Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 125<br />
linguag<strong>em</strong> 183 – e um meio de estar só com Deus que é a única forma de, como<br />
explica <strong>na</strong>s Sextas Moradas, a alma, «deseosa de gozar» de Deus, encontrar<br />
«algún alivio» neste «destierro» 184 .<br />
De Cristóvão da Costa († c. 1592), mais conhecido pelo seu nome <strong>em</strong><br />
tradução castelha<strong>na</strong> (Cristóbal Acosta), médico e botânico sumariador de<br />
alguns tratados de Garcia de Orta a qu<strong>em</strong> ainda conheceu quando andou pela<br />
Índia 185 , publicou-se,<strong>em</strong> 1592 (Veneza, Presso Giacomo Cornetti), dedicado a<br />
Filipe II, um Tratado en contra, y pro de la vida solitaria 186 que, pelo seu<br />
objecto, pela sua estrutura e pelas suas fontes, é um dos mais curiosos livros<br />
dedicados ao louvor da vida solitária, como resultado de uma experiência<br />
pessoal, de um autor peninsular. A acreditar <strong>na</strong>s suas afirmações que as<br />
sumárias referências biográficas repet<strong>em</strong>, viúvo e deixando filhos e parentes,<br />
ter-se-ia feito er<strong>em</strong>ita <strong>na</strong> «peña de Tyrses» 187 . As dúvidas que o nosso condio<strong>na</strong>l<br />
insinua, resultam de toda a obra, inclusivamente <strong>na</strong> sua estrutura, ser um vasto<br />
«patch work», <strong>em</strong> resumo ou, muitíssimas vezes, <strong>em</strong> transcrição literal, de<br />
Menosprecio de corte y alabanza de aldea de António de Guevara, de Aviso de<br />
privados e de Oratorio de Religiosos do mesmo autor e, sobretudo, do Diálogo<br />
de la vida solitária de Fr. Heitor Pinto, além de outros autores (Petrarca, De vita<br />
solitaria...,T. K<strong>em</strong>pis, De cont<strong>em</strong>pu mundi..., S. Jerónimo, Ad Rusticum..., J.<br />
183<br />
Teresa de JESÚS, Visita de descalzas (42) in Obras Completas..., ed. cit., 634: «También mirar<br />
en la manera del hablar, que vaya con simplicidad y llaneza y relisión, que lleve más estilo de<br />
ermitaños y gente retirada que no ir tomando vocablos de novedades y melindres – creo los llaman –<br />
que se usan en el mundo, que si<strong>em</strong>pre hay novedades. Préciense más de groseras que de curiosas en<br />
estos casos».<br />
184<br />
Teresa de JESÚS, Moradas sextas, 6, 1 in Obras completas, ed. cit., 400.<br />
185<br />
Conde de FICALHO, Garcia da Orta e o seu t<strong>em</strong>po, Lisboa, 1886, 386-387.<br />
186<br />
D. Barbosa MACHADO, Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>, I, Lisboa, 1741, 572-573 traça a biografia e,<br />
<strong>na</strong>turalmente, refere dentre as suas obras o Tratado en contra, y en pro de la vida solitaria, mas não<br />
viu a obra, já que, como confessa, recolhe a notícia das informações que se põ<strong>em</strong> no Tratado en loor<br />
de las mugeres, Venezia, Giacomo Cornetti, 1592.<br />
187<br />
D. Barbosa MACHADO, Bibliotheca Lusita<strong>na</strong>, I, ed. cit., 572: «Depois de ter dicorrido pela<br />
mayor parte do mundo <strong>em</strong> que alcançou grande fama o seu nome, voltou a <strong>Portugal</strong> donde passou a<br />
Castella, e vendo-se livre do vincolo conjugal se recolheo à solitaria serra de Tyrses, onde escreveo<br />
as felicidades do estado da solidão». Hav<strong>em</strong>os de confessar que não foi possível identificar tal sierra<br />
/ peña de Tyrses (também grafada Tyrces). Existirá tal serra? Ou estar<strong>em</strong>os perante uma<br />
identificação de tipo bucólico que r<strong>em</strong>eteria para a serra <strong>em</strong> que Tirses vivia (ou dizia viver)<br />
retirado? Como se sabe, Tirsis / Tirsi é nome de pastor de ressonância virgilia<strong>na</strong> <strong>na</strong> poesia<br />
re<strong>na</strong>scimental. Ape<strong>na</strong>s três ex<strong>em</strong>plos: o capitão Francisco de Alda<strong>na</strong> chora as despedidas de Tirsis<br />
(Obras completas, ed. de Manuel Modregón Maestre, Madrid, 1953, 94-95); Francisco de Figueroa<br />
é, como se sabe, Tirsi (Poesia, ed. de Mercedes López Suárez, Madrid, 1989, 12, 14, 150, 176 et<br />
passim); e Francisco de la Torre (Poesia completa, ed. de María Luisa Cerrón Puga, Madrid, 1984,<br />
141, 243 et passim) é, igualmente, Tirsis, nome que também usa Benedetto Varchi, inclusivamente<br />
<strong>em</strong> alguma poesia traduzida por F. de la Torre. Se encarmos esta possibilidade, talvez se tor<strong>na</strong>sse<br />
mais compreensível o carácter «artificioso» do Tratado de Cristóvão da Costa. (Agradeço a Victor<br />
Infantes, Pedro Cátedra e a Ricardo Ventura o <strong>em</strong>penho que puseram <strong>em</strong> descobrir e localizar esta<br />
serra enigmática que talvez não passe de um el<strong>em</strong>ento da orografia bucólica...).