O CRIME, A PENA E O DIREITO EM ÉMILE DURKHEIM ... - Conpedi

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intimidade da consciência coletiva. Por consequência, para tratá-la cientificamente, é necessário captá-la em suas manifestações exteriores, acessíveis aos sentidos. Em busca das manifestações exteriores da moral, É. Durkheim pediu socorro ao direito, porque este é constituído de normas positivas, isto é, de regras colocadas objetivamente ao alcance de todos, por intermédio dos códigos, das leis esparsas e, excepcionalmente, através dos costumes. Ao transitar pelo mundo do direito, o autor se encantou com o princípio da coerção, componente essencial da norma jurídica. Por isso, no início de seu livro intitulado As Regras do Método Sociológico, ele destacou a coerção, enquanto uma das características também essenciais dos fatos sociais, objeto de estudo da Sociologia. Podese dizer também que assim como a coerção foi o ponto de contato que permitiu a É. Durkheim fazer a passagem de seus estudos do campo da moral para o mundo do direito, o direito repressivo foi a mediação que lhe permitiu transitar já no campo do direito através dos estudos do crime, da pena e do direito. O autor, entretanto, foi mais distante em suas incursões pela floresta jurídica. Além da coerção, ele encontrou a sanção. Além do crime, ele encontrou o delito. Além da pena, ele encontrou a penitência. Além da sanção, ele encontrou a reposição com função de restaurar o tecido social esgarçado. A propósito, manifestou o autor: A própria natureza da sanção restitutiva basta para mostrar que a solidariedade social, a que esse direito (restitutivo) corresponde é de uma espécie bem diferente. O que distingue essa sanção é que ela não é expiatória, mas se reduz a uma simples restauração. Um sofrimento proporcional a seu malefício não é infligido a quem violou o direito ou o menospreza; este é simplesmente condenado a submeter-se a ele. Se já há fatos consumados, o juiz os restabelece tal como deveriam ter sido. Ele enuncia o direito, não enuncia as penas (DURKHEIM, 1999, p. 85). Concluiu que a sanção estava presente em todos os ramos da árvore jurídica. Também, nas sociedades modernas, inclusive em sua pátria, a França, não existia somente o direito repressivo, mas também o restitutivo, que restabelecia os vínculos rompidos, mas de natureza diferente daqueles que o direito repressivo recompunha. Se a solidariedade nas sociedades denominadas "primitivas" era, predominantemente, mecânica, agora ela se fazia, principalmente, através da diferenciação funcional, da divisão social do trabalho, da especialização, ou seja, ela adquiriu características, principalmente, orgânicas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando-se sempre em consideração a preocupação fundamental do autor, objetivada em sua missão de fazer da Sociologia uma ciência, espelhada nos padrões metodológicos das ciências naturais, sua abordagem referente ao crime, à pena e ao direito foi sempre sociológica, de constatação, isto é, no sentido de descrever e interpretar os fatos sociais como eles são. Sua abordagem dos fatos sociais referidos não foi jurídica, uma vez que a preocupação fundamental do direito é mais com o dever ser, com normas de organização social e padrões de comportamento ideais e generalizados. Sua intenção também fugiu aos objetivos do campo religioso e criminológico, entre outros, muito embora ele tenha cogitado e posto em prática fazer a sociologia da religião, do direito, do crime e da pena, * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8370

ou seja, tenha trazido o estudo desses fatos sociais para compor o objeto de indagação e reflexão sociológica. O que justificou sua preocupação em distinguir sua conclusão sociológica, científica sobre a normalidade do fato social denominado crime, enquanto tal, do sentimento de horror individual e coletivo provocado por ele. Da mesma forma, ele se preocupou em distinguir a apologia do crime, a que o autor era radicalmente contra, do fato de o crime fazer parte da natureza sadia de toda e qualquer sociedade. Por sua vez, toda e qualquer sociedade sã, normal, não pode subsistir sem a punição do comportamento criminoso, o que a conduz, necessariamente, a exigir a punição do crime e a não suportar a conivência e a convivência com a impunidade. Percebeu-se um nexo permanente entre crime, pena e o direito, em suas obras ora examinadas de forma muito sucinta, o qual deve ser procurado, máxime, nas regras da moral ferida. A moral, que em última análise, vincula e solda as pessoas em sociedade, contém normas de caráter difuso, sendo, por consequência, também difusas as suas sanções pelo seu caráter interno e difuso externamente. No entendimento do autor, a moral se explicita e se torna eficaz, quando se objetiva e é subsumida pelo ordenamento jurídico, ou seja, o direito explicita e objetiva, em normas positivas, o que está difuso na moral. As pessoas percebem quando seus sentimentos, individuais e coletivos são violados e procuram, sem descanso, recompor esses sentimentos feridos através de diversas formas. A essas diferentes maneiras de reconciliação correspondem os diversos momentos constitutivos da história do crime e da pena, e também, do direito. À recomposição dos sentimentos feridos corresponde também muitos momentos da história das sociedades, no pretérito e na contemporaneidade, em suas batalhas, passadas e cotidianas, carregadas de percalços e vitórias, na busca de transformações sem, contudo, perder os vínculos de solidariedade e de coesão. Como um bom adepto da escola positivista, liderada pelo filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), embora discordasse deste em muitos pontos fundamentais, É. Durkheim ainda cultivou certos ideais evolucionistas muito caros ao positivismo. Tais ideais aparecem quando, por exemplo, o autor percebe e destaca a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica. A primeira foi construída a partir da tradição, da religião, do parentesco e de outras formas de união das pessoas, à semelhança das ligações existentes entre as moléculas de um ser inanimado, uma pedra, por exemplo. A segunda categoria de solidariedade foi e continua sendo formada pelos liames sociais semelhantes aos vínculos existentes entre as células e os órgãos de um organismo, como no corpo humano, em sua totalidade, por exemplo. A solidariedade orgânica, assentada na diversidade funcional ou na especialização, denominada pelo autor de divisão social do trabalho, porque fundada, especialmente, em princípios científicos, com certeza traria mais progresso para a humanidade e melhores condições de vida coletiva e individual, o que comprovaria sua superioridade sobre a solidariedade mecânica, fundada em princípios elaborados fora do campo científico. Mais uma vez, portanto, o autor confessou sua crença na superioridade qualitativa do mais complexo sobre o mais simples, do orgânico sobre o inorgânico, das sociedades civilizadas sobre as sociedades primitivas, da ciência sobre outras formas de conhecimento, da razão sobre a tradição e a religião. Uma discussão acadêmica sobre direito repressivo e direito penal objeto dessas reflexões também foi provocada pelo autor. Como suas incursões sobre o campo do direito foi instrumental, isto é, a serviço de outro campo científico, ele não se deteve nos meandros dos componentes do direito penal, segmento do direito público moderno. Como fundador da Sociologia científica, seu entendimento a respeito do conteúdo * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8371

ou seja, tenha trazido o estudo desses fatos sociais para compor o objeto de indagação e reflexão<br />

sociológica. O que justificou sua preocupação em distinguir sua conclusão sociológica, científica sobre a<br />

normalidade do fato social denominado crime, enquanto tal, do sentimento de horror individual e coletivo<br />

provocado por ele.<br />

Da mesma forma, ele se preocupou em distinguir a apologia do crime, a que o autor era radicalmente<br />

contra, do fato de o crime fazer parte da natureza sadia de toda e qualquer sociedade. Por sua vez, toda e<br />

qualquer sociedade sã, normal, não pode subsistir sem a punição do comportamento criminoso, o que a<br />

conduz, necessariamente, a exigir a punição do crime e a não suportar a conivência e a convivência com a<br />

impunidade.<br />

Percebeu-se um nexo permanente entre crime, pena e o direito, em suas obras ora examinadas de forma<br />

muito sucinta, o qual deve ser procurado, máxime, nas regras da moral ferida. A moral, que em última<br />

análise, vincula e solda as pessoas em sociedade, contém normas de caráter difuso, sendo, por consequência,<br />

também difusas as suas sanções pelo seu caráter interno e difuso externamente. No entendimento do autor, a<br />

moral se explicita e se torna eficaz, quando se objetiva e é subsumida pelo ordenamento jurídico, ou seja, o<br />

direito explicita e objetiva, em normas positivas, o que está difuso na moral.<br />

As pessoas percebem quando seus sentimentos, individuais e coletivos são violados e procuram, sem<br />

descanso, recompor esses sentimentos feridos através de diversas formas. A essas diferentes maneiras de<br />

reconciliação correspondem os diversos momentos constitutivos da história do crime e da pena, e também,<br />

do direito. À recomposição dos sentimentos feridos corresponde também muitos momentos da história das<br />

sociedades, no pretérito e na contemporaneidade, em suas batalhas, passadas e cotidianas, carregadas de<br />

percalços e vitórias, na busca de transformações sem, contudo, perder os vínculos de solidariedade e de<br />

coesão.<br />

Como um bom adepto da escola positivista, liderada pelo filósofo francês Augusto Comte (1798-1857),<br />

embora discordasse deste em muitos pontos fundamentais, É. Durkheim ainda cultivou certos ideais<br />

evolucionistas muito caros ao positivismo. Tais ideais aparecem quando, por exemplo, o autor percebe e<br />

destaca a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica.<br />

A primeira foi construída a partir da tradição, da religião, do parentesco e de outras formas de união das<br />

pessoas, à semelhança das ligações existentes entre as moléculas de um ser inanimado, uma pedra, por<br />

exemplo. A segunda categoria de solidariedade foi e continua sendo formada pelos liames sociais<br />

semelhantes aos vínculos existentes entre as células e os órgãos de um organismo, como no corpo humano,<br />

em sua totalidade, por exemplo.<br />

A solidariedade orgânica, assentada na diversidade funcional ou na especialização, denominada pelo autor<br />

de divisão social do trabalho, porque fundada, especialmente, em princípios científicos, com certeza traria<br />

mais progresso para a humanidade e melhores condições de vida coletiva e individual, o que comprovaria<br />

sua superioridade sobre a solidariedade mecânica, fundada em princípios elaborados fora do campo<br />

científico. Mais uma vez, portanto, o autor confessou sua crença na superioridade qualitativa do mais<br />

complexo sobre o mais simples, do orgânico sobre o inorgânico, das sociedades civilizadas sobre as<br />

sociedades primitivas, da ciência sobre outras formas de conhecimento, da razão sobre a tradição e a<br />

religião.<br />

Uma discussão acadêmica sobre direito repressivo e direito penal objeto dessas reflexões também foi<br />

provocada pelo autor. Como suas incursões sobre o campo do direito foi instrumental, isto é, a serviço de<br />

outro campo científico, ele não se deteve nos meandros dos componentes do direito penal, segmento do<br />

direito público moderno. Como fundador da Sociologia científica, seu entendimento a respeito do conteúdo<br />

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010<br />

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