Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
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<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 137<br />
des<strong>em</strong>penhar, o Ermitão que, como coloquiante, introduz nesses Dialogos, pode<br />
permitir aproximar-nos da imag<strong>em</strong> que, seguramente como muitos do seu<br />
t<strong>em</strong>po, Carvalho Parada se fazia – ou, menos provavelmente, propunha que se<br />
fizesse – dessa figura que, como se vê, continuava a povoar os ermos reais e os<br />
ermos literários – incluindo os hagiográficos – desses anos.<br />
Os dois primeiros diálogos, estabelecidos, como os outros treze, entre<br />
um Teólogo conimbricense e um Ermitão, serv<strong>em</strong> para apresentar essa figura no<br />
cenário <strong>em</strong> que se desenrolará a evocação da vida do piedosíssimo Tesoureiro<br />
Mor. Junto da foz de «hüa ribeira fresca e aprazivel, [...] vestida de verdes<br />
arvoredos, tão alegres à vista, como proveitosos pela variedade de fructos que<br />
produz<strong>em</strong>» que desaguava no Tejo veio, casualmente, o Teólogo a encontrar<br />
«<strong>em</strong> hum lugar solitario desviado do caminho, [...] hüa ermida d’edificio antigo,<br />
com hüa peque<strong>na</strong> casa» onde habitava «hum ermitão, hom<strong>em</strong> de muita idade, e<br />
virtude...» 255 . Naquele momento, pôde ver, não só «por entre as arvores [...] a<br />
prateada ribeira, que <strong>na</strong> sere<strong>na</strong> tarde parecia hum espelho cristalino, no qual<br />
estava vendo os passarinhos que dos fermosos ramos estavão deitado seu<br />
contraponto sobre o cantochão, que <strong>na</strong>s folhas das arvores a viração fazia...» 256 ,<br />
mas também o Ermitão, que, sentado num penedo desse sítio 257 , estava<br />
meditando <strong>em</strong> voz alta. Surpreendido e t<strong>em</strong>eroso, apesar da «alegria do sitio»,<br />
veio logo a verificar que «o aspecto» do Ermitão traduzia «mais razão de<br />
respeito que de medo» 258 . Reconhecidos, acabaram ambos por se sentar «sobre<br />
hum penedo, que a <strong>na</strong>tureza parece que fez de proposito pera s<strong>em</strong>elhante<br />
conversação, onde a ribeira mais cristali<strong>na</strong> se mostrava, agazalhando os que a<br />
visitavão, com as cheirosas ervas, que junto de si criava, não de menos<br />
deleitação que a vista dos prateados seixinhos , com que se or<strong>na</strong>va...» 259 . O<br />
Ermitão, confirmando a fertilidade do lugar – tão fértil que só lá ia gente pouco<br />
mais que para colher os frutos, o que o tor<strong>na</strong>va praticamente deserto –, revelou<br />
que aí vivia, desenga<strong>na</strong>do do mundo – nunca saber<strong>em</strong>os as razões de tal retiro,<br />
<strong>em</strong>bora haja a vaga promessa de as contar, se, como s<strong>em</strong>pre, «houver t<strong>em</strong>po...»<br />
– desde a sua mocidade, nessa terra aonde chegava a fama de «virtude e<br />
255 Antonio Carvalho PARADA, Dialogos sobre a vida, e morte... de Bartholameo da Costa, ed.<br />
cit., 1r.<br />
256 Antonio Carvalho PARADA, Dialogos sobre a vida, e morte... de Bartholameo da Costa, ed.<br />
cit.,3r.<br />
257 Depois das referências de Heitor Pinto e de Cristóvão da Costa, é este um outro er<strong>em</strong>ita que se<br />
nos apresenta, meditando, sentado num penedo, o que poderia sugerir sugestões das artes plásticas, a<br />
começar por tanto S. Jerónimo penitente que a pintura do t<strong>em</strong>po mostrava, como é possível ver<br />
folheando Daniel RUSSO, Saint Jérôme en Italie. Étude d’iconographie et de spiritualité, XIII-<br />
XVIème siècles, Paris-Roma, 1987.<br />
258 Antonio Carvalho PARADA, Dialogos sobre a vida, e morte... de Barhtolameo da Costa, ed.<br />
cit.,3v.<br />
259 Antonio Carvalho PARADA, Dialogos sobre a vida, e morte... de Bartholameo da Costa, ed.<br />
cit.,3v.