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AS LEIS DA HOSPITALIDADE – D(errida)entre ética e literatura

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nos reenvia à escritura e à “arquiescritura”. Eis um trecho que nos repõe aquém e além da<br />

cena de A, mas no qual não parece descabido reinscrevê-la:<br />

Se o rastro, arquifenômeno da “memória” que é preciso pensar antes da oposição <strong>entre</strong><br />

natureza e cultura, animalidade e humanidade etc., pertence ao próprio movimento da<br />

significação, esta está a priori escrita, que se a inscreva ou não, sob uma forma ou<br />

outra, num elemento “sensível” e “espacial” que se denomina “exterior”.<br />

Arquiescritura, possibilidade primeira da fala, e em seguida da “grafia” no sentido<br />

estrito, lugar natal de “usurpação” denunciada desde Platão até Saussure, este rastro é<br />

a abertura da primeira exterioridade em geral, a enigmática relação do vivo com seu<br />

outro e de um dentro com um fora: o espaçamento. O fora, exterioridade “espacial” e<br />

“objetiva” de que acreditamos saber o que é como a coisa mais familiar do mundo,<br />

como a própria familiaridade, não apareceria sem o grama, sem a diferência<br />

[différance] como temporalização, sem a não-presença do outro inscrita no sentido do<br />

presente, sem a relação com a morte como estrutura concreta do presente vivo. A<br />

metáfora seria proibida. A presença-ausência do rastro, o que não se deveria sequer<br />

chamar sua ambigüidade mas sim seu jogo (pois a palavra “ambigüidade” requer a<br />

lógica da presença, mesmo quando começa a desobedecer-lhe), traz em si os<br />

problemas da letra e do espírito do corpo e da alma e de todos os problemas cuja<br />

afinidade primeira lembramos. Todos os dualismos, todas as teorias da imortalidade da<br />

alma ou do espírito, tanto quanto os monismos, espiritualistas ou materialistas,<br />

dialéticos ou vulgares, são o tema único de uma metafísica cuja história inteira teve<br />

que tender em direção à redução do rastro. 27<br />

Podemos afirmar que A cede, como aliás não poderia deixar de fazê-lo se acompanharmos<br />

esta lógica, a esta redução do rastro, sobretudo quando domina na Ética uma lógica identitária,<br />

pedagógica, da condução pelo mestre, do “valor em si” do pensamento 28 , etc.? Esse “tender<br />

em direção à redução do rastro” (como tentativa, conforme veremos em O animal que logo<br />

sou, de apagar os próprios rastros, cuja capacidade seria o suposto privilégio do humano e<br />

traço diferencial em relação ao animal) poderia ser visto aqui como redobramento do<br />

movimento que tende a apagar a alteridade da/na <strong>ética</strong>. Em toda <strong>ética</strong>, desde que ela se dê, se<br />

escreva ou procure se inscrever. Apagamento da condição remarcante do ser habitado pelo<br />

hábito (e que pode albergar a virtude com seus atos), da escrita a priori que “desqualifica” a<br />

pureza ou a origem <strong>ética</strong>, o “valor em si” das virtudes que são hábitos. É verdade que o que<br />

chamamos de “quiasma” <strong>entre</strong> o dentro e o fora no que resumiremos por um “exercício ou um<br />

atuar e ser habitado pelo hábito”, também o enigmatiza, não cedendo a uma simples<br />

27 Gramatologia. Op. cit. p. 86-7.<br />

28 Aristóteles. A <strong>ética</strong>. Op. cit. p. 175 (III, 2, 8).<br />

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