Estratégia como Prática: Uma Argumentação sobre a ... - Anpad
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<strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>: <strong>Uma</strong> <strong>Argumentação</strong> <strong>sobre</strong> a Apropriação<br />
Epistemológica da Teoria Histórico-Cultural da Atividade pela Teoria da Visão Baseada<br />
na Atividade<br />
Autoria: Marcio Luiz Marietto, Jociane Rigoni, Carlos Eduardo de Mattos, Cida Sanches<br />
Resumo<br />
Na condição de abordagem em formação, a <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> apropria-se de<br />
outras teorias que possuem pressupostos epistemológicos convergentes para a construção de<br />
seu corpo analítico, desta forma, observam-se nesta disciplina os desígnios do<br />
Estruturacionismo, da Teoria Institucional e da Teoria Histórico-Cultural da Atividade <strong>como</strong><br />
arcabouços de base. Este ensaio teórico propõe uma argumentação <strong>sobre</strong> a apropriação da<br />
Teoria Histórico-Cultural da Atividade pela Teoria da Visão Baseada na Atividade que figura<br />
<strong>como</strong> uma das estruturas epistemológicas analíticas da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>. O<br />
procedimento analítico é orientado pelo objetivo central de incitar a argüição <strong>sobre</strong> os<br />
pressupostos epistemológicos da assimilação de uma teoria pela outra, para isto utilizou-se<br />
dos objetivos específicos de: a) realizar uma revisão teórica (não exaustiva) da <strong>Estratégia</strong><br />
<strong>como</strong> <strong>Prática</strong> e da Visão Baseada na Atividade; bem <strong>como</strong> da Teoria Histórico-Cultural da<br />
Atividade; e b) propor uma argumentação <strong>sobre</strong> as especificidades teórico/analíticas que a<br />
Visão Baseada na Atividade recorrendo aos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural da<br />
Atividade. A conclusão do processo de argumentação analítica demonstrou uma coerência<br />
epistemológica adequada na incorporação da Teoria Histórico-Cultural da Atividade pela<br />
Visão Baseada na Atividade, contudo percebeu-se uma derivação teórica de alguns<br />
pressupostos da Teoria Histórico-Cultural da Atividade para um ajuste adequado às<br />
abordagens propostas pela <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>.<br />
Introdução<br />
A <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> (S-as-P) figura <strong>como</strong> uma nova abordagem no campo da<br />
<strong>Estratégia</strong> que investiga as práticas, práxis, praticantes e a profissão de estrategista nas<br />
organizações com uma visão sociológica – “sociological eye” - (Whittington, 2007),<br />
notadamente diferente da visão econômica tradicional da estratégia.<br />
O surgimento e a expansão da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> (S-as-P) provem de uma<br />
demanda reprimida da necessidade de se observar os estudos em <strong>Estratégia</strong> “por outra<br />
perspectiva”, uma vez que se percebe o declínio na contribuição de velhos conceitos e<br />
ferramentas de análise (Doz e Prahalad, 1991), que não explicam com profundidade a<br />
realidade dos procedimentos e resultados sociais dos atores envolvidos na estratégia<br />
operacionalizada diariamente nas organizações. Os velhos conceitos apenas “arranham” a<br />
realidade socialmente construída pela <strong>Estratégia</strong> nas organizações ao longo do tempo, com<br />
isto a necessidade do advento de uma Visão Social da <strong>Estratégia</strong>.<br />
Por Visão Social da <strong>Estratégia</strong> entende-se que nem sempre as organizações buscam<br />
somente objetivos econômicos, em diversas ocasiões, até mesmo para atingir-se a solução do<br />
problema econômico, as organizações têm de lidar com questões sociais, inclusive levando-se<br />
em conta o ambiente social que as organizações estão inseridas (WHITTINGTON, 2001).<br />
Para que S-as-P pudesse propor sua ruptura - “turn” - (Whittington, 2002;<br />
Jarzabkowski, 2004) com o paradigma positivista da <strong>Estratégia</strong> Econômica tradicional,<br />
(transcendendo a uma posição epistemológica interpretativa e intersubjetiva que privilegia a<br />
análise das atividades práticas contextualizadas no cotidiano de trabalho dos atores sociais<br />
envolvidos nos procedimentos estratégicos das organizações em uma perspectiva longitudinal<br />
de análise), teve de incorporar em seu corpo analítico teorias de proximidade epistemológica<br />
1
que pudessem suportar suas intenções e interações de análise para o desenvolvimento<br />
coerente de suas estratégias e procedimentos de pesquisa no campo em expansão.<br />
Neste contexto, a S-as-P, especificamente, a Teoria da Visão Baseada na atividade<br />
recorre aos pressupostos epistemológicos da Teoria Histórico-Cultural da Atividade, onde sua<br />
principal argumentação, apoiada em Engeström (1993 e 2002), recai <strong>sobre</strong> a atividade<br />
compartilhada que é direcionada diretamente a um resultado, onde esta atividade é também<br />
distribuída e coletiva, porque os diferentes atores colocam suas ações individuais dentro das<br />
atividades e resultados do sistema de atividade, assim os atores individuais associam-se com a<br />
comunidade na construção da atividade orientada para os resultados, com isto ressalta-se que<br />
“a atividade é um conceito de longa duração, um fluxo de atividades ao longo do tempo”<br />
(JARZABKOWSKI, 2005, p.35).<br />
Este ensaio, que propõem um debate <strong>sobre</strong> pressupostos epistemológicos da<br />
incorporação estrutural da Teoria Histórico-Cultural da Atividade pela Teoria da Visão<br />
Baseada na Atividade, fundamentando-se no conceito de Epistemologia alavancado por Grix<br />
(2002, p.177), que se refere à Epistemologia <strong>como</strong> teoria do conhecimento, especialmente<br />
com relação aos métodos, validação e os meios possíveis de se atingir o conhecimento da<br />
realidade – independente do entendimento que se tenha a respeito dela - focando-se no<br />
processo de obter conhecimento e relacionando-se com o desenvolvimento de novos modelos<br />
e teorias que são melhores que os modelos e teorias concorrentes.<br />
Destarte, Grix (2002, p.177) recorre a Blaikie (2000, p.8), para elaborar a pergunta<br />
<strong>sobre</strong> epistemologia: “Como o que se supõem existir pode ser conhecido?”<br />
Grix (2002, p.177-178) argumenta, ainda, que a epistemologia tem foco no processo<br />
de “acumulação do conhecimento” e está interessada com o desenvolvimento de novos<br />
modelos ou teorias que expliquem melhor os atuais modelos e teorias. “O conhecimento, e as<br />
maneiras de descoberta do mesmo, não são estáticos, mas estão em eterna mudança”.<br />
Ao se tratar de epistemologia remete-se ao conceito de paradigma elaborado por Kuhn<br />
(1962), que, de maneira resumida, associa paradigma à atividade de busca visando a<br />
transformação e a ampliação do conhecimento, ou seja, defende que a ciência gera<br />
paradigmas que, eventualmente, são substituídos por outros no decorrer do desenvolvimento<br />
científico.<br />
Por fim, além desta introdução, o trabalho estrutura-se, em um primeiro momento, na<br />
revisão da literatura da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> e a Visão Baseada na Atividade (Activity-<br />
Based View - ABV) e, após, da Teoria Histórico-Cultural da Atividade. Posteriormente, incitase<br />
uma argumentação que busca localizar as especificidades em que a <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong><br />
<strong>Prática</strong>, na elaboração da Visão Baseada na Atividade, recorre aos fundamentos<br />
epistemológicos da Teoria Histórico-Cultural da Atividade e, finalmente, tecem-se as<br />
conclusões e as recomendações para estudos futuros.<br />
<strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> e a Visão Baseada na Atividade (Activity-Based View -<br />
ABV)<br />
Preliminarmente, explica-se que os estudos em <strong>Estratégia</strong> do ponto de vista social são,<br />
relativamente, modernos. Esta questão é levantada com afinco por Whittington (1989), que,<br />
de forma seminal, aborda as questões de estrutura social e decisões estratégicas nas estratégias<br />
corporativas das organizações em ambiente de recessão e recuperação. Após, em 1993, o<br />
autor publica a obra What is Strategy and Does it Matter? onde realiza uma explanação <strong>sobre</strong><br />
as diversas abordagens da estratégia, importando aqui, a Abordagem Sistêmica que esclarece<br />
que, do ponto de vista sociológico, os Estrategistas não possuem interesses puramente<br />
econômicos e utilitaristas, pois fazem parte de um sistema social que exerce pressão para se<br />
2
adaptar a realidade contextual. O objetivo principal é plural, ou seja, está relacionado com as<br />
características sociais e do contexto social, onde as regras da cultura social exercem grande<br />
influência (WHITTINGTON, 2001).<br />
Com a publicação de Strategy as Practice em 1996, Whittington inicia uma nova<br />
abordagem da <strong>Estratégia</strong> Organizacional, a abordagem que leva em consideração a <strong>Estratégia</strong><br />
do ponto de vista social que, respaldada pela Teoria Estruturacionista e Institucional, e<br />
influenciada pela sociologia das organizações, aborda, entre outros fatores, <strong>como</strong> a <strong>Estratégia</strong><br />
é feita e executada no seu dia a dia, quem são seus atores e, principalmente, a qual contexto<br />
social que os atores e as organizações estão imersos no dia-a-dia da implementação das<br />
estratégias.<br />
Outra autora que possui relevantes estudos em <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> é Paula<br />
Jarzabkowski que inicia suas contribuições a partir de 2001 com artigos nos principais<br />
periódicos e congressos internacionais e em 2005 lança o livro Strategy as Practice: An<br />
Activity-Based Approach, que figura <strong>como</strong> objeto de análise deste trabalho.<br />
De maneira bastante sintética, apenas para contextualizar o leitor <strong>sobre</strong> os<br />
pressupostos básicos da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>, Whittington (2002) elucida que a <strong>Estratégia</strong><br />
<strong>como</strong> <strong>Prática</strong> tem foco essencial <strong>sobre</strong> a prática social e analisa, particularmente, a práxis<br />
(práxis), os praticantes da estratégia (practitioners) e as práticas (practices) da estratégia,<br />
simplificadamente, o trabalho, os trabalhadores e as ferramentas da estratégia. Assim, o autor<br />
direciona questões fundamentais para as futuras pesquisas em <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>: Quem<br />
são os estrategistas nas organizações e <strong>como</strong> eles se tornam estrategistas? O que estes<br />
estrategistas fazem e quais os efeitos que eles produzem? E que tipos de tecnologias,<br />
conceitos e idéias os estrategistas usam e de onde elas surgem?<br />
Além disso, Jarzabkowski (2005) defende que os três elementos da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong><br />
<strong>Prática</strong> podem ser isolados: a) A práxis (practice) pode ser entendida <strong>como</strong> “um fluxo de<br />
atividades situado e socialmente definido que gera <strong>como</strong> conseqüências os direcionamentos e<br />
a <strong>sobre</strong>vivência da empresa” (JARZABKOWSKI, BALOGUN & SEIDL, 2006, p.6); b) As<br />
práticas (practices) são “intrinsecamente conectadas ao fazer, na medida em que fornecem os<br />
recursos comportamentais, cognitivos, processuais, discursivos e físicos através dos quais os<br />
atores constroem sua atividade” (JARZABKOWSKI, BALOGUN & SEIDL, 2006, p.6); e c)<br />
com relação aos praticantes (practitioners), estes podem ser conceituados <strong>como</strong> “os atores, os<br />
indivíduos que moldam a construção da prática por meio de quem são, <strong>como</strong> agem e quais os<br />
recursos nos quais se sustentam” (JARZABKOWSKI, BALOGUN & SEIDL, 2006, p.8).<br />
Portanto, a <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> volta suas atenções para entender quem são os<br />
praticantes da estratégia, o que eles fazem no dia-a-dia de trabalho e quais ferramentas<br />
utilizam para executar suas atividades.<br />
Pensando na elaboração do conceito de strategizing, (não existe uma tradução<br />
consistente a língua portuguesa, porém alguns autores usam o termo “estrategizar”, termo este<br />
que não consta no dicionário de língua portuguesa) Johnson, Melin & Whittington (2003) e<br />
Jarzabkowski (2003 e 2005) propõem uma Visão Baseada em Atividades (Activity Based<br />
View - ABV) para o estudo da estratégia. Em suma, a ABV possibilita entender a estratégia<br />
<strong>como</strong> o conjunto de interpretações e interações dos atores envolvidos nas atividades<br />
estratégicas e, por isso, não dissocia pensamento e ação. As interações provêem uma base<br />
interpretativa que cumpre atribuição de significado à ação dos atores organizacionais, com<br />
isto, a tensão entre suas categorias de análise acabam por exigir, também, um conceito<br />
alternativo de organização que é concebida <strong>como</strong> sistema de atividades em que ocorrem<br />
interações sociais heterogêneas e altamente localizadas (JARZABKOWSKI, 2003 e 2005;<br />
JOHNSON, MELIN & WHITTINGTON, 2003).<br />
3
Com o objetivo de alcançar a dinâmica localizada entre recursividade (Giddens, 1984)<br />
e adaptação da estratégia dentro de um fluxo de atividades organizacionais, Jarzabkowski<br />
(2005) sugere o exame das interações das ações recursivas com as adaptativas, que fazem a<br />
mediação entre diferentes atores na organização que ocorre em meio a três elementos<br />
principais: “a) gerentes de alto escalão (Top Management Team – TMT); b) comunidade<br />
organizacional; e c) práticas estratégicas” (JARZABKOWSKI, 2005, p.44-47).<br />
Os Gerentes de Alto Escalão são abstraídos <strong>como</strong> objeto de interesse no seu conjunto,<br />
ou seja, interações dentro do grupo são deixadas em segundo plano, deste modo, o foco de<br />
atenção se assenta na dinâmica que esse grupo se relaciona com o restante da organização<br />
(p.44). A Comunidade Organizacional é representada pelos atores periféricos do sistema de<br />
atividades que apresentam reações potenciais para interagir com os gerentes de alto escalão,<br />
onde, eventualmente, poderão, por meio destas reações, apresentar parâmetros importantes<br />
para as ações dos gerentes de alto escalão (p.45). Logo, as <strong>Prática</strong>s Estratégicas constituem-se<br />
<strong>como</strong> um campo de atividades orientadas a objetivos e moldadas ao longo do tempo pelos<br />
gerentes de alto escalão (p.47). Assim, o relacionamento entre estas práticas e os gerentes de<br />
alto escalão na formação das atividades é o “strategizing” – a unidade de análise da ABV<br />
(JARZABKOWSKI, 2005).<br />
Este “strategizing” congrega dimensões sociais, políticas e comportamentais, pois<br />
recursos simbólicos, culturais e lingüísticos figuram <strong>como</strong> importante meio para construir e<br />
reconstruir a estratégia, onde os significados não são imutáveis às condições do tempo, no<br />
máximo constituem estados temporários e dependentes de um contínuo processo de<br />
reconstrução para sua persistência no tempo e no espaço evidenciando a sua capacidade de<br />
durabilidade dinâmica (ROSSONI & MACHADO-DA-SILVA, 2008; JARZABKOWSKI,<br />
2005; GIDDENS, 1984).<br />
Jarzabkowski (2005) explica que decorrente dos movimentos de “strategizing”<br />
observando-se as regras institucionalizadas e práticas localizadas, o papel dos gerentes de alto<br />
escalão envolve o exercício de legitimação das atividades perante a comunidade<br />
organizacional. Tais regras tomam forma a partir de regulações, normas e convenções que<br />
orientam a comunidade, desta forma, o trabalho estratégico concentra-se em garantir o<br />
alinhamento entre análise, formulação, implementação e controle das atividades, <strong>como</strong><br />
resultado essas regras institucionalizadas servem de mecanismos de legitimação da <strong>Estratégia</strong><br />
<strong>como</strong> <strong>Prática</strong> em seu universo simbólico.<br />
Finalmente, cabe que, na estrutura de análise, o ator focal é o grupo de gerentes de alto<br />
escalão (TMT) e, portanto, compete, em meio à interação desses atores com a comunidade<br />
organizacional e as atividades estratégicas, explicar <strong>como</strong> o “strategizing” é ordenadamente<br />
colocado em uso pelo alto escalão organizacional, com a finalidade de se atingir a<br />
legitimidade estrutural e interpretativa (JARZABKOWSKI, 2005).<br />
Teoria Histórico-Cultural da Atividade<br />
A Teoria Histórico-Cultural da Atividade é, geralmente, considerada uma<br />
continuidade da escola histórico-cultural iniciada por Vygotsky. Segundo Leontiev (1978), "a<br />
idéia da análise da atividade <strong>como</strong> método na psicologia científica do homem foi formulada<br />
nos primeiros trabalhos de L. S. Vygotsky".<br />
O conceito de atividade é familiar na tradição da filosofia marxista. A atividade, cuja<br />
expressão maior é o trabalho, é a principal mediação nas relações que os sujeitos estabelecem<br />
com o mundo objetivo. Conforme Vygotsky (1984), o surgimento da consciência está<br />
relacionado com a atividade prática humana, a consciência é um aspecto da atividade laboral.<br />
4
Na base da idéia de atividade externa está um princípio central da filosofia materialista<br />
dialética <strong>como</strong> o condicionamento histórico-social do desenvolvimento do psiquismo<br />
humano, que se realiza no processo de apropriação da cultura mediante a comunicação com<br />
outras pessoas. Tais processos de comunicação e as funções psíquicas superiores envolvidas<br />
nesses processos se efetivam primeiramente na atividade externa (interpessoal) que, em<br />
seguida, é internalizada pela atividade individual, regulada pela consciência. No processo de<br />
internalização da atividade há a mediação da linguagem, em que os signos adquirem<br />
significado e sentido (VYGOTSKY, 1984).<br />
Segundo Engestrõm (2001), no processo de evolução da Teoria da Atividade podem<br />
ser estabelecidas três gerações. A primeira geração está concentrada nos trabalhos de<br />
Vygotsky, quando se formula o conceito da atividade <strong>como</strong> mediação, gerando o modelo<br />
triangular da relação do sujeito com o objetivo mediado por artefatos materiais e culturais; a<br />
segunda geração toma por base a formulação de Leontiev (1978) avançando na distinção do<br />
conceito de atividade de ação coletiva e individual, e estabelecendo a estrutura da atividade; a<br />
terceira, proposta por Engestrõm, parte do modelo triangular de Vygotsky, expandindo-o para<br />
um modelo do sistema da atividade coletiva.<br />
Atualmente, os estudos teóricos da Teoria da Atividade abordam temas <strong>como</strong> a<br />
atividade situada em contextos (espaço-temporal), a participação <strong>como</strong> condição de<br />
compreensão na prática, identidade, papel das práticas institucionalizadas, a diversidade<br />
cultural, entre outras. Na base do estudo desses temas, existe o pressuposto de que todas as<br />
ações individuais devem ser interpretadas tendo em conta questões e fatores que não estão<br />
imediatamente presentes na situação, nem contidos exclusivamente nas pessoas que atuam<br />
nessas situações, ou seja, na análise das práticas humanas são destacados os fatores do<br />
contexto sócio-histórico em razão de que as práticas humanas são socialmente construídas e<br />
situadas, sendo estes fatores decisivos nos processos mediacionais, já que eles se realizam na<br />
e pela participação em atividades sócio-culturais (VYGOTSKY, 1984).<br />
Para uma compreensão mais adequada da teoria da Atividade e sua apropriação<br />
epistemológica à <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> deve-se ter em mente o conceito básico que incita a<br />
considerar os efeitos dos sistemas de signos no desenvolvimento psicológico e na cognição<br />
das comunicações individuais, ou seja, a tese de Vygotsky, que é a mediação semiótica, o<br />
instrumento que cria as formas de atividades verdadeiramente humanas por conta da<br />
consciência humana a respeito de um plano de ações baseado em meios de produção<br />
historicamente transmitidos e socialmente criados. Tal consciência e habilidade de<br />
planejamento é uma forma de generalização, tornada possível através da mediação, onde os<br />
processos mentais superiores nos seres humanos seriam profundamente influenciados pelos<br />
meios sócio-culturais que os mediam, de modo que o fato central é o fato da mediação<br />
(VYGOTSKY, 1984).<br />
Analogamente, o suporte teórico de partida é a especificação de Vygotsky de que a<br />
aprendizagem é uma articulação de processos externos e internos, visando a internalização de<br />
signos culturais pelo indivíduo, o que gera uma qualidade auto-reguladora às ações e ao<br />
comportamento dos indivíduos ressaltando a atividade sócio-histórica e coletiva na formação<br />
das funções mentais superiores, portanto o caráter de mediação cultural do processo do<br />
conhecimento e, simultaneamente, a atividade individual de aprendizagem pela qual o<br />
indivíduo se apropria da experiência sócio-cultural <strong>como</strong> ser ativo. Todavia, considerando-se<br />
que os saberes e instrumentos cognitivos se constituem nas relações intersubjetivas (ver<br />
discurso em Giddens, 1984 e semiótica em Peirce, 1977), sua apropriação implica a interação<br />
com os outros já portadores desses saberes e instrumentos.<br />
5
Para contextualizar o desenvolvimento da teoria da atividade e suas vertentes, Kozulin<br />
(2002) reconhece a existência de duas linhas de pesquisa dentro da mesma escola: a<br />
psicologia histórico-cultural (Vygotsky) e a Teoria Psicológica da Atividade (Leontiev), com<br />
pontos de convergência, mas também com diferenças, onde as divergências existem em torno<br />
do problema da internalização e da relação entre a atividade externa da criança e as operações<br />
mentais correspondentes. Para Leontiev (1978), as operações mentais seriam determinadas<br />
pelas relações concretas entre a criança e a realidade, isto é, a familiarização prática com os<br />
objetos é que leva a criança ao seu desenvolvimento cognitivo.<br />
A relação prática com os objetos, ou seja, a atividade prática teria mais importância do<br />
que o modelo histórico-cultural desenvolvido por Vygotsky. Vale dizer que, enquanto<br />
Leontiev acentuaria a atividade prática, Vygotsky acentuaria a cultura, a linguagem e a<br />
mediação simbólica. Em suma, ambas explicam a aprendizagem e o desenvolvimento humano<br />
<strong>como</strong> processos mediados, ambas fornecem orientações metodológicas para captar processos<br />
e formas pelos quais fatores sociais, culturais e históricos promovem o desenvolvimento<br />
humano, e ambas, especialmente, tratam dos contextos em que ocorrem as mediações<br />
cognitivas. Contudo, os procedimentos metodológicos de pesquisa e as aplicações na prática<br />
pedagógica tomam caminhos bastante diferentes (KOZULIN, 2002).<br />
Aqui, discorre-se <strong>sobre</strong> o trabalho de Engeström (1987) e Hasu & Engeström (1988)<br />
que fornecem a base analítica para a Visão Baseada na Atividade (Activity-Based View -<br />
ABV), que figura <strong>como</strong> uma das teorias de base para a <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong><br />
(JARZABKOWSKI, 2005).<br />
Engeström (1987) inicia seus trabalhos a partir do aprofundamento teórico de<br />
Vygotsky em seus estudos <strong>sobre</strong> a atividade mediada, onde Engeström (1987) chama de<br />
mediação com artefatos, os quais podem ser usados para prover um conceito, descrever uma<br />
estrutura, desenvolver tarefas apoiadas por um sistema, podendo envolver várias técnicas e<br />
métodos.<br />
Para Engeström (1987), a evolução da atividade, de um modo geral, ocorre pelas<br />
várias formas da interação dialética entre organismo e meio ambiente e a atividade da vida das<br />
espécies que por ela mesma irá determinar ambos, os problemas e as soluções<br />
simultaneamente. Os seres humanos mediam suas atividades através de artefatos, assim, o<br />
carpinteiro usa um martelo para suas atividades diárias se completarem, as enfermeiras usam<br />
o idioma e seus registros para coordenar as ações para os pacientes. As ferramentas são<br />
formas de dividir o trabalho. Normas, idiomas e ferramentas são vistas <strong>como</strong> artefatos para a<br />
realização da atividade. Os artefatos são feitos pelo homem e servem para mediar às relações<br />
entre seres humanos ou entre as pessoas e o material ou produto em fases diferentes. Assim,<br />
os organismos, dentro de seu tempo de vida individual, e no curso de sua evolução <strong>como</strong><br />
espécies, não se adaptam ao meio ambiente, eles o constroem, para poder chegar a um<br />
resultado (ENGESTRÖM, 1987).<br />
Para realçar a natureza coletiva e social das atividades humanas ou dos sistemas de<br />
atividades Engeström (1987) propõe analisar a relação sujeito-objeto com base em diferentes<br />
mediadores salientando que indivíduos são constituídos em “comunidades”. As relações entre<br />
sujeito e comunidade são mediadas pelo conjunto completo de “artefatos mediadores” desse<br />
grupo. Além desses artefatos mediadores, é preciso considerar, ainda, as “regras”, isto é,<br />
normas e sanções que especificam e regulam procedimentos considerados corretos e<br />
aceitáveis na interação entre os participantes da comunidade na qual o sujeito se insere. As<br />
comunidades se caracterizam também por uma necessária “divisão de trabalho”, concretizada<br />
em uma contínua e negociada distribuição de tarefas, poderes e responsabilidades entre os<br />
participantes do sistema de atividade. As ações do sujeito provocam mudanças em todo o<br />
6
sistema de atividade, que não conduz apenas à produção de objetos, mas também á produção e<br />
reprodução do indivíduo, confirmando certa prática cultural ou se contrapondo a ela. Estas<br />
considerações serão evidenciadas à frente na observação da Figura 1.<br />
É neste ponto que Hasu & Engeström (1988) sugerem uma forma de superar a<br />
limitação da primeira geração da teoria da atividade expandindo, a partir de Vygotsky, pela<br />
adição do nível macro, do coletivo (a comunidade em que a atividade ocorre, com suas regras<br />
e divisão de trabalho), ao nível micro, do ator ou agente individual, operando com<br />
ferramentas.<br />
Por meio da análise dos sistemas de atividade em que os seres humanos estão<br />
inseridos, é possível, segundo Hasu & Engeström (1988), analisar a maneira <strong>como</strong> as<br />
ferramentas concretas são usadas para mediar os motivos (direção, trajetória) e o objeto (o<br />
foco) de um comportamento ou de uma mudança em um comportamento.<br />
É importante atentar-se que todo este arcabouço de atividades e mediação é<br />
apresentado, originalmente por Leontiev (1978). Engeström (1987) e Hasu & Engeström<br />
(1988) são responsáveis somente pela categorização descritiva, analítica e temporal, em que<br />
ele atribui a Leontiev a 2ª geração da Teoria da Atividade, e pela representação esquemática<br />
observada na Figura 1.<br />
A visão elaborada por Hasu & Engeström (1988) recebe críticas de que essa versão<br />
não dava conta de explicar o que ocorre quando diferentes sistemas de atividade interagem e<br />
entram em confronto, assim, Engeström (2001) formula uma nova proposta, que entende<br />
constituir a terceira geração da Teoria da Atividade.<br />
Sumariamente, esta proposta parece:<br />
“Possibilitar o estudo das aprendizagens que ocorrem a partir do<br />
enfrentamento dos conflitos e contradições decorrentes dos mesmos<br />
propondo desenvolver ferramentas conceituais para entender o dialogo, as<br />
múltiplas perspectivas e as redes de interação dos sistemas de atividades,<br />
(...) deste modo, o objeto da atividade está em movimento, não se<br />
reduzindo a consciência de curto prazo” (ENGESTRÖM, 2001, p.136).<br />
Embora interessantes, os detalhes do modelo dessa terceira geração não serão<br />
discutidos neste trabalho, pois a Visão Baseada na Atividade (ABV) elaborada dentro<br />
<strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> parece não alcançar as nuances deste modelo.<br />
<strong>Argumentação</strong><br />
Para iniciar esta argumentação busca-se localizar as especificidades em que a<br />
<strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong>, na elaboração da Visão Baseada na Atividade, recorre aos<br />
fundamentos epistemológicos da Teoria Histórico-Cultural da Atividade.<br />
Em um primeiro momento, Jarzabkowski (2003, p.24) ao confeccionar um artigo<br />
<strong>sobre</strong> um estudo empírico das práticas nas universidades inglesas, a luz da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong><br />
<strong>Prática</strong>, recorre a Teoria da Atividade para explicar que:<br />
"A Teoria da Atividade conceitualiza o desenvolvimento<br />
psicológico <strong>como</strong> um processo de interação social dentro de contextos<br />
culturais e históricos (Vygotsky, 1978). A interação fornece uma base<br />
interpretativa a partir do qual os indivíduos atribuem significado à suas<br />
próprias ações e a dos outros, assim são capazes de exercer a atividade<br />
compartilhada (Vygotsky, 1978; Wertsch, 1985). O compartilhamento de<br />
atividade é prática, na medida em que é realizado com um resultado em<br />
mente (Engestrom, 2002). O contexto da atividade prática é definido<br />
<strong>como</strong> um sistema de atividade (Engestrom, 1993). <strong>Uma</strong> organização pode<br />
ser considerada um sistema atividade que compreende três componentes<br />
7
principais, os atores, as estruturas sociais coletivas, e as atividades<br />
práticas que realizam (cf. Blackler)”.<br />
Todavia, é em Jarzabkowski (2005, p.34-37) que a autora recorre a Teoria da<br />
Atividade informando que a estrutura em que se apóia é originada por esta teoria, mas que não<br />
é uma representação da mesma em sua integridade. Com isso a autora oferece uma breve<br />
explicação da teoria recorrendo aos autores já citados, principalmente a Engeström (1993 e<br />
2002) e Blackler (1993 e 2000) que parece fornecer a aplicação da Teoria da Atividade no<br />
campo da administração.<br />
Sua principal argumentação, apoiada em Engeström (1993 e 2002), recai <strong>sobre</strong> a<br />
atividade compartilhada que é direcionada diretamente a um resultado, onde esta atividade é<br />
também distribuída e coletiva, porque os diferentes atores colocam suas ações individuais<br />
dentro das atividades e resultados do sistema de atividade, assim os atores individuais<br />
associam-se com a comunidade na construção da atividade orientada para os resultados, com<br />
isto ressalta-se que “a atividade é um conceito de longa duração, um fluxo de atividades ao<br />
longo do tempo” (JARZABKOWSKI, 2005, p.35).<br />
Em outro momento, percebe-se que a autora tenta relacionar o conceito de mediação<br />
entre o sujeito coletivo (gerentes de alto escalão), a comunidade e as atividades direcionadas<br />
ao resultado por meio das práticas de mediação situadas na construção da atividade,<br />
transformando esta mediação em nível de análise. Novamente, Jarzabkowski (2005) recorre a<br />
Engeström (1993 e 2002) para explicar que a mediação é um conceito distintivo na Teoria da<br />
Atividade que explica <strong>como</strong> os atores individuais, a comunidade e seus esforços<br />
compartilhados são integrados na busca da atividade, deste modo, a mediação ocorre por meio<br />
das práticas estruturantes, <strong>como</strong> as funções, divisão do trabalho, ferramentas e regras<br />
implícitas e explicitas que capacitam a interação entre os atores e sua comunidade. Neste<br />
caso, a organização é conceituada <strong>como</strong> um sistema de atividades e as práticas de mediação<br />
que estão situadas no contexto do sistema de atividades e capacitam os desvios dinâmicos de<br />
influência de acordo com o assunto ou o poder relativo dos diferentes atores envolvidos.<br />
“A conceitualização da atividade dentro de um sistema de<br />
atividades capacita-nos a gerar uma visão interdependente, entendendo,<br />
<strong>como</strong> as ações de uma parte do sistema afetam as ações em outra parte<br />
com estas interdependências mediadas pela prática (...) Algumas práticas<br />
são situadas, significando que elas refletem as propriedades institucionais<br />
de toda uma sociedade na qual elas estão imersas e, também, a<br />
interpretação local destas práticas <strong>como</strong> artefatos para a ação”<br />
(JARZABKOWSKI, 2005, p.36).<br />
A autora explica que a estrutura do sistema fornece condição analítica para a visão da<br />
ABV na <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> <strong>Prática</strong> e coloca os gerentes de alto escalão (TMT) no centro das<br />
interações complexas envolvendo a estratégia <strong>como</strong> uma atividade situada, distribuída e<br />
transformadora.<br />
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Subject<br />
Tools and Signs<br />
Mediating artifacts<br />
Object<br />
Sense,<br />
meaning Outcome<br />
Rules Community Division of labor<br />
Figura 1: The structure of a human activity<br />
system. Fonte: Engeström (2001, p.135)<br />
A: Practices<br />
constratin and enable<br />
interaction with the<br />
other about activity<br />
Organizational<br />
Community<br />
Subject:<br />
Top Managers<br />
Strategizing<br />
practices:<br />
Institutionalized rules<br />
and localized<br />
practices<br />
B: Contributes to and resists activity<br />
through practices<br />
C: Shape and are<br />
shaped by activity<br />
through practices<br />
Outcomes:<br />
Realized<br />
Strategy<br />
content<br />
Strategy: Goaldirected<br />
activity<br />
Figura 2: An activity theory framework for<br />
strategy as practice. Fonte: Jarzabkowski<br />
(2005, p.43)<br />
Ao analisar o esquema apresentado na Figura 1, que significa a representação da<br />
Teoria da Atividade elaborada por Leontiev (1978), Engeström (2001, p.134-135) demonstra<br />
o nível macro, do coletivo (a comunidade em que a atividade ocorre, com suas regras e<br />
divisão de trabalho), e o nível micro, do ator ou agente individual, operando com ferramentas<br />
e o sub-triângulo superior pode ser visto <strong>como</strong> a “ponta do iceberg” representando ações<br />
individuais e de grupo imersas em um sistema de atividades coletivas. O objeto é descrito<br />
com a ajuda de uma indicação oval, indicando que ações orientadas para o objeto são sempre<br />
explicita ou implicitamente, caracterizadas por ambigüidade, surpresa, interpretação, busca de<br />
sentido e potencial para mudanças.<br />
Logo, a figura 2 é explicada por Jarzabkowski (2005, p.42) relacionando os Gerentes<br />
de Alto Escalão, Comunidade Organizacional e <strong>Estratégia</strong> com as Atividades Orientadas para<br />
os Resultados assumindo o Strategizing <strong>como</strong> mediador central da interação entre estes<br />
elementos. Deve-se observar que a gerência de alto escalão é o interesse da observação e a<br />
unidade de análise é o Strategizing, assim, os gerentes influenciam mutuamente as atividades<br />
orientadas para os resultados e a comunidade organizacional em função de sua posição na<br />
estrutura e acesso a recursos por meio da mediação das práticas do Strategizing (indicação das<br />
linhas internas). Logo, esta mediação limita e capacita as interações entre os gerentes e a<br />
comunidade organizacional (flecha A). Elas também mediam a contribuição e a resistência<br />
para a comunidade (flecha B) e fornecem veículos para os gerentes que estruturam e são<br />
estruturados pelas atividades por meio das práticas (flecha C). A dinâmica do sistema de<br />
atividade gera resultados que são chamados de Conteúdo da <strong>Estratégia</strong> Realizada da<br />
Organização.<br />
Conclusão<br />
Por meio da revisão teórica e da argumentação disponibilizada é possível perceber (de<br />
maneira sumarizada) algumas nuances da Teoria Histórico-Cultural da Atividade que são<br />
absorvidas e, outras que não, pela teoria da Visão Baseada na Atividade. Porém, percebe-se<br />
que a transposição, o direcionamento e a convergência epistemológica são realizados de<br />
maneira adequada e sem excessos, ou seja, pode-se inferir que na formação da Visão Baseada<br />
na Atividade existiu o cuidado de se relacionar adequadamente os paradigmas estruturais<br />
contidos na Teoria Histórico-Cultural da Atividade sem transpor de maneira leviana suas<br />
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ases epistemológicas que orientam a abordagem, não transfigurando-se <strong>como</strong> uma<br />
“apropriação indébita” de uma teoria pela outra, mas <strong>como</strong> uma derivação de uma teoria já<br />
consagrada e experimentada que “empresta” a outra, em formação, os pressupostos básicos<br />
de sua estrutura analítica.<br />
Dentro do contexto da Teoria Histórico-Cultural da Atividade percebe-se uma<br />
derivação à Teoria da Atividade proposta por Engeström (1987 e 2001), uma vez que,<br />
Engeström coloca seu foco principal nas atividades mediadas pelos artefatos. O mesmo<br />
prioriza pontos diferentes elencados por seus antecessores (apesar de toda elaboração teórica<br />
de Engeström ser fundamentada em seus antecessores, principalmente <strong>sobre</strong> Leontiev, 1978)<br />
ao não aprofundar-se nas condições socio-históricas e sócio-culturais, além das questões de<br />
semi-ótica e discurso <strong>como</strong> artefatos mediadores abordadas por Vygotsky. De maneira<br />
interessante Jarzabkowski (2003 e 2005), também não faz menção a estes tópicos, apesar de<br />
citar Vygotsky e Leontiev, é possível que a autora tenha se orientado especificamente pelo<br />
modelo proposto por Engeström.<br />
Outro ponto que parece não ter expressão acentuada, mas que figura <strong>como</strong> tema<br />
central nas abordagens de Vygotsky e Leontiev, é a questão de aprendizagem e<br />
desenvolvimento humano que são os impulsionadores das pesquisas do desenvolvimento do<br />
psiquismo originadas por Vygotsky em seus estudos seminais <strong>sobre</strong> os processos de<br />
aprendizagem com as crianças e ampliadas por Leontiev (1978) ao discutir as ações e as<br />
formas de ações na atividade individual e coletiva laboral.<br />
Pode-se inferir que Jarzabkowski apóia-se, prioritariamente, em Engeström para<br />
fundamentar seus construtos da ABV, isto pode ser observado pelo maior número de citações<br />
diretas em suas obras (Jarzabkowski, 2003 e 2005) serem dedicadas a Engeström, apesar do<br />
autor somente categorizar temporal e analiticamente seus antecessores com ênfase a Leontiev<br />
(1978), com isto pode-se destacar alguns pontos de convergência e outros que são<br />
abandonados.<br />
A ABV, claramente, absorve o conceito de mediação pelos artefatos da TA e elege a<br />
atividade de Strategizing <strong>como</strong> mediador (artefato) central de seus elementos, enfatizando a<br />
capacidade de influência mutua das atividades dos gerentes, que são foco de interesse, <strong>sobre</strong><br />
os demais elementos. Outro ponto de convergência é a interatividade mediada pelo<br />
Strategizing, que fornece as regras institucionalizadas e a divisão de trabalho pelas práticas<br />
localizadas e, assim, favorece a capacidade de agência (Emirbayer & Mische, 1988 e Giddens,<br />
1984) dos gerentes de alto escalão na formação do sistema de atividade devido às práticas<br />
interpretativas que tendem a ser legitimadas pela estrutura de significado compartilhado <strong>sobre</strong><br />
a atividade.<br />
Contudo, o modelo da ABV demonstra ser mais simples que o da TA, pois concentra<br />
nas práticas do Strategizing suas categorias de análise e imputa às mesmas práticas as<br />
variáveis de institucionalização e práticas localizadas, ponto este que figura de forma mais<br />
complexa pelo descrito por Engeström, onde as variáveis de análise podem movimentar-se<br />
pelas diversas convergências das setas observadas na figura 1. Desta forma a ABV abandona<br />
as questões propostas pela TA <strong>sobre</strong> as configurações e especificidades do nível macro e<br />
micro das interações e mediações das ações individuais ou coletivas de atividade.<br />
Outra questão importante que não é debatida na ABV, mas que levanta possibilidades<br />
de análise pela observação da figura 2, é o direcionamento às Atividades Orientadas ao<br />
Objetivo que posteriormente recebe o nome de Resultado: Conteúdo das <strong>Estratégia</strong>s<br />
Realizadas. Este direcionamento deixa escapar o viés de que o foco de observação são os<br />
gerentes de alto escalão, o artefato que proporciona este resultado são as práticas do<br />
Strategizing e o extremo Comunidade Organizacional parece não ter relevância no composto<br />
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teórico/analítico, porém não tinha <strong>como</strong> ser evitado uma vez que faz parte da organização e é<br />
amplamente discutido em Leontiev (1978). Pode-se, com isto, supor que o modelo da ABV<br />
contempla uma visão mecanicista adaptada à Teoria da Atividade da realidade organizacional<br />
ao submeter seus esforços na direção do extremo do Resultado: Conteúdo das <strong>Estratégia</strong>s<br />
Realizadas, ainda que isto não figure de forma explicita nas explicações teóricas. Já na figura<br />
1 a Comunidade é variável, de nível macro, central de análise. Outro suporte a este viés pode<br />
ser inferido ao modelo contemplar apenas o grupo de Gerentes de Alto Escalão deixando a<br />
individualidade à margem. Novamente, na Figura 1, o indivíduo (sujeito) figura <strong>como</strong><br />
variável de análise e também de conexão entre o nível macro e micro do modelo.<br />
Por fim, independente de qualquer conclusão que possa ser objetivada, a <strong>Estratégia</strong><br />
<strong>como</strong> <strong>Prática</strong>, bem <strong>como</strong> a ABV, são teorias em formação e expansão. Reconhecendo certas<br />
limitações das apropriações teóricas, Jarzabkowski (2005) propõem diversas agendas de<br />
pesquisa e perguntas na busca de transcender e amadurecer as teorias.<br />
A recomendação segue para que futuros estudos tentem aprofundar, sejam de maneira<br />
teórica ou empírica dentro da coerência epistemológica aqui sugerida, as questões propostas<br />
pela autora <strong>como</strong>, por exemplo:<br />
“a) Quais as implicações dos procedimentos e interatividade do<br />
Strategizing para a formação da estratégia?<br />
b) Quais são os diferentes sistemas dinâmicos envolvidos na<br />
formação da <strong>Estratégia</strong> <strong>como</strong> um padrão em um fluxo de atividades<br />
orientadas para o resultado ao longo do tempo?” (JARZABKOWSKI,<br />
2005, p.64).<br />
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