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A dialética presente nos manuscritos matemáticos de Marx ... - CIMM

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A <strong>dialética</strong> <strong>presente</strong> <strong>nos</strong> <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Marx</strong> sobre o cálculo diferencial (CO)<br />

Edson Benedito Antunes Ângelo da Silva 1<br />

UFMT – Mestrado em Educação Matemática<br />

edinhoangelo@hotmail.com<br />

Resumo<br />

Este trabalho está relacionado com <strong>nos</strong>sa pesquisa <strong>de</strong> mestrado, que terá como objetivo a análise<br />

da abordagem do Cálculo Integral e Diferencial. Neste artigo <strong>nos</strong> propusemos a analisar como a<br />

<strong>dialética</strong> se faz <strong>presente</strong> <strong>nos</strong> estudos <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> relacionados à matemática e apresentar a lei da<br />

negação da negação como fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas que po<strong>de</strong>m auxiliar os estudantes e <strong>de</strong>smistificar<br />

o processo ensino-aprendizagem da matemática. Apontamos algumas características do<br />

materialismo histórico e dialético proposto por <strong>Marx</strong>. Elencamos alguns motivos que o teriam<br />

levado a estudar matemática apontando algumas conexões com o seu contexto histórico, bem<br />

como o que o levaram a <strong>de</strong>ixar muitos dos seus <strong>manuscritos</strong> inacabados. Apresentamos algumas<br />

das concordâncias e críticas <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> sobre os feitos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s homens que ajudaram a<br />

estruturar o Cálculo Diferencial. Nas consi<strong>de</strong>rações finais falamos sobre a relevância <strong>de</strong>ste<br />

estudo no resgate da história da matemática e <strong>de</strong> suas reformulações conceituais.<br />

Palavras Chave: Dialética. Matemática. Manuscritos. Cálculo Diferencial. Cálculo Integral.<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

Um breve histórico <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong><br />

Karl Heinrich <strong>Marx</strong> nasceu em 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1818 em Trier (Tréves), na Renânia alemã e<br />

faleceu em Londres no dia 14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1883. Estudou Direito em Bonn e Berlin on<strong>de</strong> durante<br />

a sua estada (1837-1841) entra em contato com a filosofia <strong>de</strong> Hegel (1770-1831). Revoluciona o<br />

pensamento filosófico ao fundar a doutrina marxista na década <strong>de</strong> 1840, notadamente pela<br />

conotação política explícita nas suas i<strong>de</strong>ias.<br />

Apesar <strong>de</strong> suas raízes <strong>de</strong> visão <strong>de</strong> mundo estarem ligadas as idéias <strong>de</strong> Hegel e, <strong>de</strong> maneira<br />

essencial, seu pondo <strong>de</strong> vista dialético da compreensão da realida<strong>de</strong>, não vinculou estas i<strong>de</strong>ias ao<br />

espírito absoluto hegeliano, mas as <strong>de</strong>senvolveu <strong>de</strong>ntro da sua concepção materialista <strong>de</strong> mundo<br />

na qual reconhece que a realida<strong>de</strong> existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da consciência.<br />

[...] afirmando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir do real para se produzir conhecimento,<br />

<strong>de</strong> se buscar a lei <strong>de</strong> transformação do fenômeno, <strong>de</strong> se buscar as relações e<br />

conexões <strong>de</strong>sse fenômeno com a totalida<strong>de</strong> que o torna concreto, reconhecendo<br />

o momento <strong>de</strong> análise como o momento <strong>de</strong> abstração, o que o torna a<br />

reinserção do fenômeno na realida<strong>de</strong> passo imprescindível do método; e,<br />

finalmente, afirmando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reconhecer no sujeito produtor <strong>de</strong><br />

conhecimento a ativida<strong>de</strong> <strong>presente</strong> em cada momento do método, que torna o<br />

1 Mestrando do Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Educação – Linha <strong>de</strong> Pesquisa: Educação em Ciências e Educação<br />

Matemática; Grupo <strong>de</strong> Pesquisa: Educação Matemática, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mato Grosso – UFMT.<br />

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XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

conhecimento, a um só tempo, representativo do real e produto humano,<br />

marcado pela ativida<strong>de</strong> do homem. [...] Para apreen<strong>de</strong>r o real <strong>de</strong>ve-se, assim,<br />

partir dos fenôme<strong>nos</strong> da realida<strong>de</strong>, dos fenôme<strong>nos</strong> que existem e que são<br />

exter<strong>nos</strong> ao homem, que são concretos, e não aquilo que existe na cabeça dos<br />

homens, as suas idéias, os seus pensamentos: (ANDERY, 2001, p. 416).<br />

O marxismo compreen<strong>de</strong> três aspectos principais: o materialismo dialético, o<br />

materialismo histórico e a economia política.<br />

O materialismo dialético, base filosófica do marxismo, que contraria em absoluto as leis<br />

da metafísica, busca explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenôme<strong>nos</strong> da natureza, da<br />

socieda<strong>de</strong> e do pensamento.<br />

[...] para constituir, no materialismo dialético, uma concepção científica da<br />

realida<strong>de</strong>, enriquecida com a prática social da humanida<strong>de</strong>. [...] mas também<br />

aspira ser a teoria orientadora da revolução do proletariado. [...] Ao invés <strong>de</strong><br />

um saber específico e limitado a <strong>de</strong>terminado setor do conhecimento, o pensar<br />

filosófico tem como propósito fundamental o estudo das leis mais gerais que<br />

regem a natureza, a socieda<strong>de</strong> e o pensamento e, como a realida<strong>de</strong> objetiva, ser<br />

reflete na consciência. Isto leva ao estudo da teoria do conhecimento e à<br />

elaboração da lógica. Através do enfoque dialético da realida<strong>de</strong>, o materialismo<br />

dialético mostra como se transforma a matéria e como se realiza a passagem<br />

das formas inferiores às superiores. (TRIVIÑOS, 1987, p. 51)<br />

É provável que uma das idéias mais originais do materialismo dialético <strong>de</strong>fendido por<br />

<strong>Marx</strong> tenha sido ressaltar, na teoria do conhecimento, a importância da prática social como<br />

critério <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Para ele, as verda<strong>de</strong>s científicas significam níveis <strong>de</strong> conhecimentos<br />

limitados pela história, não significando, entretanto, a incapacida<strong>de</strong> do ser humano chegar a <strong>de</strong>ter<br />

a verda<strong>de</strong>.<br />

Seu <strong>de</strong>votado amigo Engels, <strong>de</strong>fine a <strong>dialética</strong> como “... a ciência das leis universais <strong>de</strong><br />

todo o movimento. Isto inclui o facto <strong>de</strong> tais leis po<strong>de</strong>rem ser válidas tanto para o movimento na<br />

natureza e na história humana como para o movimento do pensamento.” (MEW, apud GERDES,<br />

2008, p. 85).<br />

A partir <strong>de</strong>sta concepção, <strong>Marx</strong> enten<strong>de</strong> que a relevância da matemática consiste em<br />

refletir os processos <strong>de</strong> mudança do mundo real, sendo ela “do núcleo mais profundo do processo<br />

dialéctico, da essência da mudança.” (STRUIK apud GERDES, 2008, p. 82).<br />

Assim, a <strong>de</strong>scoberta resi<strong>de</strong> na compreensão do processo dialético e este é caracterizado<br />

pela negação da negação, on<strong>de</strong> a primeira negação exprime a compreensão do processo <strong>de</strong><br />

transformação e a segunda negação, conseqüência imediata da primeira serve para restabelecer<br />

uma igualda<strong>de</strong> algébrica, em outras palavras a negação da negação é: “[...] Uma lei do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da natureza, da história e do pensamento, extremamente geral e, por isso, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> impacto e importância; uma lei que é válida, ... no mundo dos animais e das plantas, na<br />

geologia, na matemática, na história, na filosofia...” (MEW, apud GERDES, 2008, p. 91).<br />

Mais adiante exemplificaremos melhor através da <strong>de</strong>monstração do processo <strong>de</strong><br />

diferenciação elaborado pelo Método <strong>de</strong> D’Alembert e Euler e pelo Método <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, que apesar<br />

<strong>de</strong> ambos chegarem ao mesmo resultado, no método proposto por <strong>Marx</strong> a <strong>de</strong>rivada é<br />

<strong>de</strong>senvolvida sem o que ele chama <strong>de</strong> ‘escamoteação’.<br />

O materialismo histórico, ciência filosófica do marxismo, estuda as leis sociológicas que<br />

caracterizam a vida da socieda<strong>de</strong>, sua “evolução” histórica e a prática social dos homens no<br />

2


<strong>de</strong>senvolvimento da humanida<strong>de</strong>. A tese do materialismo histórico que <strong>Marx</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> são as<br />

formas assumidas pela socieda<strong>de</strong> ao longo <strong>de</strong> sua história que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m das relações<br />

econômicas predominantes em cada momento.<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

Em sua vida produtiva em socieda<strong>de</strong>, os homens participam <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

relações necessárias e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>: relações <strong>de</strong> produção que<br />

correspon<strong>de</strong>m a certa fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas forças produtivas<br />

materiais. Esse conjunto <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> produção constitui a estrutura<br />

econômica da socieda<strong>de</strong>, que é a base real sobre a qual se erige uma<br />

superestrutura jurídica e política e à qual correspon<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>terminadas formas<br />

sociais <strong>de</strong> consciência [..,] portanto, o modo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> vida material em<br />

geral condiciona o processo da vida social política e espiritual. (MARX apud<br />

ABBAGNANO, 2000, p. 652).<br />

Ao analisar com bastante profundida<strong>de</strong> os estudos <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> po<strong>de</strong>-se perceber<br />

a estreita ligação da matemática com o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>, visto que foram as<br />

necessida<strong>de</strong>s humanas que levaram ao aperfeiçoamento <strong>de</strong>sta ciência.<br />

Um exemplo claro <strong>de</strong>sta ligação e a invenção do Cálculo Infinitesimal que seguiu <strong>de</strong><br />

perto o nascimento do capitalismo. O gran<strong>de</strong> renascimento do comércio e da indústria na Europa,<br />

acompanhado pela ascensão da burguesia <strong>nos</strong> séculos XV, XVI e XVII exercia uma forte<br />

influência sobre a matemática. Ao mesmo tempo, a concentração <strong>de</strong> trabalhadores em cida<strong>de</strong>s<br />

industriais crescentes provocou problemas <strong>de</strong> abastecimento em gêneros alimentícios e água,<br />

entre vários outros problemas. A resolução <strong>de</strong>stes problemas, a serviço do processo <strong>de</strong> produção<br />

capitalista, também levou ao aprimoramento da matemática.<br />

Até o início do século XVIII ainda era possível calcular integrais apoiando-se no teorema<br />

<strong>de</strong> Newton-Leibniz, on<strong>de</strong> a integração era apenas o processo inverso da diferenciação.<br />

Entretanto, no final do século XVIII o crescimento <strong>de</strong> máquinas à vapor, entre outros fatores<br />

sociais e econômicos, exigiu a elaboração <strong>de</strong> métodos mais rigorosos, tornando-se necessário<br />

fundamentar o conceito <strong>de</strong> integral, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos conceitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada e <strong>de</strong> diferencial.<br />

Uma breve síntese <strong>de</strong> parte dos <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong><br />

Paulus Ger<strong>de</strong>s inicia sua obra, Os Manuscritos filosófico-<strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong><br />

sobre o cálculo diferencial. Uma introdução (2008), discorrendo sobre o seu total<br />

<strong>de</strong>sconhecimento, até 1974, das contribuições que <strong>Marx</strong> po<strong>de</strong>ria ter dado à matemática, em<br />

especial, do aporte “[...] para a superação da crise <strong>nos</strong> fundamentos do cálculo diferencial [...]”<br />

comumente associada a autores como Cauchy, De<strong>de</strong>kind, Weierstrass, Cantor (GERDES, 2008,<br />

p. 13), entre outros.<br />

O autor relata sua perplexida<strong>de</strong> diante da obra Manuscritos Matemáticos <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>. A<br />

princípio hesita em acreditar tratar-se do mesmo filósofo fundador do materialismo histórico e<br />

dialético (GERDES, 2008, p. 13), porém recorda-se do primeiro tomo <strong>de</strong> O Capital (1867), on<strong>de</strong><br />

havia sentido o raciocínio <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, e, após ler atenciosamente o prefácio <strong>de</strong> tal obra põe fim à<br />

sua dúvida. Esse primeiro contato ocorreu no ano <strong>de</strong> 1974, aproximadamente cem a<strong>nos</strong> <strong>de</strong>pois os<br />

<strong>manuscritos</strong> terem sidos elaborados.<br />

3


“Estes malditos erros <strong>de</strong> cálculo, que os leve consigo o diabo. Contudo, isto não importa.<br />

Comecemos <strong>de</strong> novo” (MARX apud GERDES, 2008, p. 15). Esta frase dita por <strong>Marx</strong> ao elaborar<br />

a teoria da mais-valia, clarifica os motivos que o levaram a re-estudar a matemática.<br />

Em carta datada <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1858, dirigida ao amigo Engels, <strong>Marx</strong> comenta que<br />

“Na elaboração dos princípios econômicos, fiquei tão abominavelmente retido por erros <strong>de</strong><br />

cálculo, que, <strong>de</strong>sesperado, comecei <strong>de</strong> novo a percorrer a álgebra” (MARX apud GERDES,<br />

2008, p. 16). Após empreen<strong>de</strong>r seus estudos na álgebra, envereda-se no estudo da geometria<br />

analítica e do cálculo diferencial.<br />

Os sofrimentos na vida pessoal, aliados a sua intensa vida política, fizeram com que <strong>Marx</strong><br />

<strong>de</strong>ixasse inacabados muitos dos seus trabalhos, <strong>de</strong>ntre eles os seus <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong>, os<br />

quais Engels <strong>de</strong>sejava reunir e publicar mais tar<strong>de</strong>.<br />

Porém era nestes momentos <strong>de</strong> sofrimentos é que <strong>Marx</strong> recorria ao estudo da matemática<br />

para relaxar. Como escreve Franz Mehring (1846-1919) um dos primeiros biógrafos <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>:<br />

“Um outro campo ao qual <strong>Marx</strong> ia buscar <strong>de</strong>scanso para o seu espírito, sobretudo <strong>nos</strong> dias <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> dor espiritual ou física, era o da matemática, que a sobre ele uma influência<br />

apaziguadora.” (MEHRING apud GERDES, 2008, p. 16).<br />

Isto po<strong>de</strong> ser observado em outras cartas do filósofo enviadas ao amigo Engels. Uma<br />

datada <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1860, ele comenta: “Escrever artigos é-me quase impossível. A<br />

única ocupação que me po<strong>de</strong> ajudar a manter a necessária tranqüilida<strong>de</strong> mental, é a matemática”<br />

(MARX apud GERDES, 2008, p. 16). Em outra escrita em 06 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1863, diz: “Nos<br />

tempos livres <strong>de</strong>dico-me ao cálculo diferencial e integral. (...)” (MARX apud GERDES, 2008, p.<br />

17), ou quando, em 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865, <strong>de</strong>staca o papel <strong>de</strong>sempenhado pela matemática na sua<br />

distração, “Nas horas <strong>de</strong> intervalo – porque não se po<strong>de</strong> escrever constantemente – <strong>de</strong>dico-me ao<br />

cálculo diferencial dy/dx. Não tenho paciência para ler qualquer outra coisa. Todas as outras<br />

leituras fazem-me voltar à mesa para escrever.” (MARX apud GERDES, 2008, p. 17).<br />

Nem mesmo a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> física ou mental, ocasionada pelos sofrimentos da vida pessoal,<br />

fizeram com que <strong>Marx</strong> diminuísse o seu trabalho político e científico, bem como aos estudos da<br />

matemática.<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

... no fim da sua vida, <strong>Marx</strong> fez um estudo muito profundo da matemática<br />

superior com um objectivo duplo: pôr as leis econômicas, enunciadas por ele<br />

em O Capital, em forma algébrica e estudar, do ponto <strong>de</strong> vista da dialéctica,<br />

alguns modos <strong>de</strong> raciocínio da análise matemática. (LABÉRENNE, apud<br />

GERDES, 2008, p. 18).<br />

<strong>Marx</strong> previa a “possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicando a matemática, elevar o nível científico da<br />

economia política” (GERDES, 2008, p. 18) e, assim comenta em nova carta escrita a Engels,<br />

[...] Ao analisar as crises, tentei algumas vezes calcular estes movimentos para<br />

cima e para baixo, como curvas irregulares. E pensava po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminar assim<br />

matematicamente (ainda penso que seja possível com material suficientemente<br />

peneirado) as leis principais das crises. (MARX apud GERDES, 2008, p. 19).<br />

Vários <strong>manuscritos</strong> <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, entre eles os seus <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> ficaram<br />

inacabados em virtu<strong>de</strong> do seu intenso trabalho político <strong>de</strong> organização e ainda por ser<br />

extremamente exigente consigo mesmo como cientista, só publicando suas obras quando tinha<br />

certeza da qualida<strong>de</strong> e profun<strong>de</strong>za da análise. Aliado a isso seus problemas financeiros e a perda<br />

<strong>de</strong> três filhos e da esposa Jenny o fizeram interromper constantemente seus trabalhos.<br />

4


Depois da morte <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong>, Engels pretendia publicar os seus <strong>manuscritos</strong><br />

<strong>matemáticos</strong>, porém com a sua morte estes valiosos documentos foram herdados pelos alemães,<br />

que após submetê-los à análise <strong>de</strong> outros <strong>matemáticos</strong> não julgaram merecedores <strong>de</strong> atenção,<br />

possivelmente porque não foram capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o papel da <strong>dialética</strong> na matemática e<br />

na natureza, razão pela qual sua publicação bastante tardia, tendo sido, os Manuscritos<br />

Matemáticos, publicados parcialmente apenas em 1933, por ocasião do 50º aniversário da morte<br />

<strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, apesar que em 1931, o professor Ernst Colman (1893-1979), no Congresso<br />

Internacional sobre a História da Ciência e da Tecnologia, realizado em Londres, ter divulgado a<br />

lista dos escritos <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong> exaltando sua importância numa palestra ao afirmar:<br />

“Os escritos <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> sobre a matemática e a sua história, até agora não publicados... são <strong>de</strong><br />

tremenda importância metodológica.” (COLMAN apud GERDES, 2008, p. 22).<br />

Os <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, objeto <strong>de</strong>ste trabalho, variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> apontamentos<br />

provisórios até <strong>manuscritos</strong> completos, abrangem a resolução <strong>de</strong> equações algébricas <strong>de</strong> grau<br />

superior, séries, geometria analítica e, a maior parte <strong>de</strong>dicada, à investigação do cálculo<br />

diferencial, num total <strong>de</strong> 1000 páginas.<br />

Conforme sugere o título <strong>de</strong>ste ensaio, <strong>nos</strong> limitaremos a sintetizar <strong>de</strong>ntro da obra Os<br />

<strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong> apenas aos <strong>de</strong>talhes referentes a <strong>dialética</strong> <strong>presente</strong> <strong>nos</strong><br />

seus estudos <strong>matemáticos</strong>.<br />

Convencido da aplicabilida<strong>de</strong> do Cálculo Diferencial e Integral para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> sua teoria, <strong>Marx</strong> proce<strong>de</strong> uma análise crítica e profunda <strong>de</strong> um vasto material sobre o assunto<br />

e completa duas pesquisas sobre o conceito <strong>de</strong> função <strong>de</strong>rivada e sobre o diferencial. Porém,<br />

durante o estudo dos manuais escritos sob a influência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>matemáticos</strong> dos séculos XVII<br />

e XVIII, <strong>de</strong>ntre eles, Newton, Leibniz, Euler, D’Alembert e Lagrange, <strong>Marx</strong> constatou algumas<br />

interpretações muito diversas e contraditórias dos conceitos básicos, tais como, os <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivada e<br />

<strong>de</strong> diferencial, a ponto <strong>de</strong> levantar indagações tais como: “[...] a <strong>de</strong>rivada baseia-se no diferencial<br />

ou vice-versa? O diferencial é pequeno e constante? Ou ten<strong>de</strong> para zero? Ou é igual a zero?”<br />

(MARX apud GERDES, 2008, p. 28).<br />

Todavia, <strong>Marx</strong> não foi o primeiro a criticar a opinião <strong>de</strong> Newton e Leibniz. Mas ele se viu<br />

obrigado a aprofundar a sua análise do Cálculo Diferencial para po<strong>de</strong>r chegar a uma<br />

fundamentação materialista do Cálculo Infinitesimal. Karl <strong>Marx</strong> achava<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

[...] místico o cálculo diferencial <strong>de</strong> Newton e Leibniz por eles terem<br />

introduzido metafisicamente os diferenciais dx e dy, ou seja, as gran<strong>de</strong>zas<br />

infinitamente pequenas, sem ter <strong>de</strong>ixado claro o seu nascimento e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, nem ter analisado a natureza das suas proprieda<strong>de</strong>s<br />

específicas. (GERDES, 2008, p. 41-42).<br />

Para <strong>Marx</strong>, um outro passo importante para o <strong>de</strong>senvolvimento dos métodos do cálculo<br />

diferencial foi o estudo do cálculo diferencial do francês Jean D’Alembert (1717-1783) e do<br />

suíço-russo Leonhard Euler (1707-1783), os quais nas palavras <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> alcançaram “...um<br />

progresso enorme ao afastar o cálculo diferencial do seu vestido místico.” (MARX apud<br />

GERDES, 2008, p. 42). <strong>Marx</strong> chamava <strong>de</strong> racional o cálculo diferencial <strong>de</strong> D’Alembert e Euler,<br />

pois chegavam aos mesmos resultados obtidos por Newton e Leibniz, só que <strong>de</strong>sta vez por meio<br />

<strong>de</strong> corretas operações matemáticas, sem escamoteação, daí chamá-la <strong>de</strong> racional.<br />

Entretanto, na opinião <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, D’Alembert e Euler ainda não tinham apercebido da<br />

profunda <strong>dialética</strong> do processo <strong>de</strong> diferenciação, pois apesar do método <strong>de</strong>les estar formalmente<br />

correto, o resultado final já é conhecido, ou seja, já está <strong>presente</strong> antes da diferenciação ou antes<br />

5


do cálculo, sendo assim a sua <strong>de</strong>dução, na essência, idêntica a <strong>de</strong> Leibniz e Newton. Na metáfora<br />

criada por <strong>Marx</strong> “... feto ao lado da mãe, antes <strong>de</strong> ter sido fecundado”? (MARX apud GERDES,<br />

2008, p. 54)<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

<strong>Marx</strong> rejeita tanto a opinião <strong>de</strong> Leibniz <strong>de</strong> dy/x ser o quociente <strong>de</strong> duas<br />

‘gran<strong>de</strong>zas infinitamente pequenas’, como também a idéia <strong>de</strong> Euler <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar dy/dx no sentido duma ‘razão geométrica <strong>de</strong> dois zeros.’ Nada <strong>de</strong><br />

misterioso: dy/dx é apenas uma notação simbólica para a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong>finitiva.<br />

(GERDES, 2008, p. 60)<br />

D’Alembert e Euler partem <strong>de</strong> x1 = x0 + ∆x. Ao partir da soma x0 + ∆x trata ∆x como uma<br />

gran<strong>de</strong>za distinta e separada <strong>de</strong> x0. Por exemplo: seja y = x 2 + 4x, pelo método <strong>de</strong> D’Alembert e<br />

Euler o cálculo do diferencial seria o seguinte:<br />

y1 = f(x0 + ∆x) = (x0 + ∆x) 2 + 4(x0 + ∆x) =<br />

= (x0) 2 + 2x0.∆x + (∆x) 2 + 4x0 + 4∆x =<br />

= (x0) 2 + 4x0 + (2x0 + 4).∆x + (∆x) 2 .<br />

∆y = y1 – y0 = {(x0) 2 + 4x0 + (2x0 + 4).∆x + (∆x) 2 } – {(x0) 2 + 4x0}<br />

= (2x0 + 4).∆x + (∆x) 2 .<br />

∆y = (2x0 + 4) + ∆x.<br />

∆x<br />

Pondo ∆x = 0, obtém-se 0 = 2x0 + 4, ou seja, dy = 2x0 + 4<br />

0 dx<br />

Observe que a <strong>de</strong>rivada 2x0 + 4 aparece logo no início. Segundo <strong>Marx</strong> a soma com ∆x,<br />

“Não reflecte o movimento” (GERDES, 2008, p. 56-57). E é esta falha que ele preten<strong>de</strong><br />

ultrapassar.<br />

Aplicando-se no mesmo exemplo pelo Método proposto por <strong>Marx</strong> temos:<br />

y1 = (x1) 2 + 4x1 e y0 = (x0) 2 + 4x0.<br />

∆y = y1 – y0 = {(x1) 2 + 4x1} – {(x0) 2 + 4x0} =<br />

= {(x1) 2 – (x0) 2 } + 4(x1 – x0) =<br />

= (x1 + x0) (x1 – x0) + 4(x1 – x0) =<br />

= (x1 – x0) (x1 + x0 + 4).<br />

∆y = y1 – y0 = (x1 – x0) (x1 + x0 + 4) = x1 + x0 + 4.<br />

∆x x1 – x0 x1 – x0<br />

6


Quando x1 = x0, obtemos 0 = x0 + x0 + 2x0 + 4, ou seja,<br />

0<br />

dy = 2x0 + 4.<br />

dx<br />

Neste segundo método observa-se um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>senvolvimento da diferenciação, que<br />

<strong>Marx</strong> explica como “um processo dialético, referindo, em particular à negação da negação”<br />

(GERDES, 2008, p. 57)<br />

Assim, quando x cresce ou <strong>de</strong>cresce, torna-se diferente <strong>de</strong> x0. Em outras palavras<br />

‘negamos’ x0, o que representa a primeira negação do processo dialético proposto por <strong>Marx</strong>. Ao<br />

regressar x1 até x0, nega-se o fato <strong>de</strong> x1 ter sido diferente <strong>de</strong> x0, o que representa a segunda<br />

negação, ou seja, a negação da primeira negação e obtém-se a <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong>finitiva.<br />

Após estudar o cálculo segundo D’Alembert e Euler, <strong>Marx</strong> passou a estudar o Cálculo<br />

Diferencial que chamava <strong>de</strong> puramente algébrico <strong>de</strong> Joseph Lagrange (1736-1813), apesar <strong>de</strong>sse<br />

cálculo constituir-se num progresso, por ter se livrado “[...] <strong>de</strong> tudo que lhe parece<br />

transcendência metafísica”, (MARX apud GERDES, 2008, p. 49) ele não prova que cada função<br />

po<strong>de</strong> ser expandida na série <strong>de</strong> potências <strong>de</strong> Taylor. Assim para <strong>de</strong>monstrar que a soma existe,<br />

precisa-se dum conceito <strong>de</strong> limite, exatamente um conceito não-algébrico que Lagrange queria<br />

evitar.<br />

Diante <strong>de</strong>sses fatos, <strong>Marx</strong> busca dar uma melhor fundamentação ao Cálculo Diferencial,<br />

aprofundando ao mesmo tempo, a sua crítica ao cálculo diferencial místico, racional e puramente<br />

algébrico. Ele, ao final, explicará a diferenciação como um processo dialético, referindo-se è<br />

negação da negação, esclarecendo: “Toda a dificulda<strong>de</strong> em compreen<strong>de</strong>r a operação <strong>de</strong><br />

diferenciação (tal como em perceber a negação da negação em geral) resi<strong>de</strong> exactamente em ver<br />

como ela se distingue dum procedimento tão simples e por isso leva a resultados reais.” (MARX<br />

apud GERDES, 2008, p. 58).<br />

O trabalho matemático <strong>de</strong> <strong>Marx</strong>, representado pelos <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> acabados<br />

ou inacabados, constitui uma parte integrante <strong>de</strong> toda a sua obra revolucionária. Ao estudar suas<br />

investigações matemáticas, po<strong>de</strong>mos aprofundar a compreensão do movimento dialético na<br />

teoria matemática, das suas interconexões com o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>senvolver i<strong>de</strong>ias sobre a <strong>dialética</strong> da aprendizagem da matemática criando melhores métodos<br />

para popularizar o processo <strong>de</strong> ensino-aprendizagem <strong>de</strong>sta importante disciplina.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Estamos apenas no início <strong>de</strong> um longo e árduo trabalho que envolverá um estudo mais<br />

aprofundado da teoria marxista, bem como da análise minuciosa dos <strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Marx</strong> aliados ao re-estudo do Cálculo Diferencial e Integral. Será um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, pois como<br />

afirma Vilar, “Jamais alguém se torna marxista lendo <strong>Marx</strong> ou pelo me<strong>nos</strong>, apenas o lendo; mas<br />

olhando em volta <strong>de</strong> si, seguindo o andamento dos <strong>de</strong>bates, observando a realida<strong>de</strong> e julgando-a:<br />

criticamente.” (VILAR, apud ANDERY, 1980, p. 419).<br />

A relevância <strong>de</strong>ste trabalho encontra-se na importância da história da matemática, como<br />

alguns conceitos <strong>matemáticos</strong>, em especial do cálculo diferencial e integral, foram elaborados e<br />

re-elaborados até chegarem ao que é apresentado <strong>nos</strong> dias atuais em livros didáticos que tratam<br />

sobre o assunto.<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

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Imperioso se faz ressaltar que este trabalho não tem a pretensão <strong>de</strong> encerrar o estudo dos<br />

<strong>manuscritos</strong> <strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong>, pois acreditamos que este processo será contínuo até, no<br />

mínimo, a elaboração da <strong>nos</strong>sa dissertação <strong>de</strong> mestrado, on<strong>de</strong> buscaremos por intermédio da<br />

profunda compreensão <strong>de</strong>ste conteúdo, repensar os conteúdos ensinados nas aulas <strong>de</strong> Cálculo<br />

<strong>de</strong>stinados aos cursos <strong>de</strong> Administração, bem como as abordagens apresentadas sobre o mesmo<br />

assunto em diversos livros didáticos. Concluindo “[...] gostaria <strong>de</strong> salientar que os Manuscritos<br />

Matemáticos <strong>de</strong> <strong>Marx</strong> constituem uma fonte <strong>de</strong> inspiração para elevar a qualida<strong>de</strong> da educação<br />

matemática, para po<strong>de</strong>r tornar mais acessível a ciência matemática a todos os estudantes.”<br />

(GERDES, 2008, p. 99).<br />

XIII CIAEM-IACME Recife, Brasil, 2011<br />

Bibliografia e referências<br />

ABBAGNANO, Nicola. (2000). Dicionário <strong>de</strong> Filosofia.<br />

ANDERY, Maria Amália et all. (2001). Para compreen<strong>de</strong>r a ciência: uma perspectiva<br />

histórica.<br />

BOYER, Carl B. (1996). História da Matemática.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque <strong>de</strong> Holanda. (2008). Mini Aurélio: o dicionário da língua<br />

portuguesa.<br />

GERDES, Paulus. (2008). Os <strong>manuscritos</strong> filosófico-<strong>matemáticos</strong> <strong>de</strong> Karl <strong>Marx</strong> sobre o<br />

cálculo diferencial. Uma introdução.<br />

HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro <strong>de</strong> Salles. (2004). Dicionário Houaiss da língua<br />

portuguesa.<br />

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais.<br />

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