relatório sobre os usos e costumes no posto administrativo de chinga
relatório sobre os usos e costumes no posto administrativo de chinga
relatório sobre os usos e costumes no posto administrativo de chinga
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
222<br />
Francisco A. Lobo Pimentel<br />
que o preto, também da espécie humana, embora alguns europeus não o<br />
queiram classificar como tal, tem nítida percepção <strong>de</strong> qualquer injustiça<br />
que lhe seja feita, assim como reconhece a justiça que se lhe faz, chegando<br />
a agra<strong>de</strong>cer, finda a pena, com uma das tais continências à «paisana».<br />
Em meu enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>vem<strong>os</strong> procurar fazer justiça a quem a merece,<br />
lembrando-n<strong>os</strong> sempre <strong>de</strong> que tem<strong>os</strong> <strong>de</strong>veres para com <strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> semelhantes<br />
e entre eles «não fazer a outrem o que não queiram<strong>os</strong> que n<strong>os</strong><br />
façam». O ho mem injusto é certamente odiado pel<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> amig<strong>os</strong><br />
(mas não <strong>os</strong> <strong>de</strong> Peniche) e «amicum per<strong>de</strong>re est dam<strong>no</strong>rum maximum»,<br />
ou seja, «per<strong>de</strong>r um amigo é a maior das perdas».<br />
Consi<strong>de</strong>ro realmente o indígena como inferior e não como escravo<br />
e, mesmo para este, necessário se torna a benevolência; a história antiga<br />
dá-n<strong>os</strong> fact<strong>os</strong> que põem em evidência esta <strong>no</strong>rma.<br />
Um outro facto que m<strong>os</strong>tra que o superior <strong>de</strong>ve ser afável para com<br />
<strong>os</strong> seus inferiores, correspon<strong>de</strong>ndo às <strong>de</strong>monstrações submissas e respeit<strong>os</strong>as<br />
por parte <strong>de</strong>stes, é o seguinte: um cavalheiro inglês William Goch,<br />
governador <strong>de</strong> Virgínia, achava-se conversando com uns indivídu<strong>os</strong> em<br />
Williamburgo, quando passou um preto que o cumprimentou, cumprimento<br />
que foi correspondido pelo governador; vendo isto, o outro disse:<br />
«Então V. Ex. a abaixa -se para saudar um negro?», ao que o governador<br />
respon<strong>de</strong>u: «Certamente, pois sentia muito que o negro se m<strong>os</strong>trasse<br />
mais <strong>de</strong>licado do que eu.» (Ima ginem<strong>os</strong> o original do quadro, e façam<strong>os</strong><br />
uma i<strong>de</strong>ia da cara <strong>de</strong> parvo com que o outro ficou, com a fidalguia e<br />
todas as suas qualida<strong>de</strong>s).<br />
Em Esparta viu Demo<strong>no</strong>ux um cidadão maltratar barbaramente<br />
(como o sentenciado Ramalho na estrada) um escravo e disse-lhe: «Cessa<br />
<strong>de</strong> m<strong>os</strong>trar-te semelhante a teu escravo.»<br />
Para que o europeu p<strong>os</strong>sa fazer justiça ao preto, precisa <strong>de</strong> lhe conhecer<br />
as tradicionais manhas, estudar atentamente <strong>os</strong> seus hábit<strong>os</strong>;<br />
conhecer a língua indígena o suficiente para compreen<strong>de</strong>r e fazer-se<br />
compreen<strong>de</strong>r, para não estar à mercê dum intérprete também preto, mas<br />
perig<strong>os</strong>íssimo para bem da justiça. Provado está que é imp<strong>os</strong>sível, por<br />
enquanto, aplicar a n<strong>os</strong>sa legislação penal ao preto e, como tal, necessário<br />
se torna elaborar códig<strong>os</strong> espe ciais, respeitando, <strong>de</strong>ntro do p<strong>os</strong>sível,<br />
<strong>os</strong> us<strong>os</strong> e c<strong>os</strong>tumes.<br />
E-BOOK CEAUP 2008