AS LEIS DA HOSPITALIDADE – D(errida)entre ética e literatura

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04.07.2013 Views

outro e não estiver sempre (e elipticamente) tangente a estes, na passagem compulsiva pela “exemplaridade” na “teoria literária”, a cada vez que se tenta articular um discurso sobre a literatura, sobre tal cena, tal fórmula, tal relato, tal personagem. Não somente na “teoria literária” mas sempre que tal cena etc. se exemplarize ou “teorize” 37 . E enfim, para dizê-lo rápido, a “relação” do “turn” (que seria, a mais de um título, exemplar na literatura) com o singular e o geral e com a pretensão ou a pré-tensão (ou ainda “pré-retidão”) ética. Ainda em Paixões, D escreve, e estamos adiantando uma questão importantíssima de D quanto à responsabilidade: a responsabilidade seria problemática à medida suplementar que poderia ser às vezes, talvez mesmo sempre, aquela que se assume não por si, em seu próprio nome frente ao outro (a mais clássica definição metafísica da responsabilidade), mas aquela que se deve assumir por um outro, no lugar, em nome do outro ou em seu nome como outro, frente a um outro, e um outro do outro, a saber, o inegável mesmo da ética. “À medida suplementar”, dizíamos, mas devemos ir mais longe: à medida que a responsabilidade não apenas não diminui, mas, pelo contrário, surge numa estrutura que também é suplementar. Ela é sempre exercida em meu nome como em nome do outro, e isso em nada afeta sua singularidade. [Uma compreensão, que podemos dizer, cremos, singular e reiterada da “singularidade” permite repensar, em D, todo o esquema ético de relações entre geral e singular, e o atravessamento desse pela/na linguagem. Procuraremos ressaltar esta compreensão] Esta se coloca e deve tremer no equívoco e na insegurança exemplar desse “como”. 38 moins, resterait toujours exclue, hors du système: celle, au moins, sans laquelle ne se serait pas construit le concept de métaphore ou, pour syncoper toute une chaîne, la métaphore de métaphore. Cette métaphore en plus, restant hors du champ qu’elle permet de circonscrire, s’extrait ou s’abstrait encore ce champ, s’y soustrait donc comme métaphore en moins. En raison de ce que nous pourrions intituler, par économie, la supplémentarité tropique, le tour de plus devenant le tour de moins, la taxinomie ou l’histoire des métaphores philosophiques n’y retrouverait jamais son compte. A l’interminable déhiscence du supplément (s’il est permis de jardiner encore un peu cette métaphore botanique) sera toujours refusé l’état ou le statut du complément. Le champ n’est jamais saturé”. “La mythologie blanche”. In : Marges de la philosophie. Op. cit. p. 261). 37 Um “exemplo” disso muito mais que um exemplo se dá com a leitura feita por Philippe Lacoue-Labarthe, em A imitação dos modernos (Ensaios sobre arte e filosofia. Org. Virgínia de Araujo Figueireido; João Camillo Penna. Trad. João Camillo Penna... [et al.]. São Paulo: Paz e Terra, 2000), especialmente em “A coragem da poesia”, e, de forma menos evidente, em “O paradoxo e a mímese”, do “deslize” (p. 297) de um gesto corajoso a coragem da poesia: ou a coragem de sua própria intransitividade, “arqui-ética” (p. 296), que, segundo Lacoue- Labarthe retoma de uma leitura de Hölderlin por Benjamin, procura abandonar o mitológico e afirmar um testemunho (da verdade e de sua condição atópica), ou a coragem de sua transitividade “(profética ou angélica), pela qual ela afrontaria um perigo do mundo [o que a própria linguagem representa para o pensamento, ou o deste para consigo] e anunciaria uma tarefa a realizar. O ato ético seria então menos o poema em si do que aquilo que o poema dita como tarefa” (p. 296-7), questões de que veremos alguns aspectos no segundo ato deslize, então, da coragem da poesia para a coragem do poeta, heroizado, de algum modo, apesar de todas as nuances do discurso Heideggeriano, em seu tornar-se mártir, em sua eleição dentro de uma língua e de um povo. Em suma, “toda uma política se decide aí” (p. 297). Voltaremos a frisar este “exemplo” cuja dificuldade é o que o torna exemplar e mais que exemplar. 38 Paixões. Op. cit. p. 18. Modificamos a tradução retirando o “não” da primeira frase: “... a responsabilidade seria problemática à medida suplementar que poderia não ser às vezes, talvez mesmo sempre, aquela que se assume não por si...”. 26

Tremor do “como” exemplar (de que a literatura dá um dos mais fortes e trêmulos exemplos). Já evocamos um certo tremor quanto à promessa, e é notável que o “tremor” seja recorrente em D, abalando sempre o corpo íntegro e integral da responsabilidade, da decisão ou da exemplaridade, como o da ficção. A irredutibilidade da promessa vem aí desafiar o pensamento ereto em que ela tendia à estabilização, para retomar os termos aqui em uso. O Temor e tremor de K nunca estão longe, assim como a articulação da singularidade com o segredo, além ou aquém do religioso, ao qual o segredo reenvia em K. Resta anunciar, hipótese da hipótese, um “ethical return”, que volta e faz voltar de muitas maneiras, é o “próprio” deste voltar, não situável no percurso retilíneo de uma obra, mas talvez no movimento de retorno que o retornar da primeira linha já está seguindo. Veremos em especial onde conduzem algumas voltas de um retorno da (não)figura da mulher em duas cenas, uma dita literária e outra dita filosófica). ... D segue então (em relação provavelmente muito estreita com o evocado em parêntese, mas uma relação aberta), numa formulação lapidar: “A arqui-escritura é a origem da moralidade como da imoralidade. Abertura não-ética da ética. Abertura violenta. Como foi feito com relação ao conceito vulgar de escritura, é sem dúvida necessário suspender rigorosamente a instância ética da violência para repetir a genealogia da moral” 39 . B coloca que diferentemente da escritura, que sempre foi um conceito secundário na tradição dita metafísica (e talvez por isso mesmo tornou-se um “meio para o pensamento desconstrucionista” 40 ), o estatus da ética é o de uma das divisões básicas da filosofia e portanto propõe “uma tarefa concomitantemente mais difícil para a desconstrução” 41 . Vemos acima que esta tarefa é formulada segundo o “modelo” da abordagem da escritura. Mas, como 39 Gramatologia. Op. cit. p. 171. 40 Bennington, Geoffrey. “Desconstrução e Ética”. In: DUQUE-ESTRADA, Paulo César (Org.). Desconstrução e Ética. Ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 11. 41 Idem. 27

outro e não estiver sempre (e elipticamente) tangente a estes, na passagem compulsiva pela<br />

“exemplaridade” na “teoria literária”, a cada vez que se tenta articular um discurso sobre a<br />

<strong>literatura</strong>, sobre tal cena, tal fórmula, tal relato, tal personagem. Não somente na “teoria<br />

literária” mas sempre que tal cena etc. se exemplarize ou “teorize” 37 . E enfim, para dizê-lo<br />

rápido, a “relação” do “turn” (que seria, a mais de um título, exemplar na <strong>literatura</strong>) com o<br />

singular e o geral e com a pretensão ou a pré-tensão (ou ainda “pré-retidão”) <strong>ética</strong>. Ainda em<br />

Paixões, D escreve, e estamos adiantando uma questão importantíssima de D quanto à<br />

responsabilidade:<br />

a responsabilidade seria problemática à medida suplementar que poderia ser às vezes,<br />

talvez mesmo sempre, aquela que se assume não por si, em seu próprio nome frente ao<br />

outro (a mais clássica definição metafísica da responsabilidade), mas aquela que se<br />

deve assumir por um outro, no lugar, em nome do outro ou em seu nome como outro,<br />

frente a um outro, e um outro do outro, a saber, o inegável mesmo da <strong>ética</strong>. “À medida<br />

suplementar”, dizíamos, mas devemos ir mais longe: à medida que a responsabilidade<br />

não apenas não diminui, mas, pelo contrário, surge numa estrutura que também é<br />

suplementar. Ela é sempre exercida em meu nome como em nome do outro, e isso em<br />

nada afeta sua singularidade. [Uma compreensão, que podemos dizer, cremos,<br />

singular e reiterada da “singularidade” permite repensar, em D, todo o esquema<br />

ético de relações <strong>entre</strong> geral e singular, e o atravessamento desse pela/na linguagem.<br />

Procuraremos ressaltar esta compreensão] Esta se coloca e deve tremer no equívoco<br />

e na insegurança exemplar desse “como”. 38<br />

moins, resterait toujours exclue, hors du système: celle, au moins, sans laquelle ne se serait pas construit le<br />

concept de métaphore ou, pour syncoper toute une chaîne, la métaphore de métaphore. Cette métaphore en plus,<br />

restant hors du champ qu’elle permet de circonscrire, s’extrait ou s’abstrait encore ce champ, s’y soustrait donc<br />

comme métaphore en moins. En raison de ce que nous pourrions intituler, par économie, la supplémentarité<br />

tropique, le tour de plus devenant le tour de moins, la taxinomie ou l’histoire des métaphores philosophiques n’y<br />

retrouverait jamais son compte. A l’interminable déhiscence du supplément (s’il est permis de jardiner encore un<br />

peu cette métaphore botanique) sera toujours refusé l’état ou le statut du complément. Le champ n’est jamais<br />

saturé”. “La mythologie blanche”. In : Marges <strong>–</strong> de la philosophie. Op. cit. p. 261).<br />

37 Um “exemplo” disso <strong>–</strong> muito mais que um exemplo <strong>–</strong> se dá com a leitura feita por Philippe Lacoue-Labarthe,<br />

em A imitação dos modernos (Ensaios sobre arte e filosofia. Org. Virgínia de Araujo Figueireido; João Camillo<br />

Penna. Trad. João Camillo Penna... [et al.]. São Paulo: Paz e Terra, 2000), especialmente em “A coragem da<br />

poesia”, e, de forma menos evidente, em “O paradoxo e a mímese”, do “deslize” (p. 297) de um gesto corajoso <strong>–</strong><br />

a coragem da poesia: ou a coragem de sua própria intransitividade, “arqui-<strong>ética</strong>” (p. 296), que, segundo Lacoue-<br />

Labarthe retoma de uma leitura de Hölderlin por Benjamin, procura abandonar o mitológico e afirmar um<br />

testemunho (da verdade e de sua condição atópica), ou a coragem de sua transitividade “(prof<strong>ética</strong> ou angélica),<br />

pela qual ela afrontaria um perigo do mundo [o que a própria linguagem representa para o pensamento, ou o<br />

deste para consigo] e anunciaria uma tarefa a realizar. O ato ético seria então menos o poema em si do que<br />

aquilo que o poema dita como tarefa” (p. 296-7), questões de que veremos alguns aspectos no segundo ato <strong>–</strong><br />

deslize, então, da coragem da poesia para a coragem do poeta, heroizado, de algum modo, apesar de todas as<br />

nuances do discurso Heideggeriano, em seu tornar-se mártir, em sua eleição dentro de uma língua e de um povo.<br />

Em suma, “toda uma política se decide aí” (p. 297). Voltaremos a frisar este “exemplo” <strong>–</strong> cuja dificuldade é o<br />

que o torna exemplar e mais que exemplar.<br />

38 Paixões. Op. cit. p. 18. Modificamos a tradução retirando o “não” da primeira frase: “... a responsabilidade<br />

seria problemática à medida suplementar que poderia não ser às vezes, talvez mesmo sempre, aquela que se<br />

assume não por si...”.<br />

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