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Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...

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120 José Adriano de Freitas Carvalho<br />

graciosas flores, que [lhe] estiveram arrebatando os olhos, que viss<strong>em</strong> aquella<br />

formosura» 152 . D<strong>em</strong>orou-se a cont<strong>em</strong>plar «aquella singular tapeçaria, aquellas<br />

cores excellentes, aquelle cheyro <strong>na</strong>tural, aquelles maravilhosos artificios da<br />

<strong>na</strong>tureza, e a formosura e variedade das cousas, que a terra criava» 153 . Não vale<br />

a pe<strong>na</strong> d<strong>em</strong>orar a a<strong>na</strong>lisar este locus amoenus que enebria todos os sentidos do<br />

viajante, mas vale a pe<strong>na</strong> dizer que depois de subir a montanha, veio a encontrar<br />

num «alto e sombrio arvoredo» junto «a hüa profunda ribeyra», uma ermida<br />

«muyto pobre, todavia limpa e varrida, e or<strong>na</strong>da com alguns ramos de murta e<br />

loureiro, como cousa de festa» onde havia «um devoto Crucifixo num altar b<strong>em</strong><br />

concertado» com dois letreiros <strong>na</strong> parede: à direita um versículo dum Salmo de<br />

David – Qui s<strong>em</strong>i<strong>na</strong>nt in lachrymis, in exaltatione metent – e a esquerda outro<br />

de S. Paulo – Mihi vivere Christus est, et mori lucrum – encimados por um do<br />

próprio ermitão que, traduzido, dizia «A vida que s<strong>em</strong>pre morre, que se perde<br />

<strong>em</strong> que se perca?» 154 . O ermitão estava um poco afastado junto de «hüa arvore<br />

muyto velha, cercada de forte hera, que fazia com que se não desfizesse» <strong>em</strong><br />

lugar donde se via o mar 155 . Sentado num penedo «com o rosto sobre hüa mão e<br />

noutra hüas contas de bugalhos enfiados por hüas raizes de ervas, estilando de<br />

seus olhos muytas lagrimas, com hüa barba que lhe dava pela cinta banhada<br />

nellas, alva como a neve, vestido d’hum pobre burel roto e r<strong>em</strong>endado por<br />

algüas partes; e ele tam magro e debilitado, que logo mostrava a grande<br />

penitencia que fazia...» 156 . O er<strong>em</strong>ita, antigo senhor de muitos vassalos, muito<br />

rico, dado a todos os vícios, que, por voltas do mundo, veio a ser preso e<br />

desterrado, ali «<strong>na</strong>quelle lugar solitario longe de sua terra» se fixara «a fazer<br />

penitencia e a chorar com seus olhos o estrago de sua vida» 157 . A sua cela, «hüa<br />

lapa pegada com a ermida, onde dormia, com hüa pedra a porta, com que a<br />

cerrava de noyte, com medo das alimarias» era «tam bayxa e estreyta, que mais<br />

parecia sepultura de morto, que habitaçam de vivo» 158 , não chegando, portanto,<br />

ao extr<strong>em</strong>o de uma Catali<strong>na</strong> Cardo<strong>na</strong> que, se b<strong>em</strong> interpretamos a sua<br />

admiradora Teresa de Jesus, «en su cueva [...] adonde tenía un sepulcro de<br />

bulto, y se estava noche y día lo más del ti<strong>em</strong>po» 159 . Não nos d<strong>em</strong>or<strong>em</strong>os a<br />

a<strong>na</strong>lisar esta história ex<strong>em</strong>plar – que, até pelas próprias fontes de algumas das<br />

suas passagens 160 , não desdiria de muitas histórias de er<strong>em</strong>itas que a novela do<br />

152<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 289.<br />

153<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 289.<br />

154<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 290-291.<br />

155<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 291.<br />

156<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 292-293.<br />

157<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 293.<br />

158<br />

Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 293.<br />

159<br />

Teresa de JESÚS, Fundaciones, 28 in Obras completas (Edición manual), Madrid, 1962, 585.<br />

160 Jorge OSÓRIO, Heitor Pinto leitor da «Meni<strong>na</strong> e Moça» in Biblos, 53 (1977), 459-500.

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