artigo completo - Febrasgo
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Resumo<br />
Abstract<br />
1<br />
Universidade Federal Fluminense<br />
2 Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro<br />
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
Nos últimos anos, o número e a taxa de nascimentos múltiplos aumentaram significativamente. O<br />
aumento dos nascimentos múltiplos é atribuído principalmente ao uso aumentado de drogas indutoras<br />
de ovulação e às tecnologias de reprodução assistida. A gestação múltipla é associada a risco aumentado<br />
de morbidade e mortalidade perinatal. As complicações obstétricas em gestações múltiplas impõem<br />
elevado número de desafios. A presença de mais de um feto complica o diagnóstico e a conduta de<br />
uma gravidez, especialmente quando um dos fetos apresenta anormalidade estrutural ou cromossomial,<br />
morte intra-uterina, ruptura prematura das membranas ou parto pré-termo. Igualmente, o diagnóstico<br />
e a conduta frente a gêmeos monoamnióticos são desafiadores. Essas complicações requerem não só<br />
o aconselhamento <strong>completo</strong> dos pais, como também o cuidado de equipe médica com experiência na<br />
condução de gestação múltipla.<br />
Over the last years, the number and rate of multiple births have dramatically increased. The rise in<br />
multiple births is mainly attributable to the increasing use of ovulation-inducing drugs and to assisted<br />
reproductive technologies such as in vitro fertilization. Multifetal gestation is associated with an increased<br />
risk of perinatal morbidity and mortality. Obstetric complications in multiple gestations pose a number<br />
of unique challenges. The presence of more than one fetus complicates the diagnosis and management<br />
of a pregnancy, especially when one fetus has a structural or chromosomal abnormality, intrauterine<br />
demise, preterm premature rupture of the membranes, or delivers prematurely. Similarly, the diagnosis<br />
and management of monoamniotic twins is challenging. These complications require thorough counseling<br />
of the parents, as well as care by physicians with expertise in the management of multiple gestations.<br />
Twin pregnancy: twice the problems?<br />
Renato Augusto Moreira de Sá 1<br />
Nancy Ribeiro da Silva 2<br />
Karla Regina Filgueiras de Rezende 1<br />
Palavras-chave<br />
Gêmeos<br />
Doenças em Gêmeos<br />
Gravidez Múltipla<br />
Gravidez de Alto Risco<br />
Keywords<br />
Diseases in Twins<br />
Pregnancy, Multiple<br />
Pregnancy, High-Risk<br />
FEMINA | Dezembro 2008 | vol 36 | nº 12<br />
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ATUALIZAÇÃO<br />
749
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
Objetivos<br />
Revisar as evidências atuais sobre a gestação múltipla, com<br />
enfoque particular nas complicações comuns a todas as gestações<br />
e nas próprias das gestações gemelares.<br />
Introdução<br />
A incidência de gestação múltipla na população é de 01 a<br />
03% de todas as gestações espontâneas, sendo a grande maioria<br />
(aproximadamente 97%) de gestação gemelar. 1<br />
Os principais fatores de risco relacionados à gestação gemelar<br />
são história familiar materna, idade materna avançada, alta paridade,<br />
história pessoal de gemelidade, indução da ovulação e utilização<br />
de técnicas de reprodução assistida. A história familiar materna é<br />
mais importante que a paterna, pois a tendência a liberar óvulos<br />
múltiplos é herdada. A gemelidade dizigótica pode ser influenciada<br />
por gene autossômico dominante típico de 15% da população. 2<br />
A<br />
gestação gemelar está exposta a todas as complicações comuns<br />
a uma gravidez de feto único e, ainda, àquelas próprias apenas<br />
das multifetais, como, por exemplo, gemelidade imperfeita.<br />
Metodologia<br />
A revisão da literatura foi realizada com o objetivo de identificar<br />
estudos com relevância científica versando sobre os assuntos<br />
específicos abordados em cada sessão a seguir. A procura utilizou<br />
termos genéricos (gestação múltipla, gêmeos, gemelaridade,<br />
complicações gestacionais) e específicos (síndrome da transfusão<br />
feto-fetal, gêmeo acárdico, gestação gemelar monocoriônica,<br />
coagulação seletiva a laser, seqüência da perfusão arterial reversa<br />
no gêmeo - twin reversed arterial perfusion sequence).<br />
A busca foi feita na base de dados eletrônica da Cochrane<br />
Database of Systematic, MEDLINE, EMBASE no período entre<br />
1990 e 2007, selecionando-se inicialmente 103 <strong>artigo</strong>s, dos quais<br />
49 foram utilizados como referência e 54 foram descartados.<br />
Por normas editoriais, foram escolhidos os 25 mais relevantes<br />
sugeridos como leitura suplementar.<br />
Discussão<br />
Nas gestações múltiplas são observadas as principais complicações<br />
comuns a qualquer gestante, como a hipertensão ges-<br />
750 FEMINA | Dezembro 2008 | vol 36 | nº 12<br />
tacional, diabetes gestacional, crescimento intra-uterino restrito<br />
(CIUR), parto pré-termo, anemia, parto operatório e hemorragia<br />
pós-parto. As complicações próprias da gemelidade são: anomalia<br />
fetal discordante, morte intra-útero discordante, amniorrexe prematura<br />
discordante e parto pré-termo discordante. Têm-se ainda as<br />
complicações específicas da monocorionia, que são a fusão entre<br />
os fetos, a síndrome da transfusão feto-fetal e a seqüência TRAP<br />
(twin reversed arterial perfusion sequence). 3<br />
As complicações<br />
anteparto acontecem em 80% das gestações múltiplas, número<br />
bastante elevado quando se compara à gestação única. 4<br />
Complicações comuns a todas as gestações<br />
Hipertensão gestacional<br />
As taxas de hipertensão gestacional são duas vezes mais<br />
altas na gestação múltipla quando comparada à gestação única,<br />
variando de 12 a 16%. São também mais freqüentes as suas<br />
complicações como a pré-eclampsia grave precoce e a síndrome<br />
HELLP. O diagnóstico, a conduta, o tratamento e o curso da<br />
doença não são afetados pelo número de fetos. A conduta, por<br />
sua vez, é a mesma da gestação única. 5<br />
Vale ressaltar que a concentração de ácido úrico materno<br />
aumenta na gestação múltipla, sendo valor de referência 5,2 mg/<br />
dl para as normotensas. 6<br />
Diabetes gestacional<br />
O diabetes gestacional parece ter incidência levemente aumentada<br />
em relação à gestação única, embora não seja consenso<br />
entre os autores. O diagnóstico e conduta são semelhantes à<br />
gestação única. 7<br />
Crescimento intra-uterino restrito (CIUR)<br />
O peso ao nascer é dependente da idade gestacional e da<br />
taxa de crescimento fetal. A curva de crescimento para gêmeos<br />
é semelhante à do feto único até a 28 a . semana, quando a velocidade<br />
de crescimento começa a cair. A média de peso cruza o<br />
percentil 10 após a 38 a . semana.<br />
O diagnóstico de CIUR na gestação gemelar é realizado<br />
pela ultra-sonografia, quando o peso estimado está abaixo do<br />
percentil 3 para a idade gestacional (dois desvios-padrão abaixo<br />
da média). Considerando-se que o diagnóstico clínico falha na<br />
identificação de aproximadamente 50% dos CIURs de gestações<br />
únicas, na gestação múltipla é praticamente impossível essa<br />
identificação. 8<br />
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O gêmeo pequeno para a idade gestacional (PIG) apresenta<br />
risco de mortalidade perinatal igual ao do PIG da gestação única.<br />
Entretanto, quando comparado o gêmeo PIG com o adequado<br />
para idade gestacional (AIG), o primeiro apresenta nível elevado<br />
de eritropoetina e nos casos em que há discordância de crescimento<br />
no mesmo par de gêmeos, o menor tem hematimetria<br />
mais alta em relação ao maior. Essas considerações mostram que<br />
o pequeno crescimento de um dos gêmeos não é “fisiológico”,<br />
mas indicativo de hipoxia crônica fetal. 2<br />
O doppler das artérias uterinas na gemelidade apresenta resistência<br />
média mais baixa comparada à gestação única, provavelmente<br />
devido à maior área de implantação placentária. Parece que a porção<br />
normalmente implantada da placenta que nutre o gêmeo AIG pode<br />
atenuar os efeitos hemodinâmicos da porção subótima da placenta<br />
que nutre o PIG. Por este motivo, o doppler da artéria uterina não<br />
prediz bem o CIUR nas gestações múltiplas em geral. 2<br />
O risco de crescimento discordante (mesmo que ambos<br />
sejam AIGs) é elevado. Nas gestações dicoriônicas, o risco é<br />
igual ao do feto PIG da gestação única, já nas monocoriônicas<br />
é duas vezes maior.<br />
Embora gêmeos monocoriônicos tenham o mesmo potencial<br />
genético de crescimento, a divisão desigual dos blastômeros pode<br />
alterar o potencial de crescimento e responder pela discordância<br />
muito precocemente. Três fatores parecem influenciar o crescimento<br />
discordante nos monocoriônicos: a divisão de uma única placenta<br />
entre dois fetos, as anastomoses vasculares e a eficácia de cada<br />
porção placentária na invasão das artérias espiraladas. 9<br />
Nas gestações dicoriônicas, tanto o diagnóstico como o acompanhamento<br />
são iguais ao da gestação única, devendo-se, portanto,<br />
seguir a rotina de pré-natal para gestações de alto-risco:<br />
1) Diagnóstico pré-natal – rastrear aneuploidias, anomalias estruturais<br />
e infecção congênita.<br />
2) Vigilância fetal – estudo ultra-sonográfico seriado, volume de líquido<br />
amniótico, cardiotocografia, perfil biofísico fetal (PBF) e doppler,<br />
buscando identificar a seqüência de alterações no doppler e PBF<br />
sugestivas da progressiva deterioração e hipoxia.<br />
3) Tratamento – há que se pesar o risco de morte intra-uterina e o<br />
risco de prematuridade iatrogênica. A época de qualquer intervenção<br />
depende da clareza do diagnóstico de CIUR e das chances de sobrevivência<br />
e prognóstico para cada feto. Nos casos de crescimento<br />
discordante grave de início precoce, pode ser preferível retardar o<br />
parto até que o risco de morte e o mau prognóstico para o desenvolvimento,<br />
provocados pela prematuridade iatrogênica para o feto<br />
com crescimento adequado, sejam mínimos - independentemente<br />
da condição do feto com CIUR, avaliada pela dopplervelocimetria<br />
arterial e venosa. 10<br />
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
Nas gestações monocoriônicas, o fato de ambos gemelares<br />
compartilharem uma única placenta impõe desafios exclusivos,<br />
tendo nesse caso condutas específicas:<br />
1) Diagnóstico pré-natal – também há necessidade de rastrear<br />
aneuploidias e anomalias estruturais (que podem atingir apenas<br />
um dos fetos). A infecção congênita típica afeta os dois, embora<br />
o grau de gravidade das seqüelas possa variar. Algumas infecções<br />
congênitas podem mimetizar a síndrome da transfusão feto-fetal<br />
(STFF), devendo ser incluídas como diagnóstico diferencial.<br />
2) Vigilância fetal – o doppler pode não ter o mesmo valor prognóstico<br />
encontrado nas gestações dicoriônicas. Nos gêmeos monocoriônicos,<br />
o doppler de artéria umbilical reflete a resistência vascular<br />
determinada pela adequada invasão das artérias espiraladas, mas<br />
também pela direção e shunt das anastomoses vasculares. Grandes<br />
anastomoses artério-arteriais podem influenciar o doppler umbilical,<br />
levando à diástole zero intermitente ou mesmo fluxo reverso. Esse<br />
fenômeno ocorre tipicamente no gêmeo PIG de um par com grande<br />
discordância de crescimento. A morte intra-uterina pode ocorrer<br />
inesperadamente nesses fetos, sem sinais adicionais de deterioração<br />
do doppler ou PBF, uma vez que essas anastomoses podem facilitar<br />
a exsangüineação aguda ou outras aberrações hemodinâmicas.<br />
3) Tratamento – definir a conduta é mais complicado pela presença da<br />
circulação compartilhada; e a conduta expectante pode apresentar<br />
graves conseqüências, uma vez que a morte de um gêmeo leva à<br />
morte do outro em 10–25% dos casos e há risco de lesões cerebrais<br />
pré-natais em 25 a 45% dos sobreviventes. Nos casos mais graves,<br />
antes da viabilidade, considerar a possibilidade do feticídio seletivo<br />
com oclusão do cordão ou fotocoagulação seletiva das anastomoses,<br />
transformando a placenta monocoriônica em dicoriônica “funcional”.<br />
Entretanto, estudos mostram não haver diferença significativa entre<br />
as taxas de sobrevivência ou de morbidade neurológica. Várias<br />
explicações são possíveis para essa aparente falta de benefício com<br />
o procedimento: a coagulação seletiva é mais difícil quando não<br />
há STFF (pela falta do polidrâmnio); o crescimento discordante é<br />
freqüentemente causado por compartilhamento vascular desigual;<br />
e a coagulação das anastomoses pode diminuir a já crítica reserva<br />
placentária do feto com CIUR; e a instabilidade circulatória pode<br />
já ter prejudicado o outro feto. A história natural da monocorionia<br />
necessita ser mais bem compreendida, pois um plano de conduta<br />
desse teor pode colocar em risco ambos os fetos, que poderiam atingir<br />
a viabilidade sem a morte do feto com restrição de crescimento. 2<br />
Parto pré-termo<br />
O parto pré-termo espontâneo é a principal causa de morbidade<br />
e mortalidade na gestação múltipla. Em aproximadamente 57%<br />
das gestações gemelares o parto se dá antes de 37 semanas.<br />
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751
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
São considerados fatores de risco para parto pré-termo a<br />
medida do comprimento cervical menor que 25 mm e a presença<br />
de fibronectina fetal na secreção cérvico-vaginal entre 28 e 30<br />
semanas de gestação. 2<br />
As intervenções recomendadas para tentativa de prevenir parto<br />
pré-termo não mostraram acentuado valor na redução da sua incidência.<br />
Entre as principais condutas, pode-se ressaltar a redução<br />
da atividade da mãe com repouso no leito, a cerclagem cervical, a<br />
tocólise (que tem se mostrado pouco eficaz em prolongar a gestação<br />
além de 24 a 48 horas, tempo necessário para aplicação de<br />
corticóide) e, finalmente, a suplementação com progesterona. 1<br />
Deve-se ressaltar a importância de orientar a gestante durante<br />
todo o pré-natal quanto aos sinais e sintomas do trabalho de parto<br />
prematuro e a importância da procura imediata por atendimento<br />
médico diante desses sinais e sintomas. Há que se considerar,<br />
ainda, que quanto maior o número de fetos em uma gestação<br />
múltipla, maiores são os riscos do parto pré-termo.<br />
Anemia<br />
A anemia é mais freqüente na gestação múltipla do que na<br />
única. A demanda fetal na gestação múltipla é maior, em especial<br />
no que diz respeito ao ácido fólico. Na gestação múltipla, é comum<br />
encontrar baixos níveis de hemoglobina no primeiro e segundo<br />
trimestres associados à deficiência de ferro 11<br />
. Anemia por deficiência<br />
de ferro está associada ao parto pré-termo, ademais, pode ocorrer<br />
hipertrofia da placenta e queda no metabolismo do cortisol, o que<br />
aumenta a suscetibilidade à hipertensão na vida adulta. 12<br />
Cesariana<br />
Comparado à gestação única, existe aumento do risco de parto<br />
operatório para um ou ambos os fetos na gestação gemelar. Vale<br />
ressaltar que o parto operatório também se associa a mais alto<br />
risco materno de infecção, trauma e hemorragia.<br />
Hemorragia pós-parto<br />
Existe risco aumentado de hemorragia pós-parto em decorrência<br />
da maior área de implantação placentária, sobredistensão<br />
uterina e pelo mais alto risco de atonia uterina.<br />
Complicações próprias da gemelidade<br />
Anomalia fetal discordante<br />
Em uma gestação múltipla, um único feto pode ser afetado<br />
por anomalia estrutural, cromossomial ou ambas. Nas gestações<br />
dizigóticas, cada feto tem seu próprio risco, portanto, o risco<br />
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total da gestação aumenta com o aumento do número de fetos.<br />
Nos monozigóticos, por sua vez, o risco é igual ao de uma<br />
gestação única. 13<br />
O grande desafio é o diagnóstico pré-natal, uma vez que<br />
o diagnóstico de infecções congênitas, isoladamente, no feto<br />
afetado é difícil em gêmeos e quase impossível na presença de<br />
mais de dois. Tanto o rastreamento quanto o diagnóstico ultrasonográfico<br />
estão tecnicamente dificultados na gestação múltipla.<br />
Além disso, os procedimentos diagnósticos invasivos como a<br />
biópsia de vilo corial e a amniocentese também apresentam<br />
mais complexidade.<br />
Quando a anomalia fetal é detectada em um dos fetos, os<br />
casais podem escolher entre o feticídio seletivo do feto acometido,<br />
a conduta expectante ou a interrupção da gestação, respeitando-se<br />
as limitações legais de cada país. Nas gestações monocoriônicas,<br />
deve-se considerar para a tomada de decisão o risco de óbito<br />
espontâneo do feto acometido, que poderá resultar na morte de<br />
seu par. Tal consideração envolve um dilema ético sobre sacrificar<br />
uma vida para salvar outra. Independentemente da corionicidade,<br />
um feto anômalo pode aumentar o risco de abortamento tardio<br />
e parto pré-termo em decorrência de complicações associadas<br />
tal como a polidramnia. 14<br />
Morte intra-uterina discordante<br />
Aproximadamente 14% das gestações gemelares serão reduzidas<br />
espontaneamente para gestação única até o final do primeiro<br />
trimestre. 14<br />
É estimado que apenas 50% das gestações gemelares<br />
diagnosticadas no primeiro trimestre terminem em parto gemelar.<br />
Em alguns casos, a gestação é perdida por inteiro, em outros<br />
apenas um feto é perdido e a gestação continua como única. 16<br />
O óbito fetal até o final do primeiro trimestre pode se seguir de<br />
completa reabsorção, sem nenhuma evidência que tenha ocorrido<br />
gestação múltipla. 15<br />
Outras vezes, quando a interrupção se dá até<br />
14 semanas, pode dar origem ao feto papiráceo, sem nenhuma<br />
conseqüência outra para o feto remanescente. 1<br />
Em contrapartida,<br />
a perda gestacional no segundo e terceiro trimestres, embora de<br />
baixa prevalência (2% a 5%), está associada a resultados adversos.<br />
O risco mais alto para o feto sobrevivente, independentemente da<br />
corionicidade, está associado ao parto pré-termo e às complicações<br />
da prematuridade. Estima-se que 70% dos sobreviventes nasçam<br />
antes do termo. Quando se consideram apenas os monocoriônicos,<br />
existe risco adicional de lesão de múltiplos órgãos, relacionado à<br />
isquemia. Entre essas lesões, a mais temida é, sem dúvida, a do<br />
sistema nervoso central, que acomete 20% dos sobreviventes. 1 Os<br />
riscos maternos parecem pequenos, entretanto, recomenda-se o<br />
acompanhamento periódico por meio de coagulograma.<br />
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A conduta após a morte de um dos fetos vai depender<br />
da corionicidade, idade gestacional, maturidade pulmonar e<br />
de possíveis complicações maternas associadas. A freqüência<br />
de acompanhamento dessa gestante e a melhor época para<br />
o parto permanecem controversas, entretanto, há consenso<br />
de que a mesma precisa ser acompanhada mais amiúde,<br />
na tentativa de diagnosticar e inibir-se o trabalho de parto<br />
pré-termo. Em linhas gerais, nos dicoriônicos deve-se adotar<br />
conduta conservadora até 37 semanas de gestação, usar<br />
corticóide para amadurecimento pulmonar, rastrear e prevenir<br />
o parto pré-termo e avaliar a vitalidade fetal periodicamente.<br />
Nos monocoriônicos, antes da viabilidade, a interrupção da<br />
gestação pode ser considerada nos países onde esta prática<br />
é legal, pelo risco de injúria neurológica. Após a viabilidade,<br />
a avaliação fetal seriada deve ser instituída, mas há que se<br />
ressaltar aos pais que esse procedimento não será capaz de<br />
prevenir a lesão do sobrevivente. O parto deve ser programado<br />
para 37 semanas ou tão logo se observe a maturidade<br />
pulmonar. 16<br />
Amniorrexe prematura pré-termo discordante<br />
Se considerarem-se todas as gestações, a prevalência da amniorrexe<br />
é de 10%, sendo duas vezes mais comum na gestação<br />
múltipla. A amniorrexe habitualmente ocorre na bolsa do primeiro<br />
feto (feto A), o que facilita o diagnóstico pela propedêutica usual.<br />
A amniorrexe da bolsa do segundo feto é rara e se associa a<br />
intervenções intra-uterinas. O diagnóstico clínico nesses casos<br />
é mais difícil. 12<br />
Uma situação exclusiva das gestações monocoriônicas e<br />
diamnióticas é a ruptura da membrana divisória, levando ao risco<br />
de embaraçamento dos cordões e óbito de ambos os fetos. Pode<br />
ocorrer por procedimentos invasivos, por infecção, por defeito no<br />
desenvolvimento da membrana ou espontaneamente.<br />
Em linhas gerais, a conduta se assemelha à da gestação<br />
única 17<br />
:<br />
• Antes de 23 semanas:<br />
conduta expectante ou término da gestação<br />
inteira; vale lembrar a importância do consentimento após<br />
informação, qualquer que seja o plano de conduta. Se a opção<br />
pela conduta expectante é feita, considerar o acompanhamento<br />
ambulatorial com visitas semanais para avaliação do estado materno<br />
e fetal até a viabilidade.<br />
• Entre 23 – 31 semanas: – conduta conservadora – internação<br />
em centro terciário, vigilância materna e fetal, corticoindução e<br />
antibioticoterapia para prolongar o período de latência. Considerar<br />
o parto com 34 semanas ou assim que comprovada maturidade<br />
pulmonar de cada feto. 4<br />
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
• Após 32: recomenda-se o parto – os riscos de infecção e perda fetal<br />
devido à compressão do cordão ultrapassam os da prematuridade.<br />
Curso de corticóide visando à maturidade pulmonar deve ser instituído<br />
antes das 34 semanas. 4<br />
Parto pré-termo discordante<br />
Alguns estudos mostram que retardar o parto do segundo<br />
gemelar de 23 a 28 semanas pode melhorar os resultados perinatais.<br />
As limitações se referem aos resultados fetais e risco materno<br />
(corioamnionite 36% e sepse 5%). O método consiste de ligadura<br />
do cordão com fio absorvível o mais alto possível, associado à<br />
corticoindução. A prescrição de antibióticos, o emprego de tocólise<br />
e a cerclagem são controversos. Caso a opção seja pelo uso de<br />
antibióticos, estes devem ser de amplo espectro e usados por<br />
curto período. No caso da tocólise também devem ser evitados<br />
períodos longos de utilização. A cerclagem, quando considerada,<br />
deve ser realizada logo após o nascimento do primeiro feto até,<br />
no máximo, duas horas depois. 18,19<br />
São contra-indicações para retardar o parto do segundo gemelar:<br />
idade gestacional acima de 28 semanas; placenta monocoriônica;<br />
corioamnionite, descolamento prematuro de placenta, dilatação<br />
avançada, amniorrexe no feto retido e alteração da vitabilidade<br />
fetal do feto remanescente. 12<br />
Complicações exclusivas da monocorionia<br />
Fetos fundidos<br />
A fusão entre os fetos, embora seja uma complicação rara, é<br />
três vezes mais freqüente no sexo feminino. Resulta da divisão<br />
tardia do embrião, que se dá após 13 dias da concepção. A união<br />
pode se dar em diversas regiões fetais, sendo mais comum a união<br />
ventral entre eles (87% das vezes). O diagnóstico da anatomia<br />
compartilhada e o rastreio de malformações adicionais são essenciais<br />
para o aconselhamento da família em relação aos resultados<br />
e planejamento cirúrgicos pós-natal para a separação.<br />
O diagnóstico pode ser feito no primeiro trimestre. O ultra-som<br />
morfológico com 20 semanas determina a extensão da fusão e a<br />
presença de malformações adicionais. As anomalias cromossomiais<br />
são raras, não sendo, pois, rotina a cariotipagem.<br />
Antes da viabilidade fetal, pode-se discutir o término da<br />
gestação. O prognóstico é reservado quando há fusão cardíaca<br />
ou cerebral e diante de malformações outras não relacionadas ao<br />
local da fusão. Caso a família opte por continuar a gestação, há<br />
FEMINA | Dezembro 2008 | vol 36 | nº 12<br />
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753
Gestação gemelar: problemas em dobro?<br />
que se maximizar a chance de sobrevivência fetal e minimizar a<br />
morbidade materna, por meio da monitorização do bem-estar fetal<br />
e de condutas intervencionistas frente a possíveis complicações<br />
como a polidramnia. A cesariana eletiva, assim que documentada<br />
a maturidade pulmonar, é a conduta preconizada. 20<br />
Síndrome da transfusão feto-fetal (STFF)<br />
Nessa síndrome, ambos os fetos apresentam morfologia<br />
normal e a fisiopatologia da doença está relacionada a anastomoses<br />
vasculares entre as circulações desses fetos na placa corial.<br />
Alterações hemodinâmicas complexas produzem desequilíbrio<br />
entre as circulações fetais, levando à transfusão sangüínea de<br />
um dos fetos (feto doador) em direção ao outro (feto receptor).<br />
A STFF é diagnosticada pela ultra-sonografia a partir da identificação<br />
de polidramnia na bolsa do feto receptor associada à<br />
oligoidramnia na bolsa do doador 24<br />
.A mortalidade perinatal está<br />
em torno de 90% na ausência de tratamento. 21<br />
Morte fetal, parto pré-termo e ruptura prematura das membranas<br />
são as principais complicações dos tratamentos disponíveis para<br />
a STFF. A publicação do estudo randomizado da EUROFETUS<br />
demonstrou que, antes de 26 semanas de gestação, a coagulação<br />
a laser apresenta melhores resultados quando comparada à amniodrenagem<br />
seriada, no que diz respeito à sobrevivência de pelo<br />
menos um dos fetos e à sobrevida sem seqüelas em até seis meses<br />
de vida. 22<br />
O objetivo principal da coagulação a laser dos vasos da<br />
placa corial é a interrupção das anastomoses responsáveis pelo<br />
processo de transfusão. A utilização dessa técnica resultará em<br />
“duas circulações placentárias distintas”, no caso da sobrevivência<br />
de ambos os fetos, ou na “proteção” da exsangüinação do feto<br />
sobrevivente, em caso de óbito de um deles. 23<br />
O critério de seleção para a cirurgia a laser é a idade gestacional<br />
entre 16 e 26 semanas, diagnóstico ultra-sonográfico de<br />
monocorionicidade no primeiro trimestre, maior bolsão vertical<br />
do receptor igual ou maior que 8 cm antes de 20 semanas ou<br />
a 10 cm após esta idade gestacional (polidramnia), associada<br />
ao maior bolsão vertical do doador igual ou menor que 2 cm<br />
(oligodramnia). 21<br />
Gêmeo acárdico - Twin Reversed Arterial Perfusion<br />
sequence (TRAP)<br />
O mecanismo fisiopatológico responsável pela formação do<br />
gêmeo acárdico não está completamente elucidado. A principal<br />
hipótese é que ocorra a perfusão do sangue de um feto (“bom-<br />
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ba”) na direção do outro hemodinamicamente mal-compensado<br />
(acárdico) através de anastomoses artério-arteriais e veno-venosas.<br />
O feto acárdico é perfundido retrogradamente por sangue não<br />
oxigenado do feto “bomba”, ocorrendo então todo o espectro de<br />
anomalias, usualmente letais, que caracterizam a doença (acardia,<br />
acefalia, anormalidades graves na parte superior do corpo, redução<br />
variável dos membros e órgãos e edema do tecido conjuntivo).<br />
O feto bomba é estruturalmente normal, entretanto, a conduta<br />
expectante está associada à mortalidade perinatal deste em 50<br />
a 75% dos casos.<br />
O objetivo principal do tratamento é a interrupção da circulação<br />
do feto acárdico. As principais técnicas cirúrgicas estão<br />
listadas a seguir: ligadura do cordão umbilical com fio, ligadura<br />
do cordão com pinça bipolar, oclusão do cordão por fotocoagulação,<br />
ligadura e secção do cordão umbilical, coagulação das<br />
anastomoses artério-arteriais e veno-venosas e a obliteração da<br />
circulação com álcool absoluto. 25<br />
Alguns casos de gêmeo acárdico podem apresentar oclusão<br />
espontânea do cordão umbilical, o que permitiria considerar a<br />
conduta expectante, entretanto, as taxas de sobrevivência das<br />
técnicas cirúrgicas (de aproximadamente 75%) são bem superiores<br />
quando comparadas às obtidas com a conduta conservadora. 24<br />
Considerações finais<br />
As gestações múltiplas estão se tornando cada vez mais comuns<br />
devido ao uso mais alargado de tratamentos de fertilidade<br />
e pela idade materna cada vez mais avançada para o parto.<br />
Essas gestações apresentam risco aumentado para algumas<br />
complicações obstétricas e para outras que são próprias das<br />
gestações múltiplas. A determinação da corionicidade é tempo<br />
essencial para avaliação da conduta pré-natal e para determinação<br />
do prognóstico. As gestações monocoriônicas desempenham papel<br />
de destaque na assistência obstétrica. Há que se considerar que<br />
a gestação monocoriônica monoamniótica por si só representa<br />
elevado risco (aproximadamente 50%) de morte fetal, devido ao<br />
embaraçamento dos cordões.<br />
Muitas questões permanecem sem resposta a respeito da<br />
história natural da gravidez múltipla e como melhorar o cuidado<br />
para essas pacientes. É cada vez mais difícil para o leitor consciencioso<br />
permanecer atualizado sobre este tema, tal a rapidez<br />
com que evoluem os conhecimentos nesta área.<br />
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Leituras suplementares<br />
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755
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LICOXID® - Referências Bibliográfi cas: 1 - Agarwal, S. e Rao, A. V. – Tomato lycopene and its role in human health and chronic diseases. Canadian Medical Association Journal, 19: 163-169, 2000. 2 - Chalabi, N., Lê Corre, L., Maurizis, J., Bignon, Y. e<br />
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2008, 14:00. 13 - Quimioprevenção do câncer. Disponível em: www.fcf.usp.br/nutrição/Ensino/Graduação/Disciplinas/Exclusivo/Inserir/Anexos/LinkAne/nutrição e cancer pdf . Acesso em: 30/01/2008, 15:00h. 14 - Informações internas e extraídas do folheto interno do<br />
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