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AS LEIS DA HOSPITALIDADE – D(errida)entre ética e literatura

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Contudo, é bom não esquecer que se traduzir é preciso, temos diante de nós uma tradução, e<br />

outra tradução não diz primeiro “habituar” e depois “adestrar”. Somente habituar, tanto para a<br />

pedra como para o fogo 16 . Mas se se pode “habituar” um animal, neste caso a “confusão”<br />

<strong>entre</strong> humano e animal é sobremaneira notável. Diz S, por exemplo, que a história da<br />

humanidade certamente se liga à do animal doméstico, ainda que de modo ainda hoje<br />

praticamente impensado 17 . Poder-se-ia ver aqui, então, nesta definição <strong>–</strong> que poderíamos<br />

chamar de matricial e desde a qual talvez se tenham derivado todas as divisões <strong>ética</strong>s <strong>–</strong> da<br />

virtude como hábito, do hábito como impressão e imprimibilidade ou impressionabilidade,<br />

tanto uma virtude deste discurso ético: a de não separar ordens que não são de todo separáveis<br />

(animal e humano); quanto a chance para a imoralidade mesma: se “não é, pois, por natureza<br />

que as virtudes se geram em nós”, mas somos, antes “adaptados por natureza a recebê-las e<br />

nos tornamos perfeitos pelo hábito” 18 , este habituar-se pode ser o álibi de uma flexibilização<br />

sempre demasiada do que é da ordem da natureza humana, ou, melhor, da natureza não-<br />

natural humana. Esta correção quer fazer justiça ao lance de pedra de A, o qual, mais do que<br />

sagazmente, não retorna nem à natureza dos elementos, nem contraria a natureza: geram-se<br />

(“nascem”, diz outra tradução 19 ) em nós as virtudes que, no entanto, são hábitos. Um<br />

nascimento autônomo ou externo (geram-se ou nascem), no interior mesmo de nós. O resto da<br />

seqüência é certamente muito conhecido, embora cheio de muitas outras passagens, <strong>entre</strong> um<br />

16 A versão francesa diz ora “habituar”, ora “acostumar”: “Et par suite il est également évident que nenhuma das<br />

virtudes morais é engendrada em nós naturalmente, pois nada do que existe por natureza pode ser tornado outro<br />

pelo hábito: assim a pedra, que se porta naturalmente para baixo, não poderia ser habituada [habituée] a se portar<br />

para cima, nem mesmo se se tentasse milhares de vezes acostumá-la a isso jogando-a no ar (...)” (Aristote.<br />

Éthique à Nicomaque. Trad. e notas J. Tricot. 8 ed. Paris: J. Vrin, 1994. p. 87-8. (II, 1, 1103a, 20-25)). Seria<br />

preciso aqui consultar o texto e a palavra grega.<br />

17 Sloterdijk, Peter. Regras para o parque humano. Uma resposta à carta de Heidegge sobre o humanismo.<br />

Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. Como situar, inclusive, aqui, para o<br />

que nos interessa, O animal que logo sou, não citado por Sloterdijk apesar de anterior ao seu ensaio? É verdade<br />

que talvez o livro de D<strong>errida</strong> não lide com o “animal doméstico”, mas antes com a “domesticidade” do animal.<br />

Mas como pensar o “animal” “doméstico” sem definir, redefinir, fazer a genealogia de cada uma destas<br />

categorias e sem cruzá-las em todos os sentidos?<br />

18 Aristóteles. “Ética a Nicômaco”. In: Os pensadores. IV. Op. cit. p. 237.<br />

19 Aristóteles. A <strong>ética</strong>. Trad. Cássio M. Fonseca. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/ data. p. 62<br />

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