O LUGAR DO LIVRO NAS PROPAGANDAS COMERCIAIS Cássia ...
O LUGAR DO LIVRO NAS PROPAGANDAS COMERCIAIS Cássia ... O LUGAR DO LIVRO NAS PROPAGANDAS COMERCIAIS Cássia ...
O LUGAR DO LIVRO NAS PROPAGANDAS COMERCIAIS Cássia Cristina FURLAN IEL/Universidade Estadual de Campinas Este estudo, apresentado na forma de comunicação oral, focaliza a relação entre a mídia e a constituição discursiva do imaginário sobre livros ao longo da história. Isto foi possível devido à nossa participação em um trabalho desenvolvido durante o curso “Ciência e Artes nas Férias”, oferecido pela Unicamp aos alunos do ensino médio de escolas públicas de Campinas e região. O curso, cuja quinta edição foi realizada no início de 2007, tem como objetivo despertar a atenção dos jovens estudantes para as áreas de pesquisa científica e artística que são desenvolvidas na universidade. Para tanto, os alunos percorrem os institutos de Ciências Humanas, Artes, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas e da Saúde e Tecnologia e, ali desenvolvem diversas atividades que, por sua vez, visam a propiciar o contato entre os futuros universitários e as práticas ali realizadas. Os alunos, dada a essa dinâmica do curso, passaram pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e participaram de oficinas coordenadas pela Profa. Dra. Carmen Zink Bolognini. O objetivo das oficinas ali realizadas era o de suscitar, num primeiro momento, discussões acerca dos conceitos de língua/linguagem, sujeito e ideologia. Em um segundo momento, o foco passou a ser o espaço da leitura, do leitor e do livro em filmes, músicas e propagandas de grande veiculação na sociedade moderna. Todas as discussões e análises desenvolvidas estavam ancoradas no escopo teórico da Análise de Discurso de perspectiva materialista (Pêcheux, 1975; Orlandi, 1999) e, portanto, na concepção de sujeito do inconsciente, constituído histórica e ideologicamente pela linguagem. Partimos do pressuposto de que não é possível desvencilhar a língua da história e de ideologia (Orlandi, 1999) e, dessa forma, focalizamos a relação entre o discurso veiculado pelas diferentes formas de mídia e a formação do imaginário do aprendiz, objetivando identificar o que se aprende para além do/através do conteúdo lingüístico, já que pela constante exposição e freqüente contato do sujeito com um determinado discurso, este acaba interpelando e constituindo o sujeito. Dentre um leque amplo de atividades realizadas durante as oficinas, constaram análises dos filmes A vida é bela, A Bela e a Fera, Os filhos de Francisco, bem como algumas letras de músicas da banda O Rappa. Por fim, foram elaboradas análises de propagandas comerciais impressas que são o tema deste trabalho. Nessas práticas, o objetivo era o de despertar a atenção dos alunos para a presença (ou não) do livro nessas materialidades, discutindo e questionando o funcionamento de discursos já estabilizados sobre os livros. Para a execução desta atividade, dada a curta duração do curso, foram selecionadas apenas seis propagandas referentes a dois produtos distintos e, produzidas entre 1919 e 2006. O exercício proposto visava a comparação entre
- Page 2 and 3: as propagandas produzidas em difere
O <strong>LUGAR</strong> <strong>DO</strong> <strong>LIVRO</strong> <strong>NAS</strong> <strong>PROPAGANDAS</strong> <strong>COMERCIAIS</strong><br />
<strong>Cássia</strong> Cristina FURLAN<br />
IEL/Universidade Estadual de Campinas<br />
Este estudo, apresentado na forma de comunicação oral, focaliza a<br />
relação entre a mídia e a constituição discursiva do imaginário sobre livros ao<br />
longo da história. Isto foi possível devido à nossa participação em um trabalho<br />
desenvolvido durante o curso “Ciência e Artes nas Férias”, oferecido pela<br />
Unicamp aos alunos do ensino médio de escolas públicas de Campinas e<br />
região.<br />
O curso, cuja quinta edição foi realizada no início de 2007, tem como<br />
objetivo despertar a atenção dos jovens estudantes para as áreas de pesquisa<br />
científica e artística que são desenvolvidas na universidade. Para tanto, os<br />
alunos percorrem os institutos de Ciências Humanas, Artes, Ciências Exatas e<br />
da Terra, Ciências Biológicas e da Saúde e Tecnologia e, ali desenvolvem<br />
diversas atividades que, por sua vez, visam a propiciar o contato entre os<br />
futuros universitários e as práticas ali realizadas.<br />
Os alunos, dada a essa dinâmica do curso, passaram pelo Instituto de<br />
Estudos da Linguagem (IEL) e participaram de oficinas coordenadas pela<br />
Profa. Dra. Carmen Zink Bolognini. O objetivo das oficinas ali realizadas era o<br />
de suscitar, num primeiro momento, discussões acerca dos conceitos de<br />
língua/linguagem, sujeito e ideologia. Em um segundo momento, o foco passou<br />
a ser o espaço da leitura, do leitor e do livro em filmes, músicas e propagandas<br />
de grande veiculação na sociedade moderna.<br />
Todas as discussões e análises desenvolvidas estavam ancoradas no<br />
escopo teórico da Análise de Discurso de perspectiva materialista (Pêcheux,<br />
1975; Orlandi, 1999) e, portanto, na concepção de sujeito do inconsciente,<br />
constituído histórica e ideologicamente pela linguagem. Partimos do<br />
pressuposto de que não é possível desvencilhar a língua da história e de<br />
ideologia (Orlandi, 1999) e, dessa forma, focalizamos a relação entre o<br />
discurso veiculado pelas diferentes formas de mídia e a formação do imaginário<br />
do aprendiz, objetivando identificar o que se aprende para além do/através do<br />
conteúdo lingüístico, já que pela constante exposição e freqüente contato do<br />
sujeito com um determinado discurso, este acaba interpelando e constituindo o<br />
sujeito.<br />
Dentre um leque amplo de atividades realizadas durante as oficinas,<br />
constaram análises dos filmes A vida é bela, A Bela e a Fera, Os filhos de<br />
Francisco, bem como algumas letras de músicas da banda O Rappa. Por fim,<br />
foram elaboradas análises de propagandas comerciais impressas que são o<br />
tema deste trabalho. Nessas práticas, o objetivo era o de despertar a atenção<br />
dos alunos para a presença (ou não) do livro nessas materialidades, discutindo<br />
e questionando o funcionamento de discursos já estabilizados sobre os livros.<br />
Para a execução desta atividade, dada a curta duração do curso, foram<br />
selecionadas apenas seis propagandas referentes a dois produtos distintos e,<br />
produzidas entre 1919 e 2006. O exercício proposto visava a comparação entre
as propagandas produzidas em diferentes datas e a discussão acerca do<br />
espaço e da imagem do livro nesses enunciados, bem como os efeitos de<br />
sentido produzidos pela sua presença ou ausência.<br />
Os anúncios selecionados divulgam meias femininas e uma marca de<br />
refrigerante específica. Sobre o primeiro produto, as produções datam de 1924,<br />
2005 e 2006. A primeira delas contém a imagem de uma jovem que está<br />
sentada em um galho de árvore, trajando um curto vestido vermelho que deixa<br />
à mostra suas meias. Logo abaixo deste galho, posiciona-se uma suposta<br />
ajudante que lhe está oferecendo algo para comer. A menina, ao mesmo tempo<br />
em que exibe as meias anunciadas, se entretém com a leitura de um livro. Já<br />
as propagandas elaboradas em 2005 e 2006 focalizam apenas a parte inferior<br />
das pernas e, principalmente, os pés que aparecem calçados e envoltos nas<br />
meias divulgadas.<br />
As propagandas relacionadas ao refrigerante foram produzidas em<br />
1919, 1979 e 2006. A propaganda mais antiga traz a imagem de uma jovem<br />
sorridente que, sentada em uma confortável poltrona, aparece segurando em<br />
sua mão direita uma lata da bebida anunciada, enquanto repousa sobre seu<br />
colo um livro aberto. A produção de 1979 contém a imagem de um banco de<br />
descanso repleto de jogadores de futebol americano, retratados a meio corpo,<br />
que têm próximo aos seus pés pequenas latas do refrigerante em questão. A<br />
terceira propaganda, de 2006 e veiculada durante a Copa do Mundo da<br />
Alemanha, traz a imagem de uma garrafa do refrigerante cercada de<br />
mensagens de apoio a uma seleção de futebol.<br />
Diante do contato com todas essas propagandas, lançou-se o desafio<br />
de investigar possíveis semelhanças e diferenças entre as mesmas no que se<br />
refere à presença do livro, culminando sempre na discussão dos efeitos de<br />
sentido produzidos a partir do funcionamento discursivo das propagandas.<br />
Com essa prática, observou-se que nos textos de 1919 e 1924 o livro<br />
tem seu lugar reservado no cenário criado pela propaganda. É ele que tem a<br />
função de auxiliar a venda do produto. Pela posição central que ocupa no<br />
espaço das propagandas e sua relação com as personagens principais, o livro<br />
compõe uma combinação perfeita com o produto anunciado. Ele, em<br />
consonância com as meias, coloca a consumidora em um patamar de erudição.<br />
Ou seja, as consumidoras das meias divulgadas lêem e, pela junção do uso do<br />
produto e da presença do livro, transmite-se a sensação de bem-estar tão<br />
almejada por todas as consumidoras. O mesmo ocorre co as consumidoras do<br />
refrigerante que obtém o bem-estar através da combinação: refrigerante e<br />
leitura.<br />
Ao contrário disso, nas propagandas mais recentes, tanto das meias<br />
(2005 e 2006), quanto do refrigerante (1979 e 2006), a semelhança se dá pela<br />
ausência do livro em sua materialidade. Nessas propagandas, o que ajuda a<br />
vender o produto, no caso das meias, é a própria imagem do produto em<br />
parceria com pares de sapato que valorizam os pés expostos. A propaganda<br />
exibe pés com traços finos e longilíneos que são, rapidamente, associados a<br />
um padrão de beleza valorizado pela sociedade atual. Com isso, entendemos<br />
que não mais o livro, mas sim um padrão de beleza a ser alcançado é que se<br />
coloca como um instrumento de venda daquele produto. O mesmo pode ser<br />
observado nas propagandas de refrigerante recentes, ou seja, o livro perde o
seu lugar para o esporte. Isso quer dizer que são as práticas esportivas que<br />
auxiliam a venda do produto. O refrigerante não é mais associado àquele que<br />
lê, mas sim, àquele que pratica esportes.<br />
Diante dessas observações, obtidas através de uma leitura localizada<br />
em uma perspectiva histórico-ideológica, fica evidente o apagamento e o<br />
silenciamento do livro nas produções mais atuais. As propagandas apontam<br />
que os sentidos produzidos sempre podem ser outros, ou seja, o que foi<br />
possível associar a um produto em uma determinada época, pode não<br />
acontecer em outra e, conseqüentemente, os sentidos produzidos se alteram.<br />
Essa escolha do que vai ser dito e mostrado é fruto do trabalho ideológico que<br />
insere o sujeito em uma formação discursiva específica determinante do que se<br />
pode ou não dizer. Nos casos analisados, é possível notar que, no momento<br />
histórico atual, através do efeito da interpelação ideológica, se escolhe dar<br />
espaço para o esporte e silenciar o livro, indicando a presença de um discurso<br />
em favor do esporte e em detrimento da leitura. Assim, segundo Orlandi<br />
(1992:75), “ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos<br />
possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada” e, no caso dos<br />
enunciados analisados neste trabalho, vimos uma mudança da posição<br />
ideológica ocupada pelo livro. Ele que, antes, fazia parte do dia-a-dia dos<br />
consumidores em suas mais diversas atividades, hoje, cede espaço para o<br />
esporte e para um certo culto ao belo que se alcança através de outros<br />
produtos disponíveis no mercado.<br />
Neste outro olhar sobre os anúncios impressos, foi possível identificar<br />
quais são os efeitos de sentido produzidos através da presença ou ausência do<br />
livro, considerando o dito e o silenciado, de modo a apontarmos os aspectos e<br />
desdobramentos ideológicos do que (não) está sendo apresentado. Isso foi<br />
possível devido à realização de uma leitura que visa a ir além dos aspectos<br />
formais da língua, considerando, também, os aspectos ideológicos que se<br />
materializam na linguagem e que constituem o imaginário discursivo do<br />
aprendiz. Desse modo, propusemos um olhar sobre a propaganda que sugere<br />
uma leitura que não se deixa envolver pela aparência de objetividade e<br />
imparcialidade da linguagem, mas que indica o comprometimento ideológico do<br />
enunciado com um determinado discurso que produz efeitos de sentido que<br />
acabam por constituir discursivamente os sujeitos leitores.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu Funcionamento: As Formas do<br />
Discurso. Campinas: Pontes, 1987.<br />
______________. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos.<br />
Campinas: Editora da Unicamp, 1992.<br />
______________. Análise de discurso: princípios e procedimentos.<br />
Campinas: Pontes, 1999.<br />
PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio.<br />
Campinas: Ed. Unicamp, 1975.<br />
Ciência e Artes nas Férias. Disponível em:<br />
http://www.prp.unicamp.br/ciencianasferias/2008/index.htm. Acesso em:<br />
13 de julho de 2007.