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as disputações metafísicas de francisco suárez - Universidade do ...

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Organização<br />

José Francisco Meirinhos<br />

Paula Oliveira e Silva<br />

AS DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS<br />

DE FRANCISCO SUÁREZ<br />

ESTUDOS E ANTOLOGIA DE TEXTOS<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letr<strong>as</strong> da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

2011


AS DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS DE FRANCISCO SUÁREZ<br />

ESTUDOS E ANTOLOGIA DE TEXTOS<br />

Organização: José Francisco Meirinhos / Paula Oliveira e Silva<br />

Capa: Fábrica Mutante<br />

© Autores e Gabinete <strong>de</strong> Filosofi a Medieval / FLUP<br />

Ed. da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letr<strong>as</strong> da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto<br />

Edições Húmus, Lda., 2011<br />

Aparta<strong>do</strong> 7081<br />

4764 -908 Ribeirão – V. N. Famalicão<br />

Telef. 252 301 382 Fax: 252 317 555<br />

humus@humus.com.pt<br />

Impressão: Papelmun<strong>de</strong>, SMG, Lda. – V. N. Famalicão<br />

1.ª edição: Dezembro <strong>de</strong> 2011<br />

Depósito legal: 338223/11<br />

ISBN: 978 -989 -8549 -35-8<br />

1


TÁBUA DE CONTEÚDO<br />

Ao leitor, sobre a Metafísica como ciência humana, José Meirinhos VII<br />

Colaboram neste volume XV<br />

ESTUDOS<br />

Paula Oliveira e Silva<br />

As Disputações Metafísic<strong>as</strong> n<strong>as</strong> encruzilhad<strong>as</strong> da razão oci<strong>de</strong>ntal 3<br />

I – A CIÊNCIA 'METAFÍSICA'<br />

Costantino Esposito<br />

‘Habere esse <strong>de</strong> essentia sua’. Francisco Suárez e a construção <strong>de</strong><br />

uma Metafísica barroca 33<br />

A<strong>de</strong>lino Car<strong>do</strong>so<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre essência e existência: Significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma tese<br />

suareziana 53<br />

Ángel Poncela González<br />

Ens realis et realit<strong>as</strong> objectalis: La <strong>de</strong>terminación suareciana <strong>de</strong>l objeto<br />

<strong>de</strong> la Metafísica 65<br />

Carlos Arthur Ribeiro <strong>do</strong> N<strong>as</strong>cimento<br />

A subalternação d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong> e sua não aplicação à relação d<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong>mais ciênci<strong>as</strong> com a Metafísica 91<br />

José Jival<strong>do</strong> Lima<br />

Os senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ‘substância’ e ‘aci<strong>de</strong>nte’ na Disputação Metafísica<br />

XXXIX <strong>de</strong> Francisco Suárez 99<br />

II – TRANSCENDENTAIS<br />

Paulo Faitanin<br />

De unitate individuale eiusque principio. Francisco Suárez y el<br />

principio <strong>de</strong> la unidad individual <strong>de</strong> la sustancia 115<br />

Santiago Orrego<br />

Distinctio: Los «géneros <strong>de</strong> distinción» – Su senti<strong>do</strong> e importancia<br />

en la ontología <strong>de</strong> Suárez 135


VI TÁBUA DE CONTEÚDO<br />

Paula Oliveira e Silva<br />

Que significa ‘verum’ no conhecimento? O conceito <strong>de</strong> verit<strong>as</strong><br />

cognitionis na Disputação VIII, Secções I e II 173<br />

Roberto Hofmeister Pich<br />

O transcen<strong>de</strong>ntal verum na Disputatio VIII, 7, d<strong>as</strong> Disputationes<br />

Metaphysicae <strong>de</strong> Francisco Suárez 205<br />

III – CAUSALIDADE<br />

Marta Men<strong>do</strong>nça<br />

Caus<strong>as</strong> contingentes e caus<strong>as</strong> livres – o <strong>de</strong>terminismo <strong>de</strong> Suárez na<br />

Disputatio XIX 231<br />

Cruz González-Ayesta<br />

Duns Scotus’s Influence on Disputation XIX 257<br />

Manuel Lázaro Puli<strong>do</strong><br />

Comentário a la Disputatio XXV: Causalidad ejemplar 293<br />

ANTOLOGIA d<strong>as</strong> Disputações Metafísic<strong>as</strong><br />

Razão e percurso <strong>de</strong> toda a obra. Ao Leitor 323<br />

Proémio 327<br />

Disputação I, seção I 329<br />

Disputação I, seção V 351<br />

Disputação V, seções I, II, III, V, VI 355<br />

Disputação VII, secção I 433<br />

Disputação VIII, secções I a V 457<br />

Disputação VIII, seções VII e VIII 497<br />

Disputação XXXI, secção III 535<br />

Disputação XXXIX, secção I 541<br />

ÍNDICES<br />

Autores Antigos, Medievais e <strong>do</strong> Ren<strong>as</strong>cimento 555<br />

Autores Mo<strong>de</strong>rnos e Contemporâneos 559<br />

Índice temático <strong>de</strong> Francisco Suárez 563


RAZÃO E PERCURSO DE TODA A OBRA. AO LEITOR *<br />

Assim como não é possível que alguém se torne um teólogo acaba<strong>do</strong> se<br />

não lançar primeiro os firmes fundamentos da metafísica, <strong>as</strong>sim também<br />

sempre entendi que valesse a pena, antes <strong>de</strong> escrever comentários teológicos<br />

(que em parte já vieram à luz, em parte trabalho para que se completem,<br />

o mais rápi<strong>do</strong>, com o favor <strong>de</strong> Deus), lanç<strong>as</strong>se esta obra, que agora te<br />

ofereço, leitor cristão, cuida<strong>do</strong>samente elaborada. Na verda<strong>de</strong>, por just<strong>as</strong><br />

caus<strong>as</strong>, não pu<strong>de</strong> adiar <strong>as</strong> reflexões sobre a terceira parte <strong>de</strong> santo Tomás e<br />

foi preciso enviá-l<strong>as</strong> à impressão antes <strong>de</strong> tod<strong>as</strong>. A cada dia, no entanto, via<br />

com mais clara luz, o quanto aquela teologia divina e sobrenatural <strong>de</strong>sejava<br />

e requeria esta humana e natural; até que não duvi<strong>de</strong>i em interromper um<br />

pouco aquela obra principiada, pelo que daria, ou melhor, restituiria a esta<br />

<strong>do</strong>utrina metafísica como que o seu lugar e se<strong>de</strong>. Se bem que, ao elaborar<br />

esta obra, tenha <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> que pensei <strong>de</strong> início e <strong>do</strong> que o pedi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> muitos que <strong>de</strong>sejam que aqueles comentários sobre a terceira parte ou<br />

(se é possível esperar) sobre toda a Suma <strong>de</strong> santo Tomás sejam termina<strong>do</strong>s,<br />

nunca pu<strong>de</strong> me arrepen<strong>de</strong>r <strong>do</strong> trabalho empreendi<strong>do</strong> e confio ao leitor o<br />

meu parecer ou o que lhe foi entregue para ser comprova<strong>do</strong> pelo próprio<br />

experimento.<br />

Na verda<strong>de</strong>, <strong>as</strong>sim me comporto como filósofo nesta obra, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

que sempre tenha diante <strong>do</strong>s olhos que nossa filosofia <strong>de</strong>ve ser cristã e servi<strong>do</strong>ra<br />

da divina teologia. Escopo que me prefixei não só n<strong>as</strong> questões a serem<br />

tratad<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> muito mais nos pareceres ou opiniões a serem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s,<br />

propen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> para aqueles que parecem mais servir à pieda<strong>de</strong> e às <strong>do</strong>utrin<strong>as</strong><br />

revelad<strong>as</strong>. Por esta causa, interrompen<strong>do</strong> às vezes o <strong>de</strong>senvolvimento filosófico,<br />

me <strong>de</strong>svio para algo teológico, não tanto para que me <strong>de</strong>more em<br />

examiná-lo ou explicá-lo acuradamente (o que seria fora <strong>do</strong> <strong>as</strong>sunto <strong>de</strong> que<br />

me ocupo agora), quanto para, como que indique, com o <strong>de</strong><strong>do</strong>, ao leitor por<br />

qual razão os princípios metafísicos <strong>de</strong>vem ser referi<strong>do</strong>s e adapta<strong>do</strong>s para a<br />

confirmação d<strong>as</strong> verda<strong>de</strong>s teológic<strong>as</strong>. Confesso que me <strong>de</strong>tive mais <strong>de</strong>moradamente<br />

<strong>do</strong> que talvez, a alguém, o presente intento pareceria exigir, na<br />

consi<strong>de</strong>ração d<strong>as</strong> perfeições divin<strong>as</strong> que chamam <strong>de</strong> atributos; m<strong>as</strong>, insti-<br />

* Tradução <strong>de</strong> Carlos Arthur Ribeiro <strong>do</strong> N<strong>as</strong>cimento.<br />

Francisco Suárez, Disputationes metaphysicae. Ratio et discursus totius operis. Ad<br />

Lectorem. in Opera omnia, Editio nova. Ed. C. BERTON, apud L. Vivès, Vol. 25, Paris 1861.


324<br />

FRANCISCO SUÁREZ<br />

gou-me por primeiro a dignida<strong>de</strong> e elevação <strong>do</strong> <strong>as</strong>sunto e, em seguida, que<br />

nunca me vi ultrap<strong>as</strong>sar os limites da luz natural nem muito menos os da<br />

metafísica.<br />

Sempre julguei que uma gran<strong>de</strong> força, para enten<strong>de</strong>r e examinar a fun<strong>do</strong><br />

os <strong>as</strong>suntos, resi<strong>de</strong> em investigá-los e avaliá-los com o méto<strong>do</strong> a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>,<br />

o que mal po<strong>de</strong>ria observar ou nem mesmo mal, se, a mo<strong>do</strong> <strong>do</strong>s comenta<strong>do</strong>res,<br />

trat<strong>as</strong>se tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> questões na medida em que ocorrem inci<strong>de</strong>ntalmente<br />

ou como que por ac<strong>as</strong>o a respeito <strong>do</strong> texto <strong>do</strong> Filósofo. Por isso, julguei<br />

que seria mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e útil, observan<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> ensino, inquirir<br />

e propor ante os olhos <strong>do</strong> leitor tu<strong>do</strong> o que po<strong>de</strong> ser investiga<strong>do</strong> e <strong>de</strong>seja<strong>do</strong><br />

sobre to<strong>do</strong> o objeto <strong>de</strong>sta sabe<strong>do</strong>ria. M<strong>as</strong>, o que seja este objeto, a primeira<br />

disputação <strong>de</strong>sta obra o explica e, simultaneamente, nela antecipamos a<br />

dignida<strong>de</strong>, utilida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>mais que os escritores costumam antepor nos<br />

proêmios d<strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong>. Em seguida, no primeiro tomo são examina<strong>do</strong>s atentamente<br />

o mais amplo e universal constitutivo nocional 1 <strong>de</strong>ste mesmo<br />

objeto, que é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> ente e su<strong>as</strong> proprieda<strong>de</strong>s e caus<strong>as</strong>. Na consi<strong>de</strong>ração<br />

<strong>de</strong>st<strong>as</strong> caus<strong>as</strong> <strong>de</strong>morei-me mais amplamente <strong>de</strong> quanto é costume fazêlo,<br />

por julgar que é, tanto muitíssimo difícil como utilíssima para toda a filosofia<br />

e a teologia. M<strong>as</strong>, no tomo segun<strong>do</strong>, prosseguimos com os constitutivos<br />

nocionais inferiores <strong>do</strong> mesmo objeto, ten<strong>do</strong> começa<strong>do</strong> a partir daquela<br />

divisão <strong>do</strong> ente em cria<strong>do</strong>r e cria<strong>do</strong>, como a que é primeira, mais próxima<br />

da quidida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ente e mais apta para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta <strong>do</strong>utrina, o<br />

qual prossegue pel<strong>as</strong> divisões contid<strong>as</strong> sob estes até to<strong>do</strong>s os gêneros e<br />

graus <strong>do</strong> ente que estão conti<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites <strong>de</strong>sta ciência.<br />

No entanto, como haverá muitos <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> ter a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />

<strong>do</strong>utrina cotejada com os livros <strong>de</strong> Aristóteles, tanto para que percebam melhor<br />

em quais princípios tão gran<strong>de</strong> filósofo se apoia, quanto para que o seu<br />

uso para enten<strong>de</strong>r o próprio Aristóteles seja mais fácil e mais útil, também<br />

neste <strong>as</strong>sunto me esforcei por servir ao leitor, pelo índice por nós elabora<strong>do</strong>,<br />

pelo qual, se for li<strong>do</strong> atentamente, po<strong>de</strong>rá com toda facilida<strong>de</strong> (se não me<br />

engano) ser compreendi<strong>do</strong> e reti<strong>do</strong> na memória tu<strong>do</strong> que Aristóteles tratou<br />

nos livros da Metafísica e, por outro la<strong>do</strong>, serem tid<strong>as</strong> à mão tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> questões<br />

que é costume suscitar-se acerca <strong>de</strong>stes livros ao comentá-los.<br />

Enfim, julgamos que o benigno leitor <strong>de</strong>via ser adverti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que esta é<br />

uma só obra, nem su<strong>as</strong> disput<strong>as</strong> tiveram que ser separad<strong>as</strong> em mais que um<br />

só volume, senão porque alguma razão nos obrig<strong>as</strong>se. Pois, por primeiro,<br />

para que não trouxesse algum incômo<strong>do</strong> pelo tamanho, a dividimos em <strong>do</strong>is<br />

1 O tradutor traduz ‘ratio’ por ‘constitutivo nocional’ (N.d.E).


DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS. AO LEITOR 325<br />

volumes. Enfim, para que, o quanto seja possível, prestarmos aos estudiosos<br />

<strong>de</strong> nossos trabalhos o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> serviço, lançamos este primeiro, tão logo saí<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> prelo, embora o outro já avançou <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong>, que estimo que esta primeira<br />

parte não estará lida antes que aquele venha à luz. Oxalá, ambos e o<br />

<strong>de</strong>mais que projetamos revertam em gran<strong>de</strong> glória <strong>do</strong> Deus Ótimo Máximo<br />

e utilida<strong>de</strong> para a Igreja Católica. P<strong>as</strong>se bem.


DISPUTAÇÕES METAFÍSICAS<br />

COMPREENDENDO TODA A DOUTRINA<br />

DOS DOZE LIVROS DE ARISTÓTELES<br />

PROÊMIO*<br />

A teologia divina e sobrenatural, embora se apoie na luz divina e nos<br />

princípios revela<strong>do</strong>s por Deus, por se elaborar pelo discurso e a raciocinação<br />

humana, também é ajudada pel<strong>as</strong> verda<strong>de</strong>s conhecid<strong>as</strong> pela luz da natureza<br />

e <strong>de</strong>l<strong>as</strong> se serve, como servi<strong>do</strong>r<strong>as</strong> e como que instrumentos, para elaborar<br />

seus discursos e iluminar <strong>as</strong> verda<strong>de</strong>s divin<strong>as</strong>. Ora, entre tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> ciênci<strong>as</strong><br />

naturais, aquela que é a primeira <strong>de</strong> tod<strong>as</strong> e recebeu o nome <strong>de</strong> filosofia<br />

primeira, sobretu<strong>do</strong>, serve à sagrada e sobrenatural teologia. Tanto<br />

porque, entre tod<strong>as</strong>, chega muito perto ao conhecimento d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> divin<strong>as</strong>,<br />

como também porque explica e confirma aqueles princípios naturais, que<br />

abarcam a totalida<strong>de</strong> d<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> e, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong>, apoiam e sustentam toda<br />

<strong>do</strong>utrina. Portanto, por esta causa, embora esteja ocupa<strong>do</strong> com o exame<br />

acura<strong>do</strong> e a publicação <strong>de</strong> comentários e disput<strong>as</strong> mais importantes <strong>de</strong> sagrada<br />

teologia, estou obriga<strong>do</strong> a interromper um pouco, ou antes, a postergar<br />

o seu <strong>de</strong>senvolvimento, para revisar e completar o que elaborei e professei<br />

publicamente, pelo menos com o correr <strong>do</strong> tempo, sobre esta sabe<strong>do</strong>ria<br />

natural, há vários anos, quan<strong>do</strong> jovem, para que pu<strong>de</strong>sse ser comunica<strong>do</strong> a<br />

to<strong>do</strong>s para utilida<strong>de</strong> pública. Com efeito, como, ao disputar sobre os mistérios<br />

divinos, ocorressem estes pareceres metafísicos, sem o conhecimento e<br />

compreensão <strong>do</strong>s quais, qu<strong>as</strong>e não ou, <strong>de</strong> fato, nem mesmo qu<strong>as</strong>e não, po<strong>de</strong>m<br />

ser trata<strong>do</strong>s com dignida<strong>de</strong> aqueles mistérios mais eleva<strong>do</strong>s, era obriga<strong>do</strong><br />

frequentemente, ou a misturar questões inferiores às cois<strong>as</strong> divin<strong>as</strong> e<br />

sobrenaturais, o que é <strong>de</strong>sagradável e pouco útil para os leitores, ou, com<br />

certeza, para evitar este incômo<strong>do</strong>, a propor brevemente meu parecer nesses<br />

<strong>as</strong>suntos e como que a exigir <strong>do</strong>s leitores uma fé nua neles. O que, <strong>de</strong><br />

fato, po<strong>de</strong>ria, com razão, parecer tanto incômo<strong>do</strong> para mim como também<br />

inoportuno para eles. De fato, estes princípios e verda<strong>de</strong>s da metafísica estão<br />

<strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> liga<strong>do</strong>s com <strong>as</strong> conclusões e discursos teológicos que, se for<br />

retirada a ciência e o conhecimento perfeito daqueles, é necessário que<br />

* Tradução <strong>de</strong> Carlos Arthur Ribeiro <strong>do</strong> N<strong>as</strong>cimento.<br />

Francisco Suárez, Disputationes metaphysicae universam <strong>do</strong>ctrinam duo<strong>de</strong>cim librorum<br />

Aristotelis comprehententes. Proemium. in Opera omnia, Editio nova. Ed. C. BERTON,<br />

apud L. Vivès, Vol. 25, Paris 1861, p. 1.


328<br />

FRANCISCO SUÁREZ<br />

também a ciência <strong>de</strong>stes seja abalada em excesso. Incita<strong>do</strong>, portanto, por<br />

est<strong>as</strong> razões e pelo pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> muitos, <strong>de</strong>cidi escrever previamente esta obra,<br />

na qual recolheria tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> <strong>disputações</strong> metafísic<strong>as</strong> pelo méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> ensino<br />

que seja mais apto à compreensão <strong>do</strong>s <strong>as</strong>suntos e à concisão, e que mais<br />

sirva à sabe<strong>do</strong>ria revelada. Pelo que não será necessário distribuir ou dividir<br />

esta obra em vários livros. Pois, po<strong>de</strong> ser abrangi<strong>do</strong> e exauri<strong>do</strong> num breve<br />

número <strong>de</strong> disput<strong>as</strong> tu<strong>do</strong> o que é próprio <strong>de</strong>sta <strong>do</strong>utrina ou que caiba ao seu<br />

tema <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, sob o constitutivo nocional sob o qual é nela consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>.<br />

No entanto, excluiremos, o quanto for possível, o que pertence à pura filosofia<br />

ou à dialética (no que outros escritores metafísicos se <strong>de</strong>têm prolixamente),<br />

como estranho à presente <strong>do</strong>utrina. Antes, porém, <strong>de</strong> começar a falar<br />

sobre a matéria sujeita a esta <strong>do</strong>utrina, abordarei a própria sabe<strong>do</strong>ria ou<br />

metafísica e seu objeto, utilida<strong>de</strong> e necessida<strong>de</strong>, bem como seus atributos e<br />

funções, sob o auspício <strong>de</strong> Deus.

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