INCONFIDÊNCIA MINEIRA: MEDIAÇÕES DISCURSIVAS
INCONFIDÊNCIA MINEIRA: MEDIAÇÕES DISCURSIVAS
INCONFIDÊNCIA MINEIRA: MEDIAÇÕES DISCURSIVAS
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>INCONFIDÊNCIA</strong> <strong>MINEIRA</strong>:<br />
<strong>MEDIAÇÕES</strong> <strong>DISCURSIVAS</strong><br />
analisando<br />
Resumo: Ao<br />
um<br />
focalizarmos<br />
processo dialético<br />
a Inconfidência<br />
nascido no<br />
Mineira<br />
núcleo político<br />
e suas<br />
e<br />
realizações<br />
econômico<br />
discursivas,<br />
da Capitania<br />
estaremos<br />
Gerais. Lidaremos com conjuntos de unidades discursivas com particularidades específicas: de Minas<br />
discurso evasivo como forma de “dizer dupla”, a paráfrase e a polissemia. Nosso objetivo será o<br />
então contexto o de das analisar devassas os judiciais funcionamentos através da discursivos presença de das enunciados falas dos pouco inconfidentes, precisos enunciadas (evasivos), no<br />
paráfrase, que institui o sentido literal e da polissemia que produz deslocamentos de sentidos<br />
da<br />
através<br />
sentidos<br />
das<br />
do<br />
ambigüidades.<br />
poder colonial<br />
O<br />
e<br />
estudo<br />
de como<br />
está<br />
deles<br />
fundamentado<br />
emergiu<br />
na<br />
a fala<br />
Análise<br />
da liberdade<br />
de Discurso,<br />
dos<br />
desvendando<br />
conspiradores<br />
os<br />
rebelde,<br />
mineiros.<br />
na<br />
Desse<br />
qual<br />
quadro<br />
o discurso<br />
enunciativo,<br />
evasivo<br />
surgiu<br />
dos inconfidentes,<br />
uma fala contraditória,<br />
na instância<br />
ao<br />
da<br />
mesmo<br />
repressão<br />
tempo<br />
portuguesa,<br />
submissa e<br />
História”,<br />
constituiu o<br />
fruto<br />
réu<br />
do<br />
condenado<br />
confronto<br />
–<br />
de<br />
Tiradentes.<br />
sentidos ideológicos<br />
Desse intrincamento<br />
no “discurso<br />
de<br />
na<br />
sentidos,<br />
História”,<br />
nasce<br />
fundamentador<br />
o “discurso da<br />
símbolo da independência e da identidade da nacional.<br />
do<br />
Palavras-chave: Discurso, enunciação, paráfrase, polissemia, ambigüidade.<br />
* Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.<br />
Doutora em Lingüística. E-mail: junia.diniz@terra.com.br<br />
Júnia Diniz Focas*<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
9
1 INTRODUÇÃO<br />
alguns Considerando-se aspectos discursivos uma perspectiva das falas histórica, da Inconfidência o nosso objetivo Mineira, é o fracassado de analisar<br />
movimento Rica, Minas por Gerais, independência, no final do século ocorrido, XVIII. na Tomaremos época do como Brasil corpus colônia, discursivo em Vila<br />
passagens que constam do das processo publicações judicial, dos compreendendo Autos de Devassa as daInconfidência inquirições e depoimentos Mineira,<br />
portanto, publicação o da fundamento Imprensa deste Oficial trabalho, de Minas associando Gerais. O campo a História interdisciplinar e à Lingüística será,<br />
verificando, através da Análise de Discurso, como a linguagem também repercute e<br />
os fatos que ocorrem em determinado contexto político-social.<br />
Para tanto, lidaremos com conjuntos de manifestações discursivas cujas<br />
discursivas características com lingüísticas particularidades classificam-se específicas: em três o discurso grandes evasivo conjuntos como de forma unidades<br />
“dizer dupla”, a paráfrase que institui o sentido literal e a polissemia que produz de<br />
deslocamentos polissemia na direção de sentidos da construção através de das ambigüidades ambigüidades. que constituíam Entendemos os sentidos então a<br />
da fala conspiração. da liberdade, Já aos a paráfrase quais correspondiam atua na reformulação enunciações dos que, sentidos parafraseadas ambíguos do da<br />
ponto de vista do poder, serviram para acusar e condenar.<br />
Inconfidência Considerando-se Mineira por essa dois perspectiva ângulos distintos: teórica, visualizamos o do acontecimento o discurso e o da<br />
constituição da simbologia da nacionalidade, resultando no que denominaremos da<br />
Inconfidência por “discurso Mineira, na História” três formações e “discurso discursivas1: da História”. duas Há, relativas então, ao nas momento falas da<br />
do à construção aparecimento simbólica do discurso do mito histórico da nacionalidade (“discurso naHistória”) (“discurso dae outra História”). referente<br />
a ruptura Dosse no (1992, tempo histórico, p. 181) fundamenta e não mais essa considerando concepção de o referencial História, focalizando<br />
ou a sucessão ordenada dos fatos. O postulado das representações lingüísticas contínuo<br />
1<br />
“uma O conceito regularidade de “formação (uma ordem, discursiva” correlações, diz respeito posições à formulação e funcionamentos, de Foucault transformações)”.<br />
(1992, p. 43), definido como<br />
10 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
dos o autor: fatos “Não da história existe coaduna-se mais a história, com essa mas interpretação as histórias. Trata-se da história, da história pois, segundo de tal<br />
fragmento do real e não mais da história do real”.<br />
Também Foucault (1969, p. 35-45) considera o discurso e a história no<br />
contexto fragmento das do rupturas discurso que da história. delimitam Assim, práticas os enunciados discursivas constituem determinantes a instância de um<br />
primordial regularidade do e na discurso especificidade não em de seu seu sentido emprego, lógico desempenhando ou gramatical, assim mas uma na<br />
função enunciativa que se transforma em uma formação discursiva. O discurso é,<br />
então, no interior delimitado das formações não pelo discursivas, seu sentido constrói imediato, o mas sentido. pela Nesse prática aspecto, discursiva verifica- que,<br />
se um deslocamento discursivo que, partindo do âmbito coletivo, centralizou as<br />
denúncias que constituiu na esfera o corpo individual sobre o de qual Tiradentes, incidiu a para repressão quem portuguesa. convergiu o discurso<br />
José da No Silva percurso Xavier, de mártir nossas da análises, independência) veremos que aparece Tiradentes nas construções (o alferes Joaquim<br />
discurso ambíguo que, negando a realidade, como estratégia de evasão, subverteu de um<br />
o necessidade “discurso do da real”, distinção como de forma dois de ângulos enunciação de visão das que, falas embora da liberdade. diferentes, Daí a<br />
História”, exemplificam deixou a atuação o legado política do mito, de uma perenizando sociedade aspirações civil que, históricas no “discurso que na se<br />
desvendaram no “discurso da História”.<br />
O “discurso na História” foi constituído por diversos sentidos que,<br />
contextualizados dominadores e dos em dominados. suas enunciações, Os discursos, configuram embora as instâncias antagônicos, ideológicas provinham dos<br />
de uma única fonte: a fala da colonização, matriz dos sentidos da dominação e da<br />
conspiração, portugueses parafraseiam havendo um os deslocamento enunciados da lingüístico conspiração através e os conspiradores do qual os<br />
multiplicam significações os da sentidos liberdade possíveis e, assim da sendo, fala da paráfrase dominação, e polissemia contrapondo-lhe estão<br />
relacionadas Inconfidência Mineira.<br />
no complexo das representações lingüísticas da história da<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
11
2 AS VOZES DISSONANTES<br />
donósNos é o depoimentos lugar da fidelidade analisados, ao inicialmente soberano tanto nas cartas-denúncia2, nos discursos das a instância<br />
denúncia como nos depoimentos das devassas. Adotando-se esse raciocínio, cartas-<br />
poderíamos baseada nos supor pressupostos que havia uma da formação fidelidade discursiva, e da internamente conspiração, contraditória, marcada<br />
julgam discursivamente e condenam) pelo e nós, do ele(o distinta alvo da formação da condenação discursiva e do do castigo). eles (aqueles O singular, que<br />
o evasiva único, da foi liberdade, o ponto de posteriormente convergência onde resgatada o plural nas nós representações depositou a fala lingüísticas difusa e<br />
formações do discurso discursivas de acusação derivadas ao ele(Tiradentes). de um mesmo Tal feixe estratégia de relações define dos o sistema enunciados das<br />
em uma determinada prática discursiva.<br />
também Nesse por formas contexto, lingüísticas a fala da acusação, de indeterminação3, da perspectiva dando da por delação, existente foi marcada<br />
que se delatava, mas sem determinar os implicados. Assim sendo, o processo o crime<br />
acusação a Tiradentes se faz por intermédio de um processo referencial, marcado de<br />
por pronomes e artigos indefinidos. Os outros conspiradores são os alguns,<br />
outroseuns,etc. que permite concluir que que apóiam o ele a (o conspiração, condenado) delegada constrói-se, apenas realmente, a Tiradentes. através O<br />
podemos donós, discursivamente ver no seguinte marcado relato de através Joaquim de Silvério algunse dos correlatos. Reis: Isso é o que<br />
Fez-me certo este vigário que, nesta cidade, tinham grande partido; que assim<br />
lhe havia certificado o alferes da tropa paga de Cavalaria de Minas, Joaquim<br />
José da Silva Xavier, sujeito de quem se havia valido para trabalhar em reduzir<br />
alguns sujeitos de Minas; e que este alferes havia já reduzido na Comarca do<br />
Rio das Mortes, sessenta homens e alguns com dinheiro avultado; e que estes<br />
ofereciam para esta ação até o último real. (AUTOS..., 1976, v.4, p. 28)<br />
2<br />
estrutura<br />
As cartas-denúncia<br />
política absolutista,<br />
não testemunham<br />
fundamentada<br />
apenas<br />
na submissão<br />
a conspiração,<br />
e no terror<br />
mas revelam<br />
instituído.<br />
de modo eloqüente as bases da<br />
3<br />
estabelecer No que se refere a necessidade a essas formas de os mesmos lingüísticas enunciados de indeterminação, determinarem estamos a análise de acordo das formações com Foucault discursivas.<br />
(1992), ao<br />
12 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
mas, ao Ao mesmo delatar, tempo Silvério em dos que Reis o constitui focaliza em o sujeito primeiro conspirador plano, mostra (Tiradentes),<br />
conspiração e suas idéias nunca foram de um só sujeito. A objetividade da delação que a<br />
denuncia-se Expressões como: por elementos “havia certificado” lingüísticos e “fez-me que confirmam certo este vigário” suas acusações.<br />
discursos alheios como provas das certezas a que chega o denunciante. convocam<br />
nesse discurso, O emprego pois desses acusava pronomes sem nomear indefinidos diretamente era de os importância envolvidos. fundamental<br />
sentido produzido por essas expressões abre a possibilidade de o delator O efeito nomear de<br />
quem são, portanto, a autoridade um desejar cheque que em seja branco denunciado. na mão dos Essas inquiridores. afirmações com indefinidos<br />
que o eu O discurso (o delator) das se cartas constitui fundamenta-se junto a um em nós um coletivo processo que de se construção define como em<br />
o “fiéis aspecto vassalos individual, de Sua Majestade”, em detrimento reforçando do sentido o sentido ideológico da dominação do coletivo4. que Assim, rejeitava<br />
mesmo tempo em que o delator se individualiza no interior de um nóscoletivo ao<br />
de de posições vassalos, contrárias registra a existência, a que polifonicamente na instância remete do nós, ao de denunciar um processo a conspiração. de embate<br />
De os fiéis qualquer vassalos; ângulo nas que devassas: se analise os acusados a perspectiva de traição discursiva (os inconfidentes)], desse nós [nas cartas:<br />
acabam apontando para o ele (Tiradentes) como o corpo que receberia ambas<br />
condenação que já se precipitava precocemente nas cartas-denúncia. a<br />
sociedade, Portanto, em princípio, o nós que obediente acusa era à socialmente Coroa e os determinado, próprios conspiradores envolvendo a<br />
delatores. Desse ponto de vista, a referência semântica, efetuada por artigos oue<br />
cabal pronomes o nós indefinidos, do ele. Essas estabelece expressões um contraste indefinidas enunciativo reforçam que a ambigüidade separa de forma<br />
indeterminação referencial dos traidores, definidos atributivamente em seus e a<br />
sentidos lingüístico ideológicos do coletivo e ainda para enfatizados, o individual, respectivamente, tendo por pelo conseqüência deslocamento<br />
descentramento do discurso político para a esfera criminal. o<br />
4 Desse ponto de vista, a expressão “sentido ideológico” é, conforme Foucault (1992:99): “uma função de existência<br />
intuição,<br />
que pertence,<br />
se eles<br />
exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela<br />
“fazem se encontra sentido” realizado ou não, por segundo sua formulação que regra (oral se sucedem ou escrita).”<br />
ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
13
epresentar Segundo forças Ducrot ilocucionais (1981, p.114-140), distintas. Partindo artigos dessa indefinidos perspectiva, são passíveis o discurso de<br />
da paradoxo evasão da foi fala marcado aberta da por denúncia, palavras mas com resguardada sentido indefinido, por elementos ressaltando lingüísticos o<br />
que refletiam um mundo contido nas ações e nas palavras.<br />
dos enunciados A natureza da desses traição, deslocamentos marcados por liga-se uma dupla à questão estrutura da força de sentido ilocucional<br />
mantém um vínculo semântico com os sentidos ilocucionais da fala da evasão que<br />
de sujeição ao poder constituído, havendo uma simbiose lingüística entre ambas, e<br />
uma designados constituindo por expressões a outra. Neste genéricas, caso, os de locutores modo põem a que em nenhuma cena enunciadores<br />
especificável possa ser encontrada: são alguns, povo, etc. que afirmam referência<br />
discurso da liberdade. No entanto, os depoentes, ao relatarem o discurso público o<br />
de Tiradentes Tiradentes, disse. citando-o Então, o em mesmo discurso discurso indireto, que também o constrói acabam como dizendo culpado o pela que<br />
circulação fala da conspiração. do discurso Assim da liberdade, sendo, os é também depoentes um raramente discurso que desqualificam faz circular oa<br />
conteúdo direcionam do seu discurso discurso da no liberdade, sentido de apenas “criminalizar” aquele que Tiradentes o profere. porque Também<br />
militar, porque espalhou em voz alta as falas da liberdade, e não pelo conteúdo era<br />
do discurso em si.<br />
que busca Já no culpados. caso dos interrogatórios Os depoentes das querem devassas, lhe o interlocutor entregar um é o culpado inquiridor<br />
entregando-o, constroem-se como “colaboradores” da justiça e não como e,<br />
culpados. deixar de ser, Além são desse registrados fato, os como depoimentos discursos relatados das devassas, pelo escrivão, como não sendo poderia<br />
há marcas verbais específicas de introdução destas falas dos depoentes; que<br />
outro lado, os depoentes também relatam discursos de Tiradentes, marcados por<br />
falas, por verbos há, de que parte introduzem do depoente, a fala deste uma avaliação último. Nos do verbos falante que (Tiradentes) introduzem e tais<br />
conteúdo do dito: “conversar”, “começou a exagerar”, “proferiu”, etc. Daí do<br />
emprego de expressões como “homem perigoso”, “idéias de um insano”, o<br />
“conversa de um louco”, etc., atribuídas a Tiradentes.<br />
anáfora, Possenti afirma (1988, que em p. certos 97), analisando contextos a essa coesão pode lexical, se transformar mais precisamente em uma a<br />
“proposição mascarada” na medida em que “a anaforização tem um caráter<br />
14 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
mais Tiradentes argumentativo e tais expressões do que constitui coesivo”. uma Isso proposição significa que mascarada a relação que, anafórica no contexto entre<br />
político-criminal depreendem os sentidos em que de foi violência, proferida, agressão enfatiza a ou articulação subversão. coesiva da qual se<br />
denúncia A república e nos depoimentos era, então, o das símbolo inquirições, da liberdade essa idéia e, nos aparecia discursos associada das cartas-<br />
pessoa de Tiradentes, já que se evitava mencionar de forma explícita oà<br />
envolvimento de outros indivíduos no movimento conspiratório.<br />
a fala do Na esfera poder do transparece discurso criminal, através circunscrito da paráfrase à esfera do discurso das devassas inconfidente, judiciais,<br />
expressa crítica capaz no de reconhecimento, abalar os domínios por coloniais. parte dos Neste portugueses, aspecto, a de voz uma dos portugueses consciência<br />
considerados é aquela que ideologicamente sonda as falas da criminosos liberdade no e, nessa âmbito tarefa, da consciência reproduz os crítica sentidos<br />
contesta o poder do Estado.<br />
que<br />
referindo-se Os juízes assim portugueses5, ao discurso ao da inquirir, liberdade. revelavam Nesse os contexto, ideais dos produziram inconfidentes,<br />
linguagem parafrástica, na qual os enunciados ideológicos dos uma<br />
eram manipulados como forma de coerção, interpretados como inconfidentes6<br />
passíveis, portanto, de pena criminal. Desse modo, através da paráfrase, subversivos,<br />
quem fala, os detentores do poder político que reafirmavam o propósito criminoso é o eles<br />
da conspiração.<br />
transposição Parret de (1988, sentidos p. em 226) direção define a outros, a paráfrase o que justifica como interpretar uma operação a paráfrase de<br />
como da fala uma da liberdade contestação como ao uma poder transposição constituído. para os sentidos do crime da traição,<br />
inconfidentes Se os portugueses como justificativa adotaram para essa instituir estratégia, o reproduzindo castigo (na paráfrase), o discurso dos<br />
inconfidentes identificaram-se com o discurso da dominação para subvertê-lo os<br />
na ambigüidade do discurso da liberdade (na polissemia).<br />
5<br />
devassa<br />
A voz dos<br />
RJ1<br />
juízes<br />
e RJ2.<br />
portugueses ecoa, principalmente, nas duas devassas judiciais efetuadas no Rio de Janeiro:<br />
6<br />
enunciado, A definição constituindo dos “enunciados um dos ideológicos” traços que remete-nos pertencem a exclusivamente “uma dimensão à que função caracteriza enunciativa toda e formulação permitem descrevê- enquanto<br />
la” (FOUCAULT,1992, p. 109).<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
15
das devassas, Essa estratégia constituiu reflete o réu a atuação com o de qual uma o sociedade poder reafirmou civil que, sua nas autoridade inquirições e<br />
reprimiu essa mesma sociedade. Na verdade, Tiradentes desempenhou uma<br />
função donósideológica e do eles. muito As estratégias importante discursivas, no interior na das constituição duas unidades do réu, discursivas, estiveram<br />
ligadas à polissemia (para o nós) e à paráfrase (para o eles): polissemia, no<br />
constituindo sentido da construção outros sentidos; de ambigüidades paráfrase, que no sentido desconstruíam da reformulação a linguagem dos do sentidos poder,<br />
do parafraseadas discurso do da ponto liberdade, de vista aos do quais poder, correspondiam serviram para acusar enunciações e condenar. que,<br />
construção<br />
O discurso<br />
em que<br />
dos<br />
o depoente<br />
depoimentos<br />
constitui-se<br />
fundamenta-se<br />
junto a um nós<br />
em um<br />
coletivo,<br />
processo<br />
definido<br />
de<br />
comofiéis vassalos de suaMajestade, reforçando o sentido da dominação que<br />
rejeitava Assim, ao o mesmo aspecto tempo individual, em que em o detrimento depoente individualizava-se do sentido ideológico no interior do coletivo.<br />
nós coletivo de vassalos, registra a existência, na instância do nós, de um processo de um<br />
de embate de posições contrárias a que polissemicamente remete, ao falar da<br />
conspiração. paradoxalmente De qualquer resumida ângulo nos fiéis que vassalos se analise e nos a perspectiva acusados discursiva de traição, do ambas nós,<br />
precocemente convergem para nas inquirições o ele, Tiradentes, e depoimentos. cuja condenação já se precipitava<br />
ramificações Desse que modo, partem o discurso dos enunciados da Inconfidência da dominação: Mineira o discurso apresenta evasivo duas dos<br />
mineiros discurso de (o Tiradentes nós) que, (o com ele) suas que, conotações ao retomar polissêmicas, a fala que o condena, constitui assevera o réu e o<br />
realidade veladamente enunciada nos processos judiciais. a<br />
3 AS VOZES INVERTIDAS<br />
Se os inconfidentes insinuam os sentidos da independência, enunciandoos<br />
polissemicamente na voz de Tiradentes, este os recupera como instrumento<br />
de condenação à política colonialista e a suas conseqüências sociais. Enquanto<br />
16 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
os reafirmava. conspiradores O que negavam nos conduz a realidade à conclusão como de forma que o ele de evasão, se constitui Tiradentes via uma a<br />
paráfrase criminal para da polissemia o político, do sedimentando, nós; paráfrase no esta discurso, que desloca o desejo o discurso por liberdade. do âmbito<br />
Assim, vetor, e a se “negação a sociedade histórica” civil dos se constitui ideais de em independência nós, inserindo-se teve Tiradentes em uma como<br />
formação discursiva distinta do ele, o criminoso, é evidente que ela, para escapar outra<br />
da discursos punição, polissêmicos identificou-se que com proferiu, o discurso associando-se do eles, os à dominadores, fala da dominação negando que, os<br />
nas Tal fato paráfrases reflete uma dos juízes forma portugueses, de “inversão cristalizou discursiva”, um visto só sentido que se faz de nos tais moldes discursos.<br />
fala conspiratória. Assim, tanto a paráfrase como a polissemia só aparecem no da<br />
contexto premeditadas do “discurso que refletiam invertido”, conflitos ideológicos; polissemicamente fato que enunciado se pode observar nas falas<br />
depoimento do Cônego Luís Vieira da Silva7: no<br />
Respondeu, que não é de presumir que ninguém obre mal somente por<br />
querer obrar mal; esses povos, que se rebelaram, conhecendo que obravam<br />
mal, algum interesse haviam de ter, com que pretendessem patrocinar a sua<br />
causa, como “verbi gratia”, ou livrarem-se de alguma opressão, o que não<br />
aparece na Capitania de Minas Gerais... (AUTOS..., 1976, v.5, p. 246)<br />
resumido O contraste nessa passagem. entre a ideologia Em sua da defesa, sujeição o cônego e da independência Luís Vieira verbaliza encontra-se<br />
razões do possível levante para, posteriormente, negá-las. Há uma espécie de as<br />
ironia fio da navalha, atroz e de descreve supremo uma cinismo situação nesse real depoimento e a declara de inverídica. um implicado que, no<br />
reconhecida A mesma na argumentação inversão discursiva, dos juízes detectada portugueses, na fala dos ao inconfidentes, contra-argumentarem aparece<br />
com disfarça Tomás o seu Antônio ânimo Gonzaga no público; que pois “qualquer seria totalmente que intenta mentecapto, fazer um delito se publicasse oculto,<br />
idéias opostas que ao declarassem seu verdadeiro o seu intento; ânimo; o que antes certamente pelo contrário não desvanece produz expressões<br />
(AUTOS..., 1976, v. 5, P. 228).<br />
o delito”<br />
7 Figura expressiva desta fase histórica é o orador sacro, Cônego Luís Vieira da Silva, de Mariana.<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
17
que ecoava Se a fala no da discurso liberdade da foi dominação, difundida pelos produzindo inconfidentes assim através “expressões da polissemia opostas<br />
ao seu verdadeiro intento”, os portugueses reiteravam essa fala polissêmica na<br />
indica, paráfrase as que referências se fundamentava ao ideal também de liberdade na acusação encontraram a Tiradentes. lugar propício Ao que para tudo<br />
serem veladamente discursivizadas no contexto da devassas judiciais, onde a<br />
sociedade autoria do civil discurso disseminou que já era seus de ideais muitos. de Daí liberdade, a construção delegando do réu a Tiradentes político quea<br />
recordemos Portugal tentava Afonso insistentemente Arinos quando transformar afirmou que: no réu “do criminoso. ponto de vista Quanto da a justiça isso,<br />
régia, os fatos não tinham existênciapenal”.<br />
Fundamentando-se nas falas dos depoimentos, que eram evasivas e<br />
portugueses contraditórias, “estancaram”, mas que apontavam na paráfrase, para as a significações possibilidade possíveis de um réu, dos discursos os juízes<br />
evasivos para, assim, chegarem a um culpado.<br />
sentido A criminal paráfrase desejado dos sentidos pelos polissêmicos inquiridores, dos historicamente dominados se revertido fazia então na fala no<br />
política de Tiradentes. De onde se pode concluir que o reflexo do discurso da<br />
liberdade, difundindo pronunciado polissemicamente pelos a inconfidentes, fala dos que deu-se o acusavam, na voz revelava de Tiradentes os sentidos que,<br />
manipulados processo parafrástico pelos inquiridores desdobra-se e sua em duas real dimensão vertentes enunciativas ideológica. Nesse contraditórias ponto, o<br />
sentidos e antagônicas, ideológicos pois a paráfrase da Inconfidência acaba por Mineira8,<br />
se constituir o principal núcleo dos<br />
diretamente acusado, Tiradentes, quanto os que condenam, uma vez que os tanto portugueses, aquele<br />
parafraseiam, polissêmicos disseminados através de perspectivas pela sociedade discursivas civil. Daí distintas, a necessidade os mesmos de articularmos sentidos<br />
as<br />
da<br />
três<br />
Inconfidência<br />
vertentes, ou<br />
Mineira,<br />
conjunto<br />
a<br />
de unidades discursivas, para desvendar os discurso<br />
paráfrase como definidora das fala instâncias evasiva como ideológicas fundamentadora conflitantes. da polissemia e a<br />
na História”, Assim, pois o discurso Tiradentes, da ao Inconfidência parafrasear a Mineira fala que transforma-se o condena, inevitavelmente, no “discurso<br />
8<br />
enunciados Os “sentidos pertencentes ideológicos a um da Inconfidência mesmo sistema Mineira” de formação.<br />
referem-se a uma formação discursiva entendida como<br />
18 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
desloca Cláudio Manuel o discurso da Costa com conotações (AUTOS..., 1976, criminais v. 2, para p. 127) a instância efetua o política. deslocamento Também da<br />
instância do discurso criminal para a política, pois ao identificar Tiradentes com<br />
os assinala outros o réus, papel confirma de militante o caráter e ativista nitidamente de Tiradentes, político concentra-o do movimento. na esfera Mas criminal, quando<br />
ao se referir ao “rumor que já havia excitado um alferes”. A questão da designação<br />
parece que não ser identifica de importância uma referência, crucial. marca A expressão um sentido “um institucional, alferes”, ao mesmo assinalando tempoa<br />
posição na hierarquia militar.<br />
veladamente O debate pretendida entre a esfera pelos criminal, inconfidentes, pretendida termina pelos portugueses, por ser discursivizada e a política,<br />
historicamente depoimentos de no Tiradentes: contexto político da independência, fato patente nos seguintes<br />
não querer Respondeu, perder que ninguém; ele até porém agora que negou à vista por querer das fortíssimas encobrir instâncias a sua culpa, come<br />
que clara, se e conhecidamente vê atacado, e a à que verdade, não pode se resolve responder a dizê-la, corretamente como ela é: senão que é verdade, faltando<br />
que se premeditava o levante, que ele Respondente confessa ter sido quem ideou<br />
tudo, alguma... sem (Quarta que nenhuma inquirição outra a Tiradentes, pessoa o Rio movesse, de Janeiro, nem Fortaleza lhe inspirasse da Ilha coisa<br />
Cobras, 18 01 1790. [AUTOS..., 1976, v. 5, p. 31 32]) das<br />
...e algum que levante, agora com ou o a nova poderiam derrama fazer; se desesperariam e que nas nações os povos estrangeiras para fazer<br />
admiravam do sossego desta América, vendo o exemplo da América inglesa;<br />
se<br />
referindo que fazendo-se o mesmo, a República, que tinha ouvido talvez nesta ficaria cidade melhor a José o país Álvares de Maciel; Minas... e<br />
(AUTOS..., 1976, v. 5, p. 48)<br />
culpa pela Quanto conspiração, à primeira Tiradentes confissão, admitiu é interessante ser seu líder, observar o idealizador, que, ao mas assumir utilizaa<br />
se “premeditar”. da expressão Tal “se formulação premeditava”, implica uma que forma ele de não indeterminação estava sozinho, do ou sujeito seja, dea<br />
conspiração estabelecemos era entre de as muitos, unidades mas discursivas assumida do por nós um (outros só. Daí envolvidos) a distinção e que do<br />
ele (Tiradentes). Já no segundo depoimento, Tiradentes resgata os sentidos<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
19
como polissêmicos instrumento insinuados de condenação pelos inconfidentes, à política colonialista reiterando-os, e a suas parafrasticamente, conseqüências<br />
sociais.<br />
Ao assumir a responsabilidade pelo ato de conspiração, Tiradentes desfaz<br />
o sentido do discurso evasivo dos outros depoimentos das devassas judiciais, já<br />
que“não E, assim sendo, perderninguém” a pena (condenação talvez tivesse à forca) sido a única e o mito alternativa constroem que o lhe discurso restou.<br />
histórico transformando, através assim, do qual pena a e constituição mito em uma do realidade mito se simbólica. originou Essa nas letras transposição da lei,<br />
efetua-se desjuridição por da intermédio pena e dessacralização do que Ricoeur do (1988, jurídico”, p.368) disso define advindo como o “uma mito<br />
resgatado mínimos constituintes: e redimido a historicamente. lógica jurídica que O mito levou tem, à aplicação portanto, da pena dois e elementos<br />
que, retomando os discursos, reinterpreta-os em um novo sistema de referências a história<br />
ideológicas.<br />
ramificações Desse que modo, partem o discurso dos enunciados da Inconfidência da dominação: Mineira o discurso apresenta evasivo duas<br />
inconfidentes (o nós) que, com suas conotações polissêmicas, constitui o réu, dos e<br />
o a realidade discurso de veladamente Tiradentes enunciada (o ele) que, naquela ao retomar primeira a fala instância. que o condena, Ambas aparecem assevera<br />
respectivamente indeterminação no marcadas que se refere por formas ao envolvimento lingüísticas de outros que expressam indivíduos indefinição e à extensãoe<br />
da ação conspiratória.<br />
Portanto, o resgate político da fala da liberdade está associado à instância<br />
“discurso discursiva do da ele, História” do herói, que consistindo se prolonga em uma no outra tempo formação como discursiva: o do mito a do da<br />
nacionalidade.<br />
Assim sendo, a linguagem torna-se um instrumento de poder que reflete<br />
histórico uma prática é então lingüística um processo traduzida de reificação, no discurso através político. do Nesse qual o sentido, processo o narrativo discurso<br />
de uma determinada instância ideológica objetiva o conteúdo do discurso histórico<br />
em seus aspectos sociais.<br />
originaram<br />
A paráfrase<br />
no contexto<br />
e a polissemia<br />
da fala autoritária<br />
foram os<br />
e a<br />
constituintes<br />
ela se contrapunham<br />
lingüísticos<br />
através<br />
que<br />
de<br />
se<br />
20 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
sentidos voz de Tiradentes. que, em sua Daí, ambigüidade, podemos entender elaboraram o universo a fala das da unidades liberdade, e das reafirmada formações na<br />
discursivas das falas da Inconfidência Mineira que, no conjunto de seus enunciados,<br />
delimitaram concretamente os discursos e suas significações ideológicas.<br />
CONCLUSÃO<br />
sistema A colonial Inconfidência português, Mineira pois representou como ressalta o momento Maxwell histórico (1985, de p. ruptura 119) do “o<br />
oficial desenvolvimento de Lisboa verificado acreditava em constituir Minas era a função a antítese de daquilo uma capitania que a mentalidade colonial, e<br />
colonial especialmente portuguesa”. a de uma que por tanto tempo fora a fonte mais vital da riqueza<br />
Os detentores de altas patentes militares, os comerciantes e os altos<br />
funcionários interesses metropolitanos da burocracia na colonial colônia. eram No entanto, teoricamente a estabilidade os representantes desse quadro dos<br />
uma colonial sociedade apresentava, peculiar, em composta Minas Gerais, por letrados profundas e artistas fissuras, que sedimentaram pois lá despontou uma<br />
cultura mesma sociedade urbana própria a encontrar que, aliada suas próprias às forças soluções econômicas no campo locais, artístico, impeliam cultural essa<br />
propondo, e econômico, portanto, rompendo, uma reorganização assim, laços da de sociedade dependência política. com a metrópole,<br />
mineira Nesse deveriam contexto estar histórico, irrevogavelmente os planos condicionados de desenvolvimento à independência, da sociedade já civil que<br />
o conclui Estado que absolutista o grau de português desenvolvimento caracterizava-se das relações por ser econômicas centralizador. encontrava De onde sua se<br />
fato sede asseverado na sociedade por civil, Marx sendo e Engels determinado (1846, p. pela 65-70), intervenção ao definir da sociedade que “a anatomia política,<br />
da sociedade civil deve ser buscada na economia política”.<br />
Na Inconfidência Mineira, o conflito entre sociedade política e sociedade<br />
civil ocorreu também no âmbito do discurso, pois, como já vimos, a verbalização<br />
de<br />
no<br />
questões<br />
interior de<br />
relativas<br />
discursos<br />
a interesses<br />
que marcavam<br />
econômicos<br />
nitidamente<br />
de uma<br />
uma<br />
ou outra<br />
ou outra<br />
sociedade<br />
posição.<br />
deu-se<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
21
material-social Marx e Engels e a linguagem, (1846) fundamentam ressaltando que a tese o uso da lingüístico unidade entre traz a as atividade marcas<br />
das relações e das ideologias de classe e que o poder da classe dominante se<br />
estende envolve até a sociedade o uso da linguagem. em geral, enquanto De acordo sua com inter-relação Marx e Engels, com a estruturas linguagem<br />
concretas sócio-ideológicas expressa-se no nível dos subcódigos especiais do<br />
uso lingüístico.<br />
sócio-ideológico, Bakhtin (1929, mas p. não 46) vê também as comunidades considera a lingüísticas linguagem como como um coincidentes fenômeno<br />
com em lugar as distinções de supor de que classe. a luta Várias de classes classes determina usam a mesma a linguagem, linguagem, diz que portanto, ela se<br />
processa se torna a no arena interior onde da se própria desenvolve linguagem; a luta de ou, classes.” como o afirma o autor: “o signo<br />
linguagem Para proposta nós, o discurso por Bakhtin, da Inconfidência sendo as paráfrases Mineira e as efetua-se polissemias na dimensão a realização de<br />
discursivas. da metáfora da “arena”, lugar da expressão da luta de diferentes formações<br />
materializadas As relações no contexto entre a sociedade das devassa civil judiciais, e a sociedade sendo política o momento estão do também<br />
emergem as contradições que se revelam nas enunciações constituídas qual pela<br />
de paráfrase Portugal e pela que, polissemia. ao reproduzir A primeira o discurso manifestação inconfidente, lingüística revela as diz falas respeito da liberdade à fala<br />
em reflete seus os discursos sentidos polissêmicos de acusação que, e de enunciados condenação. através Já a segunda de uma manifestação “enunciação<br />
dupla”, discurso produzem da colonização. uma ambigüidade que desfaz a fala determinante e unívoca do<br />
formações A distinção discursivas, entre esses desmembrados dois níveis de nas discurso unidades baliza-se discursivas pelo conceito do nós de<br />
o (inconfidentes), corpo que recebeu do eles a pena). (o poder Essas português) instâncias delimitam e, finalmente, perspectivas do ele (o discursivas acusado,<br />
que encerram a dialética da história, repartida em dois tipos de discurso que se<br />
“discursoda interpenetram História”.<br />
para constituir o que se define como o “discurso naHistória” e o<br />
22 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
sendo, respectivamente, Barthes (1984, p. a instância 150) estabelece do “tempo os princípios da enunciação” dessa e dicotomia a do “tempo como da<br />
matéria narrada”, sendo que o tempo da História confronta-se e prolonga-se em<br />
outros histórico” tempos. origina Assim, o processo segundo narrativo ele, “a da História, entrada da inaugurado enunciação por uma no enunciado “abertura<br />
performativa”, um processo narrativo que se presta a “um recorte destinado a<br />
produzir representam unidades aquilo de de conteúdo”. que fala a História; E complementa: enquanto “Essas significados, unidades não de são conteúdo nem o<br />
referente referente puro recortado, nem o nomeado, discurso já completo: inteligível, o conjunto mas ainda delas não é submetido constituído a pelo uma<br />
sintaxe”.<br />
Distinta da “unidade de conteúdo” é a “unidade do discurso”, entendida<br />
como suas significações uma unidade ideológicas. temática Essa que dicotomia constitui o reflete processo o estatuto da narração do discurso histórica histórico, em<br />
resumido na contraposição do “discurso do real” e “discurso do imaginário”.<br />
Sendo instância uma “imaginária”, elaboração visto ideológica, que “o imaginário o discurso é a linguagem histórico encerra pela qual também o enunciante uma<br />
de (entidade um discurso psicológica (entidade ou puramente ideológica)” lingüística) (BARTHES, ‘preenche’ 1984, p. o 155). sujeito da enunciação<br />
partindo O do discurso “discurso histórico naHistória” apresenta, (do portanto, acontecimento) uma conotação promove uma simbólica separação que,<br />
entre o ideológico e o simbólico, constituindo, através das representações de<br />
que sentidos, encerra. o “discurso Assim, a da pena História”, e o crime revelado perdem nas sua diferentes força jurídica, formações sacralizando discursivas<br />
mito, simbolicamente constituído no contexto de outra formação discursiva que o<br />
constrói a simbologia de Tiradentes, associada discursiva e historicamente à<br />
Inconfidência.Portanto, mito e denominação confundem-se na mesma formação<br />
discursiva que perenizou o “discurso da História”.<br />
suas idéias, Se a articuladas Inconfidência no contexto não vingou do poder como colonial, uma ação foram revolucionária o “poder lingüístico” efetiva,<br />
da que História”, lhe restou renovador e que, através e revolucionário, do “discurso na expressando História”, promoveu a “vontade” o “discurso de uma<br />
coletividade que se perenizou na imagem de Tiradentes.<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
23
REFERÊNCIAS<br />
Deputados. AUTOS de Belo devassa Horizonte: da Inconfidência Imprensa Oficial Mineira. de Minas Brasília: Gerais, Câmara 1976. 10 dos v.<br />
BAHKTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:<br />
Hucitec, 1981 [1929].<br />
BARTHES, Roland. Da história ao real. O discurso da história. In: ______. O<br />
rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988 [1984].<br />
1987.<br />
BOBBIO, N. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Edições Graal,<br />
DOSSE, F. A história em migalhas: dos annales à nova história. São Paulo:<br />
Ensaio, 1992.<br />
DUCROT, ______.Princípios Oswald. Descrições de semântica definidas lingüística. e pressupostos São existenciais. Paulo: Cultrix, In: 1977.<br />
linguagem ______. Os e lógica. indefinidos São Paulo: e a enunciação. Global Universitária, In: ______. 1981. Provar e dizer:<br />
FOUCAULT, Universitária, M. 1987 A arqueologia (1969). do saber. Rio de Janeiro: Forense<br />
MARK, K.; ENGELS, F.A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989<br />
[1846].<br />
MAXWELL, K. A devassa da devassa.A Portugal, 1750-1808.<br />
Inconfidência Mineira: Brasil e<br />
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.<br />
PARRET, H. Enunciação e pragmática. Campinas: Ed. Unicamp, 1988.<br />
POSSENTI, H.- Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 1988.<br />
RICOUER, P. Interpretação e ideologia. São Paulo: Francisco Alves, 1977.<br />
______. Interpretação do mito da pena. In: ______. O conflito das<br />
interpretações. Porto, Portugal: Ed. Rés, 1988.<br />
Recebido em 17/03/03. Aprovado em 15/05/03.<br />
24 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003
TITLE: discoursive The mediation movement of Inconfidência Mineira in Brazil:<br />
AUTHOR: Júnia Diniz Focas<br />
ABSTRACT:<br />
movement By focusing in Brazil) on and the its Inconfidência discursive production, Mineira (an we wish 18th<br />
to century investigate independence<br />
process born at the heart of the political and economical scenario of Minas a dialectical<br />
county. We will analyse sets of discursive units characterized by specific Gerais<br />
evasive discourse as a mode of “double saying”, paraphrasing and polysemy. traits:<br />
inconfidentes Our goal here (conspirers), is to analyse produced the discursive in the context workings of official of the inquiries, speech through of the<br />
the literal presence meanings, of not and very polysemy, precise (evasive) which produces statements, the displacement paraphrases, which of meanings create<br />
Analysis, through ambiguities. aims to unveil The the present meanings study, of Portuguese drawing from colonial the area power, of French and to investigate Discourse<br />
how meanings. the discourse Within this of freedom discursive of context the Minas emerged Gerais a conspirers contradictory emerged speech, from at those<br />
submissive and rebellious, in which the evasive discourse of the inconfidentes, once<br />
under From such Portuguese an entanglement repression, of constituted meanings the the “discourseof convicted defendant History” Tiradentes.<br />
product of the clash of ideological meanings in the “discoursein History”, is creating born, a<br />
a symbol KEYWORDS: of independence Discourse, and paraphrase, a national identity. polysemy, ambiguity.<br />
TITRE: Inconfidência mineira: les médiations discursives<br />
AUTEUR: Júnia Diniz Focas<br />
RÉSUMÉ:<br />
historique Lorsque du que Brésil) l’on considère et ses réalisations l’Inconfidência discursives, Mineira on analyse, (un mouvement<br />
processus dialectique dont l’origine est à repérer dans le centre en politique effet, un<br />
économique de la Capitania de Minas Gerais. On a affaire à des ensembles et<br />
d’unités discursives dont on dégage certaines particularités: le discours évasif,la<br />
Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003<br />
25
paraphrase, inconfidentes, la qui polysémie. se crée, dans Notre le contexte but est des celui fouilles d’ judiciaires, analyser le par discours des énoncés des<br />
évasifs, polysémie par qui la produit, paraphrase par (qui les ambigüités, fait place au les sens décalages littéral) de et, sens. finalement, par la<br />
colonial Inscrite et y dans rattache l’ Analyse le discours du Discours, de libération cette étude des conspirateurs dévoile les sens de du Minas. pouvoir<br />
cadre énonciatif est la source d’un discours contradictoire, à la fois soumis Ce<br />
rebelle, où le discours évasif des inconfidentes,dans l’instance de la répression et<br />
portugaise, discoursdea constitué l´Histoire, le qui, condamné: à son tour, Tiradentes. découle Voilà de le la contexte confrontation d´où émerge des sens le<br />
idéologiques l´indépendance du et discours de l´identité dans nationale. l´histoire, qui donne naissance au symbole de<br />
MOTS-CLÉS: Discours, énonciation, paraphrase, polysémie, ambigüité.<br />
TÍTULO: Inconfidência Mineira: mediacciones discursivas<br />
AUTOR: Júnia Diniz Focas<br />
discursivas, RESUMEN: analisamos Al enfocarnos un proceso la “Inconfidência dialéctico nacido Mineira” en el y sus núcleo realizaciones<br />
económico de la “Capitania de Minas Gerais”. Trabajamos con conjuntos político dey<br />
forma unidades de “duplo discursivas decir”, con la particularidades paráfrasis y la plurisemia específicas: que el lleva discurso al desvío evasivo, de sentido como<br />
a desvendando través de las los ambigüedades. sentidos del poder El estudio colonial está basado y de cómo en el desde análisis ellos del aparece Discurso,<br />
habla de la libertad de los conspiradores mineros. De ese cuadro enunciativo el<br />
surgió cual el una discurso habla evasivo contradictoria, de los inconfidentes, al mismo tiempo en que la instancia submisa de y rebelde, la represión en la<br />
portuguesa, nace el “discurso estableció de la el historia”, reo condenado-Tiradentes. fruto del choque de De sentidos ese sentido ideológicos intrincado en el<br />
“discursoen la Historia”, fundamentador del símbolo de la independencia y da<br />
la identidad nacional.<br />
PALABRAS-CLAVE: Discurso, enunciación, paráfrasis, ambigüedad.<br />
26 Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 9-26, jan./jun. 2003