Baixar - Circuito de Alta Decoração
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circuito gente 18<br />
Com envolvente estilo que misturava graça e<br />
malícia ingênua, Carmen tornou-se um ícone das<br />
massas, a primeira artista multimídia do Brasil.<br />
Pioneira, foi a maior estrela do disco, do rádio, do<br />
cinema, dos teatros, da mídia, e dos cassinos brasileiros.<br />
Talentosa, não só cantava, dançava e atuava,<br />
mas sabia, intuitivamente, transitar com <strong>de</strong>senvoltura<br />
pelo que viria a se tornar a indústria cultural, ao<br />
mesmo tempo criando e sendo criada por esse novo<br />
mundo do entretenimento que se <strong>de</strong>senhava.<br />
Carmen Miranda ousou cantar samba numa<br />
época em que o ritmo era abafado nos quintais da<br />
periferia, visto com <strong>de</strong>sconfiança pela caucasiana<br />
família brasileira - uma “coisa <strong>de</strong> marginal”, <strong>de</strong><br />
“mulatos <strong>de</strong>socupados”. Inventiva, tratava <strong>de</strong> cantar<br />
à sua maneira, muitas vezes trocando a letra das<br />
músicas, acrescentando uma bossa própria, um jeito<br />
<strong>de</strong> sublinhar as palavras com seus muitos erres vibrantes.<br />
De Lamartine Babo a Ary Barroso, eternizou<br />
os mais importantes compositores <strong>de</strong> seu tempo da<br />
música brasileira e partiu para os Estados Unidos.<br />
Ganhou Hollywood, fincou os pés na calçada da<br />
fama, virou <strong>de</strong>senho animado da Disney. Foi acusada<br />
no Brasil <strong>de</strong> ser instrumento da estratégia americana<br />
<strong>de</strong> boa vizinhança antes da Segunda Guerra, <strong>de</strong><br />
servir ao populismo <strong>de</strong> Getúlio Vargas, <strong>de</strong> acentuar<br />
os estereótipos do Brasil, <strong>de</strong> rebuscar os gestos, <strong>de</strong><br />
“americanizar-se”.<br />
A mesma Carmen dadaísta que Caetano cantou<br />
em versos tropicalistas e que se tornou a caricatura<br />
e a radiografia do tropicalismo já tinha sido hostilizada<br />
por esses velhos baianos. Os filhos <strong>de</strong> João<br />
Gilberto, rebuscados, todos “bossa”, também diziam<br />
que “ela voltou americanizada”. Até que os baianos<br />
se renovaram e beberam da “fonte tropicália” <strong>de</strong><br />
Oiticica, na primeira tentativa <strong>de</strong> impor uma imagem<br />
brasileira ao contexto da vanguarda mundial da época,<br />
reproduzindo a arquitetura orgânica das favelas,<br />
manifestando-se contra o conformismo político,<br />
cultural e social.<br />
Esse novo cenário musical que crescia na Bahia<br />
era a voz <strong>de</strong> um movimento social que queria comer<br />
<strong>de</strong> tudo, sem regimes, nem restrições. Um banquete<br />
antropofágico que canibalizava sem pudor a força do<br />
estrangeiro, <strong>de</strong>monstrando uma liberda<strong>de</strong> um tanto<br />
incômoda para os nacionalistas. Nessa nova estética<br />
multifacetada, eletrizante, on<strong>de</strong> tudo se misturava e<br />
se reapresentava inédito, caía como vatapá no acarajé<br />
a estética <strong>de</strong> uma mulher nascida em Portugal,<br />
criada na marginalida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que assumiu<br />
uma “estilização espalhafatosamente vulgar” da<br />
roupa <strong>de</strong> baiana, conquistou com seus balangandãs<br />
a nação mais po<strong>de</strong>rosa do planeta, virou a atriz mais<br />
bem paga <strong>de</strong> Hollywood e ainda encarnou a porta-<br />
-ban<strong>de</strong>ira do Brasil.