br />
Vidro Marrom 0,02<br />
Alumínio 5,50<br />
Papel Branco 0,30<br />
Papel Misto 0,20<br />
Latinhas <strong>de</strong> Ferro 0,30<br />
Jornal 0,07<br />
PET 0,50<br />
Fonte: Pesquisa direta.<br />
Já a Figura 21 traz alguns <strong>do</strong>s materiais re<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong>s pela Associação.<br />
Foto <strong>do</strong> Autor (2008).<br />
Figura 21 - Alguns Materiais Recicláveis Re<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong>s pela ASCAJAN<br />
72
Os ganhos <strong>do</strong>s membros da ASCAJAN variam em função da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
recicláveis <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s pelos gera<strong>do</strong>res. Segun<strong>do</strong> os levantamentos feitos, os<br />
rendimentos individuais na Associação con<strong>ce</strong>ntram-se em torno <strong>de</strong> 60,00 à R$ 80,00<br />
mensais, o que tem <strong>de</strong>smotiva<strong>do</strong> seus membros a permane<strong>ce</strong>rem na Associação e<br />
leva<strong>do</strong> alguns a retornar para o trabalho nas esteiras.<br />
Os compra<strong>do</strong>res <strong>de</strong>sses materiais são pessoas (intermediários) que, na<br />
ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Fortaleza/CE, encontram-se acima <strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>poseiros e que mantém vínculo direto com as indústrias <strong>de</strong> reciclagem, que<br />
po<strong>de</strong>m estar situadas em Fortaleza, na sua Região Metropolitana ou mesmo em<br />
outros esta<strong>do</strong>s. Os trabalha<strong>do</strong>res da ASCAJAN representaram o ter<strong>ce</strong>iro grupo <strong>de</strong><br />
sujeitos entrevista<strong>do</strong>s nessa pesquisa e todas algumas consi<strong>de</strong>rações sobre as<br />
entrevistas estão na seção seguinte.<br />
4.3 - Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> os Entrevista<strong>do</strong>s e as Entrevistas<br />
Para realizar as entrevistas foi ne<strong>ce</strong>ssário apresentar o projeto <strong>de</strong> dissertação<br />
aos trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>de</strong> RSD, da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu<br />
(ASCAJAN) e da Usina <strong>de</strong> Triagem. Após essa apresentação, posteriores contatos<br />
telefônicos e visitas <strong>de</strong> campo foram realizadas para obter a permissão oficial<br />
trabalha<strong>do</strong>res por meio <strong>do</strong>s Termos <strong>de</strong> Consentimento Livre e Esclareci<strong>do</strong> (TCLE).<br />
Marcadas as datas, horários e locais (conforme disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos)<br />
fizemos inicialmente o levantamento <strong>de</strong> algumas informações biográficas (Apêndi<strong>ce</strong><br />
1), o que nos permitiu observar que os entrevista<strong>do</strong>s da Usina <strong>de</strong> Triagem e da<br />
ASCAJAN possuem ida<strong>de</strong> que varia entre os 22 e 35 anos; em sua gran<strong>de</strong> maioria<br />
são analfabetos e trabalham <strong>de</strong>s<strong>de</strong> crianças com o RSD. Dos 05 entrevista<strong>do</strong>s, 02<br />
são casa<strong>do</strong>s e têm filhos. Afirmaram ainda que moram no próprio bairro da Usina e<br />
da Associação (Jangurussu) e que possuem rendimentos inferiores a um salário<br />
mínimo por mês.<br />
Não po<strong>de</strong>mos esque<strong>ce</strong>r que os ganhos <strong>de</strong> um integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem<br />
variam em razão <strong>de</strong> alguns elementos: i) época <strong>do</strong> ano (durante o perío<strong>do</strong> chuvoso<br />
73
<strong>de</strong> Fortaleza os materiais chegam à Usina mais “sujos” - o que reduz a quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> recicláveis segrega<strong>do</strong>s nas esteiras), ii) número <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res por esteira (os<br />
ganhos são por produção), iii) horas trabalhadas e iv) tipo <strong>de</strong> material cata<strong>do</strong> (metais<br />
são mais valoriza<strong>do</strong>s no momento da comercialização).<br />
Já os trabalha<strong>do</strong>res entrevista<strong>do</strong>s e que trabalham na coleta formal <strong>de</strong> RSD<br />
em Fortaleza (garis) possuem ida<strong>de</strong> que varia entre os 19 e 45 anos, baixo nível <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> (geralmente o ensino fundamental) e trabalham <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a maiorida<strong>de</strong><br />
com o RSD.<br />
Pelo fato <strong>de</strong> termos opta<strong>do</strong> pelas entrevistas individuais, utilizamos a<br />
“saturação” como critério <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>r da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participantes da forma trazida<br />
por Fontanella, Ricas e Turato (2008). Segun<strong>do</strong> tais autores (p.17) a “amostragem<br />
por saturação” é “[...] uma ferramenta con<strong>ce</strong>itual freqüentemente empregada nos<br />
relatórios <strong>de</strong> investigações qualitativas para estabele<strong>ce</strong>r ou fechar o tamanho final<br />
<strong>de</strong> uma amostra em estu<strong>do</strong>, interrompen<strong>do</strong> a captação <strong>de</strong> novos componentes”.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Fontanella, Ricas e Turato (2008, p.17) a saturação teórica se<br />
dá quan<strong>do</strong> “[...] as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa<br />
pouco acres<strong>ce</strong>ntariam ao material já obti<strong>do</strong>, não mais contribuin<strong>do</strong> significativamente<br />
para o aperfeiçoamento da reflexão teórica”.<br />
O fechamento <strong>do</strong> grupo é operacionalmente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como a suspensão <strong>de</strong><br />
inclusão <strong>de</strong> novos participantes quan<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s passam a apresentar, na<br />
avaliação <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, uma <strong>ce</strong>rta redundância ou repetição.<br />
Pelo <strong>de</strong>scrito acima, <strong>de</strong>stacamos que a composição <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> informantes<br />
não obe<strong>de</strong><strong>ce</strong>u a objetivos estatísticos, mas exclusivamente a fins qualitativos <strong>de</strong><br />
enrique<strong>ce</strong>r a compreensão <strong>de</strong> <strong>ce</strong>rtos pro<strong>ce</strong>ssos e significa<strong>do</strong>s e conhe<strong>ce</strong>r o<br />
posicionamento e os argumentos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s com relação às temáticas <strong>de</strong>sta<br />
pesquisa. Por esse caminho, pensamos na representativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s ao<br />
entrevistarmos aqueles que conhe<strong>ce</strong>m e compreen<strong>de</strong>m profundamente a realida<strong>de</strong><br />
estudada e não na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indivíduos (Quadro 9).<br />
74
Quadro 9 - Composição <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> Trabalha<strong>do</strong>res Entrevista<strong>do</strong>s por Setor.<br />
Setor <strong>de</strong> Trabalho Número <strong>de</strong> Entrevista<strong>do</strong>s<br />
Coleta Domiciliar (Garis) 5<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem 3<br />
Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu (ASCAJAN) 2<br />
Total 10<br />
Priorizan<strong>do</strong> aspectos <strong>do</strong> rigor ético e meto<strong>do</strong>lógico da pesquisa qualitativa,<br />
como a contextualização e auditabilida<strong>de</strong> foram utilizadas ainda observações diretas<br />
(não filmadas) e o diário <strong>de</strong> campo. Conforme <strong>de</strong>scrito nos pro<strong>ce</strong>dimentos<br />
meto<strong>do</strong>lógicos, abordamos a temática via entrevista semi-estruturada (Apêndi<strong>ce</strong> 2),<br />
na perspectiva <strong>de</strong> facilitar a elaboração <strong>de</strong> categorias <strong>de</strong> análises <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, até<br />
porque esse trabalho não se limitou somente a esse momento conforme seus<br />
objetivos.<br />
As entrevistas foram realizadas nos locais <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s sujeitos envolvi<strong>do</strong>s,<br />
mas em ambientes reserva<strong>do</strong>s - <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não houvesse interrupção - para<br />
<strong>de</strong>ixá-los à vonta<strong>de</strong> e imersos nas suas realida<strong>de</strong>s. Posteriormente, fizemos<br />
pessoalmente as transcrições das falas que constituíram um corpus <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos.<br />
Cada entrevista durou entre 22 e 38 minutos e foram registradas em<br />
grava<strong>do</strong>res digitais, conforme acorda<strong>do</strong> no Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre e<br />
Esclareci<strong>do</strong>. Provavelmente, o curto tempo das entrevistas <strong>de</strong>correu <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> um<br />
<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>res já ter contato contínuo com os grupos envolvi<strong>do</strong>s, o que <strong>de</strong>ve ter<br />
influencia<strong>do</strong> na duração das falas, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> julgarem que não precisavam<br />
repetir o que já haviam dito em outra ocasião, ou que julgaram que o entrevista<strong>do</strong>r já<br />
sabia.<br />
4.4 - As Categorias Apreendidas<br />
Ao serem entrevista<strong>do</strong>s, os trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>de</strong> RSD (garis), da Usina<br />
<strong>de</strong> Triagem e da ASCAJAN apresentaram compreensões sobre os RSD, o ambiente<br />
75
e a saú<strong>de</strong> que foram resguardadas nas 06 categorias (com algumas categorias<br />
empíricas) mostradas no Quadro 10.<br />
Quadro 10 - Categorias Principais e Empíricas Construídas na Pesquisa<br />
Código Categorias<br />
Principais<br />
4.4.1<br />
4.4.2<br />
Código Categorias Empíricas<br />
4.4.1.1 Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho<br />
O Trabalho,<br />
4.4.1.2 Trabalhan<strong>do</strong> e A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong><br />
a Doença e a Saú<strong>de</strong><br />
4.4.1.3 A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> e Buscan<strong>do</strong> a Cura<br />
Os Significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Lixo<br />
4.4.2.1 O Lixo como Perigo<br />
4.4.2.2<br />
O Lixo como Meio <strong>de</strong><br />
Sobrevivência<br />
4.4.2.3 O Lixo como Ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong><br />
4.4.3 Que Lixo é Esse?<br />
4.4.4 O Lixo e o Ambiente<br />
4.4.5 O Trabalho com o Lixo e a Socieda<strong>de</strong><br />
4.4.6 Do Lixo a um Novo Horizonte<br />
Apresentamos e discutimos abaixo os relatos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s em cada uma<br />
<strong>de</strong>ssas categorias:<br />
4.4.1 - O Trabalho, a Doença e a Saú<strong>de</strong><br />
Ao serem entrevista<strong>do</strong>s sobre a relação entre o trabalho com os RSD e a<br />
saú<strong>de</strong>, os trabalha<strong>do</strong>res relataram sobre suas vivências, sen<strong>do</strong> apreendidas três<br />
categorias empíricas assim apresentadas: “Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho”, “Trabalhan<strong>do</strong> e<br />
A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong>” e “A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> e Buscan<strong>do</strong> a Cura”.<br />
4.4.1.1 - Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho<br />
Observamos que os entrevista<strong>do</strong>s classificam seu trabalho como ‘ruim’, ‘bom’<br />
ou como ‘ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>’, sob várias perspectivas. Em alguns casos, as falas<br />
permitiram compreen<strong>de</strong>r que o trabalho com os RSD <strong>de</strong>sagrada os entrevista<strong>do</strong>s por<br />
proporcionar um sentimento <strong>de</strong> “estar sujo”, além <strong>do</strong>s riscos ocupacionais, como<br />
observamos nos seguintes relatos:<br />
76
“...eu não gosto <strong>de</strong> trabalhar com o lixo porque às vezes<br />
a gente fica com uma inhaca nas mãos; tem que lavar<br />
bem muito, passar limão pra sair e é uma coisa que não<br />
é aconchegante cê trabalhar com o lixo...” (Entrevista<strong>do</strong> 8,<br />
Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
“Pra mim, eu acho ruim trabalhar com o lixo porque cê<br />
corre muito risco...” (Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem).<br />
Cabe aqui pontuar alguns aspectos a<strong>ce</strong>rca ‘<strong>do</strong> lugar’ <strong>de</strong> on<strong>de</strong> falam os<br />
Integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem, ou seja, <strong>de</strong> um espaço no qual “trabalhar com os<br />
RSD” é, para as atuais condições <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, sinônimo <strong>de</strong> sobrevivência.<br />
Assim, buscar materiais recicláveis ‘saco-a-saco’, entran<strong>do</strong> em contato direto e diário<br />
com materiais e o<strong>do</strong>res diversos, é buscar o ‘pão <strong>de</strong> cada dia”.<br />
Além <strong>do</strong>s aspectos aponta<strong>do</strong>s, as visitas à Usina <strong>de</strong> Triagem permitiram<br />
observar que a primeira ativida<strong>de</strong> realizada pelos trabalha<strong>do</strong>res é o envio <strong>do</strong>s RSD<br />
dispostos no pátio para as esteiras. Tal ativida<strong>de</strong> é realizada por duas ou três<br />
pessoas (por esteira) que se equilibram sobre o montante <strong>de</strong> resíduos e que, em<br />
posições bastante curvadas, empurram os materiais com as próprias mãos.<br />
Figura 22 - Vista Parcial <strong>de</strong> Alguns Integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
Fotos <strong>do</strong> Autor (2007 e 2008).<br />
Durante a primeira ativida<strong>de</strong> é notória a pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong>s riscos <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes, pela dificulda<strong>de</strong> que os trabalha<strong>do</strong>res encontram <strong>de</strong> se manterem em pé<br />
77
sobre os resíduos sóli<strong>do</strong>s, e <strong>do</strong>s riscos ergonômicos, pelo fato <strong>de</strong> sempre<br />
empurrarem os resíduos em postura não ereta, com esforço físico e trabalho<br />
repetitivo (Figura 22).<br />
A segunda ativida<strong>de</strong> realizada na Usina <strong>de</strong> Triagem é o pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> seleção<br />
<strong>do</strong>s materiais recicláveis ao longo das únicas três esteiras em funcionamento.<br />
Observamos que em cada esteira posicionam-se, em pé, homens e mulheres para<br />
rasgar os sacos plásticos e retirar os materiais passíveis <strong>de</strong> venda.<br />
Os riscos à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r são bem mais expressivos e diversos, com<br />
<strong>de</strong>staque para os riscos químicos, biológicos (pelo contato <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res com<br />
uma enorme diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> microorganismos patogênicos que resi<strong>de</strong>m no lixo) e<br />
físicos, como ruí<strong>do</strong>, que po<strong>de</strong>m promover a perda parcial ou total da audição pelo<br />
fato <strong>de</strong> trabalharem em torno <strong>de</strong> 10 horas/dia, mas isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> também da<br />
quantida<strong>de</strong> anos trabalha<strong>do</strong>s, da intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ruí<strong>do</strong>, da freqüência, da<br />
sus<strong>ce</strong>ptibilida<strong>de</strong> individual.<br />
A ter<strong>ce</strong>ira ativida<strong>de</strong> realizada na Usina <strong>de</strong> Triagem é o transporte e a<br />
pesagem <strong>do</strong>s materiais seleciona<strong>do</strong>s, on<strong>de</strong> co-existem riscos mecânicos (pelo<br />
manuseio <strong>de</strong> equipamentos) e ergonômicos (pela <strong>de</strong>sconfortável forma a<strong>do</strong>tada para<br />
levantar e transportar os resíduos). Além <strong>do</strong>s aspectos até então consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, cabe<br />
ressaltar que os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem (Figura 23) são submeti<strong>do</strong>s à<br />
longas jornadas <strong>de</strong> trabalho e explora<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> materiais<br />
recicláveis.<br />
A existência <strong>de</strong>sses intermediários aparenta ser uma constante nas unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> beneficiamento <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s e até mesmo nos lixões das cida<strong>de</strong>s<br />
brasileiras. Abreu (2001), ao realizar uma discussão sobre a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res<br />
brasileiros, traz que os compra<strong>do</strong>res diretos ou atravessa<strong>do</strong>res, chegam a contratar<br />
pessoas armadas para garantir seus interesses, mas, por outro la<strong>do</strong>, têm atitu<strong>de</strong>s<br />
paternalistas - dão remédios, emprestam dinheiro, apartam brigas.<br />
78
Figura 23 - Segregação <strong>de</strong> Recicláveis na Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
Fonte: Santos (2007).<br />
Na Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu não observamos pessoas armadas para<br />
manter os interesses <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>pósitos, mas quase to<strong>do</strong>s os dias<br />
encontramos carros utilitários (saveiros, pampas, D-20, S-10) sain<strong>do</strong> cheios <strong>de</strong><br />
materiais recicláveis e, tal <strong>ce</strong>nário, vem <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> que os trabalha<strong>do</strong>res da Usina<br />
não estão se aproprian<strong>do</strong> <strong>do</strong> que separam, ou seja, o “lucro está mudan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
mãos”.<br />
Como os integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem se “auto-empregam” - que na visão<br />
<strong>de</strong> Birbeck (1978) apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006) representa uma ilusão - fica difícil<br />
para eles per<strong>ce</strong>ber que, na realida<strong>de</strong>, estão ven<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sua força <strong>de</strong> trabalho à<br />
indústria da reciclagem, sem, contu<strong>do</strong> terem a<strong>ce</strong>sso à segurida<strong>de</strong> social <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> trabalho.<br />
Como bem <strong>de</strong>stacou Lessa (2003, p.15),<br />
[...] na perspectiva <strong>do</strong> pobre urbano, o lixo é fonte renovável <strong>de</strong> recursos<br />
naturais, na qual ele “garimpa” e cria merca<strong>do</strong>rias. Estas dão origem a uma<br />
articulação subterrânea <strong>de</strong> nexos mercantis que terminam na indústria que<br />
repro<strong>ce</strong>ssa estas matérias-primas.<br />
Na Usina <strong>de</strong> Triagem, os cata<strong>do</strong>res catam e separam <strong>do</strong> RSD o material<br />
reciclável numa quantida<strong>de</strong> que seja suficiente para o “ganho <strong>de</strong> cada dia”, mas os<br />
79
atravessa<strong>do</strong>res sempre “estão por perto” para pesar e estabele<strong>ce</strong>r o preço a ser<br />
pago aos cata<strong>do</strong>res. Enquanto isso, seus <strong>de</strong>pósitos vão acumulan<strong>do</strong> toneladas <strong>de</strong><br />
materiais recicláveis para servir às indústrias. Para Viana (2000) apud Me<strong>de</strong>iros e<br />
Macê<strong>do</strong> (2006),<br />
a existência <strong>do</strong>s atravessa<strong>do</strong>res po<strong>de</strong> ser explicada por <strong>do</strong>is fatores<br />
principais: primeiro, pela “dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção” <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> lixo<br />
para entregar o material nas indústrias <strong>de</strong> reciclagem e, segun<strong>do</strong>, pelas<br />
vantagens que esse sistema ofere<strong>ce</strong> às indústrias.<br />
Compreen<strong>de</strong>mos que a indústria também alimenta o “ciclo da exploração”,<br />
on<strong>de</strong> o cata<strong>do</strong>r <strong>de</strong> material reciclável da Usina <strong>de</strong> Triagem participa como elemento<br />
base <strong>de</strong> um pro<strong>ce</strong>sso produtivo bastante lucrativo, no entanto, para<strong>do</strong>xalmente,<br />
trabalha em condições precárias, subumanas e não obtém ganho que lhe assegure<br />
uma sobrevivência digna.<br />
Reflexão semelhante foi feita por Nascimento (2003), David <strong>de</strong> Oliveira (2003)<br />
e por Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006), ao analisarem a posição <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res e <strong>do</strong> seu<br />
trabalho na ca<strong>de</strong>ia produtiva da reciclagem. Segun<strong>do</strong> o primeiro autor, os cata<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong> papel ou lixo em geral, estão inseri<strong>do</strong>s no pro<strong>ce</strong>sso produtivo, ocupan<strong>do</strong> a base<br />
<strong>de</strong> uma hierarquia <strong>de</strong> negócios, cujo ápi<strong>ce</strong> é ocupa<strong>do</strong> por indivíduos ricos, que se<br />
apropriam <strong>do</strong>s valores produzi<strong>do</strong>s na base.<br />
De acor<strong>do</strong> David <strong>de</strong> Oliveira (2003), o cata<strong>do</strong>r é aquele em que mais se<br />
projeta a situação <strong>de</strong> sobrexploração da mão-<strong>de</strong>-obra. Já Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006,<br />
p.69) trazem:<br />
Esses trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong>sempenham um papel prepon<strong>de</strong>rante para o<br />
pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> reciclagem, pois, atualmente, o fruto <strong>de</strong> seu trabalho é ponto<br />
<strong>de</strong> partida para o abastecimento, com matérias-primas, das indústrias <strong>de</strong><br />
reciclagem. Apesar disso, ativida<strong>de</strong> é executada em condições<br />
extremamente precárias e informais <strong>de</strong> trabalho e remuneração, o que<br />
evi<strong>de</strong>ncia o caráter perverso da inclusão que essa ativida<strong>de</strong> possibilita.<br />
Entre as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> triagem, cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua, intermediários e<br />
empresas, observa-se uma relação prevista <strong>de</strong> comércio, on<strong>de</strong> a<br />
integração se dá como uma engrenagem mecânica, cujo objetivo é o lucro.<br />
A empresa dita o merca<strong>do</strong>, compra os resíduos <strong>do</strong>s intermediários, que por<br />
sua vez os compram <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> triagem (ZANETI,<br />
2006, p.218).<br />
80
As entrevistas realizadas com os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza<br />
foram fundamentais para o conhecimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um <strong>ce</strong>nário <strong>de</strong> riscos ambientais e<br />
ocupacionais. Porto (2007) traz - <strong>de</strong> forma muito instigante - a complexida<strong>de</strong> inerente<br />
à compreensão <strong>de</strong> tais riscos e elucida um primeiro passo nesse senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>staca que [...] os valores, interesses e conhecimentos situa<strong>do</strong>s (relativos à<br />
vivência <strong>do</strong> cotidiano) <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, mora<strong>do</strong>res e cidadãos em geral <strong>de</strong>vem ser<br />
leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração ao compreen<strong>de</strong>rmos os riscos.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Porto (2007, p.33),<br />
À medida que as discussões sobre os riscos ocupacionais e ambientais<br />
mo<strong>de</strong>rnos tornam-se mais relevantes e buscam apreen<strong>de</strong>r suas<br />
complexida<strong>de</strong>s, fica cada vez mais claro que tais riscos não são somente<br />
assunto <strong>de</strong> interesse para técnicos e especialistas das áreas <strong>tecnológica</strong>s,<br />
biomédica e ecológica. [...] os riscos ocupacionais e ambientais envolvem<br />
dimensões éticas, políticas e culturais que têm mais a ver com as vidas das<br />
pessoas e as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong> e nas empresas <strong>do</strong> que com<br />
o mun<strong>do</strong> restrito da ciência, da técnica e da economia.<br />
Sem per<strong>ce</strong>ber os inconvenientes <strong>do</strong> trabalho com os RSD, alguns<br />
entrevista<strong>do</strong>s (membros da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res) afirmaram que esse ofício<br />
não é ‘ruim”, como se ilustra nos pronunciamentos a seguir:<br />
“...trabalhar com o lixo é bom não é?!, porque aqui o<br />
trabalho tá bom, é um trabalho tranqüilo, calmo, não<br />
tem vexame nem nada e ninguém se aperreia, nem<br />
nada; trabalha até <strong>de</strong>z hora, <strong>de</strong>z e meia, aí vai pra<br />
casa...” (Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“...É um serviço que eu gosto. A gente trabalha a hora<br />
que quer, a gente ganha o dinheiro da gente, compra o<br />
que comer, as coisas da gente. Acho bom trabalhar...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 9, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
Cabe aqui pontuar alguns aspectos a<strong>ce</strong>rca ‘<strong>do</strong> lugar’ <strong>de</strong> on<strong>de</strong> falam os<br />
Membros da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res, ou seja, <strong>de</strong> um espaço no qual se trabalha<br />
apenas com resíduos recicláveis que já vem separa<strong>do</strong>s das ‘’fontes gera<strong>do</strong>ras e<br />
<strong>do</strong>a<strong>do</strong>ras”; <strong>de</strong> um lugar on<strong>de</strong> há distribuição <strong>de</strong> tarefas e limite nas cargas horárias<br />
<strong>de</strong> trabalho - diferente, portanto, da Usina <strong>de</strong> Triagem.<br />
81
Observamos que os entrevista<strong>do</strong>s elegem como vantagem primeira <strong>do</strong><br />
trabalho na ASCAJAN a autonomia na gestão <strong>do</strong> tempo, pois quase to<strong>do</strong>s cumprem<br />
jornadas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> apenas um turno e que dá uma espécie <strong>de</strong> “sensação <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong>”. É como se eles não precisassem pedir li<strong>ce</strong>nça ao patrão ou à patroa para<br />
<strong>de</strong>scansar ou conversar com os colegas.<br />
Essa sensação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> agrada aos cata<strong>do</strong>res, pois o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Velloso<br />
(2005) nos mostra que um <strong>do</strong>s seus entrevista<strong>do</strong>s trabalhava como motorista,<br />
per<strong>de</strong>u o emprego e começou a catar papel. Mais tar<strong>de</strong> teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
retornar a antiga profissão, mas optou por ser cata<strong>do</strong>r, justifican<strong>do</strong> sua escolha pelo<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> não se submeter a um patrão, o que levaria a abrir mão da sua<br />
autonomia. Tal sensação também foi observada por Zaneti (2006) nos diálogos com<br />
seus cata<strong>do</strong>res.<br />
As visitas à ASCAJAN permitiram observar que o trabalho com os resíduos<br />
recicláveis conta com o auxílio <strong>de</strong> alguns Equipamentos <strong>de</strong> Proteção Individual<br />
(EPI’s), o que <strong>de</strong>ve representar para os entrevista<strong>do</strong>s um meio para se sentirem<br />
mais seguro, porém é comum encontrá-los <strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>s.<br />
É importante lembrar que apenas o a<strong>ce</strong>sso aos Equipamentos <strong>de</strong> Proteção<br />
Individual (EPI’s) não <strong>ce</strong>ssa os problemas inerentes a qualquer ativida<strong>de</strong> que<br />
apresente potencial impacto à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Porto (2007, p.27) lembra<br />
que:<br />
[...] uma análise contextualizada, com apoio <strong>de</strong> disciplinas como a<br />
ergonomia e a ergologia, po<strong>de</strong>ria revelar que muitas vezes os EPI’s são<br />
ineficientes, custosos, extremamente <strong>de</strong>sconfortáveis em ambiente quentes<br />
ou ainda incompatíveis com as exigências <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> exigidas pela<br />
gerência.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> Porto (2007, p.27):<br />
[...] os trabalha<strong>do</strong>res cada vez mais apren<strong>de</strong>m e se capacitam para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s e, com isso, ten<strong>de</strong>m a a<strong>ce</strong>itar <strong>ce</strong>rtas<br />
situações como parte <strong>do</strong> jogo. Porém, os responsáveis técnicos pela<br />
segurança <strong>de</strong>nominam essas situações como “falta <strong>de</strong> consciência” ou “ato<br />
inseguro” <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>sprezan<strong>do</strong> o contexto <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> e<br />
rapidamente passan<strong>do</strong> a figura <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r <strong>de</strong> vítima para culpa<strong>do</strong>.<br />
82
Conforme enten<strong>de</strong>mos em Velloso, Valadares e Santos (1998, p.144), “a<br />
coleta seletiva evita aci<strong>de</strong>ntes como cortes e ferimentos, além <strong>de</strong> contribuir para a<br />
mudança <strong>de</strong> visão a<strong>ce</strong>rca <strong>do</strong> lixo”. Essa afirmação <strong>de</strong>ve também ser levada em<br />
consi<strong>de</strong>ração no entendimento <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> os trabalha<strong>do</strong>res da ASCAJAN<br />
consi<strong>de</strong>rarem como tranqüilo o seu cotidiano e trabalho.<br />
Conforme Valle Mota (2005, p.8):<br />
É louvável o esforço feito pelas organizações <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res e cata<strong>do</strong>ras em<br />
vários esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ofere<strong>ce</strong>rem melhores serviços à<br />
população em geral e melhores condições <strong>de</strong> trabalho aos(às)<br />
associa<strong>do</strong>s(as) e coopera<strong>do</strong>s(as).<br />
Esse movimento, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, observamos nas reuniões <strong>do</strong> Fórum Lixo<br />
e Cidadania que aconte<strong>ce</strong>m no auditório da Regional III da Prefeitura <strong>de</strong><br />
Fortaleza/CE, pois os cata<strong>do</strong>res têm busca<strong>do</strong> se organizar em cooperativas e<br />
associações, visan<strong>do</strong> melhores condições <strong>de</strong> trabalho e, <strong>ce</strong>rtamente, a partir <strong>do</strong><br />
momento que eles passarem a ser associa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>verá haver melhorias em suas<br />
vidas.<br />
O IPT (2003) apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006) <strong>de</strong>staca as seguintes<br />
vantagens <strong>de</strong> uma cooperativa <strong>de</strong> materiais recicláveis: evitar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um único<br />
compra<strong>do</strong>r; ven<strong>de</strong>r cargas “fechadas” por um preço médio, estocar os materiais que<br />
po<strong>de</strong>m ser armazena<strong>do</strong>s por perío<strong>do</strong> mais longos. Ainda conforme o IPT (2003)<br />
apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006), o objetivo <strong>ce</strong>ntral <strong>de</strong> uma cooperativa <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong> material reciclável é gerar oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e renda.<br />
Acreditamos que a organização <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res em cooperativas <strong>de</strong>ve ir mais<br />
além, pensan<strong>do</strong> na questão da transformação cultural, social e política <strong>do</strong>s seus<br />
membros.<br />
As associações e as cooperativas po<strong>de</strong>m representar tanto uma estratégia<br />
<strong>de</strong> vida, compreendida como uma alternativa para a satisfação <strong>de</strong><br />
ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>s econômicas, como também significar uma nova forma <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> vínculos sociais ou mesmo da reconstituição <strong>do</strong> laço social<br />
sustenta<strong>do</strong> por um novo contrato social (KEMP et al 2004, p.2).<br />
83
O Fórum Lixo e Cidadania é um espaço para se <strong>de</strong>senvolver ações <strong>de</strong>ssa<br />
natureza, mas notamos quatro gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios para a emancipação <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res<br />
e reconstrução <strong>do</strong>s laços sociais: a falta <strong>de</strong> participação <strong>do</strong>s fortalezenses (é<br />
importante dizer que não há uma divulgação em massa <strong>do</strong> fórum), a falta <strong>de</strong><br />
recursos finan<strong>ce</strong>iros (pois se eles existem não são comenta<strong>do</strong>s nas reuniões), a falta<br />
<strong>de</strong> interesse político para “fazer a coisa aconte<strong>ce</strong>r” e a pouca crença <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res<br />
no fórum.<br />
Observamos, pelas 4 reuniões que estivemos presentes, um reduzi<strong>do</strong> número<br />
<strong>de</strong> participantes, pois os encontros não con<strong>ce</strong>ntram mais <strong>do</strong> que 20 pessoas, entre<br />
membros <strong>de</strong> ONG’s, funcionários da Prefeitura <strong>de</strong> Fortaleza e membros da<br />
socieda<strong>de</strong> civil. A presença <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res também é muito irrisória no Fórum Lixo e<br />
Cidadania <strong>de</strong> Fortaleza, seus momentos <strong>de</strong> fala são limita<strong>do</strong>s e ao final <strong>de</strong> cada<br />
reunião não é feita uma sistematização da reunião.<br />
Para um entrevista<strong>do</strong>, o trabalho com os RSD é uma ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>, conforme<br />
sua fala:<br />
“...trabalhar com o lixo é só pra quem precisa mesmo<br />
porque pra quem não precisa não adianta nem tentar<br />
não...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“...trabalho com ele (lixo) só porque é o jeito. Não tem<br />
outro meio pois ninguém faz nada por nós, então, o que<br />
tem que fazer é com o lixo mesmo...” (Entrevista<strong>do</strong> 7,<br />
Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Cabe aqui pontuar alguns aspectos a<strong>ce</strong>rca <strong>do</strong> lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> fala o referi<strong>do</strong><br />
gari, ou seja, <strong>de</strong> um espaço no qual o trabalha<strong>do</strong>r foi contrata<strong>do</strong> para “coletar<br />
resíduos”, portanto, há uma espécie <strong>de</strong> imposição contratual e também esse foi<br />
emprego que ele conseguiu diante das suas condições. Assim, se ele não realizar as<br />
ativida<strong>de</strong>s pré-<strong>de</strong>terminadas po<strong>de</strong>rá per<strong>de</strong>r o emprego. Enquanto que o integrante<br />
da Usina <strong>de</strong> Triagem busca o pão <strong>de</strong> cada dia saco à saco.<br />
Dentro da perspectiva acima o trabalho com os RSD passa a ocupar um lugar<br />
<strong>ce</strong>ntral na vida <strong>de</strong> quem o realiza. É como se o trabalho fosse um elemento-chave<br />
84
na vida <strong>do</strong> gari, mas não po<strong>de</strong>mos esque<strong>ce</strong>r que esse trabalho também po<strong>de</strong> ser<br />
marca<strong>do</strong> pela ausência <strong>de</strong> direitos sociais, mal remunera<strong>do</strong> e pouco reconheci<strong>do</strong>,<br />
que po<strong>de</strong> provocar um sentimento <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> no trabalha<strong>do</strong>r. Dejours (1999) apud<br />
Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006) evi<strong>de</strong>ncia que as conseqüências psicossociais advindas<br />
da crise atual <strong>do</strong> trabalho assalaria<strong>do</strong> são perversas, pois atacam os ali<strong>ce</strong>r<strong>ce</strong>s da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser humano.<br />
Ainda “Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho” emergiu uma discussão a<strong>ce</strong>rca das relações<br />
humanas no ambiente <strong>de</strong> trabalho. Dito <strong>de</strong> outra forma, como os sujeitos<br />
entrevista<strong>do</strong>s se relacionam e como são suas relações com seus superiores.<br />
Compreen<strong>de</strong>mos que o trabalho com os RSD tem <strong>de</strong>sgasta<strong>do</strong> relações e leva<strong>do</strong> os<br />
trabalha<strong>do</strong>res (no caso, os garis) a sofrerem fortes pressões por parte da empresa,<br />
que organizam o trabalho <strong>de</strong> forma extenuante e estabele<strong>ce</strong>m metas <strong>de</strong> produção:<br />
“...ela (empresa) pressiona <strong>de</strong>mais o coletor, pressiona,<br />
pressiona, pressiona, que tem hora que você não<br />
agüenta mais. A única <strong>de</strong>svantagem é essa, é pressão<br />
por cima <strong>de</strong> pressão tanto <strong>do</strong>s homens lá <strong>de</strong>ntro quanto<br />
<strong>do</strong> fiscal...” (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
“Você tem que correr muito, cê tem que fazer uma<br />
carrada em menos <strong>de</strong> 3 horas, <strong>de</strong> 9.000 kilos, então pra<br />
isso você tá arrisca<strong>do</strong>, no setor, a ser atropela<strong>do</strong>, sob<br />
pressão não é?!. Porque se você trabalhar com calma,<br />
se não tivesse pressão, não tivesse horário pra fazer a<br />
carrada, cê ia passar uma avenida e aí olhar pros <strong>do</strong>is<br />
la<strong>do</strong>s...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
A pressão anunciada pelo entrevista<strong>do</strong> gera comportamentos <strong>de</strong> risco porque<br />
metas <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> são <strong>de</strong>terminadas pela empresa e <strong>de</strong>vem ser cumpridas<br />
pelos trabalha<strong>do</strong>res ao longo das suas rotinas <strong>de</strong> coleta. Possivelmente, essas<br />
metas não consi<strong>de</strong>ram as condições individuais, o levantamento <strong>de</strong> peso e o esforço<br />
físico que o trabalho exige.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar que esse <strong>ce</strong>nário emergiu também no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Velloso<br />
(1995) apud Anjos e Ferreira (2000), levan<strong>do</strong>-a a afirmar que “durante a coleta, o<br />
trabalha<strong>do</strong>r está submeti<strong>do</strong> a tensões permanentes pela presença constante <strong>de</strong><br />
85
fluxo <strong>de</strong> outros veículos nas ruas”. Nesse mesmo senti<strong>do</strong>, Velloso, Santos e Anjos<br />
(1997, p.697) <strong>de</strong>stacaram que:<br />
Os trabalha<strong>do</strong>res - por realizarem suas ativida<strong>de</strong>s ao ar livre - ficam<br />
expostos ao calor, ao frio, à chuva e, ainda, às variações bruscas <strong>de</strong><br />
temperatura. Além disso, durante o pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> trabalho, o compacta<strong>do</strong>r<br />
<strong>de</strong> lixo é aciona<strong>do</strong> freqüentemente, ocasionan<strong>do</strong> ruí<strong>do</strong> que se soma aos<br />
ruí<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s no trânsito e nas ruas.<br />
O ruí<strong>do</strong> emiti<strong>do</strong> pelo compacta<strong>do</strong>r foi mensura<strong>do</strong> por Ferreira (2002) mediante<br />
instalação <strong>de</strong> um equipamento nas proximida<strong>de</strong>s da carro<strong>ce</strong>ria <strong>do</strong> caminhão (mais<br />
precisamente à 50 cm da porta <strong>do</strong> veículo). O autor constatou que os ruí<strong>do</strong>s ficam<br />
acima <strong>de</strong> 85 <strong>de</strong>cibéis e que, apesar <strong>de</strong> estarem <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites da NR-15,<br />
interferem na comunicação entre os coletores <strong>de</strong> lixo e vêm causan<strong>do</strong> incômo<strong>do</strong>s<br />
(zuni<strong>do</strong> no ouvi<strong>do</strong> e dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escutar, principalmente) para 28,5% <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res entrevista<strong>do</strong>s.<br />
Na visão <strong>de</strong> Ferreira e Anjos (2001, p.692),<br />
Ruí<strong>do</strong>s em ex<strong>ce</strong>sso, durante as operações <strong>de</strong> gerenciamento <strong>do</strong>s resíduos,<br />
po<strong>de</strong>m promover a perda parcial ou permanente da audição, <strong>ce</strong>faléia,<br />
tensão nervosa, estresse, hipertensão arterial. Em algumas circunstâncias,<br />
a vibração <strong>de</strong> equipamentos (na coleta, por exemplo) po<strong>de</strong> provocar<br />
lombalgias e <strong>do</strong>res no corpo.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> os autores (p.694), “o estresse po<strong>de</strong> ser a causa invisível <strong>de</strong><br />
muitos <strong>do</strong>s aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, pela redução da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autocontrole <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res, e <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças ocupacionais, pela redução das <strong>de</strong>fesas naturais e <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>sgaste <strong>do</strong>s organismos”.<br />
O trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>do</strong>s RSD tem conduzi<strong>do</strong> os sujeitos entrevista<strong>do</strong>s à<br />
diversos riscos (inclusive, <strong>de</strong> morte) pelo fato <strong>de</strong> correrem pelas ruas e avenidas<br />
com horários à cumprir. Nesse senti<strong>do</strong>, um trabalha<strong>do</strong>r narrou to<strong>do</strong> um aconteci<strong>do</strong><br />
com um colega <strong>de</strong> trabalho que foi à óbito ao ser atropela<strong>do</strong> por um veículo<br />
particular enquanto trabalhava coletan<strong>do</strong> RSD em Fortaleza/CE:<br />
“...como aconte<strong>ce</strong>u aí 2 anos atrás: um amigo meu<br />
morreu. Foi atropela<strong>do</strong>. Ele <strong>de</strong>s<strong>ce</strong>u <strong>do</strong> caminhão pra<br />
pegar a lixeira e um carro rebolou ele em um poste e<br />
em <strong>do</strong>is muros. O cara era forte e ficou só o bagaço.<br />
86
Passou uns 20 dias interna<strong>do</strong> no Frotão e <strong>de</strong>pois<br />
morreu...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
A forma como o trabalha<strong>do</strong>r falou sobre seu colega trouxe-nos a sensação <strong>de</strong><br />
que o episódio ‘alimenta o me<strong>do</strong>’, mas também uma maneira <strong>de</strong> tentar se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>sse me<strong>do</strong>.<br />
O atropelamento observa<strong>do</strong> em Fortaleza/CE não é um fato exclusivo da<br />
capital <strong>ce</strong>arense. No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Miglioransa et al (2004), observamos que <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong><br />
6,67% <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma Empresa B <strong>de</strong> Porto Alegre, já foram atropela<strong>do</strong>s.<br />
Observamos em Velloso, Santos e Anjos (1997) uma Associação entre as causas<br />
<strong>de</strong>sses aci<strong>de</strong>ntes com o fato <strong>de</strong> os horários <strong>de</strong> coleta coincidirem com os <strong>de</strong> tráfego<br />
intenso.<br />
Para Ferreira e Anjos (2001, p.693),<br />
Aos atropelamentos estão expostos tanto os trabalha<strong>do</strong>res da coleta<br />
<strong>do</strong>miciliar e limpeza <strong>de</strong> logra<strong>do</strong>uros como os trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> locais <strong>de</strong><br />
transferência e <strong>de</strong>stinação final <strong>do</strong>s resíduos, pois além <strong>do</strong>s riscos<br />
inerentes à ativida<strong>de</strong>, contribuem para esse tipo <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte a sobrecarga<br />
e a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho e o pouco respeito que os motoristas em geral<br />
têm para os limites e regras estabelecidas para o trânsito. Também <strong>de</strong>ve<br />
ser lembrada a ausência <strong>de</strong> uniformes a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s (roupas visíveis, sapatos<br />
resistentes e anti<strong>de</strong>rrapantes) como um fator <strong>de</strong> agravamento <strong>do</strong>s riscos <strong>de</strong><br />
atropelamento.<br />
Ainda “Conhe<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> o Trabalho com o Lixo”, compreen<strong>de</strong>mos que há uma<br />
insatisfação em relação à empresa na qual trabalham. Tal insatisfação <strong>de</strong>corre <strong>do</strong><br />
fato <strong>de</strong> não possuírem Planos <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, pois acreditam que a empresa tem gran<strong>de</strong>s<br />
re<strong>ce</strong>itas mensais, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> arcar com esse benefício, como ilustram os<br />
pronunciamentos:<br />
“Aqui ninguém tem um plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Uma empresa<br />
<strong>de</strong>ssa que ganha milhões da Prefeitura <strong>de</strong><br />
Fortaleza...alega que têm muitas <strong>de</strong>spesas. Sim, tem<br />
muita <strong>de</strong>spesa, mas em primeiro lugar <strong>de</strong>ve se<br />
preocupar mais com o funcionário (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“...um plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> dava pra ela (empresa) pagar,<br />
mas ela fala que não, que tá pagan<strong>do</strong> bem porque da<br />
<strong>ce</strong>sta básica, vale refeição...” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari).<br />
87
Na ausência <strong>de</strong> Planos <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, os funcionários da coleta <strong>de</strong> RSD recorrem<br />
ao Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - local que, na visão <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, não “resolve” o<br />
problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e, às vezes, nem permite que consultas sejam marcadas.<br />
É importante consi<strong>de</strong>rar que há no Brasil um forte apelo da mídia para que<br />
to<strong>do</strong>s sejam ‘filia<strong>do</strong>s’ a algum plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e isso se dá <strong>de</strong> várias maneiras;<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a oferta <strong>de</strong> ‘preços a<strong>ce</strong>ssíveis’ à divulgação <strong>de</strong> matérias que mostram as<br />
fragilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sistema público. Dessa forma, acaba massifica<strong>do</strong> no imaginário das<br />
pessoas que somente os ‘planos priva<strong>do</strong>s’ permitem ‘ter saú<strong>de</strong>’.<br />
4.4.1.2 - Trabalhan<strong>do</strong> e A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong><br />
Nessa categoria (que abrange os relatos sobre os pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> trabalho bem<br />
como os registros <strong>de</strong> agravos à saú<strong>de</strong>), os trabalha<strong>do</strong>res foram enfáticos na listagem<br />
<strong>de</strong> alguns problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>correntes das suas ativida<strong>de</strong>s, conforme<br />
<strong>de</strong>poimentos:<br />
“...um tempo <strong>de</strong>sse aí, levei uma furada <strong>de</strong> agulha,<br />
sabe?!, e meu <strong>de</strong><strong>do</strong> inchou na hora. Quan<strong>do</strong> eu taquei<br />
a mão inchou na hora, assim, e eu passei uma semana<br />
sem trabalhar...” (Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem).<br />
“Dor nas costas <strong>de</strong>mais é o que já senti. Já senti <strong>do</strong>r na<br />
musculação das coxa, tendões, essas coisa. Eu nunca<br />
<strong>de</strong>smenti o tornozelo não, mas o joelho já inchou...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
As falas <strong>de</strong>nunciam diferentes agravos à saú<strong>de</strong>, entretanto, nosso contato<br />
com os entrevista<strong>do</strong>s permite afirmar que pouca coisa tem si<strong>do</strong> feita por parte <strong>do</strong>s<br />
superiores (no caso <strong>do</strong>s garis) e por parte <strong>do</strong>s órgãos competentes (no caso <strong>do</strong>s<br />
integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem) para melhorar as condições <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vida<br />
<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE.<br />
Além disso, o trabalho com os RSD tem se torna<strong>do</strong> uma ativida<strong>de</strong> sem<br />
‘visibilida<strong>de</strong> social e/ou governamental’ conforme os <strong>de</strong>poimentos seguintes - algo<br />
que também emergiu nos estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Bursztyn (2003) e Zaneti (2006):<br />
88
“Se você não resolver, ninguém resolve nada, porque o<br />
que vejo aqui é muita gente se prejudican<strong>do</strong> e nunca vi<br />
ninguém ajudan<strong>do</strong> não, nunca eu vi ninguém<br />
ajudan<strong>do</strong>...” (Entrevista<strong>do</strong> 8, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
O po<strong>de</strong>r público está ausente à realida<strong>de</strong> da Usina <strong>de</strong> Triagem, pois a área já<br />
foi interditada três vezes pelo Ministério Público em <strong>de</strong>corrência das condições <strong>de</strong><br />
vida e trabalho <strong>de</strong>sumanas 31 . Apoio operacional, aumento das cargas <strong>de</strong> resíduos<br />
recicláveis e divulgação na comercialização <strong>do</strong>s materiais - aspectos <strong>de</strong> interesse<br />
<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res ali existentes - também não existem.<br />
Per<strong>ce</strong>bemos varia<strong>do</strong>s sintomas clínicos com pre<strong>do</strong>minância das <strong>do</strong>res nas<br />
costas, joelhos e tornozelos:<br />
“...quan<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> manhã <strong>ce</strong><strong>do</strong>, já amanheço com a<br />
<strong>do</strong>r nas costa; aí eu vou pro setor. Quan<strong>do</strong> começa a<br />
esquentar o sangue aí passa, mas é to<strong>do</strong> dia <strong>de</strong><br />
manhã...” (Entrevista<strong>do</strong> 4, Gari).<br />
“Hoje, no meu caso, tô começan<strong>do</strong> a sentir <strong>do</strong>r na<br />
coluna. Tô com três anos <strong>de</strong> trabalho aqui na empresa,<br />
com 27 anos, vou fazer 28 agora e já to começan<strong>do</strong> a<br />
sentir esse problema...” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari).<br />
“Dor nas costa, na coluna. Cê sente <strong>do</strong>r no tornozelo.<br />
Sente muita <strong>do</strong>r no joelho, principalmente quem tem<br />
problema <strong>de</strong> joelho. Incha muito o joelho, tem dia que tá<br />
muito incha<strong>do</strong> no dia seguinte...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
Os relatos acima permitem compreen<strong>de</strong>r que o trabalho <strong>do</strong>s garis vem<br />
comprometen<strong>do</strong> a própria locomoção <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res ao trazer conseqüências à<br />
coluna, aos tornozelos e joelhos pelo esforço físico que o ofício lhes exige<br />
diariamente.<br />
De um mo<strong>do</strong> geral, que as lesões aos tornozelos, por exemplo, acometem os<br />
trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>do</strong>miciliar <strong>de</strong> RSD em várias cida<strong>de</strong>s brasileiras. Segun<strong>do</strong><br />
Miglioransa et al (2004), problemas causa<strong>do</strong>s a tais membros atingiram 33,3% e<br />
31 Informação fornecida por um técnico da EMLURB e por uma senhora da Usina <strong>de</strong> Triagem que se diz lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res.<br />
89
50,0% <strong>do</strong>s funcionários da coleta urbana <strong>de</strong> RSD <strong>de</strong> uma Empresa A e B <strong>de</strong> Porto<br />
Alegre.<br />
Na visão <strong>de</strong> Robassi et al (1992) apud Anjos e Ferreira (2000) “essas<br />
condições indicam a ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação da carga <strong>de</strong> trabalho, por ser uma<br />
ativida<strong>de</strong> aparentemente extenuante, com repercussões importantes na saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s”. Cabe <strong>de</strong>stacar que os tais autores foram bastante<br />
compla<strong>ce</strong>ntes ao se referirem ao trabalho <strong>do</strong>s garis utilizan<strong>do</strong> “aparentemente”.<br />
A maioria <strong>do</strong>s coletores <strong>de</strong> lixo entrevista<strong>do</strong>s por Nunes e Cunha (2004),<br />
54,5%, relatou que se sente muito cansada durante o exercício <strong>de</strong> sua tarefa. Em<br />
Velloso (2005), a maioria <strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>s afirma também se sentir muito cansada<br />
ao final da tarefa e consi<strong>de</strong>ram o ritmo <strong>de</strong> trabalho a<strong>ce</strong>lera<strong>do</strong>.<br />
Madruga (2002) <strong>de</strong>senvolveu um estu<strong>do</strong> em uma empresa <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> lixo<br />
da gran<strong>de</strong> Florianópolis com objetivo <strong>de</strong> analisar as cargas <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s coletores<br />
<strong>de</strong> RSD. Segun<strong>do</strong> a autora (p.35),<br />
69,29% <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res se afastaram das suas ativida<strong>de</strong>s em 2002 por<br />
motivo <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em geral, sen<strong>do</strong> que <strong>de</strong>stes, 57,29% <strong>do</strong>s afastamentos<br />
observa<strong>do</strong>s foram <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> seqüelas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho.<br />
Dentre estes, verificou-se que 21,29% se afastaram por motivo <strong>de</strong> entorses<br />
generaliza<strong>do</strong>s (torção <strong>de</strong> joelhos e tornozelos) e distensão muscular;<br />
21,75% <strong>do</strong>s afastamentos foram por seqüelas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes como objetos<br />
perfuro-cortantes em geral; 14,25% por ex<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> peso <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a<br />
pro<strong>ce</strong>dimentos incorretos no levantamento <strong>de</strong> lixo e 12% <strong>de</strong> exposição a<br />
intempéries (resfria<strong>do</strong>s comuns).<br />
Os problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> anuncia<strong>do</strong>s, segun<strong>do</strong> Ferreira (1997) apud Anjos e<br />
Ferreira (2000), [...] <strong>de</strong>correm <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> a coleta <strong>de</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar exigir <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r esforços diferencia<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> dia para andar, correr, subir/<strong>de</strong>s<strong>ce</strong>r<br />
la<strong>de</strong>iras e pegar pesos.<br />
Nessa mesma linha <strong>de</strong> raciocínio, Velloso, Valadares e Santos (1998, p.150),<br />
afirmam que [...] o pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar é constituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />
tecnologia primária, praticamente manual, on<strong>de</strong> o corpo <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r transformase<br />
em instrumento <strong>de</strong> carregar lixo. Afirmam ainda (p.144) que “a vivência concreta<br />
<strong>de</strong>ssa situação, isto é, o i<strong>de</strong>ntificar-se com um instrumento <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> <strong>de</strong>jetos,<br />
90
implica experiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas condições <strong>de</strong>sagradáveis <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> psíquico,<br />
sobretu<strong>do</strong> na vida emocional <strong>do</strong>s sujeitos”.<br />
Além <strong>de</strong>sse quadro, alguns entrevista<strong>do</strong>s afirmaram que quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>entes por<br />
febre, <strong>do</strong>r <strong>de</strong> cabeça ou tontura, temem levar atesta<strong>do</strong> à empresa para não per<strong>de</strong>r o<br />
emprego ou benefícios, o que nos leva a lembrar a discussão feita anteriormente<br />
sobre o ‘lugar’ <strong>de</strong> on<strong>de</strong> falam os garis, ou seja, <strong>de</strong> um espaço no qual eles foram<br />
contrata<strong>do</strong>s para “coletar resíduos”.<br />
As falas transmitem o sentimento <strong>de</strong> impotência <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r para melhorar<br />
suas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e sua insatisfação referente à conduta da empresa quan<strong>do</strong><br />
acometi<strong>do</strong>s por uma <strong>do</strong>ença:<br />
“Se faltar já per<strong>de</strong>. Se botar <strong>do</strong>is atesta<strong>do</strong> médico<br />
elimina a <strong>ce</strong>sta básica, já per<strong>de</strong>. Aqui ninguém tem<br />
direito a nada...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari)<br />
“...ela (a empresa) fica com raiva se você tá <strong>do</strong>ente,<br />
achan<strong>do</strong> que você tá levan<strong>do</strong> vantagem, que não quer<br />
trabalhar. Estan<strong>do</strong> <strong>de</strong> atesta<strong>do</strong> a empresa dá as costas<br />
pra você totalmente...” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari)<br />
Os trabalha<strong>do</strong>res praticamente vêem a empresa como “algo vivo”, pois a<br />
personificam. É como se eles não per<strong>ce</strong>bessem que fazem parte <strong>de</strong>la, que eles<br />
também a fazem existir. Pare<strong>ce</strong> haver uma condição <strong>de</strong> distanciamento, com<br />
conflitos <strong>de</strong> interesses ou mesmo direitos.<br />
Esse clima <strong>de</strong> “<strong>de</strong>samparo” foi per<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong> também por Velloso, Valadares e<br />
Santos (1998), quan<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>do</strong>miciliar enfatizaram sua falta <strong>de</strong><br />
participação nas <strong>de</strong>cisões sobre o trabalho e na preservação <strong>de</strong> direitos, no âmbito<br />
da empresa, ou mediante à negligência da mesma no que diz respeito à sua saú<strong>de</strong>,<br />
ao baixo salário e à falta <strong>de</strong> in<strong>ce</strong>ntivos e/ou gratificação pessoal para <strong>de</strong>sempenhar<br />
um serviço altamente penoso.<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Nunes e Cunha (2004) 63,6% <strong>do</strong>s coletores <strong>de</strong> lixo afirmaram<br />
não re<strong>ce</strong>ber qualquer orientação ou informação sobre saú<strong>de</strong>, oferecida pelo órgão<br />
91
emprega<strong>do</strong>r. Nossos entrevista<strong>do</strong>s não fizeram comentários nesse senti<strong>do</strong>, mas<br />
compreen<strong>de</strong>mos que há um <strong>de</strong>scaso <strong>do</strong> órgão emprega<strong>do</strong>r.<br />
Alguns trabalha<strong>do</strong>res relataram alguns tipos <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças adquiridas no<br />
trabalho com o RSD:<br />
“Sinusite não é?!. É uma coisa que a pessoa nunca fica<br />
boa. A gente tenta manter pra não exagerar a <strong>do</strong>ença<br />
mas é conseqüência <strong>do</strong> trabalho porque você pega<br />
muita poeira, fumaça e a quintura justamente <strong>do</strong><br />
motor...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
Conforme Ferreira e Anjos (2001, p.692), “[...] um agente comum nas<br />
ativida<strong>de</strong>s com resíduos é a poeira, que po<strong>de</strong> ser responsável por <strong>de</strong>sconforto e<br />
perda momentânea da visão, e por problemas respiratórios e pulmonares”.<br />
Observamos relatos em que os trabalha<strong>do</strong>res expõem suas projeções <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> ou <strong>do</strong>ença nos meses ou anos que virão. Assim, compreen<strong>de</strong>mos a<br />
“nocivida<strong>de</strong>” que os RSD representa à longo prazo na visão <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s:<br />
“...a relação entre o meu trabalho com a saú<strong>de</strong> tá um<br />
pouco assim: que possa me prejudicar amanhã ou<br />
<strong>de</strong>pois...” (Entrevista<strong>do</strong> 8, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
“...vai ficar pior daqui pra frente, daqui aos meus 30<br />
anos. Se eu tiver aqui <strong>de</strong>ntro eu vô tá com a minha<br />
coluna que não vale mais nada, não vô nem sair <strong>de</strong><br />
casa porque a coluna não vai <strong>de</strong>ixar...” (Entrevista<strong>do</strong> 1,<br />
Gari).<br />
Resguarda<strong>do</strong> o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> fala o trabalha<strong>do</strong>r da Usina <strong>de</strong> Triagem e <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> fala o gari, o trabalho com os RSD traz uma insegurança, um “inimigo” que age<br />
em silêncio e que “apare<strong>ce</strong>rá” posteriormente em suas vidas. Além disso, a fala <strong>do</strong><br />
gari <strong>de</strong>ixa claro que ele vê como “imprevisível” a manutenção <strong>do</strong> seu vínculo com a<br />
empresa - algo quase que universal na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
92
4.4.1.3 - A<strong>do</strong>e<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> e Buscan<strong>do</strong> a Cura<br />
Essa categoria traz os relatos que apresentam os pro<strong>ce</strong>dimentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
pelos entrevista<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> adquirem <strong>do</strong>enças ao trabalharem com os RSD e<br />
possibilitou per<strong>ce</strong>ber que há um <strong>de</strong>scaso <strong>do</strong>s superiores (no caso <strong>do</strong>s garis) e <strong>do</strong>s<br />
órgãos competentes (no caso <strong>do</strong>s integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem e da<br />
Associação), quanto à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />
Evi<strong>de</strong>nciamos que os garis são, praticamente, obriga<strong>do</strong>s a conviver com as<br />
<strong>do</strong>enças com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego, pois muitos <strong>do</strong>s problemas solicitam <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r perda <strong>de</strong> dias <strong>de</strong> trabalho, além <strong>de</strong> horas para buscar atendimento em<br />
hospitais e ambulatórios.<br />
As falas evi<strong>de</strong>nciam também que a gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> problema ocupacional exige<br />
<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r uma reflexão que <strong>de</strong>terminará a melhor opção para a busca da “cura”<br />
ou “tratamento”, ou seja, se o gari aci<strong>de</strong>nta<strong>do</strong> enten<strong>de</strong>r que sofreu um pequeno<br />
agravo ao lidar com os RSD, ele procurará o médico da empresa ou o hospital<br />
público:<br />
“A gente socorre às vezes a um médico que tem aí.<br />
Quan<strong>do</strong> é pouca coisa, pouco assim, a gente vai ao<br />
médico, mas quan<strong>do</strong> é um ferimento maior a gente vai<br />
pro hospital. Pega o carro aqui e vai <strong>de</strong>ixar a gente no<br />
hospital, tá enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>?!...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“Eu já tentei até procurar o médico, mas o tempo da<br />
gente aqui é pouco e pra gente conseguir uma vaga<br />
<strong>de</strong>ssa aí pra bater um raio X da coluna tem é relato, pra<br />
gente conseguir um raio X...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
O primeiro <strong>de</strong>poimento - que representa uma <strong>de</strong>manda proveniente <strong>de</strong> quadro<br />
agu<strong>do</strong> - <strong>de</strong>ixa bem claro que a alternativa inicial para se “curar” é procurar o médico<br />
da empresa. Aparentemente, esse pro<strong>ce</strong>dimento representa uma “boa solução”, mas<br />
não é, pois ouvimos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s que:<br />
“Se um funcionário passar a procurar o médico com<br />
freqüência, ele (o funcionário) passará a ser<br />
monitora<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> até per<strong>de</strong>r o emprego por falta <strong>de</strong><br />
93
produtivida<strong>de</strong> ou por acumulação <strong>de</strong> atesta<strong>do</strong>s”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 4, Gari).<br />
O segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>poimento - que representa uma <strong>de</strong>manda proveniente <strong>de</strong><br />
quadro crônico - traz a indignação <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong> a<strong>ce</strong>rca da dificulda<strong>de</strong> que<br />
enfrenta para conseguir realizar um exame (no caso, raio X). Ouvimos ainda <strong>de</strong>sse<br />
entrevista<strong>do</strong> que, ao procurar atendimento no Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), ele<br />
não conseguiu fazer o exame. Como conseqüência, “ganhou” faltas no trabalho que<br />
representaram redução salarial ou <strong>de</strong> benefícios:<br />
“...cê vê que os hospitais <strong>de</strong> Fortaleza tá em uma<br />
<strong>de</strong>cadência danada, em greve. Cê chega pra ser<br />
atendi<strong>do</strong>, pega fila, <strong>de</strong>mora horas e horas. Cê sai <strong>do</strong><br />
trabalho pra ir ao médico, chega lá cê espera 2 ou 3<br />
horas na fila pra ser atendi<strong>do</strong> e tem vez que não é...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
Quan<strong>do</strong> saímos <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s garis” e entramos no “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res<br />
da Usina <strong>de</strong> Triagem” é que observamos um <strong>ce</strong>nário um pouco mais complexo, pois<br />
a ocorrência <strong>de</strong> agravos à saú<strong>de</strong> é motivo para procurar os <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong><br />
material reciclável, que <strong>de</strong>cidirá em levar ou não o trabalha<strong>do</strong>r para o hospital,<br />
conforme se observa:<br />
“Se for um corte gran<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>poseiro leva a gente pro<br />
hospital, mas aqui <strong>de</strong>ntro mesmo a gente não tem quem<br />
socorre não. Se a gente levar um corte, a gente procura<br />
o <strong>de</strong>poseiro para ajudar a gente...” (Entrevista<strong>do</strong> 6,<br />
Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Esse <strong>de</strong>poimento traz à tona um pouco das relações estabelecidas entre os<br />
integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem e os <strong>de</strong>poseiros. Além disso, outros entrevista<strong>do</strong>s<br />
da Usina relataram que os <strong>de</strong>poseiros, <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong>, emprestam dinheiro (<strong>de</strong><br />
R$ 10,00 à R$ 30,00), mas cobram juros ao re<strong>ce</strong>berem:<br />
“...tem vez que o lixo aqui tá pouco e a gente ganha<br />
pouco. Quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>poseiro vem, nós pedimos um<br />
dinheiro empresta<strong>do</strong> pra <strong>de</strong>pois pagar. Pe<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois<br />
paga mais. Paga sempre mais...” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Membro<br />
da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
94
A transação <strong>de</strong> dinheiro entre cata<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>poseiros traz a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
os primeiros contraírem dívidas com os segun<strong>do</strong>s, que po<strong>de</strong>m piorar a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
cata<strong>do</strong>res até porque a Prefeitura <strong>de</strong> Fortaleza não vem acompanha<strong>do</strong> a<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Observamos que para a melhoria direta <strong>do</strong> trabalho e das condições <strong>de</strong> vida<br />
<strong>do</strong>s integrantes da Usina é preciso romper o “elo” com os <strong>de</strong>poseiros porque os<br />
prejuízos superam os benefícios 32 , portanto, esse é o primeiro <strong>de</strong>safio. Além disso,<br />
aos poucos, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Fortaleza vem crian<strong>do</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> alternativo<br />
entre associações e cooperativas que po<strong>de</strong>m viabilizar o a<strong>ce</strong>sso direto às indústrias<br />
<strong>de</strong> reciclagem, o que <strong>de</strong>ve excluir a participação <strong>de</strong>sses intermediários.<br />
De forma auxiliar a esse pro<strong>ce</strong>sso, o Po<strong>de</strong>r Público - em valorização <strong>do</strong>s<br />
cata<strong>do</strong>res - não <strong>de</strong>ve permitir que prevaleçam os interesses particulares<br />
(intermediários, industriais, etc.) em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s coletivos para que haja o<br />
empo<strong>de</strong>ramento das categorias <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> resíduos recicláveis aqui<br />
estudadas, garantin<strong>do</strong> a sustentação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Fortaleza e não a<br />
lógica <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, que é a da competição e <strong>do</strong>s interesses econômicos.<br />
De forma complementar a essa idéia, Zaneti (2006, p.223) nos traz que:<br />
Para manter vivo o caráter <strong>de</strong> re<strong>de</strong> solidária <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong><br />
resíduos é ne<strong>ce</strong>ssário que a regulação seja feita pelo po<strong>de</strong>r público e não<br />
pelo merca<strong>do</strong>. A regulação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> só regula o lucro. O po<strong>de</strong>r público<br />
<strong>de</strong>ve fazer a reor<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso, ele <strong>de</strong>ve per<strong>ce</strong>ber as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns e<br />
atuar com novas regulações garantin<strong>do</strong> o caráter socioeconômico e<br />
ambiental <strong>do</strong> sistema.<br />
Já nas falas <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res perten<strong>ce</strong>ntes à ASCAJAN compreen<strong>de</strong>mos que só<br />
há uma solução quan<strong>do</strong> acometi<strong>do</strong>s por agravos à saú<strong>de</strong> durante o trabalho com os<br />
recicláveis: ir ao hospital porque “postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são ausentes na comunida<strong>de</strong> 33 ”:<br />
“Quan<strong>do</strong> ocorre qualquer <strong>do</strong>ença tem que ir pro hospital<br />
porque posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> por aqui não tem...” (Entrevista<strong>do</strong><br />
9, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
32<br />
O “benefício” que o <strong>de</strong>poseiro traz aos cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>do</strong> Jangurussu é a compra <strong>do</strong>s materiais recicláveis.<br />
33<br />
Conforme ouvimos da comunida<strong>de</strong> não há posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> próximo a Usina <strong>de</strong> Triagem. - há apenas no Bairro São<br />
Cristóvão, que dista <strong>de</strong> 3 a 5Km.<br />
95
Observamos que além das alternativas anunciadas, alguns entrevista<strong>do</strong>s<br />
a<strong>do</strong>tam o auto-tratamento quan<strong>do</strong> adquirem <strong>do</strong>enças ou sofrem agravos ao<br />
trabalharem com os RSD. No discurso que se segue, observamos que o sujeito<br />
utiliza drogas variadas:<br />
4.4.2 - Os Significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Lixo<br />
“...as vezes a gente se corta, mas toma o comprimi<strong>do</strong>,<br />
passa o mertiolate e sara, poucos dias sara...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 2, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Ao serem entrevista<strong>do</strong>s sobre o que significa os RSD, os garis e os<br />
integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem e da ASCAJAN, polarizaram seus discursos em<br />
três linhas principais: “O Lixo como Perigo”, “O Lixo como Meio <strong>de</strong> Sobrevivência” e<br />
o “O Trabalho com o Lixo como Ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>”.<br />
4.4.2.1 - O Lixo como Perigo<br />
Essa categoria reuniu os <strong>de</strong>poimentos a<strong>ce</strong>rca <strong>do</strong> “me<strong>do</strong>” que o RSD<br />
representa para alguns trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE. Compreen<strong>de</strong>mos<br />
que o indivíduo (no caso, o gari) teme o trabalho com o RSD mesmo utilizan<strong>do</strong> luvas<br />
e ten<strong>do</strong> experiência no <strong>de</strong>sempenho das suas ativida<strong>de</strong>s pelas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
adquirir alguma <strong>do</strong>ença:<br />
“...o lixo significa uma coisa muito perigosa não é?!, em<br />
termos <strong>do</strong> mau cheiro, <strong>do</strong> contato com a pessoa. É uma<br />
coisa que tem que usar muita cautela...tem que tomar<br />
muito cuida<strong>do</strong> porque ele é um risco à saú<strong>de</strong> e a<br />
qualquer momento a gente po<strong>de</strong> ser contamina<strong>do</strong> e<br />
pegar uma infecção. Eu tenho me<strong>do</strong> <strong>de</strong> não ficar bom<br />
com uma infecção <strong>do</strong> lixo. Tem umas que se a pessoa<br />
pegar tem me<strong>do</strong> <strong>de</strong> não ser cura<strong>do</strong>..” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
“...a gente tenta se recuperar para não pegar uma<br />
infecção no lixo, porque o lixo é um bicho muito<br />
perigoso...” (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
96
Pela intensida<strong>de</strong> das falas <strong>do</strong>s garis, aparentemente, o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contrair<br />
alguma infecção ao lidar com os RSD se refere a <strong>do</strong>enças mais graves e não<br />
passíveis <strong>de</strong> cura com o uso <strong>de</strong> medicação e/ou tratamento, ou seja, a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cura <strong>de</strong>termina a importância <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença.<br />
O contato freqüente com agentes nocivos à saú<strong>de</strong> torna a coleta <strong>do</strong> lixo uma<br />
das ativida<strong>de</strong>s profissionais mais arriscadas e insalubres (YANG et al 2001 apud<br />
NUNES e CUNHA, 2004). Contraditoriamente, os trabalha<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam por isso<br />
re<strong>ce</strong>ber re<strong>do</strong>brada atenção, informações ne<strong>ce</strong>ssárias relativas à saú<strong>de</strong>, proteção e<br />
segurança no trabalho, além <strong>de</strong> supervisão constante, sen<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>s quanto à<br />
utilização a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> proteção (NUNES e CUNHA, 2004).<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Dall’Agnol e Fernan<strong>de</strong>s (2007), as manifestações das cata<strong>do</strong>ras<br />
participantes convergiram para uma única <strong>ce</strong>rteza: ter saú<strong>de</strong> é não contrair uma<br />
<strong>do</strong>ença grave como o cân<strong>ce</strong>r, AIDS e tuberculose, sen<strong>do</strong> tais moléstias evocadas a<br />
partir <strong>de</strong> situações que vivenciaram na família ou muito próximas <strong>de</strong> si.<br />
Rêgo, Barreto e Killinger (2002) <strong>de</strong>senvolveram um estu<strong>do</strong> que buscou<br />
conhe<strong>ce</strong>r os efeitos <strong>do</strong> lixo sobre a saú<strong>de</strong> humana toman<strong>do</strong> como ponto <strong>de</strong> partida<br />
as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> lixo dadas pelos sujeitos envolvi<strong>do</strong>s no pro<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> catação <strong>de</strong><br />
recicláveis. De acor<strong>do</strong> com os autores (p.1586),<br />
[...] as mulheres <strong>de</strong>monstraram no seu discurso que o lixo é um problema na<br />
medida em que, acumula<strong>do</strong> no ambiente, é capaz <strong>de</strong> produzir o<strong>do</strong>r<br />
<strong>de</strong>sagradável, contribuir com mecanismos que provocam <strong>de</strong>sastres como<br />
enchentes e alagamentos, servir como foco <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> animais (gatos,<br />
cães, ratos, baratas, cobras, insetos) e provocar <strong>do</strong>enças em crianças e<br />
adultos.<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rêgo, Barreto e Killinger (2002) as principais patologias, sinais<br />
ou sintomas referi<strong>do</strong>s pelas entrevistadas como <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> contato com o lixo<br />
foram: verminoses, infecção intestinal (diarréia), gripe, leptospirose, <strong>de</strong>ngue,<br />
meningite, <strong>do</strong>r <strong>de</strong> cabeça, <strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte, febre, alergia e náusea.<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Dall’Agnol e Fernan<strong>de</strong>s (2007), a leptospirose também emergiu<br />
nos discursos das cata<strong>do</strong>ras entrevistadas como um <strong>do</strong>s re<strong>ce</strong>ios <strong>do</strong> contato com o<br />
97
lixo, sob o nome <strong>de</strong> “a <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> rato”. Além da leptospirose, Ferreira e Anjos (2001,<br />
p.691), ao discursarem sobre as populações expostas à problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
provoca<strong>do</strong>s indiretamente pelo lixo, apontaram a <strong>de</strong>ngue, “quan<strong>do</strong> chuvas fortes<br />
carregam os resíduos sóli<strong>do</strong>s e, acumuladas, propiciam condições favoráveis a<br />
epi<strong>de</strong>mias”.<br />
Sain<strong>do</strong> um pouco <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s garis” e in<strong>do</strong> ao “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res da<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem” observamos que o lixo também traz “me<strong>do</strong>” para os trabalha<strong>do</strong>res<br />
ali existentes e suas falas pontuam em que freqüência o lixo significa um perigo -<br />
que exige precauções constantes para se evitar quaisquer problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> até<br />
porque os RSD são o meio <strong>de</strong> sobrevivência <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res:<br />
“...a to<strong>do</strong> momento a gente tá em perigo com o lixo. O<br />
lixo é perigo...é muito perigoso...afeta a saú<strong>de</strong>”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Deve ser muito difícil para os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem conviver<br />
com o “me<strong>do</strong>” to<strong>do</strong> tempo, portanto, era <strong>de</strong> se esperar que eles <strong>de</strong>senvolvessem<br />
estratégias coletivas ou individuais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, negação, sublimação, etc. para<br />
suportar o cotidiano 34 . Provavelmente, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> RSD <strong>de</strong>spejada diariamente<br />
no pátio da Usina <strong>de</strong> Triagem os faz encontrar coisas tão diversas que “cada<br />
caminhão é uma caixa <strong>de</strong> surpresas”, portanto, o “me<strong>do</strong>” reluz.<br />
Os cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem lidam com os RSD <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua criação<br />
em 1998, como já <strong>de</strong>scrito anteriormente. Hoje, além das péssimas condições <strong>de</strong><br />
trabalho, observamos que os integrantes da Usina estão expostos à produtos<br />
químicos (pilhas e baterias estouradas, óleos e graxas, pesticidas/herbicidas,<br />
solventes, tintas, produtos <strong>de</strong> limpeza, cosméticos, remédios e aerossóis) e<br />
biológicos (microorganismos que resi<strong>de</strong>m nos lenços <strong>de</strong> papel, curativos, fraldas<br />
<strong>de</strong>scartáveis, papel higiênico, absorventes e agulhas).<br />
34<br />
Não <strong>de</strong>scartamos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que estas estratégias já existirem na Usina <strong>de</strong> Triagem, mas elas não emergiram nas<br />
falas.<br />
98
Interessante notar que o “me<strong>do</strong>” que os RSD traz para os garis e para os<br />
cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem não emergiu nas falas <strong>do</strong>s integrantes da ASCAJAN,<br />
evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> um pouco <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s “mun<strong>do</strong>s”.<br />
4.4.2.2 - O Lixo como Meio <strong>de</strong> Sobrevivência<br />
Nessa categoria alguns entrevista<strong>do</strong>s a<strong>ce</strong>ntuaram que o trabalho com os RSD<br />
é uma questão <strong>de</strong> sobrevivência em <strong>de</strong>corrência da falta <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e/ou<br />
oportunida<strong>de</strong>, como ilustram os pronunciamentos a seguir:<br />
“...nós não somos mal agra<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>s por ter um emprego,<br />
mas a gente tem que trabalhar, a gente vive daqui, tem<br />
que sustentar os filhos, vive daqui. Tem que ir, não tem<br />
uma outra opção porque nós não tem muito estu<strong>do</strong> a<br />
não ser trabalhar com isso...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“...o lixo pra mim é uma forma <strong>de</strong> sustentar minha<br />
família não é?!, porque eu não estu<strong>de</strong>i muito...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
Os <strong>de</strong>poimentos trazem a idéia <strong>de</strong> que há uma falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com o<br />
trabalho e segurem uma auto-culpabilização pela exclusão social. Além disso, os<br />
RSD são eleva<strong>do</strong>s ao patamar <strong>de</strong> “meio <strong>de</strong> sobrevivência”, sen<strong>do</strong> esta, uma<br />
característica muito comum a esses grupos sociais conforme David <strong>de</strong> Oliveira<br />
(2003) e Zaneti (2006).<br />
Segun<strong>do</strong> David <strong>de</strong> Oliveira (2003, p.176), “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreviver <strong>do</strong><br />
lixo leva várias pessoas, que o autor chama <strong>de</strong> migrantes, a tentarem “a vida” na<br />
cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>, mesmo saben<strong>do</strong> da condição <strong>de</strong>sumana que a ativida<strong>de</strong><br />
proporcionará”. Para os opera<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem entrevista<strong>do</strong>s pela autora<br />
estes resíduos que os mesmos passam a chamá-los <strong>de</strong> “melhor ou pior lixo” que<br />
passam a ter significa<strong>do</strong>s diferentes.<br />
Os <strong>de</strong>poimentos aqui construí<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser compreendi<strong>do</strong>s também sob a<br />
discussão que existe entre a questão da escolarida<strong>de</strong>, as condições<br />
socioeconômicas e a inserção no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho formal, da qual observamos,<br />
99
<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, que são as pessoas que integram a “classe média ou alta” que<br />
têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar por um tempo maior, alcançar a universida<strong>de</strong> e até<br />
cursar pós-graduações.<br />
É imprescindível dizer que não estamos afirman<strong>do</strong> que os “menos<br />
favoreci<strong>do</strong>s” não têm a<strong>ce</strong>sso à escola, que não po<strong>de</strong>m traçar um brilhante caminho<br />
nos estu<strong>do</strong>s e consequentemente no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho formal, mas os <strong>de</strong>safios a<br />
serem enfrenta<strong>do</strong>s por esse “grupo” são nitidamente maiores, até porque muitos<br />
precisam dividir o dia entre o “tempo da escola” e o “<strong>de</strong> ajudar em casa”, como nos<br />
trouxe Paixão (2005) ao estudar um grupo <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>ras, suas condições <strong>de</strong> vida e<br />
seus contatos com a escola. Há uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>.<br />
Pesquisas têm explora<strong>do</strong> a relação entre a escolarização <strong>do</strong>s pais e a <strong>do</strong>s<br />
filhos. Há evi<strong>de</strong>nte relação entre capital escolar <strong>do</strong>s pais e chan<strong>ce</strong>s <strong>de</strong><br />
su<strong>ce</strong>sso escolar <strong>do</strong>s filhos. Pais mais escolariza<strong>do</strong>s têm mais capital<br />
cultural, compreen<strong>de</strong>m o sistema educacional, fazem escolhas sobre o tipo<br />
<strong>de</strong> instituição e <strong>de</strong> professores que propiciam escolarida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas<br />
<strong>de</strong> su<strong>ce</strong>sso para seus filhos e têm melhores condições <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às<br />
expectativas <strong>do</strong> colégio no acompanhamento <strong>do</strong>s filhos, <strong>de</strong> assumir as<br />
funções <strong>de</strong> professor oculto (PAIXÃO, 2005, p.149).<br />
Bourdieu (1998) apud Paixão (2005) mostrou, já anos 1960, que a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o indivíduo seguir uma trajetória escolar regular e longeva <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pré-requisitos que não compõem o universo cultural <strong>de</strong> camadas sociais não<br />
<strong>do</strong>minantes. Portanto, quan<strong>do</strong> observamos o <strong>ce</strong>nário <strong>de</strong> vida e trabalho <strong>do</strong>s<br />
cata<strong>do</strong>res e garis <strong>de</strong> Fortaleza/CE per<strong>ce</strong>bemos que tais pessoas surgiram (e ainda<br />
permane<strong>ce</strong>m) imersos em um quadro pouco propício aos estu<strong>do</strong>s e que<br />
preco<strong>ce</strong>mente os <strong>de</strong>man<strong>do</strong>u trabalhar em <strong>de</strong>corrência das precárias condições <strong>de</strong><br />
vida da família <strong>de</strong> origem.<br />
Nos pare<strong>ce</strong> que as condições socioeconômicas <strong>do</strong>s garis e cata<strong>do</strong>res<br />
estuda<strong>do</strong>s apenas reproduzem as vivenciadas por seus pais, avós, entre outros, e,<br />
pelo que observamos, tais condições permane<strong>ce</strong>rão para seus filhos, pois se<br />
olharmos os <strong>de</strong>poimentos per<strong>ce</strong>beremos que o trabalha<strong>do</strong>r associa sua atual<br />
condição à “falta <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>” [auto-culpabilização], e <strong>de</strong>ntro das suas condições<br />
econômicas, ele não proverá bons estu<strong>do</strong>s para seus filhos.<br />
100
Não “prover bons estu<strong>do</strong>s aos filhos” tem ressurgi<strong>do</strong> como algo que preocupa<br />
esses trabalha<strong>do</strong>res. Observamos em Zaneti (2006) e em Velloso (2005), por<br />
exemplo, que um cata<strong>do</strong>r <strong>de</strong> papel - ao refletir sobre suas condições finan<strong>ce</strong>iras -<br />
expressa claramente que não po<strong>de</strong>rá financiar os estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s seus filhos e que<br />
teme um futuro bem pior <strong>do</strong> que a vida atual para eles.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Salama e Destremau (1999) apud Paixão (2005), sobre a<br />
situação <strong>de</strong> pobreza em vários países, mostra que:<br />
[...] as crianças indigentes (pobreza extrema) têm pouca chan<strong>ce</strong> <strong>de</strong> sair <strong>do</strong><br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> miséria. Há aquelas que nas<strong>ce</strong>m <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> famílias pobres, mas<br />
não indigentes, e que têm alguma chan<strong>ce</strong> <strong>de</strong> conhe<strong>ce</strong>r melhorias em sua<br />
condição. Algumas <strong>de</strong>ssas po<strong>de</strong>rão atravessar a fronteira da linha da<br />
pobreza, sem, no entanto, se afastar muito <strong>de</strong>la.<br />
Os da<strong>do</strong>s, para esses autores, levam a concluir que “nas<strong>ce</strong>r pobre significa<br />
amiú<strong>de</strong> ser pobre por toda a vida e colocar no mun<strong>do</strong> crianças pobres” (SALAMA e<br />
DESTREMAU, 1999 apud PAIXÃO, 2005, p.166) e, quan<strong>do</strong> lembramos <strong>do</strong>s nossos<br />
entrevista<strong>do</strong>s, per<strong>ce</strong>bemos que além da pobreza, eles têm <strong>de</strong> enfrentar o estigma da<br />
ativida<strong>de</strong> que lhes permite a sobrevivência, especialmente numa socieda<strong>de</strong> que, ao<br />
invés <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver, aprofunda <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e exclusão.<br />
Araújo (2003) traz uma reflexão que, a nosso ver, se encaixa no <strong>ce</strong>nário<br />
trazi<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s. O autor faz uma relação entre as condições<br />
socioeconômicas e o tempo <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> nos diversos estratos sociais, chegan<strong>do</strong><br />
a seguinte consi<strong>de</strong>ração (p.94): “as crianças pobres têm que <strong>de</strong>ixar as escolas para<br />
complementar a renda familiar, ou, até mesmo, prover o sustento da família”. Ainda<br />
segun<strong>do</strong> o autor (p.94), “esse trabalho se dá nas ruas sob a forma <strong>de</strong> “bicos” e, por<br />
vezes, a catação <strong>de</strong> lixo é alternativa encontrada”.<br />
Apesar <strong>de</strong> o autor ter se referi<strong>do</strong> às crianças, não po<strong>de</strong>mos dissociar essa<br />
fase da vida com a realida<strong>de</strong> vivida pelos “adultos pobres” <strong>do</strong> nosso país, pois<br />
pare<strong>ce</strong> que há uma espécie <strong>de</strong> “continuísmo” - on<strong>de</strong> a criança passa a jovem e<br />
adulto trabalha<strong>do</strong>r num curto intervalo <strong>de</strong> tempo, não vivencian<strong>do</strong> como <strong>de</strong>veria seu<br />
momento “como criança” e seu momento “como jovem”.<br />
101
Observamos em Paixão (2005) que esse “encurtamento etário” é bem<br />
característico no grupo <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res. Para termos uma noção, nos traz a autora,<br />
que as cata<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> 40 anos se consi<strong>de</strong>ram velhas e que estão “no fim da vida”.<br />
Crianças <strong>de</strong> 10 e 11 anos foram i<strong>de</strong>ntificadas como “surradinhas” e <strong>de</strong> 14 e 15 anos,<br />
como “burros-velhos”. É como se a ida<strong>de</strong> se constituísse em obstáculo para a re-<br />
ingresso no merca<strong>do</strong> formal <strong>de</strong> trabalho. Segun<strong>do</strong> uma entrevistada da autora, a<br />
criança é pequena até os 6 ou 7 anos (PAIXÃO, 2005).<br />
Quan<strong>do</strong> Araújo (2003) diz que “as crianças pobres tem que <strong>de</strong>ixar as escolas<br />
para complementar a renda familiar”, aparentemente, estamos diante <strong>de</strong> um “jargão”,<br />
mas esse quadro se manifesta claramente quan<strong>do</strong> analisamos a história <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s<br />
cidadãos que vivem da segregação <strong>de</strong> recicláveis em Fortaleza/CE, pois a maioria<br />
<strong>do</strong>s integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem e da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res não teve<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar ou permane<strong>ce</strong>r na escola porque as condições finan<strong>ce</strong>iras <strong>de</strong><br />
suas famílias não permitiam e os relatos mostraram isso.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006) trouxe alguns <strong>de</strong>poimentos on<strong>de</strong> os<br />
cata<strong>do</strong>res relacionam sua baixa escolarida<strong>de</strong> com o conseqüente trabalho com o<br />
lixo. Além <strong>de</strong>ssa constatação, afirmam os autores (p.85), “a baixa escolarida<strong>de</strong><br />
também está associada à auto-imagem que os cata<strong>do</strong>res fazem <strong>de</strong> sua profissão e<br />
posição social, que representa humilhação e vergonha”. Quan<strong>do</strong> essa Associação<br />
ocorre na nossa pesquisa, acreditamos que os próprios cata<strong>do</strong>res têm <strong>de</strong>scrédito em<br />
relação à profissão que exer<strong>ce</strong>m.<br />
Já no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paixão (2005) observamos que a questão da escolarização<br />
assume distintos significa<strong>do</strong>s para as cata<strong>do</strong>ras. Nas palavras da autora (p.150), “ter<br />
aprendi<strong>do</strong> a escrever o nome é um ganho que evita a humilhação <strong>de</strong> ‘assinar’ com o<br />
polegar”. Para elas (referin<strong>do</strong>-se as cata<strong>do</strong>ras) “há uma gradação entre ser<br />
analfabeta, saber escrever o nome, saber ler, saber ler e escrever. A escala é outra<br />
[...]”.<br />
Nessa perspectiva, um integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem relatou:<br />
102
“...o lixo pra mim, pra mim, significa uma fonte <strong>de</strong> renda.<br />
Pra nós aqui que somos da usina significa uma fonte <strong>de</strong><br />
renda pra sustentar a família, pagar conta. Até agora tá<br />
significan<strong>do</strong> muita coisa porque é o único trabalho que<br />
tem pra ofere<strong>ce</strong>r aqui...” (Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da Usina<br />
<strong>de</strong> Triagem).<br />
Esses relatos são importantes para mostrar o quanto os RSD (para alguns<br />
entendi<strong>do</strong>s como lixo e material imprestável) representam para segmentos sociais<br />
menos favoreci<strong>do</strong>s. Além disso, o trabalho realiza<strong>do</strong> pelos integrantes da usina <strong>de</strong><br />
triagem assume gran<strong>de</strong> importância ambiental por evitar que os resíduos recicláveis<br />
tenham como fim o aterro sanitário.<br />
A importância que os resíduos recicláveis assumem na vida/sobrevivência<br />
<strong>do</strong>s nossos entrevista<strong>do</strong>s emergiu no trabalho <strong>de</strong> Velloso, Valadares e Santos<br />
(1998), quan<strong>do</strong> 75% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s afirmaram estarem satisfeitos trabalhan<strong>do</strong><br />
com o lixo, sen<strong>do</strong> esse sentimento <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> os entrevista<strong>do</strong>s<br />
posicionarem o lixo como meio <strong>de</strong> sobrevivência.<br />
“Ver” os RSD sob essa perspectiva foi observa<strong>do</strong> também por Dall’Agnol e<br />
Fernan<strong>de</strong>s (2007) nos discursos das cata<strong>do</strong>ras entrevistadas. Nas palavras das<br />
autoras:<br />
Enten<strong>de</strong>mos que as cata<strong>do</strong>ras priorizam assegurar a sobrevivência<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das condições <strong>de</strong> vida e saú<strong>de</strong>. Ter saú<strong>de</strong> na visão das<br />
entrevistadas está muito vincula<strong>do</strong> à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r trabalhar,<br />
indiferentemente das condições que o trabalho ofereça (DALL’AGNOL e<br />
FERNANDES, 2007, p.4).<br />
O que foi trazi<strong>do</strong> por Dall’Agnol e Fernan<strong>de</strong>s (2007) se assemelha ao já<br />
exposto por Paixão (2005, p.167-168) quan<strong>do</strong> afirma que:<br />
[...] para as cata<strong>do</strong>ras, o hoje sobrepõe-se ao ontem e ao amanhã. O<br />
presente é a referência. Catar hoje para comer amanhã. Sobrevivência dia-adia.<br />
Não há salário no fim <strong>do</strong> mês, não há décimo ter<strong>ce</strong>iro salário, não há<br />
férias remuneradas, não há poupança possível para consumo posterior.<br />
- Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006, p.88), quan<strong>do</strong> trazem que “[...] para eles<br />
(referin<strong>do</strong>-se aos cata<strong>do</strong>res), aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho eram aqueles que geravam<br />
situações críticas que impediam <strong>de</strong> ir ao trabalho”.<br />
103
- Miura (2004) apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006), quan<strong>do</strong> traz que os cata<strong>do</strong>res<br />
não pare<strong>ce</strong>m preocupa<strong>do</strong>s com os prejuízos provoca<strong>do</strong>s à saú<strong>de</strong> pelo trabalho,<br />
estes são suplanta<strong>do</strong>s pelo fato <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> garantir sua subsistência.<br />
4.4.2.3 - “O Trabalho com o Lixo como Ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>”<br />
Apesar <strong>de</strong> os RSD assumirem um papel <strong>ce</strong>ntral na vida <strong>de</strong> alguns<br />
entrevista<strong>do</strong>s, o trabalho tem se torna<strong>do</strong> uma verda<strong>de</strong>ira ‘obrigação’ para alguns,<br />
como se vê a seguir:<br />
“...venho pra cá porque sou obriga<strong>do</strong>, porque tem que<br />
vim pois eu tenho filho, tenho uma casa pra sustentar e<br />
tem que vim. Se não vim, morre <strong>de</strong> fome...” (Entrevista<strong>do</strong><br />
8, Integrante da Usina <strong>de</strong> triagem).<br />
“...eu venho pra cá porque é o jeito mas eu não gostaria<br />
<strong>de</strong> tá aqui não. Tô porque é o jeito, mas eu não gosto...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina <strong>de</strong> triagem).<br />
As falas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s - ambos da Usina <strong>de</strong> Triagem - mostram o<br />
‘<strong>de</strong>sgosto’ que o trabalho com RSD traz, mas também abrem espaço para uma<br />
discussão a<strong>ce</strong>rca da estrutura da família e das atribuições <strong>de</strong> cada membro.<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que os trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem não re<strong>ce</strong>be<br />
nenhum apoio por parte <strong>do</strong>s órgãos ambientais ou da Prefeitura, estan<strong>do</strong> guia<strong>do</strong>s à<br />
própria sorte no dia-a-dia das esteiras. Assim, a Usina tem que funcionar <strong>de</strong> forma<br />
“autogestionária”, sen<strong>do</strong> organizada por trabalho que ocupa os três turnos. Nela, não<br />
há salários fixos, apesar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s participarem da triagem <strong>do</strong> material reciclável.<br />
Apesar da nítida carência <strong>de</strong> vida e trabalho, há uma espécie <strong>de</strong><br />
“solidarieda<strong>de</strong>” entre os cata<strong>do</strong>res da Usina e entre os da ASCAJAN. É como se eles<br />
se sentissem mais conforta<strong>do</strong>s ao saber que to<strong>do</strong> o grupo está trabalhan<strong>do</strong> naquele<br />
momento, que ninguém está acima <strong>de</strong> ninguém no trabalho das esteiras ou mesmo<br />
<strong>de</strong>ntro da Associação.<br />
104
Assim, o mo<strong>do</strong> simples <strong>de</strong> viver reflete na forma <strong>de</strong> pensar - como<br />
conseqüência <strong>de</strong> muitos anos trabalhan<strong>do</strong> com os RSD sem registros <strong>de</strong> melhorias,<br />
sem apoio <strong>do</strong>s órgãos competentes e sem contribuição da socieda<strong>de</strong> na segregação<br />
<strong>do</strong>s resíduos (seco e úmi<strong>do</strong>) -, conforme seus <strong>de</strong>poimentos:<br />
“...ganho pouco, mas o pouco pra mim, já dá..”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina <strong>de</strong> triagem)<br />
“...aqui o camarada ganha uma coisa só; aqui ninguém<br />
ganha mais que o outro...” (Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro da<br />
Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
É possível situar os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um olhar complementar e trazi<strong>do</strong><br />
por Mello (2004). Segun<strong>do</strong> a autora (p.4), “um <strong>do</strong>s traços comumente encontra<strong>do</strong>s<br />
nas relações econômicas <strong>do</strong>s sujeitos que ‘catam’ o lixo é o que chamamos da<br />
economia das trocas”, assim entendida:<br />
4.4.3 - Que Lixo é Esse?<br />
Os objetos são valora<strong>do</strong>s, porém o próprio valor é re-significa<strong>do</strong>, já que há<br />
pouca ou nenhuma circulação <strong>de</strong> moeda entre os sujeitos. Prática habitual<br />
é a troca <strong>de</strong> valores por outros valores. Trabalha-se em troca <strong>de</strong> dívidas; se<br />
um sujeito ajuda outro em alguma tarefa, fica lhe <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> um favor, que<br />
po<strong>de</strong> ser “pago” <strong>de</strong> diferentes formas: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um outro trabalho ou serviço<br />
ou até através <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> valor encontra<strong>do</strong>s no lixo. Fica também resignificada<br />
a compreensão <strong>do</strong> que seja a dívida: nada é favor, tu<strong>do</strong> a<br />
princípio vale. E <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> se espera a retribuição, ainda que compreendida<br />
<strong>de</strong> forma peculiar (MELLO, 2004, p.4).<br />
Se a existência <strong>de</strong> uma par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> pessoas em situação socialmente<br />
precária <strong>de</strong>corre, também, <strong>de</strong> pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> ruptura <strong>do</strong>s laços <strong>de</strong><br />
solidarieda<strong>de</strong>, por parte <strong>de</strong> um conjunto da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> grupo<br />
comunitário esse tem si<strong>do</strong> um elemento importante para que essa par<strong>ce</strong>la<br />
possa tanto sobreviver quanto buscar superar suas precárias condições <strong>de</strong><br />
vida. [...] essas relações <strong>de</strong> auto-ajuda e <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> são básicas, em<br />
vários casos, para a composição <strong>de</strong> uma estrutura social entre eles ten<strong>do</strong><br />
como base a re<strong>de</strong> econômica (DAVID DE OLIVEIRA, 2003, p.186).<br />
Essa categoria traz os <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res a<strong>ce</strong>rca <strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong><br />
materiais com os quais diariamente lidam, seja na Coleta Domiciliar, na Associação<br />
ou Usina <strong>de</strong> Triagem, resguardadas as proporções. Nos <strong>de</strong>poimentos, é fundamental<br />
105
notar a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s RSD gera<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE e a presença <strong>de</strong> Resíduos <strong>de</strong><br />
Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> mistura<strong>do</strong>s com tais resíduos:<br />
“...o lixo tem ferro, tem vidro, tem seringa e alguns<br />
aparelhos <strong>de</strong> gente <strong>do</strong>ente que vem infecta<strong>do</strong>. Tem<br />
muitas coisas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> lixo, vários tipos <strong>de</strong> coisas, tem<br />
aquelas bichas: baterias <strong>de</strong> <strong>ce</strong>lular, que é um perigo,<br />
não é?!, só aquilo ali tem a radiação...” (Entrevista<strong>do</strong> 1,<br />
Gari).<br />
“...no saco <strong>de</strong> lixo tem algum vidro, alguma agulha,<br />
alguma coisa que a gente vai ser infecta<strong>do</strong> se não<br />
cuidar...” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
“...tem lixo aí com vários tipos <strong>de</strong> coisa: vem seringa<br />
vem material <strong>de</strong> hospital, vem injeção infectada, vem<br />
carrada <strong>de</strong> feto, essas coisas...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“...a gente luta com to<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> coisa. Até feto nós já<br />
chegamos a pegar; seringa, vidro...” (Entrevista<strong>do</strong> 4, Gari).<br />
“...a gente pega muito lixo podre, podre mesmo. A gente<br />
pega cachorro morto, pega tu<strong>do</strong> e bota <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> carro.<br />
É obrigação da gente colocar...” (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
Foi comum aos <strong>de</strong>poimentos o uso <strong>do</strong> termo “infecta<strong>do</strong>” - expressão técnica<br />
geralmente utilizada por profissionais da área da saú<strong>de</strong> - para mostrarem o risco que<br />
representa à saú<strong>de</strong> lidar com os RSD.<br />
Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>ixam claro que parte <strong>do</strong>s materiais encontra<strong>do</strong>s nos RSD<br />
<strong>de</strong> Fortaleza/CE enquadra-se na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “lixo” <strong>do</strong>miciliar, entretanto, a outra<br />
par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> resíduos é composta pelos provenientes <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (seringas,<br />
agulhas, injeções, etc.), que por serem - em alguns casos perfurocortantes - levam<br />
aos trabalha<strong>do</strong>res uma “sensação <strong>de</strong> me<strong>do</strong>” <strong>de</strong> contraírem infecções.<br />
Cussiol, Rocha e Lange (2006) <strong>de</strong>senvolveram um trabalho na região Sul <strong>de</strong><br />
Belo Horizonte com o objetivo <strong>de</strong> conhe<strong>ce</strong>r a par<strong>ce</strong>la <strong>de</strong> resíduos potencialmente<br />
infectantes presentes nos resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos. Chegaram a constatar, após<br />
segregação e quantificação, que os resíduos infectantes <strong>de</strong> origem <strong>do</strong>miciliar<br />
correspon<strong>de</strong>m ao <strong>do</strong>bro da fração total (infectante e comum) <strong>do</strong>s resíduos <strong>de</strong><br />
unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mostran<strong>do</strong> que os funcionários da coleta formal e<br />
106
informal <strong>de</strong> lixo na região estudada estão sujeitos a pegar várias <strong>do</strong>enças a partir <strong>do</strong><br />
tipo <strong>de</strong> lixo que trabalham.<br />
Ferreira (2002, p.4) observou que “[...] objetos perfurocortantes são<br />
responsáveis por graves aci<strong>de</strong>ntes na coleta <strong>de</strong> lixo e estão incluí<strong>do</strong>s entre os<br />
materiais que causam repulsa e me<strong>do</strong> entre os trabalha<strong>do</strong>res, pelo risco <strong>de</strong><br />
contaminação”. Para o autor, “os riscos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes com perfurocortantes<br />
ampliaram-se com a padronização obrigatória <strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s sacos plásticos para<br />
acondicionamento <strong>do</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar”, inclusive, seus entrevista<strong>do</strong>s - trabalha<strong>do</strong>res da<br />
coleta <strong>do</strong>miciliar <strong>de</strong> lixo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro - afirmaram que os sacos impossibilitam<br />
ver o que está <strong>de</strong>ntro po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> produzir graves aci<strong>de</strong>ntes.<br />
Retornan<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos entrevista<strong>do</strong>s, um gari apontou um fator<br />
agravante à sua rotina - a fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s seus equipamentos <strong>de</strong> proteção:<br />
“...cê vê uma luva <strong>de</strong>ssa aqui não protege nada, mas se<br />
rasgar, Ave Maria!. Tem é luta pra conseguir outra. Eles<br />
(supervisores) diz que é a gente que rasga para ganhar<br />
outra” (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
Pare<strong>ce</strong> muito forte para o gari a idéia <strong>de</strong> que o Equipamento <strong>de</strong> Proteção<br />
Individual “resolverá” os problemas <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> seu “lidar” com os RSD, inclusive<br />
essa visão é <strong>de</strong>fendida pela “cultura <strong>de</strong> segurança hegemônica”. Cabe acres<strong>ce</strong>ntar<br />
que a própria rotina <strong>de</strong> trabalho e o esforço realiza<strong>do</strong>s pelos trabalha<strong>do</strong>res da coleta<br />
<strong>de</strong> RSD - para mover tambores, apanhar sacos <strong>de</strong> lixo, etc. - já conduzem a um<br />
<strong>de</strong>sgaste <strong>do</strong>s equipamentos <strong>de</strong> proteção - o que po<strong>de</strong> favore<strong>ce</strong>r a ocorrência <strong>de</strong><br />
agravos como cortes e arranhões.<br />
Certamente, a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r da coleta <strong>de</strong> RSD vai além <strong>do</strong>s EPI’s -<br />
como trouxemos anteriormente consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Porto (2007) -, mas ainda é forte<br />
na literatura a “crença” nesses equipamentos, conforme apontaram Nunes e Cunha<br />
(2004) num estu<strong>do</strong> com coletores <strong>de</strong> lixo.<br />
Ainda com relação a fala <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>, observamos que o gari reconhe<strong>ce</strong><br />
que a reposição das luvas ou <strong>de</strong> qualquer equipamento <strong>de</strong> proteção (calça<strong>do</strong>s,<br />
107
meiões, camisas, etc.) é um pro<strong>ce</strong>sso burocrático e que lhe exige to<strong>do</strong> um protocolo<br />
e justificativas perante a empresa.<br />
Este <strong>ce</strong>nário só aumenta os conflitos entre as partes, estan<strong>do</strong> o emprega<strong>do</strong><br />
em posição <strong>de</strong>sfavorável e “ciente <strong>do</strong> seu ofício”, ou seja, <strong>do</strong> que lhe foi da<strong>do</strong> como<br />
atribuição: coletar os RSD. Contraditoriamente, é muito comum que as melhorias<br />
nas condições <strong>de</strong> trabalho fiquem ao “sabor” <strong>de</strong> outros profissionais - que na maioria<br />
das vezes são superiores e que não vivem da “coleta <strong>de</strong> RSD”.<br />
Entran<strong>do</strong> um pouco no “mun<strong>do</strong>” <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem<br />
observamos também problemas quanto ao a<strong>ce</strong>sso ou reposição <strong>de</strong> EPI’s - conforme<br />
a fala abaixo - mas o trabalho na Usina é autônomo enquanto que o trabalho <strong>do</strong>s<br />
garis possui base legal:<br />
“...não tem material <strong>de</strong> proteção pro nariz e as luvas<br />
que tem é a gente que arranja. Não tem um material<br />
<strong>ce</strong>rto para trabalhar. Se tivesse um investimento para<br />
reformar, comprar material, aí dava até um gosto <strong>de</strong><br />
trabalhar...”(Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
As péssimas condições <strong>de</strong> vida, a ausência <strong>de</strong> proteção social e<br />
comprometimento <strong>do</strong>s órgãos ambientais para com a realida<strong>de</strong> da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem, somada a ausência <strong>do</strong>s EPI’s - que o trabalha<strong>do</strong>r vê como negativo -<br />
<strong>de</strong>nunciam que sobreviver da catação é muito difícil e fruto <strong>de</strong> muita <strong>de</strong>terminação<br />
pessoal.<br />
Dall’Agnol e Fernan<strong>de</strong>s (2007) trouxeram um fator agravante à questão da<br />
ausência <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> proteção individual no “lidar com o lixo” ao<br />
<strong>de</strong>senvolverem um trabalho sobre saú<strong>de</strong> e auto-cuida<strong>do</strong> entre cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> lixo.<br />
Segun<strong>do</strong> as autoras:<br />
A carência <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> proteção individual para todas as<br />
cata<strong>do</strong>ras entrevistadas, leva gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>las a não a<strong>de</strong>rirem ao uso <strong>de</strong><br />
luvas e, na falta <strong>de</strong> luvas novas, as trabalha<strong>do</strong>ras retiram as que encontram<br />
no lixo hospitalar, lavam e as guardam para uso posterior.<br />
Conseqüentemente, a problemática se agrava, pois a contaminação se<br />
potencializa em <strong>de</strong>corrência da fragilida<strong>de</strong> das luvas cirúrgicas, que se<br />
rompem facilmente durante o manuseio <strong>do</strong> lixo, sen<strong>do</strong> ineficazes como<br />
equipamento <strong>de</strong> proteção (DALL’AGNOL e FERNANDES, 2007, p.6).<br />
108
Problematizan<strong>do</strong> o fato <strong>de</strong> existirem Resíduos <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> no meio<br />
<strong>do</strong>s RSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE, cabe lembrar que tais resíduos possuem características<br />
biológicas que requerem cuida<strong>do</strong>s específicos, pois:<br />
- Macha<strong>do</strong>, Ambrôsio e Moreno (1993) i<strong>de</strong>ntificaram uma série <strong>de</strong><br />
microrganismos presentes na massa <strong>de</strong> resíduos como Salmonella thyphi,<br />
Pseu<strong>do</strong>nomas sp., Streptococcus aureus e Candida albicans, além <strong>de</strong> vírus<br />
responsáveis por Hepatite A e B.<br />
- Pruss, Giroult e Rushbrook (1999) <strong>de</strong>monstraram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sobrevivência <strong>do</strong> vírus da Hepatite B ou C durante uma semana, em uma gota <strong>de</strong><br />
sangue retirada <strong>de</strong> uma agulha hipodérmica.<br />
Um outro aspecto relevante <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos construí<strong>do</strong>s se refere ao fato <strong>de</strong><br />
fetos e animais mortos (no caso, cachorros) estarem sen<strong>do</strong> dispostos como RSD<br />
pela população; o que também emergiu na pesquisa <strong>de</strong> Zaneti (2006). Tal realida<strong>de</strong>,<br />
materializada <strong>do</strong> ter<strong>ce</strong>iro ao quinto <strong>de</strong>poimentos, <strong>de</strong>smascara a fa<strong>ce</strong> perversa da<br />
socieda<strong>de</strong> atual e favore<strong>ce</strong> um questionamento a<strong>ce</strong>rca <strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinos da socieda<strong>de</strong>,<br />
sem contar o potencial que to<strong>do</strong> esse material orgânico tem na proliferação <strong>de</strong><br />
microrganismos que po<strong>de</strong>m afetar a saú<strong>de</strong>.<br />
Além <strong>de</strong> lidarem com fetos e animais mortos, os entrevista<strong>do</strong>s relataram a<br />
<strong>de</strong>sagradável sensação <strong>de</strong> ficarem durante a rotina <strong>de</strong> trabalho inalan<strong>do</strong> féti<strong>do</strong>s<br />
o<strong>do</strong>res provenientes da <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> lixo <strong>do</strong>miciliar ou mesmo das fezes que<br />
escorrem <strong>do</strong>s sacos plásticos:<br />
“...a gente po<strong>de</strong> se prejudicar por causa <strong>do</strong> mau cheiro<br />
<strong>do</strong> lixo. Eles (supervisores) podiam se reunir e ajeitar<br />
esse negócio <strong>do</strong>s equipamentos <strong>de</strong> segurança...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
“...o que eu acho ruim também é o fe<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lixo...a<br />
gente vai pra casa e leva o fe<strong>do</strong>r pra <strong>de</strong>nto <strong>de</strong> casa...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 8, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
O incômo<strong>do</strong> que os o<strong>do</strong>res <strong>do</strong> lixo representa para os entrevista<strong>do</strong>s, é<br />
característico <strong>de</strong> gases como o azoto (N2), o amoníaco (NH3) e o sulfídrico - H2S<br />
109
(o<strong>do</strong>r <strong>do</strong> ovo podre), especialmente. Ferreira (2002. p.3) observou que “[...] além <strong>do</strong><br />
‘cheiro’ <strong>do</strong> lixo incomodar relativamente aos trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>do</strong>miciliar no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, ele causa um ar<strong>do</strong>r na vista”, conforme anunciaram 36,4% <strong>do</strong>s seus<br />
entrevista<strong>do</strong>s. 55% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s por Nunes e Cunha (2004) afirmaram que o<br />
‘cheiro’ causa <strong>do</strong>enças.<br />
Gorni e Paiva (1998) <strong>de</strong>senvolveram um estu<strong>do</strong> que procurou evi<strong>de</strong>nciar o<br />
<strong>de</strong>sconforto e os graves problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m advir da inalação das<br />
substâncias voláteis presentes no lixo em <strong>de</strong>composição focan<strong>do</strong> a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res da coleta <strong>de</strong> lixo. Segun<strong>do</strong> os autores,<br />
A mistura <strong>de</strong> substâncias que compõem o lixo coleta<strong>do</strong> diariamente pelos<br />
funcionários, são extremamente tóxicas aos seres humanos. A toxicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stas substâncias po<strong>de</strong>m resultar em conseqüências gravíssimas para<br />
aqueles que estão em contato direto com elas. Dentre os compostos<br />
sintéticos presentes na composição da mistura em que se transforma o lixo,<br />
as dioxinas são as substâncias que apresentam o maior grau <strong>de</strong> toxicida<strong>de</strong>.<br />
Po<strong>de</strong>-se citar como exemplo <strong>de</strong> dioxinas presentes no lixo, os chama<strong>do</strong>s<br />
dibenzo-p-dioxinas policloradas (PCDDs), os dibenzofuronas policloradas<br />
(PCDFs), os bifelinas policlora<strong>do</strong>s (PCBs) e os hidrocarbonetos aromáticos<br />
policíclicos - PAHs (GORNI e PAIVA, 1998, p.4).<br />
Gorni e Paiva nos trazem ainda que:<br />
O trabalho da coleta <strong>de</strong> lixo requer o manuseio e, consequentemente, a<br />
exposição <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r a vários tipos <strong>de</strong> situações que propiciam a<br />
inalação que propiciam a inalação <strong>de</strong>ssas várias substâncias com o<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong>sagradáveis e muito danosas à saú<strong>de</strong>. Esta situação se agrava quan<strong>do</strong> o<br />
veículo está em movimento, aumentan<strong>do</strong> a intensida<strong>de</strong> com que os gases<br />
atingem o rosto <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, penetran<strong>do</strong> em sua pele e suas mucosas<br />
(GORNI e PAIVA, 1998, p.2).<br />
Nunes e Cunha (2004), ao realizarem exames parasitológicos em coletores <strong>de</strong><br />
lixo, levantaram a prevalência <strong>de</strong> enteroparasitoses em 14 (63,6%) <strong>do</strong>s 22<br />
trabalha<strong>do</strong>res investiga<strong>do</strong>s. Das 14 ocorrências <strong>de</strong> parasitas ou comensais na<br />
população <strong>de</strong> coletores <strong>de</strong> lixo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Patrocínio (Minas Gerais), 78,6% (11)<br />
correspon<strong>de</strong>ram a protozoários e 21,4% (3) a helmintos. O comensal Entamoeba coli<br />
foi o responsável por maior número <strong>de</strong> ocorrências, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> verifica<strong>do</strong> em 31,8%<br />
<strong>do</strong>s coletores.<br />
Para Ferreira e Anjos (2001, p.692) “o o<strong>do</strong>r emana<strong>do</strong> <strong>do</strong>s resíduos po<strong>de</strong><br />
causar mal estar, <strong>ce</strong>faléias e náuseas em trabalha<strong>do</strong>res e pessoas que se encontrem<br />
110
proximamente a equipamentos <strong>de</strong> coleta ou <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> manuseio, transporte e<br />
<strong>de</strong>stinação final”. Além disso, há um impacto psíquico quan<strong>do</strong> as pessoas <strong>de</strong>scobrem<br />
que estarão moran<strong>do</strong> próximo a tais áreas (FUNASA, 1999).<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rêgo, Barreto e Killinger (2002) foi observa<strong>do</strong>, no relato <strong>de</strong> uma<br />
mulher, que as suas crianças apresentavam problemas respiratórios <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong><br />
o<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sagradável provoca<strong>do</strong> pelos resíduos e pelas queimadas realizadas a quase<br />
15 metros da sua residência. Frente a esse relato, os autores acreditam que<br />
(p.1587) “[...] o lixo pare<strong>ce</strong> ser um problema que po<strong>de</strong> atingir pessoas <strong>de</strong> ambos os<br />
sexos e diferentes faixas etárias, sobretu<strong>do</strong> as crianças”. Tais autores foram<br />
bastante compla<strong>ce</strong>ntes ao utilizarem o termo “pare<strong>ce</strong>” quan<strong>do</strong> se referiam os<br />
problemas advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s RSD.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Moraes (2007) mostram, com<br />
alguma evidência, uma Associação entre o tipo <strong>de</strong> acondicionamento <strong>do</strong>miciliar <strong>do</strong>s<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s, bem como entre a coleta <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares no<br />
ambiente <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público e a prevalência <strong>de</strong> Ascaris lumbricoi<strong>de</strong>s, Trichuris<br />
trichiura e Ancilostomí<strong>de</strong>os em crianças entre 5 e 14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mesmo quan<strong>do</strong><br />
outros fatores sócio-econômicos, culturais, <strong>de</strong>mográficos e ambientais são<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s.<br />
Ainda em “Que Lixo é Esse?” foram construí<strong>do</strong>s os seguintes relatos sobre a<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais com os quais lidam diariamente:<br />
“...tem vários tipos <strong>de</strong> lixo: tem o lixo orgânico e tem o<br />
lixo separa<strong>do</strong>, e tem esse lixo que a gente trabalha aqui<br />
que não é lixo, é material reciclável; lixo é uma coisa e<br />
material reciclável é outra...” (Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro da<br />
Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“...<strong>do</strong> lixo daqui, a gente separa a garrafa, o papelão, o<br />
papel branco, o alumínio e daqui, a gente vai ganhar...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 9, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
É bem claro para os entrevista<strong>do</strong>s a distinção entre o lixo orgânico e<br />
inorgânico e sabemos que seus conhecimentos vão além disso, pois conseguimos<br />
levantar - durante alguns contatos informais - que os membros da Associação <strong>de</strong><br />
111
Cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Jangurussu passaram por algumas capacitações dadas por técnicos<br />
contrata<strong>do</strong>s pelo Banco <strong>do</strong> Brasil ainda no início das ativida<strong>de</strong>s (novembro <strong>de</strong> 2006)<br />
da Associação, sem contar os conhecimentos que eles adquiriram em suas próprias<br />
vivências.<br />
Como observamos em Abreu (2001) os cata<strong>do</strong>res possuem muitos<br />
conhecimentos específicos e habilida<strong>de</strong> para i<strong>de</strong>ntificar, coletar, separar e ven<strong>de</strong>r os<br />
recicláveis, mas Mello (2004, p.5) vai um pouco mais além ao discutir que os<br />
objetos, a<strong>ce</strong>ssórios, símbolos e griffes - “[...] que em teoria seriam ‘facilita<strong>do</strong>res’ ou<br />
possibilita<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s movimentos e práticas humanas” - tornam-se os ícones<br />
i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s seres humanos, e os sujeitos que vivem da cata <strong>do</strong> lixo revelam<br />
como ninguém essa sabe<strong>do</strong>ria. Nas palavras da autora, “seu olhar [referin<strong>do</strong>-se ao<br />
sujeito que cata lixo] seletivo i<strong>de</strong>ntifica marcas e símbolos <strong>do</strong> status quo, joga<strong>do</strong>s<br />
fora como ex<strong>ce</strong>sso pelos que têm muito”.<br />
Há uma compreensão clara por parte <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s da ASCAJAN que os<br />
materiais recicláveis não são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “lixo”, sen<strong>do</strong> tal visão importantíssima <strong>do</strong><br />
ponto <strong>de</strong> vista social e ambiental, pois cada material anuncia<strong>do</strong> pelo entrevista<strong>do</strong><br />
(garrafa, papelão, papel branco, alumínio) <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> poluir o ambiente ao ser<br />
<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à reciclagem, além <strong>de</strong> gerar emprego e renda.<br />
Conforme Santos (2007, p.14),<br />
Entre as diversas alternativas existentes para a questão <strong>do</strong>s resíduos<br />
sóli<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ve-se priorizar a reciclagem, haja vista que ela: diminui a<br />
poluição <strong>do</strong> solo, água e ar, melhora a limpeza da cida<strong>de</strong> e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vida da população; prolonga a vida útil <strong>do</strong>s aterros sanitários; gera<br />
empregos para a população não qualificada e gera re<strong>ce</strong>ita com a<br />
comercialização <strong>do</strong>s recicláveis.<br />
Visão semelhante foi apresentada por Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006, p.69):<br />
[...] a reciclagem configura-se como importante elemento, pois possibilita o<br />
reaproveitamento <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s novamente ao circuito<br />
produtivo e traz benefícios ambientais através da economia <strong>de</strong> recursos<br />
naturais, energia e água. Além <strong>do</strong> inquestionável aspecto ambiental, a<br />
reciclagem possibilita ganhos sociais ao absorver no seu circuito produtivo<br />
os cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais recicláveis.<br />
112
Historicamente, a palavra reciclagem surgiu na década <strong>de</strong> 1970, quan<strong>do</strong> as<br />
preocupações ambientais passaram a ser tratadas com maior rigor. Todavia, para<br />
que a reciclagem seja eficiente e eficaz é ne<strong>ce</strong>ssário a implantação da coleta<br />
seletiva <strong>de</strong> resíduos e, este pro<strong>ce</strong>sso, segun<strong>do</strong> CEARÁ (2003, p.128) “é o<br />
recolhimento diferencia<strong>do</strong> <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s, previamente seleciona<strong>do</strong>s nas<br />
fontes gera<strong>do</strong>ras”.<br />
A coleta seletiva traz várias vantagens para o pro<strong>ce</strong>sso da reciclagem, pois<br />
melhora a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s materiais, diminui a geração <strong>de</strong> rejeitos, exige menor área<br />
<strong>de</strong> instalação das Usinas e menores gastos com a instalação <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong><br />
separação, lavagem e secagem <strong>do</strong>s resíduos. Segun<strong>do</strong> Cal<strong>de</strong>roni (1999) no Brasil,<br />
existe coleta seletiva em <strong>ce</strong>rca <strong>de</strong> 135 cida<strong>de</strong>s e na maior parte <strong>do</strong>s casos a coleta é<br />
realizada pelos cata<strong>do</strong>res organiza<strong>do</strong>s em cooperativas ou associações.<br />
A par <strong>de</strong> todas as vantagens da coleta seletiva e da reciclagem, Velloso nos<br />
traz uma reflexão mais profunda sobre essas temáticas ao dizer que,<br />
o ex<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> lixo produzi<strong>do</strong> tem leva<strong>do</strong> as pessoas a refletirem sobre as<br />
diferentes alternativas para a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> planeta, mas<br />
infelizmente, essas alternativas ten<strong>de</strong>m a consi<strong>de</strong>rar ou privilegiar a<br />
tecnologia, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> ou subestiman<strong>do</strong> o aspecto ético (VELLOSO,<br />
2004, p.2).<br />
O discurso ecológico oficial reconhe<strong>ce</strong>, no pro<strong>ce</strong>sso da reciclagem, a<br />
solução para reduzir o ex<strong>ce</strong>sso <strong>de</strong> resíduos. Já alguns <strong>do</strong>s discursos<br />
ecológicos alternativos per<strong>ce</strong>bem como solução, a redução <strong>do</strong> consumo.<br />
Para o primeiro, o consumo é insustentável e a solução é técnica, ou seja,<br />
resolução pela prática da reciclagem. Enquanto que, para o segun<strong>do</strong>, a<br />
solução é cultural, ou seja, passa pela redução <strong>de</strong> bens e serviços<br />
(LAYRARGUES, 2002 apud VELLOSO, 2004, p.2).<br />
Sob este último olhar a questão não seria apenas reciclar o que produzimos,<br />
mas diminuir sua produção, refletin<strong>do</strong> criticamente sobre os valores culturais da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo.<br />
4.4.4 - O Lixo e o Ambiente<br />
Essa categoria teve o objetivo principal <strong>de</strong> anunciar os problemas ambientais<br />
<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong>s RSD a partir das falas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Assim, a escuta <strong>do</strong>s<br />
113
sujeitos permitiu observar o reconhecimento das formas <strong>de</strong> poluição ambiental, da<br />
importância da preservação ambiental e <strong>do</strong> quanto a não participação da população<br />
incrementa os problemas:<br />
“Os riscos <strong>do</strong> lixo pro meio ambiente é um pouco grave<br />
porque botan<strong>do</strong> o lixo no meio da rua fica sujo, fica<br />
fe<strong>de</strong>n<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> chove alaga tu<strong>do</strong>, faz enchente e<br />
tampa bueiro que enche a rua...” (Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro<br />
da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“...cê vê que a população pega o lixo e joga no meio da<br />
rua; não dá...” (Entrevista<strong>do</strong> 3, Gari).<br />
“...o lixo tem que ser to<strong>do</strong> tempo limpo porque atrai<br />
muitas coisas como barata, rato, e polui a água, e a<br />
terra vai sugan<strong>do</strong> a água <strong>do</strong> lixo...” (Entrevista<strong>do</strong> 5, Gari).<br />
“...jogan<strong>do</strong> o lixo <strong>de</strong>ntro d’água, jogan<strong>do</strong> lixo nos<br />
esgotos, tá infectan<strong>do</strong> o meio ambiente e a própria<br />
pessoa porque a pessoa que joga um lixo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> rio<br />
ou <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> esgoto tá prejudican<strong>do</strong> não é só ele não,<br />
tá prejudican<strong>do</strong> é qualquer um...” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante<br />
da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Os trabalha<strong>do</strong>res vêem que a disposição ina<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> RSD gera to<strong>do</strong> um<br />
conjunto <strong>de</strong> problemas para o ar, solos, águas, e para a saú<strong>de</strong> humana. Essas<br />
perspectivas emergiram nos três setores <strong>do</strong> SGRSD <strong>de</strong> Fortaleza/CE (Coleta<br />
Domiciliar, Usina <strong>de</strong> Triagem e Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res), mostran<strong>do</strong> alguns riscos<br />
inerentes aos resíduos ou ao seu ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> manejo.<br />
Os problemas ao ar <strong>de</strong>rivam principalmente <strong>do</strong>s RSD expostos à céu aberto,<br />
on<strong>de</strong> os pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição <strong>do</strong> material orgânico encontram-se a<strong>ce</strong>lera<strong>do</strong>s<br />
e on<strong>de</strong> gases (como o dióxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono e metano - vilões <strong>do</strong> aquecimento global e<br />
efeito estufa 35 ) acabam lança<strong>do</strong>s na atmosfera sem nenhum tratamento.<br />
No caso <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo on<strong>de</strong> haja, mesmo que precariamente, algum<br />
tipo <strong>de</strong> espalhamento, compactação e cobertura <strong>do</strong>s resíduos, as poeiras<br />
suspensas vindas <strong>do</strong>s próprios resíduos e produzidas durante as etapas <strong>de</strong><br />
operação também contribuirão para a poluição <strong>do</strong> ar no local. Caso as vias<br />
<strong>de</strong> a<strong>ce</strong>sso <strong>do</strong>s caminhões que transportam os resíduos não estejam<br />
35 É fato que dióxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono tem ocupa<strong>do</strong> lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na discussão <strong>do</strong> aquecimento global e <strong>do</strong> efeito estufa, mas o<br />
gás metano tem uma capacida<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> Ensinas (2003), McLennan (2003) e Korhonen e Dahlbo (2007) 21 vezes maior <strong>de</strong><br />
agravar tais problemas globais, entretanto, ele fica praticamente “excluí<strong>do</strong>” das reflexões sobre a temática e quase não é<br />
“linka<strong>do</strong>” à questão <strong>do</strong>s resíduos sóli<strong>do</strong>s.<br />
114
pavimentadas, a circulação contínua <strong>de</strong>stes veículos pesa<strong>do</strong>s também<br />
contribuirá para a liberação <strong>de</strong> partículas suspensas (SISINNO, 2002,<br />
p.33).<br />
Os problemas ao solo, além <strong>de</strong> diversos, apresentam intensida<strong>de</strong>s diferentes<br />
que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> solo, <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> resíduo e da existência ou não <strong>de</strong> técnicas<br />
<strong>de</strong> tratamento e/ou disposição. Assim, ao serem dispostos no solo, os RSD o poluem<br />
pela introdução <strong>de</strong> microrganismos, pela atração <strong>de</strong> vetores, pela impermeabilização<br />
<strong>de</strong>corrente <strong>do</strong>s materiais não bio<strong>de</strong>gradáveis e pelo chorume, que é um líqui<strong>do</strong><br />
escuro com fortes características físico-químicas e biológicas, por isso, <strong>de</strong> alto<br />
potencial polui<strong>do</strong>r.<br />
As áreas utilizadas para o <strong>de</strong>spejo <strong>de</strong> RSD, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativadas,<br />
terão seu uso futuro comprometi<strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às conseqüências da disposição<br />
imprópria <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> resíduos durante anos. Nesse contexto, Chaney (1983)<br />
apud Sisinno (2002) afirma que “espécies químicas encontradas nos resíduos (como<br />
metais pesa<strong>do</strong>s, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, etc.) po<strong>de</strong>rão ser retidas<br />
pelos solos e assimiladas pelos vegetais, não sen<strong>do</strong> recomendada, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, a<br />
utilização <strong>de</strong> culturas para alimentação”.<br />
Os problemas à água, provenientes <strong>do</strong>s RSD, estão relaciona<strong>do</strong>s com a<br />
poluição <strong>do</strong>s recursos hídricos tanto superficiais quanto subterrâneos. Ao<br />
analisarmos os trabalhos publica<strong>do</strong>s sobre o assunto, achamos relevante <strong>de</strong>stacar o<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Oliveira (1997); que tratou da poluição das águas <strong>do</strong> Rio Cocó em<br />
Fortaleza/CE pelo Lixão <strong>do</strong> Jangurussu instala<strong>do</strong> em suas margens, e o trabalho <strong>de</strong><br />
Porto et al (2004) que mencionou a contaminação das águas da Baía <strong>de</strong> Guanabara<br />
pelos resíduos sóli<strong>do</strong>s dispostos no aterro <strong>de</strong> Jardim Gramacho; o que mostra que<br />
tal questão é singular em algumas cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> país.<br />
Sob o nosso ponto <strong>de</strong> vista, o gran<strong>de</strong> problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública <strong>de</strong>corrente<br />
da poluição e/ou contaminação <strong>do</strong>s recursos hídricos pelos RSD consiste no fato <strong>de</strong><br />
que um eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s brasileiras utiliza, na maioria <strong>do</strong>s casos, esses<br />
mesmos recursos hídricos para abastecimento humano, o que levanta a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> surtos <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças por via indireta (hídrica).<br />
115
Os resíduos sóli<strong>do</strong>s contêm espécies químicas que po<strong>de</strong>m ser carreadas<br />
pelas chuvas e entrar em contato com os cursos d’água superficiais e<br />
subterrâneos através <strong>de</strong> escoamento superficial e infiltração. Dessa forma,<br />
po<strong>de</strong>rá haver o comprometimento <strong>do</strong> uso <strong>de</strong>ssas fontes e da biota<br />
aquática, com risco <strong>de</strong> ocorrer intoxicações em um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
pessoas (SISINNO, 2002, p.33).<br />
Os impactos advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> RSD à fauna e à flora são mais representativos<br />
quan<strong>do</strong> observamos a poluição <strong>do</strong>s ambientes naturais das cida<strong>de</strong>s. O “ver<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />
remanes<strong>ce</strong>ntes áreas <strong>do</strong> meio urbano, por exemplo, contrasta com a multiplicida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cores <strong>do</strong>s mais diversos tipos <strong>de</strong> resíduos <strong>de</strong>posita<strong>do</strong>s (papel, papelão, PET,<br />
metais, vidros, alumínios, <strong>ce</strong>râmicas, trapos, plásticos, borrachas, etc). Já <strong>do</strong> ponto<br />
<strong>de</strong> vista da fauna, per<strong>ce</strong>bemos que os RSD po<strong>de</strong>m pren<strong>de</strong>r aves, répteis e felinos e<br />
levá-los a morte por sufocamento, emaranhamento e/ou ingestão conjunta com<br />
alimentos existentes nos resíduos.<br />
Alguns problemas provoca<strong>do</strong>s pelos RSD no ambiente foram relata<strong>do</strong>s nas<br />
entrevistas feitas por Rêgo, Barreto e Killinger (2002), quais sejam: contaminação da<br />
água <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> encostas, alagamentos, enchentes, poluição<br />
atmosférica e <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> solo.<br />
Os relatos apontam que o somatório <strong>do</strong>s problemas <strong>de</strong> drenagem, acúmulo<br />
<strong>de</strong> lixo, eleva<strong>do</strong> índi<strong>ce</strong> pluviométrico e topografia da cida<strong>de</strong> expõem as<br />
populações que resi<strong>de</strong>m em áreas <strong>de</strong> encostas e baixadas às mais<br />
variadas situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> terra e enchentes provocan<strong>do</strong>, por<br />
vezes, vítimas fatais nessas localida<strong>de</strong>s, ou seja, os pobres “pagam” o<br />
“preço” (RÊGO, BARRETO e KILLINGER, 2002, p.1588), num níti<strong>do</strong><br />
<strong>ce</strong>nário <strong>de</strong> Injustiça Ambiental.<br />
Em termos <strong>de</strong> Injustiça Ambiental observamos em Rigotto (2003, p.393) que o<br />
quadro é bem mais complexo:<br />
Os países “<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s” <strong>do</strong> hemisfério Norte - pressiona<strong>do</strong>s pela<br />
socieda<strong>de</strong> e pelo Esta<strong>do</strong> a uma reforma ecológica - estariam exportan<strong>do</strong><br />
riscos para os países “sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s” ou “emergentes” <strong>do</strong> Sul. Aqueles<br />
pro<strong>ce</strong>ssos mais consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> recursos naturais, mais gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />
poluentes e que se caracterizam por pro<strong>ce</strong>ssos <strong>de</strong> trabalho mais insalubres<br />
e perigosos - a “indústria suja” - ten<strong>de</strong>riam a se localizar em alguns locais:<br />
os que apresentem legislações ambientais e trabalhistas menos rigorosas;<br />
em que o aparato institucional <strong>de</strong> vigilância não tenha condições <strong>de</strong> fazer<br />
valer as políticas consensadas; em que a população e os trabalha<strong>do</strong>res<br />
estejam fragiliza<strong>do</strong>s pelas precárias condições <strong>de</strong> vida e dispostos a<br />
“a<strong>ce</strong>itar qualquer coisa” em troca <strong>de</strong> uma fonte <strong>de</strong> renda.<br />
116
As falas <strong>do</strong>s nossos entrevista<strong>do</strong>s abrem possibilida<strong>de</strong>s ainda para discutir a<br />
relação que existe entre a produção <strong>de</strong> chorume - chama<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s nossos<br />
entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “a água <strong>do</strong> lixo” e a contaminação ambiental. Nesse senti<strong>do</strong>, além<br />
<strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong> Cintra, Hamada e Filho (2002), Pacheco e Peralta-Zamora (2004),<br />
Capelo Neto e Castro (2005), resgatamos alguns resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s por Sisinno<br />
e Moreira (1996), em um estu<strong>do</strong> que avaliou as con<strong>ce</strong>ntrações <strong>de</strong> contaminantes<br />
químicos e biológicos no líqui<strong>do</strong> percola<strong>do</strong> (chorume) da área <strong>do</strong> aterro controla<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Céu (Niterói - RJ) e por Mattos (2006), que caracterizou e avaliou as<br />
pressões ambientais provocadas pelos resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos nos recursos<br />
hídricos na área <strong>de</strong> influência <strong>do</strong> Aterro Controla<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rio Branco-AC.<br />
Conforme os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Sisinno e Moreira (1996), a área estudada<br />
apresenta uma baixa contaminação por metais (Cádmio, Cromo, Cobre, Ferro,<br />
Manganês, Níquel, Chumbo e Zinco), mas elevada contaminação orgânica e<br />
microbiológica das águas subterrâneas e superficiais, <strong>do</strong>s solos e sedimentos,<br />
contribuin<strong>do</strong> para um agravamento na <strong>de</strong>gradação ambiental e um <strong>de</strong>créscimo na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res das proximida<strong>de</strong>s. Para os autores, o chorume<br />
caracteriza<strong>do</strong> na área <strong>do</strong> aterro controla<strong>do</strong> <strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Céu (Niterói - RJ) é<br />
altamente polui<strong>do</strong>r em <strong>de</strong>corrência da alta carga <strong>de</strong> compostos orgânicos<br />
transportada e da presença <strong>de</strong> coliformes (totais e termo-tolerantes).<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Mattos (2006), observamos que a toxicida<strong>de</strong> <strong>do</strong> chorume -<br />
medida através <strong>de</strong> variáveis microbiológicas, físico-químicas e <strong>de</strong> metais pesa<strong>do</strong>s -,<br />
implica em <strong>de</strong>gradação ambiental da sub-bacia <strong>do</strong> Igarapé Batista, pois foram<br />
encontradas con<strong>ce</strong>ntrações elevadas <strong>de</strong> metais pesa<strong>do</strong>s (Mercúrio, Cromo,<br />
Manganês e Zinco) em pontos <strong>de</strong> amostragens <strong>do</strong> aterro controla<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rio Branco-<br />
AC, além <strong>de</strong> altas con<strong>ce</strong>ntrações <strong>de</strong> coliformes totais e termo-tolerantes.<br />
Os resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s pelos autores nos tocam no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> associar<br />
que tais contaminações po<strong>de</strong>m estar aconte<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> nas áreas que comportaram os<br />
cinco lixões <strong>de</strong> Fortaleza/CE (Lixão <strong>do</strong> Monte Castelo, da Barra <strong>do</strong> Ceará, <strong>do</strong><br />
Antônio Bezerra, <strong>do</strong> Henrique Jorge e <strong>do</strong> Jangurussu) e, mais re<strong>ce</strong>ntemente nos três<br />
aterros sanitários da Região Metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza (01 em Caucaia, 01 um<br />
Maracanaú e 01 em Aquiraz).<br />
117
Como bem ressaltou Mattos (2006, p.21) “é <strong>de</strong> se presumir, também, que<br />
muitos aterros controla<strong>do</strong>s e sanitários mal construí<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>m estar alteran<strong>do</strong> a<br />
qualida<strong>de</strong> ambiental <strong>do</strong>s recursos hídricos e comprometen<strong>do</strong> conseqüentemente a<br />
sustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ecossistemas aquáticos”. Assim, preocupações como a<br />
contaminação <strong>do</strong>s solos e <strong>do</strong>s recursos hídricos, das plantas, <strong>do</strong>s animais e <strong>do</strong><br />
homem, <strong>de</strong>correntes da presença <strong>de</strong> elementos metálicos ou biológicos,<br />
provenientes da ina<strong>de</strong>quada disposição <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s urbanos, conduzem<br />
pesquisa<strong>do</strong>res a direcionarem seus objetivos <strong>de</strong> pesquisas a estes problemas.<br />
Além <strong>de</strong>ssas visões, nossos entrevista<strong>do</strong>s recomendaram que o ambiente<br />
<strong>de</strong>ve ser preserva<strong>do</strong>, porém, uma responsabilida<strong>de</strong> coletiva - a preservação <strong>do</strong><br />
ambiente - vem, na perspectiva <strong>do</strong>s RSD, se transforman<strong>do</strong> num trabalho individual,<br />
conforme os seguintes <strong>de</strong>poimentos:<br />
“Eu acho que esse negócio <strong>de</strong> meio ambiente era pra<br />
ser assim: to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> limpan<strong>do</strong> seu próprio quintal...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 10, Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“...o meio ambiente é pra ser bem trata<strong>do</strong> não é?!<br />
porque se você tratar meio ambiente tá favore<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> a<br />
você mesmo, não tá favore<strong>ce</strong>n<strong>do</strong> a ninguém não...”<br />
(Entrevista<strong>do</strong> 8, Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Relatos <strong>de</strong>ssa natureza - que também apare<strong>ce</strong>ram no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Zaneti<br />
(2006) - são importantes para evi<strong>de</strong>nciar que os trabalha<strong>do</strong>res entrevista<strong>do</strong>s<br />
per<strong>ce</strong>bem uma inter<strong>de</strong>pendência entre o ambiente e os humanos.<br />
Ainda nessa seção os sujeitos entrevista<strong>do</strong>s relataram outros aspectos que<br />
inter-relacionam o trabalho com os RSD e o ambiente, conforme os seguintes<br />
<strong>de</strong>poimentos:<br />
“...tem uma rampa como daqui aquele menino ali, uma<br />
rampa, a gente vai passa o carro direto e não alimpa a<br />
rampa, aquilo ali com <strong>do</strong>is ou três dias já ta poluin<strong>do</strong> o<br />
ar, que a pessoa respira, ta enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>?!...” (Entrevista<strong>do</strong><br />
4, Gari).<br />
Nesse relato há duas preocupações básicas. A primeira está relacionada com<br />
a poluição <strong>do</strong> ar pelos RSD e que, inclusive, foi discutida no referencial teórico <strong>de</strong>ssa<br />
118
pesquisa. Já a segunda, está relacionada à per<strong>ce</strong>pção <strong>de</strong> que existe uma íntima<br />
relação entre nós (humanos) e a natureza.<br />
Trouxemos ainda os relatos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s sobre suas visões em relação<br />
ao seu papel no “cuidar” <strong>do</strong> ambiente:<br />
“...eu acho que o que nós faz aqui previne problema<br />
para o meio ambiente porque se fosse pro lixão, esses<br />
material que nós retira ia levar muito tempo pra se<br />
[<strong>de</strong>]compor, não é?!, pois aqui nós retira, eles recicla,<br />
moem e lá faz outra matéria-prima. Acho que nós<br />
estamos ajudan<strong>do</strong> um pouco não é?!...” (Entrevista<strong>do</strong> 6,<br />
Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
“...meu trabalho com o meio ambiente eu consi<strong>de</strong>ro<br />
bom porque aqui você tá aproveitan<strong>do</strong> PET (garrafa <strong>de</strong><br />
refrigerante) que <strong>de</strong>mora mais <strong>de</strong> não sei quantos ano<br />
pra ser consumi<strong>do</strong>, se apagar, então, eu acho bom<br />
porque você tá evitan<strong>do</strong> que o material vá prejudicar o<br />
meio ambiente porque esse material tá vin<strong>do</strong> e nos<br />
tamo reciclan<strong>do</strong> e daí vai se tornar novos PET, novos<br />
papel, não é?!...” (Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem).<br />
“...a gente faz a parte que a gente po<strong>de</strong> porque nós<br />
separa os reciclável <strong>do</strong>s material orgânico e eu acho<br />
que isso ajuda pro meio ambiente...” (Entrevista<strong>do</strong> 9,<br />
Membro da Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“...a partir <strong>do</strong> momento que a gente tá lutan<strong>do</strong> pra<br />
<strong>de</strong>ixar limpo não é?!, pra <strong>de</strong>ixar a cida<strong>de</strong> limpa, eu acho<br />
que o clima vai ficar melhor, o ar, não é?! porque a<br />
gente pega os animais que tão morto pra não ficar<br />
fe<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e acho que tu<strong>do</strong> isso aí prejudica o meio<br />
ambiene porque é sujeira...” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari).<br />
Os relatos acima dão um exemplo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> ambiental e individual<br />
ao resgatarem as ações <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res em relação à contribuição que estão<br />
dan<strong>do</strong> à favor da preservação <strong>do</strong> ambiente, embora essas ativida<strong>de</strong>s não sejam<br />
sustentáveis. É importante notar também, o quanto o trabalho <strong>de</strong> segregação <strong>do</strong>s<br />
RSD ou <strong>de</strong> limpeza da cida<strong>de</strong> é valoriza<strong>do</strong> pelos próprios trabalha<strong>do</strong>res,<br />
possivelmente, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resgatar a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho, diante <strong>do</strong><br />
estigma.<br />
119
O reconhecimento da própria ativida<strong>de</strong> representa um primeiro passo no<br />
caminho da inserção social e alcan<strong>ce</strong> <strong>de</strong> diretos e cidadania, e para tanto a<br />
organização é fundamental. Observamos em Abreu (2001) que a organização <strong>do</strong>s<br />
cata<strong>do</strong>res é consi<strong>de</strong>rada como uma ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>, não apenas <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong><br />
promoção da cidadania, mas voltada também para a ação cooperativista que<br />
valorize esses profissionais como agentes ambientais e econômicos.<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Loiola Ferreira (2007) mostra que 32% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong>clararam que catam lixo para sobreviver e também porque acreditam que isto<br />
preserva o meio ambiente.<br />
4.4.5 - O Trabalho com o Lixo e a Socieda<strong>de</strong><br />
Nessa categoria apresentamos os relatos on<strong>de</strong> os entrevista<strong>do</strong>s expuseram<br />
um pouco da relação que existe entre o trabalho que <strong>de</strong>senvolvem e a socieda<strong>de</strong>.<br />
Assim, observamos os seguintes relatos:<br />
“...trabalhar com o lixo não é um trabalho digno, é uma<br />
ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong> que a gente tem, mais dignida<strong>de</strong> não é<br />
não. Como é que uma pessoa tá trabalhan<strong>do</strong> com o<br />
lixo, se matan<strong>do</strong> pra ganhar uma miséria?!. Eu não<br />
acho digno não...” (Entrevista<strong>do</strong> 8, Integrante da Usina <strong>de</strong><br />
Triagem).<br />
“Pra mim, eu acho que meu trabalho não é digno, a não<br />
ser para outra pessoa, mas pra mim eu acho que é um<br />
trabalho muito tipo trabalho escravo, então, assim eu<br />
não consi<strong>de</strong>ro digno não...” (Entrevista<strong>do</strong> 7, Integrante da<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
Compreen<strong>de</strong>mos que o trabalho com os RSD não é digno na per<strong>ce</strong>pção <strong>de</strong><br />
alguns entrevista<strong>do</strong>s, especialmente os que estão na Usina <strong>de</strong> Triagem conforme<br />
falas acima.<br />
Ao ouvirmos os discursos, interrogamos para saber o que eles consi<strong>de</strong>ram<br />
um “trabalho digno” e re<strong>ce</strong>bemos respostas pre<strong>do</strong>minantemente “finan<strong>ce</strong>iras”, ou<br />
seja, trabalho digno é aquele no qual se ganha dinheiro.<br />
120
Apesar da <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong> próprio trabalho, um entrevista<strong>do</strong> afirmou que<br />
trabalhar com os RSD é digno, como se per<strong>ce</strong>be no seu <strong>de</strong>poimento:<br />
“...eu consi<strong>de</strong>ro digno porque tem muita gente aí que<br />
tem estu<strong>do</strong> e tá fazen<strong>do</strong> coisa errada. Pessoa que tem<br />
tu<strong>do</strong> pra ganhar alguma coisa pela frente, e eu to aqui<br />
trabalhan<strong>do</strong> pra sustentar minha família até porque eu<br />
aju<strong>do</strong> minha mãe também...” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da<br />
Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
O relato acima possui uma característica bem interessante: o trabalho com os<br />
RSD é classifica<strong>do</strong> como digno em comparação a, por exemplo, atos <strong>de</strong>lituosos<br />
cometi<strong>do</strong>s por pessoas que tiveram ou têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar. Dito <strong>de</strong> outra<br />
forma, o trabalho com os RSD não é digno por si só, mas passa a ser quan<strong>do</strong><br />
compara<strong>do</strong> a “referenciais piores” e quan<strong>do</strong> é visto como meio <strong>de</strong> sobrevivência.<br />
No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paixão (2005) emergiu um <strong>de</strong>poimento semelhante, pois as<br />
cata<strong>do</strong>ras assumem, sem constrangimentos, que trabalham num lixão, mas tentam<br />
escon<strong>de</strong>r a negativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ofício (que lembra sujeira) se comparan<strong>do</strong> as pessoas<br />
que estão rouban<strong>do</strong>, matan<strong>do</strong> ou mesmo não trabalhan<strong>do</strong>. Nessa perspectiva, as<br />
cata<strong>do</strong>ras enfrentam a <strong>de</strong>squalificação afirman<strong>do</strong> que o que importa é que estão<br />
trabalhan<strong>do</strong>, garantin<strong>do</strong> a sobrevivência da família com honestida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> ter<strong>ce</strong>iros.<br />
Aparentemente, o <strong>de</strong>poimento acima traz ainda a idéia <strong>de</strong> que “trabalhar com<br />
os RSD” é um mo<strong>do</strong> legítimo <strong>de</strong> se obter renda e meio <strong>de</strong> se diferenciar <strong>de</strong> um<br />
mendigo ou <strong>de</strong> um vadio. A pesquisa <strong>de</strong> Tosta (2003, p.219) mostrou que é “sempre<br />
retomada pelos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua a ne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se diferenciarem socialmente e<br />
se distinguir <strong>do</strong> ‘mendigo profissional’ que vive somente à custa <strong>de</strong> esmolas”. O que<br />
há <strong>de</strong> semelhante entre o integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem aqui entrevista<strong>do</strong> e os<br />
mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua entrevista<strong>do</strong>s por Tosta (2003) é a pobreza.<br />
O trabalho que os integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem realizam não é um<br />
trabalho qualquer. Além <strong>de</strong> não ser reconheci<strong>do</strong>, “<strong>de</strong>squalifica” socialmente esses<br />
sujeitos. Suas vidas são reguladas pela luta cotidiana pela sobrevivência e pela<br />
tentativa <strong>de</strong> provar aos outros e a si mesmos que são trabalha<strong>do</strong>res dignos. Paixão<br />
121
(2005), quan<strong>do</strong> analisa <strong>ce</strong>nário semelhante, diz que a busca por tal reconhecimento<br />
é “material e simbólica”.<br />
Resgatamos ainda o <strong>de</strong>poimento on<strong>de</strong> um entrevista<strong>do</strong> afirma que o trabalho<br />
com os RSD é motivo para “não-reconhecimentos”:<br />
“...são poucas as pessoas que agra<strong>de</strong><strong>ce</strong> e reconhe<strong>ce</strong><br />
que a gente <strong>de</strong>ixa a cida<strong>de</strong> limpa...” (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
Na perspectiva <strong>de</strong> Nascimento (2003), o não-reconhecimento é uma das<br />
características <strong>do</strong> pro<strong>ce</strong>sso da exclusão social, ou seja, que se refere a um pro<strong>ce</strong>sso<br />
<strong>de</strong> “negação” social <strong>do</strong> outro. Na visão <strong>do</strong> autor (2003, p.61-62):<br />
Há três a<strong>ce</strong>pções, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista sociológico, <strong>do</strong> termo exclusão social.<br />
O primeiro é uma <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> con<strong>ce</strong>ito <strong>de</strong> anomia [...] que se aproxima<br />
da discriminação racial, sexual, religiosa, ou outra. Assim, toda forma <strong>de</strong><br />
discriminação racial ou rejeição social seria uma forma <strong>de</strong> exclusão [...]. Na<br />
segunda a<strong>ce</strong>pção, o não-reconhecimento se traduz numa clara exclusão <strong>de</strong><br />
direitos. São grupos sociais - trabalha<strong>do</strong>res pobres, mendigos, biscateiros -<br />
que não tem uma clara integração no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, não possuin<strong>do</strong><br />
em <strong>de</strong>corrência, condições mínimas <strong>de</strong> vida. Por vezes, esta nãointegração<br />
produz efeitos <strong>de</strong> não inserção social [...]. A ter<strong>ce</strong>ira a<strong>ce</strong>pção<br />
<strong>de</strong>nomina-se “nova exclusão”, on<strong>de</strong> o não-reconhecimento vai além da<br />
negação ou recusa <strong>de</strong> direitos. Assim, esses grupos sociais [...] passam “a<br />
não ter direito a ter direito”. Sem serem reconheci<strong>do</strong>s como semelhantes, a<br />
tendência é expulsá-los da orbita da humanida<strong>de</strong>. Passam, assim, a ser<br />
objeto <strong>de</strong> extermínio [...].<br />
Já no “mun<strong>do</strong>” vivi<strong>do</strong> pelos cata<strong>do</strong>res entrevista<strong>do</strong>s, alguns <strong>de</strong>poimentos<br />
trazem a per<strong>ce</strong>pção <strong>de</strong>les em relação às posturas que a socieda<strong>de</strong> ainda a<strong>do</strong>ta em<br />
relação ao seu trabalho:<br />
“O precon<strong>ce</strong>ito, a gente sofre <strong>de</strong>mais. Tem uma<br />
Associação aqui que um rapaz foi espanca<strong>do</strong> por 3<br />
pessoa. Ele era cata<strong>do</strong>r e as 3 pessoas confundiram ele<br />
com um marginal. Ele tava para<strong>do</strong> num ponto <strong>de</strong><br />
ônibus; eles meteram a peia nele e saíram corren<strong>do</strong> e<br />
<strong>de</strong>ixaram o coita<strong>do</strong> lá...” (Entrevista<strong>do</strong> 9, Membro da<br />
Associação <strong>de</strong> Cata<strong>do</strong>res).<br />
“Aos olhos da socieda<strong>de</strong>, a catação <strong>de</strong> lixo é uma ativida<strong>de</strong> bastante<br />
estigmatizada”’ (PAIXÃO, 2005, p.145). O “lidar” com os RSD ainda en<strong>ce</strong>rra uma<br />
dimensão simbólica negativa, objeto <strong>de</strong> sofrimento por parte <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s nossos<br />
entrevista<strong>do</strong>s e que emergiu em seus relatos.<br />
122
Cabe lembrar que a mídia também contribui para a representação negativa<br />
<strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, quan<strong>do</strong> os mostra nos lixões - disputan<strong>do</strong> restos <strong>de</strong> comida com<br />
animais (porcos, cachorros, urubus, entre outros) - ou quan<strong>do</strong> tem a idéia <strong>de</strong> discutir<br />
as “profissões-perigo” ou menos valorizadas.<br />
Em re<strong>ce</strong>nte pesquisa realizada pelo Datafolha - afirma Eigenheer (2003) - a<br />
profissão <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>r <strong>de</strong> lixo ficou em primeiro lugar como a mais rejeitada e a <strong>de</strong> gari<br />
em ter<strong>ce</strong>iro lugar. Certamente, isso tem relação com o fato <strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> sempre<br />
ter se relaciona<strong>do</strong> com o seu lixo com atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> afastamento, precon<strong>ce</strong>ito e<br />
estigma.<br />
Ainda segun<strong>do</strong> o relato apresenta<strong>do</strong> há um aspecto inusita<strong>do</strong>: um cata<strong>do</strong>r foi<br />
espanca<strong>do</strong> por ter si<strong>do</strong> confundi<strong>do</strong> com um marginal. Sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s<br />
direitos humanos, esse ato feri vários princípios - como liberda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>, entre<br />
outros - <strong>do</strong>s artigos da própria Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos, <strong>de</strong>ntre<br />
os quais o:<br />
Artigo I: Todas as pessoas nas<strong>ce</strong>m livres e iguais em dignida<strong>de</strong> e<br />
direitos. São <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> razão e consciência e <strong>de</strong>vem agir em relação<br />
umas às outras com espírito <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong>.<br />
Artigo V: Ninguém será submeti<strong>do</strong> à tortura, nem a tratamento ou<br />
castigo cruel, <strong>de</strong>sumano ou <strong>de</strong>gradante (ASSEMBLÉIA GERAL DAS<br />
NAÇÕES UNIDAS, 1948).<br />
Bursztyn (2003) traz uma reflexão nesse senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> discute as<br />
conseqüências sofridas por pessoas pobres em países como o Brasil. O autor cita<br />
que tais pessoas, além <strong>de</strong> nunca terem si<strong>do</strong> beneficiadas por políticas <strong>de</strong> proteção<br />
social amplas e universalizadas, são empurradas da pobreza para a miséria e, daí,<br />
acabam sen<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> estigma da “<strong>de</strong>sne<strong>ce</strong>ssida<strong>de</strong>” [...] e <strong>de</strong> práticas sociais<br />
xenófobas e racistas. Ainda segun<strong>do</strong> o autor:<br />
A violência social cometida contra os pobres tem raízes históricas e não<br />
configura um fato novo. O que surpreen<strong>de</strong> hoje é seu recru<strong>de</strong>scimento lá<br />
on<strong>de</strong> se imaginava já ter si<strong>do</strong> <strong>de</strong>belada. Ela choca e causa mal-estar como<br />
123
uma praga ou uma epi<strong>de</strong>mia que já havia si<strong>do</strong> controlada e que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
muito tempo, retorna, com vigor (BURSZTYN, 2003, p.38).<br />
Entretanto, um entrevista<strong>do</strong> acredita que o trabalho com os RSD é motivo<br />
para reconhecimento social, conforme se observa no relato:<br />
“...a socieda<strong>de</strong> tá ten<strong>do</strong> mais consciência que o serviço<br />
que a gente faz é ruim mas a população também se<br />
olha pelo la<strong>do</strong> <strong>de</strong>les também. Que estamos ajudan<strong>do</strong><br />
eles também. Hoje, tá tu<strong>do</strong> tranqüilo. Hoje, você passa<br />
num canto ninguém não discrimina. Hoje, o pessoal já<br />
fala com você como um cidadão, uma pessoa boa,<br />
trabalha<strong>do</strong>r...” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari).<br />
O <strong>de</strong>poimento aponta que o trabalha<strong>do</strong>r per<strong>ce</strong>be algumas melhorias na<br />
relação trabalho-socieda<strong>de</strong> e, aparentemente, seu relato comporta um “tom” <strong>de</strong><br />
superação próximo ao que conhe<strong>ce</strong>mos por “resiliência”, ou seja, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ven<strong>ce</strong>r as dificulda<strong>de</strong>s por mais fortes e traumáticas que elas sejam (FLACH, 1991;<br />
MELILO, NESTOR e OJEDA, 2006).<br />
Cyrulnik (1995) nos apresenta um con<strong>ce</strong>ito <strong>de</strong> “resiliência” que po<strong>de</strong> ser<br />
potencialmente interessante para melhor explicar o que falamos acima. Segun<strong>do</strong> o<br />
autor, “la résilien<strong>ce</strong>” (<strong>do</strong> francês) é uma expressão utilizada no campo da física para<br />
<strong>de</strong>signar a resistência <strong>de</strong> uma estrutura à absorção <strong>de</strong> uma energia cinética sem se<br />
romper. Em outras palavras - e fazen<strong>do</strong> uma metáfora à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Cyrulnik - a<br />
resiliência apontada para os entrevista<strong>do</strong>s consiste em compreen<strong>de</strong>r como eles, que<br />
passaram (e passam) por uma dura realida<strong>de</strong>, conseguem encontrar alguma forma<br />
<strong>de</strong> adaptar-se, habituar-se, a<strong>de</strong>quar-se na medida <strong>do</strong> possível, ou seja, como ser<br />
“resiliente” frente a um contexto <strong>de</strong> precárias condições <strong>de</strong> trabalho e vida.<br />
4.4.6 - Do Lixo a um Novo Horizonte<br />
Essa categoria traz os <strong>de</strong>sejos e/ou sonhos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />
suas respectivas realida<strong>de</strong>s sociais e <strong>de</strong> trabalho. Assim, emergiram perspectivas<br />
a<strong>ce</strong>rca da vonta<strong>de</strong> que alguns entrevista<strong>do</strong>s têm <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>nar o trabalho com os<br />
RSD:<br />
124
“Tenho o sonho <strong>de</strong> ter umas coisas melhores, ter um<br />
emprego melhor, salário melhor tá enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>?!.<br />
Ajudar as pessoas também não é?!. Quem sabe até<br />
aban<strong>do</strong>nar esse trabalho com essa área...” (Entrevista<strong>do</strong><br />
3, Gari).<br />
Pelo fato <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong> reconhe<strong>ce</strong>r as vantagens <strong>de</strong> outros ofícios (ou pelo<br />
menos as que o seu trabalho não lhe proporciona), sua condição atual po<strong>de</strong> trazer<br />
um sofrimento psíquico porque o vínculo contratual que ele possui com a empresa é<br />
o “valor” que atualmente estrutura o seu mun<strong>do</strong>.<br />
Sem, ne<strong>ce</strong>ssariamente, <strong>de</strong>sejar aban<strong>do</strong>nar o ofício, alguns entrevista<strong>do</strong>s da<br />
coleta <strong>do</strong>miciliar expressaram seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> as<strong>ce</strong>nsão profissional. O próprio fato <strong>de</strong><br />
os “garis” terem vínculo empregatício po<strong>de</strong> levar a esse raciocínio - a construir<br />
“perspectivas <strong>de</strong> futuro”.<br />
Assumir o posto <strong>de</strong> motorista ou ter uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong>ntro<br />
da empresa são exemplos <strong>de</strong> “coisas boas que po<strong>de</strong>rão aconte<strong>ce</strong>r”.<br />
“...meu sonho mesmo é tirar carteira <strong>de</strong> motorista e só<br />
Deus sabe daqui pra frente. Quem sabe dirigir<br />
caminhão aí também...” (Entrevista<strong>do</strong> 4, Gari).<br />
“...meus planos é cres<strong>ce</strong>r aqui; se me <strong>de</strong>rem<br />
oportunida<strong>de</strong>, e seguir um <strong>de</strong>stino melhor. A gente<br />
sempre tem que procurar um <strong>de</strong>stino melhor não é?!.<br />
Vamos esperar pro dia <strong>de</strong> amanhã. O dia <strong>de</strong> amanhã só<br />
quem <strong>de</strong>stina é Deus mesmo. Vamos ver o que po<strong>de</strong><br />
melhorar aí pro la<strong>do</strong> da gente” (Entrevista<strong>do</strong> 1, Gari).<br />
Ainda no “mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s garis” emergiram discursos que contemplam<br />
perspectivas a<strong>ce</strong>rca da aposenta<strong>do</strong>ria, mostran<strong>do</strong> o interesse que o sujeito tem <strong>de</strong><br />
aproveitar toda a sua caminhada na empresa:<br />
“...meu sonho, se eu pu<strong>de</strong>sse, era aposentar aqui.<br />
Aproveitar que já estou aqui para se aposentar com a<br />
saú<strong>de</strong> boa ainda não é?!. (Entrevista<strong>do</strong> 2, Gari).<br />
No que diz respeito à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem, o<br />
<strong>ce</strong>nário é mais complexo e leva alguns entrevista<strong>do</strong>s a anunciar a vonta<strong>de</strong> que têm<br />
125
<strong>de</strong> aban<strong>do</strong>nar o trabalho com os RSD e melhorar sua “posição” em relação aos seus<br />
familiares:<br />
“O meu sonho era arranjar um trabalho <strong>de</strong> carteira<br />
assinada pra ter mais gosto <strong>de</strong> dizer: meu trabalho é um<br />
trabalho bom. Ter um trabalho mais aconhega<strong>do</strong> pro<br />
meu filho ter orgulho. Os coleguinha <strong>de</strong>le perguntar: teu<br />
pai trabalha com o quê? e ele dizer que trabalha com<br />
isso ou aquilo, e não dizer: meu pai trabalha no lixo. Eu<br />
queria ter esse prazer...” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina<br />
<strong>de</strong> Triagem).<br />
A preocupação <strong>do</strong> nosso entrevista<strong>do</strong> pare<strong>ce</strong> pre<strong>do</strong>minar no cotidiano das<br />
pessoas que realizam esse ofício. No estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paixão (2005) existem alguns<br />
relatos muito semelhantes ao exposto acima, on<strong>de</strong> uma cata<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>clarou escon<strong>de</strong>r<br />
sua condição <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> alguns parentes e outra <strong>de</strong>clarou evitar que os colegas<br />
<strong>do</strong>s seus filhos saibam que ela trabalha no lixão, para não <strong>de</strong>ixar seus filhos com<br />
vergonha. Além disso, há sonho da “carteira assinada” e um sentimento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scrença sobre as possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> encontrar a ocupação <strong>de</strong>sejada:<br />
“Meu sonho e objetivo é arrumar um trabalho <strong>de</strong> carteira<br />
assinada nem que seja pra jardineiro, mas por aqui<br />
acho que num tem não” (Entrevista<strong>do</strong> 6, Integrante da Usina<br />
<strong>de</strong> Triagem).<br />
As dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas no cotidiano <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res evi<strong>de</strong>nciam que o<br />
reconhecimento da<strong>do</strong> à categoria pelo Ministério <strong>do</strong> Trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002 “ainda não<br />
saiu <strong>do</strong> papel” - quan<strong>do</strong> estabele<strong>ce</strong>u para os cata<strong>do</strong>res os mesmos direitos e<br />
obrigações <strong>de</strong> um autônomo. Pare<strong>ce</strong>, inclusive, que os trabalha<strong>do</strong>res nem noção<br />
têm <strong>de</strong>sse feito, pois não emergiu nas falas <strong>de</strong> nenhum entrevista<strong>do</strong>.<br />
A categoria profissional foi oficializada na Classificação Brasileira <strong>de</strong><br />
Ocupações (CBO) sob o número 5192-05 e sua ocupação é <strong>de</strong>scrita como cata<strong>do</strong>r<br />
<strong>de</strong> material reciclável, mas <strong>ce</strong>rtamente esse reconhecimento não representa o fim da<br />
luta <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, porque ainda observamos o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s em<br />
condições muito precárias.<br />
A prova mais clara <strong>de</strong>sse <strong>ce</strong>nário é que “[...] no ano <strong>de</strong> 2003, o Governo<br />
Fe<strong>de</strong>ral criou o comitê <strong>de</strong> inclusão social <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> lixo” (MEDEIROS e<br />
126
MACÊDO, 2006, p.81), portanto, o próprio governo reconhe<strong>ce</strong> que tais trabalha<strong>do</strong>res<br />
são excluí<strong>do</strong>s.<br />
Na visão <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006, p.83), “o fato <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res<br />
constarem na Classificação Brasileira <strong>de</strong> Ocupações (CBO) po<strong>de</strong>ria ser um<br />
indicativo que apontasse para o resgate da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses trabalha<strong>do</strong>res,<br />
inserin<strong>do</strong>-os no âmbito das políticas públicas”. Porém, concluem os autores (p.83),<br />
que o “que se observa é uma condição oposta, na qual o trabalho da catação é<br />
quase sempre <strong>de</strong>sfavorável ao trabalha<strong>do</strong>r”.<br />
Complementa essa visão Miura (2004) apud Me<strong>de</strong>iros e Macê<strong>do</strong> (2006), ao<br />
dizer que “o problema hoje não está em reconhe<strong>ce</strong>r legalmente o cata<strong>do</strong>r como um<br />
profissional, mas sim, em reconhe<strong>ce</strong>r seu direito às condições dignas <strong>de</strong> trabalho e<br />
<strong>de</strong> vida para além da perspectiva estrita da sobrevivência”.<br />
Enquanto observamos que <strong>do</strong>is trabalha<strong>do</strong>res da Usina <strong>de</strong> Triagem <strong>de</strong>sejam<br />
aban<strong>do</strong>nar o trabalho com os RSD a partir <strong>do</strong> momento que “algo melhor” lhes for<br />
assegura<strong>do</strong>, um entrevista<strong>do</strong> trouxe a perspectiva <strong>de</strong> continuar na Usina, mas com<br />
melhores condições <strong>de</strong> trabalho:<br />
“Eu gostaria <strong>de</strong> um trabalho mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> não só pra<br />
mim, mas pra to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que trabalha aqui. Mais<br />
condições <strong>de</strong> trabalho: roupa, bota, material pra quem<br />
trabalha aqui no meio da reciclagem...” (Entrevista<strong>do</strong> 6,<br />
Integrante da Usina <strong>de</strong> Triagem).<br />
127
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Este trabalho resgatou algumas forças motrizes responsáveis pela geração <strong>de</strong><br />
um complexo quadro ambiental nas cida<strong>de</strong>s e situou nele aspectos da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Fortaleza/CE sob o foco da questão <strong>do</strong>s seus RSD e conseqüentes impactos ao<br />
ambiente e à saú<strong>de</strong> humana a partir da visão <strong>de</strong> alguns trabalha<strong>do</strong>res.<br />
I<strong>de</strong>ntificamos que os RSD gera<strong>do</strong>s em Fortaleza/CE foram <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a cinco<br />
lixões durante o perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre 1956 e 1998, situa<strong>do</strong>s em áreas<br />
perten<strong>ce</strong>ntes aos bairros Monte Castelo, Barra <strong>do</strong> Ceará, Antônio Bezerra, Henrique<br />
Jorge e Jangurussu.<br />
Importante salientar que o lixão representa to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> problemas<br />
relaciona<strong>do</strong>s à poluição <strong>do</strong> ar, <strong>do</strong> solo e das águas superficiais e subterrâneas, além<br />
<strong>de</strong> impactos à saú<strong>de</strong> pública por serem ambientes para vetores <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, tanto os<br />
macrovetores (pulgas, mosquitos, moscas, baratas, cães, gatos, ratos, pombos,<br />
urubus e outros), como os microvetores (bactérias, vírus, protozoários, helmintos,<br />
fungos e outros).<br />
De um mo<strong>do</strong> geral, os da<strong>do</strong>s e as informações reunidas nessa pesquisa<br />
indicaram que as áreas ocupadas pelos lixões <strong>de</strong> Fortaleza/CE permane<strong>ce</strong>m<br />
aban<strong>do</strong>nadas, representan<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s passivos ambientais e espaços propícios à<br />
transmissão <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças. Estes fatos, associa<strong>do</strong>s à ida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s lixões inativos, que<br />
permite inferir que ainda há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> chorume em alguns <strong>de</strong>les ,<br />
mostra que é preciso atenção especial <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e da própria população no<br />
monitoramento <strong>de</strong>ssas áreas, uma vez que há riscos relevantes à saú<strong>de</strong> pública.<br />
Observamos que, a partir <strong>de</strong> 1998, Fortaleza passou a tratar os seus RSD<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma outra perspectiva: a partir <strong>de</strong> um Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento forma<strong>do</strong><br />
por Coleta Domiciliar, Usina <strong>de</strong> Triagem e Aterramento Sanitário. Nesse senti<strong>do</strong>, a<br />
Coleta Domiciliar passou a ser <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma con<strong>ce</strong>ssionária; a Usina<br />
<strong>de</strong> Triagem permitiu a segregação <strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s recicláveis gera<strong>do</strong>s na cida<strong>de</strong> e o<br />
Aterramento Sanitário permitiu um ‘melhor’ <strong>de</strong>stino final <strong>do</strong>s resíduos (em<br />
comparação à disposição outrora feita em lixões).<br />
128
Desta forma, Fortaleza/CE resolveu um “problema” - a questão <strong>do</strong>s seus<br />
lixões - e criou outro: o fato <strong>de</strong> expor muitos trabalha<strong>do</strong>res ao contato diário (direto<br />
ou indireto) com diversos tipos <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s sem levar em conta as<br />
repercussões para a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas pessoas. Portanto, consi<strong>de</strong>ramos que essa<br />
pesquisa representou um passo para sistematizar tais informações à medida que<br />
resgatou historicamente a problemática <strong>do</strong>s RSD em Fortaleza/CE interligan<strong>do</strong>-a<br />
com a visão <strong>de</strong> alguns trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos<br />
Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares (SGRSD).<br />
A abordagem qualitativa dada pesquisa possibilitou compreen<strong>de</strong>r que os<br />
entrevista<strong>do</strong>s per<strong>ce</strong>bem uma (inter)relação entre os RSD, o ambiente e a saú<strong>de</strong> na<br />
medida em que mencionaram os componentes <strong>do</strong>s RSD (vidros, agulhas, ferros,<br />
plásticos, papéis, etc.) com o quais lidam e que po<strong>de</strong>m representar riscos à saú<strong>de</strong>;<br />
expressaram o que esses RSD significam; apontaram alguns problemas<br />
ocupacionais e <strong>de</strong>stacaram a importância das suas ativida<strong>de</strong>s na melhoria das<br />
condições sanitárias e ambientais da cida<strong>de</strong>. Certamente, conflitos e contradições<br />
também foram per<strong>ce</strong>bi<strong>do</strong>s em suas falas, mesmo resguardan<strong>do</strong> o “mun<strong>do</strong>” <strong>de</strong> cada<br />
grupo entrevista<strong>do</strong>.<br />
As entrevistas com os garis e cata<strong>do</strong>res permitiram revelar um pouco <strong>de</strong> como<br />
eles vêem o mun<strong>do</strong>; as suas con<strong>ce</strong>pções <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>do</strong>ença, “sujeira”, limpeza,<br />
dignida<strong>de</strong>, entre outras. Permitiram ainda revelar aspectos <strong>do</strong> cotidiano <strong>de</strong>ssas<br />
pessoas, um pouco sobre seus conhecimentos, trabalho, relação trabalho-capital e<br />
das relações com o trabalho media<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>nos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>pósitos (no caso <strong>do</strong>s<br />
integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem e ASCAJAN) e pelo patrão (no caso <strong>do</strong>s garis).<br />
No âmbito das colocações <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, observamos: i) a atribuição <strong>de</strong><br />
significa<strong>do</strong>s à prática <strong>de</strong> lidar com os RSD, ii) a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s problemas que tal<br />
ativida<strong>de</strong> gerou, gera e ainda po<strong>de</strong>rá gerar à saú<strong>de</strong> e iii) o agravamento <strong>de</strong>ssas<br />
“morbida<strong>de</strong>s” numa perspectiva <strong>de</strong> futuro porque, entre os vários fatores, não há<br />
uma política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> geral, <strong>de</strong><br />
Fortaleza - na visão <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s - não “resolvem” <strong>de</strong>mandas tão específicas à<br />
contento. Além disso, as precárias condições <strong>de</strong> vida e saú<strong>de</strong> (ou a<strong>do</strong>ecimento)<br />
<strong>de</strong>sses sujeitos não <strong>de</strong>vem ser esquecidas.<br />
129
As variadas perspectivas apresentadas pelos entrevista<strong>do</strong>s sobre o “lidar com<br />
o lixo”, sobre a relação <strong>de</strong>ste com a saú<strong>de</strong> e com o ambiente permitiram<br />
compreen<strong>de</strong>r o local <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivem e trabalham. Assim, os garis falam <strong>de</strong> um lugar<br />
repleto <strong>de</strong> muito trabalho: são 8 horas/dia com a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coletar<br />
9.000Kg <strong>de</strong> RSD em menos <strong>de</strong> 3 horas, com esforço físico (correr, <strong>de</strong>s<strong>ce</strong>r/subir ruas,<br />
levantar peso, pular para o estribo <strong>do</strong> veículo) e marca<strong>do</strong> por más relações <strong>de</strong><br />
trabalho. Deve-se ainda consi<strong>de</strong>rar que não existe pausa durante o pro<strong>ce</strong>sso da<br />
coleta e que os coletores realizam suas tarefas em ritmo a<strong>ce</strong>lera<strong>do</strong>.<br />
Os integrantes da Usina <strong>de</strong> Triagem falam <strong>de</strong> um lugar aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pelos<br />
órgãos competentes e socieda<strong>de</strong>, subordina<strong>do</strong> aos interesses <strong>de</strong> <strong>do</strong>nos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pósitos e claramente propício à problemas ocupacionais: são 10 horas/dia <strong>de</strong><br />
trabalho em pé e em contato com materiais diversos. Já os membros da ASCAJAN<br />
falam <strong>de</strong> um lugar mais salubre, entretanto com ganhos reduzi<strong>do</strong>s e que espera<br />
materiais recicláveis provenientes da “solidarieda<strong>de</strong> alheia”.<br />
Vale ressaltar que o trabalho com o RSD <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelos entrevista<strong>do</strong>s<br />
não tem uma única representação ou senti<strong>do</strong>, ou é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> características ruins<br />
ou <strong>de</strong> características boas. Ele abarca tanto aspectos positivos quanto negativos na<br />
visão <strong>do</strong>s sujeitos, por isso, a relação trabalho-RSD é complexa e porta<br />
ambivalências, refletin<strong>do</strong> a dialética inclusão/exclusão, saú<strong>de</strong>/<strong>do</strong>ença,<br />
orgulho/humilhação, vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar/aban<strong>do</strong>nar.<br />
Os <strong>de</strong>poimentos permitiram i<strong>de</strong>ntificar que há um <strong>ce</strong>nário <strong>de</strong> riscos ambientais<br />
e ocupacionais durante o lidar com os RSD em Fortaleza/CE e, em <strong>de</strong>corrência da<br />
omissão e/ou <strong>de</strong>spreparo <strong>do</strong>s órgãos competentes e da socieda<strong>de</strong>, os responsáveis<br />
por esse ofício se tornam “invisíveis” - porque suas condições <strong>de</strong> trabalho e vida<br />
estão para a socieda<strong>de</strong> em geral e órgãos competentes, esquecidas.<br />
Neste trabalho, acreditamos que sujeitos envolvi<strong>do</strong>s - ainda ocultos e<br />
camufla<strong>do</strong>s na nossa cida<strong>de</strong> - pu<strong>de</strong>ram ter um pouco <strong>de</strong> “vez e voz”, mesmo lidan<strong>do</strong><br />
com os “ex<strong>ce</strong>ssos da cida<strong>de</strong>” e com a “escuridão da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”.<br />
130
Compreen<strong>de</strong>mos que o lidar com os RSD em Fortaleza/CE envolve um<br />
quadro repleto <strong>de</strong> cortes, tensões permanentes, contato com materiais biológicos,<br />
ruí<strong>do</strong>s, vibrações, <strong>de</strong>sgaste <strong>do</strong> corpo, riscos <strong>de</strong> atropelamentos, <strong>do</strong>res e inchaços<br />
que implicam no esta<strong>do</strong> psíquico, físico e na vida <strong>do</strong>s sujeitos, revelan<strong>do</strong> que tais<br />
cargas <strong>de</strong> trabalho precisam, no mínimo, serem avaliadas e controladas.<br />
Não po<strong>de</strong>mos esque<strong>ce</strong>r que os impactos provoca<strong>do</strong>s pelos resíduos sóli<strong>do</strong>s<br />
municipais po<strong>de</strong>m esten<strong>de</strong>r-se para a população em geral, por meio da poluição e<br />
contaminação <strong>do</strong>s corpos d’água e <strong>do</strong>s lençóis subterrâneos, direta ou<br />
indiretamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> uso da água e da absorção <strong>de</strong> material tóxico ou<br />
contamina<strong>do</strong>.<br />
A intenção na escolha <strong>de</strong>ste tema foi <strong>de</strong> contribuir para que uma maior<br />
atenção seja dispensada as pessoas que estão na condição <strong>de</strong> garis e cata<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />
materiais recicláveis em Fortaleza/CE, sem esque<strong>ce</strong>r que tal atenção também <strong>de</strong>ve<br />
emergir nos contextos vivi<strong>do</strong>s por tais trabalha<strong>do</strong>res em outras cida<strong>de</strong>s para que se<br />
busque uma nova condição <strong>de</strong> trabalho para os garis e, quem sabe, a elevação <strong>do</strong>s<br />
cata<strong>do</strong>res à condição <strong>de</strong> incluí<strong>do</strong>s.<br />
Em Fortaleza/CE seria conveniente a introdução <strong>de</strong> medidas práticas,<br />
objetivas e inadiáveis - como a implementação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> in<strong>ce</strong>ntivo à nãogeração,<br />
minimização, reuso e reciclagem - para gerarmos uma “ca<strong>de</strong>ia positiva”, ou<br />
seja, uma cida<strong>de</strong> que produz menos resíduos, que aproveita o máximo possível<br />
aqueles que gerou, que diminui progressivamente os impactos ambientais e à saú<strong>de</strong><br />
pública e que expõe um menor número <strong>de</strong> pessoas aos rejeitos. Portanto,<br />
precisamos <strong>de</strong> um outro olhar sobre o que <strong>de</strong>scartamos, sobre os seres humanos<br />
que “estão <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>” e <strong>de</strong> um novo Sistema <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
Domiciliares.<br />
Sugerimos pesquisas futuras sobre: i) a visão <strong>do</strong>s outros segmentos<br />
relaciona<strong>do</strong>s à gestão <strong>do</strong>s RSD como gestores, usuários ou trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> aterro<br />
sanitário, ii) os impactos <strong>do</strong>s lixões inativos <strong>de</strong> Fortaleza na qualida<strong>de</strong> das águas<br />
subterrâneas e na saú<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s e iii) a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, trabalho ou<br />
<strong>do</strong>ença/saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res “informais” <strong>de</strong> Fortaleza.<br />
131
6. REFERÊNCIAS<br />
ABREU, M. <strong>de</strong> F. Do Lixo à Cidadania: estratégias para a ação. Brasília,<br />
Caixa/UNICEF, 2001.<br />
ACURIO, G.; ROSSIN, A.; TEIXEIRA, P. F.; ZEPEDA, F. Diagnóstico <strong>de</strong> La<br />
Situación <strong>de</strong>l Manejo <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Municipales en América Latina y el<br />
Caribe. Lima: BID/OPS, 1997. Disponível em: http://www.bvs<strong>de</strong>.paho.org/bvsars/fullt<br />
ext/diagnostico.pdf. A<strong>ce</strong>sso: 06 abr. 2008.<br />
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146
APÊNDICE 1<br />
Formulário <strong>de</strong> Conhecimento Geral <strong>do</strong>s Entrevista<strong>do</strong>s<br />
Pesquisa:<br />
Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares, Ambiente e Saú<strong>de</strong>: (Inter)relações a partir da<br />
Visão <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> Fortaleza/CE<br />
Nome <strong>do</strong> Pesquisa<strong>do</strong>r:<br />
Gemmelle Oliveira Santos<br />
Perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> realização:<br />
2007/2008<br />
Ida<strong>de</strong>:<br />
Escolarida<strong>de</strong>:<br />
Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem:<br />
Instituição:<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará<br />
Curso:<br />
Mestra<strong>do</strong> em Saú<strong>de</strong> Pública<br />
Gostaríamos <strong>de</strong> saber <strong>do</strong> Sr(a) as seguintes informações:<br />
Há quanto tempo realiza essa ativida<strong>de</strong>:<br />
O Sr(a) já teve outro trabalho: Qual:<br />
Local <strong>de</strong> moradia atual:<br />
Renda média mensal (R$):<br />
Esta<strong>do</strong> Civil:<br />
Tem filhos?: Quantos:<br />
147
APÊNDICE 2<br />
Roteiro da Entrevista Semi-estruturada<br />
Pesquisa:<br />
Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares, Ambiente e Saú<strong>de</strong>: (Inter)relações a partir da<br />
Visão <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> Fortaleza/CE<br />
Nome <strong>do</strong> Pesquisa<strong>do</strong>r:<br />
Gemmelle Oliveira Santos<br />
Perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> realização:<br />
2007/2008<br />
Instituição:<br />
Gostaríamos <strong>de</strong> saber:<br />
1) Para você, o que significa os resíduos sóli<strong>do</strong>s?<br />
2) Para você, como é trabalhar com os resíduos sóli<strong>do</strong>s?<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Ceará<br />
Curso:<br />
Mestra<strong>do</strong> em Saú<strong>de</strong> Pública<br />
3) Qual é, na sua visão, a relação entre os resíduos sóli<strong>do</strong>s e a sua saú<strong>de</strong>?<br />
4) Na sua visão, qual a relação entre o seu trabalho e o meio ambiente?<br />
5) Diante da sua vivência, quais são seus sonhos?<br />
6) O(a) Sr(a) teria mais alguma coisa para falar?<br />
148
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />
Estamos <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> uma pesquisa entrevistan<strong>do</strong> os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema<br />
<strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares <strong>de</strong> Fortaleza e estou lhe<br />
convidan<strong>do</strong> para participar <strong>de</strong>sse estu<strong>do</strong>. Essa pesquisa será realizada com os garis<br />
e cata<strong>do</strong>res da usina <strong>de</strong> triagem <strong>de</strong> recicláveis e <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> cata<strong>do</strong>res<br />
existente no bairro Jangurussu. O objetivo é compreen<strong>de</strong>r as inter(relações) entre os<br />
resíduos sóli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>miciliares, o ambiente e a saú<strong>de</strong> a partir da visão <strong>de</strong>sses<br />
trabalha<strong>do</strong>res. Se você concordar em respon<strong>de</strong>r algumas perguntas sobre esse<br />
assunto, gostaria <strong>de</strong> pedir permissão para gravar a nossa conversa para não per<strong>de</strong>r<br />
nada dito. Gostaria <strong>de</strong> dizer que a sua participação é voluntária e que você tem a<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r o que quiser. Pelo fato <strong>de</strong> a<strong>ce</strong>itar participar da nossa<br />
pesquisa você não re<strong>ce</strong>berá nenhum dinheiro em troca e caso não <strong>de</strong>seje participar<br />
<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> você não sofrerá nenhuma punição <strong>do</strong>s seus superiores, colegas <strong>de</strong><br />
trabalho ou pesquisa<strong>do</strong>r. Caso isso lhe cause <strong>de</strong>sconforto, po<strong>de</strong>rá solicitar a saída<br />
da entrevista. Informo que as informações obtidas na sua entrevista serão somadas as <strong>de</strong><br />
outros participantes para serem apresentadas num trabalho final a ser elabora<strong>do</strong> por<br />
nós junto ao Departamento <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Comunitária da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />
UFC, sempre omitin<strong>do</strong> o seu nome, ou qualquer informação que possa lhe<br />
i<strong>de</strong>ntificar. Caso tenha alguma dúvida posteriormente, po<strong>de</strong>rá entrar em contato<br />
comigo, Gemmelle Oliveira Santos, que estu<strong>do</strong> no en<strong>de</strong>reço Rua Professor Costa<br />
Men<strong>de</strong>s, 1608, 5° andar. Ro<strong>do</strong>lfo Teófifo, CEP: 60430-120 ou pelo número (85)<br />
33668045. Em fa<strong>ce</strong> aos motivos menciona<strong>do</strong>s gostaria muito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contar com<br />
sua valorosa cooperação, a qual <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já agra<strong>de</strong>ço.<br />
Atenciosamente,<br />
Pesquisa<strong>do</strong>r<br />
__________________________<br />
Declaro que tomei conhecimento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> "Resíduos Sóli<strong>do</strong>s Domiciliares,<br />
Ambiente e Saú<strong>de</strong>: (Inter)relações a partir da Visão <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Sistema<br />
<strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Fortaleza/CE", compreendi seus<br />
objetivos, concor<strong>do</strong> em participar da pesquisa e <strong>de</strong>claro que não me oponho que a<br />
entrevista seja gravada.<br />
Fortaleza, ___<strong>de</strong>____________<strong>de</strong> 2007.<br />
1 a Via - Pesquisa<strong>do</strong>r, 2 a Via - Entrevista<strong>do</strong><br />
Digital<br />
149