Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
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<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 139<br />
annos no mesmo lugar, e do mesmo modo com pensamentos tão veh<strong>em</strong>entes,<br />
que por muitas vezes se pozera ao caminho, deixando aquella vida, e o que<br />
sentia sobre tudo, era hüa desconsolação spiritual tão grande <strong>em</strong> todas as obras<br />
de virtude, e penitencia, que fazia, que mais o atormentava, que todos os<br />
trabalhos corporaes» 265 . Sab<strong>em</strong>os que se arrependeu e permaneceu, como vimos,<br />
outros trinta anos no mesmo deserto. O texto é, segundo nos parece,<br />
extr<strong>em</strong>amente importante no contexto dos louvores da vida solitária que tece o<br />
Teólogo, pois opõe-se aos elogios desse locus amoenus <strong>em</strong> que habita o seu<br />
hospedeiro, o Ermitão, considerado «o mais acccommodado pera ella» – a vida<br />
er<strong>em</strong>ítica – que tinha encontrado... Deste modo, como que se consagra os loca<br />
amoe<strong>na</strong>, com que, aliás, fomos já deparando tanto <strong>na</strong> realidade como <strong>na</strong><br />
literatura de espiritualidade, como lugares preferentes para a vida er<strong>em</strong>ítica <strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong>pos modernos 266 e, assim, a sublinhando como a antecipação dos gozos do<br />
Paraíso e não tanto como a preparação para eles pelo desnudamento ascético que<br />
se simboliza nos desertos rudes e selváticos das Vitae Patrum e que, construídos<br />
peça por peça, vinham expostos à cont<strong>em</strong>plação <strong>em</strong> quadros e esculturas de<br />
galerias e retábulos, mais do que <strong>na</strong> literatura de espiritualidade, nela incluindo<br />
de pleno direito a hagiográfica... De qualquer maneira, a imag<strong>em</strong> que essa<br />
literatura fixa – e deverá ser a sua pretensão primeira – é a de oposição ao<br />
mundo – aos seus deleites e encantos, traições, linguagens, estilos e modas... –<br />
um conceito que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre seria fácil de transmitir plasticamente de uma<br />
forma tão imediatamente compreensível. Mais fácil às artes plásticas fixar as<br />
<strong>imagens</strong> desérticas tradutoras de penitência e nudez exterior como símbolo da<br />
interior, e <strong>em</strong> que as tentações e combates de e com os D<strong>em</strong>ónio são «visíveis»,<br />
tal como o pode ser a solidão acompanhada do estudo da Sagrada Escritura 267 ,<br />
etc..<br />
265<br />
Antonio Carvalho PARADA, Dialogos sobre a vida, e morte... de Barhtolameo da Costa, ed.<br />
cit., 9v-10r.<br />
266<br />
Palma MARTÍNEZ BURGOS GARCÍA, Ut pictura <strong>na</strong>tura: la imagen plástica del santo<br />
ermitaño en la literatura espiritual del siglo XVI in NORBA-Arte, IX (1989),15-27 também<br />
verificou, centrando-se <strong>em</strong> S. Juan de la Cruz, que «el desierto del siglo XVI no posee esas<br />
conotaciones de dureza y austeridad que podría sugerir, sino que es concebido con las cualidades<br />
que le aplica el santo carmelita: como el lugar “ameno y gracioso”».(17); mesmo recorrendo a um<br />
género tão «canonizado» – <strong>em</strong> geral, <strong>na</strong>turalmente – como o colóquio re<strong>na</strong>scentista é possível<br />
verificar a mesma preferência, recordando-nos que um dos er<strong>em</strong>itas de Juan de MALDONADO,<br />
Er<strong>em</strong>itae (edição de Luis Jesús Pei<strong>na</strong>dor Marín, in Criticón, 52, 1991, 41-90) também se deleita <strong>na</strong><br />
cont<strong>em</strong>plação da «sylvam amoenissimam» (50) <strong>em</strong> que vive Alfonso, um seu antigo companheiro<br />
de estudos <strong>em</strong> Salamanca, que trocou as pompas e enganos do mundo pela vida solitária; Danièle<br />
DUPORT, Le jardin et la <strong>na</strong>ture..., ed. cit., 119-158 («Le jardin de la réformation intérieure – Le<br />
jardin et l’allégorie»), permite integrar num quadro mais vasto muitos dos el<strong>em</strong>entos que<br />
encontramos <strong>na</strong> construção e <strong>na</strong> representação dos loca amoe<strong>na</strong> favoráveis à vida cont<strong>em</strong>plativa (v.<br />
ainda, 319-320).<br />
267<br />
Daniel RUSSO, Saint Jérôme en Italie..., ed. cit., 226, 228, 229, 231permite visualisar o t<strong>em</strong>a<br />
com pinturas de Lorenzo Loto, Giovanni Bellini e Bartolomeo Montag<strong>na</strong>, entre outros que se pod<strong>em</strong>