Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
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<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 89<br />
parte coessencial desse «teatro» ascético <strong>em</strong> que se situa o monge 27 . Como,<br />
resumindo, recordava, ao enumerar e explicar as «raposas» – as tentações – da<br />
vida monástica – entre as quais se incluía a troca de vida cenobítica pelo ermo –,<br />
o mesmo Ber<strong>na</strong>rdo de Claraval, por meio de uma ligeira adaptação de um<br />
asserto célebre de S. Jerónimo, mo<strong>na</strong>chi officium [est] lugere 28 . É b<strong>em</strong> sabido<br />
como, envolvidas <strong>em</strong> valores penitenciais, tais práticas ascéticas que, segundo<br />
velhas tradições, debilitando o corpo debilitam as paixões 29 , foram, muitas<br />
vezes, literaria e iconograficamente, as características, para não dizer as<br />
dimensões, mais acentuadas <strong>na</strong> vida do a<strong>na</strong>coreta 30 , s<strong>em</strong> mesmo esquecer de<br />
sublinhar, ao referir a suas formas mais radicais, a sua espectacularidade – e, <strong>em</strong><br />
muitos casos, até essa sua teatralidade – que, porque atrai – <strong>em</strong> princípio,<br />
involuntariamente – as atenções, se queria ex<strong>em</strong>plar, como o sublinhava já um<br />
Euquerio de Lyon 31 ... É mesmo possível que, não como fi<strong>na</strong>lidade última, mas<br />
como meio tido por mais eficaz num quadro de «contra-a-Reforma» – essa<br />
Reforma que desvalorizava os aspectos mais exteriores ou discipli<strong>na</strong>res das<br />
formas penitenciais – a penitência radical – se preferirmos, as penitências – do<br />
er<strong>em</strong>ita tenha mesmo servido para sublinhar as linhas que <strong>em</strong> tal quadro se<br />
pretendiam valorizar 32 . E, talvez por isso, como que olvidando, apesar de lá<br />
«experimentar tantas mercês e carícias» de Deus, a dimensão mais essencial do<br />
er<strong>em</strong>itismo – solum inquirere Deum propter ipsum solum – um jesuíta célebre e<br />
aureolado com o prestígio de ter sido o terceiro companheiro de Inácio de<br />
Loyola, Simão Rodrigues, quando um dia, <strong>em</strong> momentos atribulados da sua vida<br />
<strong>na</strong> Companhia, regressa à ermida de Bassano, não se esquece de l<strong>em</strong>brar, com<br />
27<br />
Fer<strong>na</strong>ndo R. DE LA FLOR, Flores del Yermo. Soledad, renuncia sexual y pobreza en los<br />
er<strong>em</strong>itaños áureos... in Barroco. Representación e ideología en el mundo hispánico (1580-1680),<br />
Madrid, 2002, 261, 264 (permitimo-nos introduzir assim um matiz nesse «”teatro” de la moral» de<br />
que, nessa pági<strong>na</strong>, fala, com justeza, F. R. de la Flor).<br />
28<br />
Ber<strong>na</strong>rdo de CLARAVAL, Sermones sobre el Cantar de los Cantares, Sermo LXIV, 3 in Obras<br />
completas, V, ed. cit., 800.<br />
29<br />
García M. COLOMBÁS, El mo<strong>na</strong>cato primitivo, II - La espiritualidad, ed. cit., 210-211.<br />
30<br />
Daniel RUSSO, Saint Jérôme en Italie. Étude d’iconographie et de spiritualité, XIII-XVIème<br />
siècles, Paris, 1987, 46-47, 120-126, 201-251 permite seguir, através da análise das sucessivas – e,<br />
por vezes, concomitantes – <strong>imagens</strong> de alguém que veio a ser visto como um er<strong>em</strong>ita por<br />
antonomásia, a evolução desta dimensão penitencial.<br />
31<br />
García M. COLOMBÁS, El mo<strong>na</strong>cato primitivo, I – Hombres. Hechos.Costumbres. Instituciones,<br />
Madrid, 1974, 356; Fer<strong>na</strong>ndo R. DE LA FLOR, Flores del Yermo. Soledad, renuncia sexual y<br />
pobreza en los er<strong>em</strong>itaños áureos in Barroco...ed.cit., 264, 266.<br />
32<br />
É deste este ponto de vista que, com razão, afirma Fer<strong>na</strong>ndo R. DE LA FLOR, Flores del Yermo.<br />
Soledad, renuncia sexual y pobreza en los er<strong>em</strong>itaños áureos in Barroco...ed.cit., 262 er<strong>em</strong>itas são<br />
«figuras del orde<strong>na</strong>miento extr<strong>em</strong>ado de la Contrarreforma», permitindo-nos sugerir que, talvez,<br />
pessoalmente, preferíss<strong>em</strong>os escrever «reorde<strong>na</strong>miento»...