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Percurso para a Quaresma em versão PDF - FEC

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@ UNAMID<br />

<strong>Quaresma</strong> 2013<br />

FOME DE MUDANÇA<br />

Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5, 6)<br />

<strong>FEC</strong>


ENQUADRAMENTO


ENQUADRAMENTO<br />

TEMpO DE TRANsFORMAÇõEs ATRAvés DE OlhAREs CRUzADOs<br />

<strong>Quaresma</strong> significa caminho de transformação, pre<strong>para</strong>ndo a Páscoa, que significa passag<strong>em</strong> da morte à vida, da escravidão<br />

à liberdade. Viver a <strong>Quaresma</strong> e celebrar a Páscoa pretende ser e deve ser uma experiência de transformação que implica<br />

os cristãos na construção do Reino. Nesta <strong>Quaresma</strong>, a <strong>FEC</strong> (Fundação Fé e Cooperação, ONGD da Conferência Episcopal<br />

Portuguesa) volta a propor que este percurso de fé, seja transposto <strong>para</strong> o Desenvolvimento. Porque na realidade, os dois<br />

percursos não dev<strong>em</strong> ser distintos, dev<strong>em</strong> estar entrelaçados e alimentar<strong>em</strong>-se mutuamente. O desenvolvimento é a<br />

passag<strong>em</strong> de condições menos humanas a condições mais humanas (Encíclica Populorum Progressio).<br />

Para além da sua ação na área da Cooperação <strong>para</strong> o Desenvolvimento, a <strong>FEC</strong> – Fundação Fé e Cooperação, deseja<br />

promover espaços de reflexão sobre o desenvolvimento humano integral e o desenvolvimento sustentável, com a<br />

promoção da justiça. Através da Rede Fé e Desenvolvimento, pretende promover este processo no seio da própria Igreja,<br />

repensando-se a si própria <strong>em</strong> diálogo com a sociedade.<br />

O jejum que me agrada é… (Is 58)<br />

O jejum que me agrada é este:<br />

libertar os que foram presos injustamente,<br />

livrá-los do jugo que levam às costas,<br />

pôr <strong>em</strong> liberdade os oprimidos,<br />

quebrar toda a espécie de opressão.<br />

Num t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que somos desafiados ao jejum, como atitude de con<strong>versão</strong>, quis<strong>em</strong>os ter <strong>em</strong> consideração com especial<br />

atenção a questão da fome que atinge tantas pessoas no mundo e no nosso país. Associamo-nos à campanha “Hungry<br />

for Change” da CAFOD (www.cafod.org), organização parceira da <strong>FEC</strong> na CIDSE – rede internacional de organizações<br />

católicas <strong>para</strong> o desenvolvimento. Lançamos por isso, como desafio <strong>para</strong> esta <strong>Quaresma</strong>, o t<strong>em</strong>a Fome de Mudança.<br />

No Mundo, hoje, uma <strong>em</strong> cada 8 pessoas passa fome. No entanto, são produzidos alimentos suficientes <strong>para</strong> todos.<br />

“A falta de comida <strong>para</strong> os pobres é a situação mais não-eucarística que existe na terra” (Cardeal Rodriguez Maradiaga,<br />

Presidente da Caritas Internationalis). E no entanto Jesus deixa estas palavras na instituição da Eucaristia: tomai todos<br />

e comei. Que todos tom<strong>em</strong> parte… “Porque é que não é possível evitar que tantas pessoas sofram as consequências<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

2


ENQUADRAMENTO<br />

extr<strong>em</strong>as da fome?” (Bento XVI, Mensag<strong>em</strong> <strong>para</strong> o Dia Mundial da Alimentação 2007). ... “Não é apenas uma questão<br />

de “dar do supérfluo”’, mas de ajudar todos os povos que estão excluídos ou marginalizados, a entrar<strong>em</strong> na esfera do<br />

desenvolvimento económico e humano, o que requer sobretudo uma mudança de estilos de vida, modelos de produção<br />

e de consumo, e de estruturas consolidadas de poder que hoje reg<strong>em</strong> as sociedades “ (Papa João Paulo II, Centesimus<br />

Annus, 58). O pão nosso de cada dia nos dai hoje…de que t<strong>em</strong>os de ter fome <strong>para</strong> que isto seja uma realidade <strong>para</strong> cada<br />

um dos nossos irmãos?<br />

O QUE sE pROpõE<br />

Mais do que sugerir propostas de ação <strong>para</strong> esta <strong>Quaresma</strong>, quis<strong>em</strong>os catalisar um t<strong>em</strong>po de reflexão forte na vida de<br />

cada um e na vida <strong>em</strong> sociedade, neste momento difícil que atravessamos. As bases de partida <strong>para</strong> esta reflexão são<br />

as leituras próprias da liturgia de <strong>Quaresma</strong> e Páscoa, sobre as quais apresentamos diferentes meditações a partir de<br />

diferentes perspetivas – Olhares Cruzados diante da Cruz e da Ressurreição.<br />

Trata-se de um percurso <strong>em</strong> oito etapas - 4ª feira de cinzas, seis domingos da <strong>Quaresma</strong> e domingo de Páscoa. Para<br />

cada etapa sugere-se uma dimensão do Desenvolvimento, fazendo reflexo da própria Encíclica Caridade na Verdade,<br />

<strong>em</strong> que o Papa Bento XVI aborda a Crise atual e o Desenvolvimento Humano Integral compl<strong>em</strong>entando estas diferentes<br />

perspetivas.<br />

Cruzamos diversos olhares e experiências, de diferentes personalidades e origens, a partir de Portugal e de países <strong>em</strong><br />

que a <strong>FEC</strong> trabalha.<br />

13 Fevereiro<br />

4ª FEIRA DE CINzAs<br />

17 Fevereiro<br />

I DOMINgO DA QUAREsMA<br />

ETApA pAlAvRAs-ChAvE<br />

DESENVOLVIMENTO QUE PROMOVE O BEM COMUM<br />

RESPONSABILIDADE<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

3


ENQUADRAMENTO<br />

24 Fevereiro<br />

II DOMINgO DA QUAREsMA<br />

3 Março<br />

III DOMINgO DA QUAREsMA<br />

10 Março<br />

Iv DOMINgO DA QUAREsMA<br />

12 Março<br />

INÍCIO DO CONClAvE<br />

17 Março<br />

v DOMINgO DA QUAREsMA<br />

24 Março<br />

DOMINgO DE RAMOs<br />

29 Março<br />

sEXTA-FEIRA sANTA<br />

31 Março<br />

DOMINgO DA REssURREIÇãO<br />

ABERTURA<br />

TOMAR PARTE NA CRIAÇÃO<br />

RECONCILIAÇÃO<br />

HUMILDADE<br />

DISPONIBILIDADE<br />

COERÊNCIA<br />

ESPERANÇA<br />

PASSAGEM<br />

O desafio que se deixa é o de juntar a este conjunto de reflexões o nosso próprio exercício, a partir da nossa realidade,<br />

com as nossas inquietações, nesta procura de como ser sal da terra que nos toca viver, sal que transforma, que dá<br />

sabor e sentido.<br />

pORQUê pROpOR EsTE pERCURsO? AlgUMAs RAzõEs pRINCIpAIs:<br />

1/ Contextualizar o momento que viv<strong>em</strong>os na História da Salvação: A vivência da Páscoa r<strong>em</strong>ete-nos <strong>para</strong> a História<br />

da Humanidade que nos precede, História de tantas lutas, crises, epopeias e apogeus, História de Revelação de Deus<br />

através da fragilidade humana, libertando o Seu povo a caminho da Terra Prometida. É importante enxertarmos o<br />

momento que atravessamos nesta História, percebendo que estamos neste Caminho de Salvação, <strong>em</strong> que a Crise não<br />

t<strong>em</strong> a última palavra. É importante não absolutizarmos a “nossa crise” tanto no T<strong>em</strong>po, como no Espaço. Porque muitos<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

4


ENQUADRAMENTO<br />

outros já a sofreram e muitos outros a sofr<strong>em</strong> desde s<strong>em</strong>pre, noutros pontos do Planeta. Que este percurso possa ser<br />

uma ajuda <strong>para</strong> nos situarmos na História que nos cabe viver e salvar, como portadores de Esperança e Transformação.<br />

2/ Rezar o Desenvolvimento Humano Integral: Em t<strong>em</strong>po de falências várias dos sist<strong>em</strong>as financeiros, sociais,<br />

ambientais, urge considerar o sentido pleno do Desenvolvimento Humano Integral – de todas as Pessoas e da Pessoa<br />

no seu todo. Pode vir-nos a tentação de pensarmos a realidade do nosso País, ou até da nossa família e amigos, de<br />

forma desligada da realidade Global. Jesus pergunta na parábola do Bom Samaritano: qu<strong>em</strong> é o teu próximo? Que este<br />

percurso nos ajude a compreender que a nossa casa é o Mundo, e que o meu próximo é também o irmão caído longe.<br />

Ou, o que pode resultar igualmente difícil, o irmão caído que sou eu próprio(a), ou um outro da minha própria casa.<br />

3/ Integrar Cristianismo e Cidadania: Muitas vezes pomos <strong>em</strong> gavetas se<strong>para</strong>das a nossa vida de fé e a nossa vida<br />

quotidiana de cidadãos, cada um com a sua marca própria de família, trabalho, amigos, interesses e responsabilidades.<br />

Mas ser Cristão é ser profundamente Cidadão, com um sentido forte de Missão na construção de sociedades justas e<br />

fraternas, <strong>em</strong> que todos tenham um lugar. Nos t<strong>em</strong>pos difíceis que atravessamos, o t<strong>em</strong>po quaresmal pode ser ocasião<br />

de considerar com maior claridade a Paixão e Ressurreição de Cristo na nossa realidade, pessoal, local e global. Não como<br />

um filme a que assistimos, mas sim de forma profunda, com um olhar desde dentro, que nos implica. “O Espírito do<br />

Senhor está sobre mim, porque me ungiu <strong>para</strong> anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação dos<br />

cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor”. (Lc 4,18). Este<br />

é o caminho de desenvolvimento assumido e proposto por Jesus. Talvez a dificuldade dos dias que viv<strong>em</strong>os nos abram<br />

também a porta <strong>para</strong> experimentar pessoalmente esta passag<strong>em</strong> da Escritura. Como vivo eu este caminho? Qu<strong>em</strong> são<br />

os pobres e cativos que me toca libertar? Que injustiças me cab<strong>em</strong> denunciar? Que injustiças me tocam viver e integrar?<br />

4/ Alimentar uma acção cristã mais reflectida: <strong>Quaresma</strong> é t<strong>em</strong>po de jejum, penitência, oração. Passos que se pod<strong>em</strong><br />

rapidamente quantificar <strong>em</strong> ações concretas. É-nos mais fácil deixar de comer chocolates ou dar esmolas, do que aceitar<br />

fazer o processo de reflexão sobre os nossos estilos de vida e as causas estruturais da pobreza e de situações de injustiça.<br />

O que é o verdadeiro jejum? A verdadeira penitência? Estas propostas concretas só faz<strong>em</strong> sentido como processo de<br />

transformação interior e de con<strong>versão</strong>, que lev<strong>em</strong> a relações mais ordenadas e justas de cada um consigo próprio, com<br />

Deus, com os outros, com os bens e recursos. Propostas que lev<strong>em</strong> a um sentido profundo da Partilha, do B<strong>em</strong> Comum,<br />

do valor e dignidade da Pessoa, seja qual for a sua realidade, do valor da Criação. Propostas que lev<strong>em</strong> a processos de<br />

mudança de atitudes e comportamentos, <strong>em</strong> procuras inquietas da justiça.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

5


ENQUADRAMENTO<br />

5/ Diferentes perspectivas sobre a realidade, diferentes olhares pascais sobre o Desenvolvimento: Viv<strong>em</strong>os<br />

t<strong>em</strong>pos culturalmente individualistas e sectários, que potenciam a competição e o isolamento, mais do que a<br />

solidariedade e a abertura ao outro, a outras realidades. Por outro lado, a Cooperação e as Parcerias são t<strong>em</strong>as muito caros<br />

ao Desenvolvimento, o qual só se realiza com a integração de diferentes dimensões, atores e sectores. De forma a ter<br />

diferentes perspetivas sobre a realidade que viv<strong>em</strong>os e também diferentes olhares de Esperança, de Páscoa, convidámos<br />

diversas pessoas de diferentes contextos a contribuir com a sua reflexão critica da realidade à luz das leituras que nos<br />

são propostas neste t<strong>em</strong>po litúrgico. Que o exercício que aceitaram fazer, cruzando a sua fé com a sua vida, inspire esse<br />

mesmo exercício <strong>em</strong> cada um de nós e das nossas comunidades.<br />

A <strong>FEC</strong> agradece profundamente a todos os que aceitaram este desafio de partilhar o seu olhar sobre a realidade através de<br />

uma experiência cristã, procurando a Páscoa na sua Vida e no nosso t<strong>em</strong>po. Que esta “parábola do Desenvolvimento”,<br />

a que todos somos chamados, ilumine esta <strong>Quaresma</strong>.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

6<br />

13 de Fevereiro de 2013


FOME DE MUDANÇA<br />

13 FEVEREIRO | QUARTA-FEIRA DE CINZAS


13 de Fevereiro | Quarta-feira de Cinzas<br />

DEsENvOlvIMENTO QUE pROMOvE O BEM COMUM<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Joel 2, 12-18<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 50 (51)<br />

• LEITURA II - 2 Cor 5, 20 - 6, 2<br />

• EVANGELHO - Mt 6, 1-6.16-18<br />

REFlEXãO<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

8<br />

PE. MANUEL MORUJÃO, sj<br />

Qu<strong>em</strong> não anseia por uma vida melhor, desde o nível de condições materiais (casa e saúde, alimentação e trabalho) até ao<br />

nível mais profundamente humano e espiritual (amizade e alegria, aceitação e experiência de Deus amor)? Qu<strong>em</strong> não deseja<br />

um mundo melhor, com mais justiça, paz e desenvolvimento, e uma Igreja mais ao jeito de Jesus, fraterna, unida e serviçal?<br />

Todos traz<strong>em</strong>os no nosso coração uma profunda fome de mudança. Todas as ocasiões são boas <strong>para</strong> mudar <strong>para</strong> melhor,<br />

mas a quaresma é um t<strong>em</strong>po especialmente oportuno. «Este é o t<strong>em</strong>po favorável, é este o dia da salvação» (2 Cor 6,2).<br />

É o desafio da palavra de Deus, que nos é apresentado logo no átrio de entrada da quaresma, na quarta-feira de cinzas.<br />

Como recorda um grande poeta português, «toda a vida é composta de mudança». O vírus do imobilismo, teimando<br />

<strong>em</strong> deixar tudo na mesma, como que nos faz viver conduzindo <strong>em</strong> marcha atrás. «A mudança é a lei da vida. E aqueles<br />

que apenas olham <strong>para</strong> o passado, ou <strong>para</strong> o presente, irão com certeza perder o futuro», assim afirmava o Presidente<br />

John Kennedy, apelando a trabalhar por um amanhã melhor. S<strong>em</strong> mudança não há progresso. É preciso arriscar na<br />

mudança, pois o porto é o lugar mais seguro <strong>para</strong> um barco, mas o barco foi feito <strong>para</strong> navegar. Importa correr os riscos<br />

da navegação <strong>para</strong> o porto de uma vida melhor, mesmo que os ventos sopr<strong>em</strong> <strong>em</strong> direção contrária.<br />

MUDAR, vERBO A CONjUgAR COMEÇANDO pOR MIM<br />

É fácil apontar o dedo <strong>para</strong> o que está mal nos outros, na família, na Igreja, na sociedade, na política e na economia. Mas<br />

importa investir na mudança do mundo, começando por nós.


13 de Fevereiro | Quarta-feira de Cinzas<br />

DEsENvOlvIMENTO QUE pROMOvE O BEM COMUM<br />

Não somos Secretários Gerais das Nações Unidas, n<strong>em</strong> Presidentes de nenhuma Nação ou Sumos Pontífices da Igreja. No<br />

entanto, cada um de nós é rei e senhor de si mesmo. O justo propósito de mudar o mundo deve começar pela mudança<br />

de cada um de nós, de mim. Recomendo esta oração que o Papa do Sorriso, João Paulo I, disse ser seu costume rezar:<br />

Senhor, que o mundo seja melhor tornando-me eu melhor. Que a Igreja seja mais santa convertendo-me eu a mais santo.<br />

Excelente estratégia <strong>para</strong> mudar o mundo <strong>para</strong> melhor.<br />

Usando o título de um livro de Santa Teresa de Jesus, a vida é um «caminho de perfeição». Fazer de um caminho um<br />

parque de estacionamento é mau <strong>para</strong> todos. N<strong>em</strong> nós cumprimos a nossa vocação de peregrinos do mais e do melhor,<br />

n<strong>em</strong> facilitamos a vida aos companheiros de viag<strong>em</strong>, estorvando o seu progresso.<br />

Mudar mais do que um acontecimento passageiro, deve ser um estilo de vida, sacudindo rotinas e inércias, renunciando a<br />

comodismos e monotonias. Qu<strong>em</strong> não progride, retrocede. «Qu<strong>em</strong> deixa de ser melhor deixa de ser bom», afirma S. Bernardo,<br />

um cont<strong>em</strong>porâneo e amigo no nosso primeiro rei D. Afonso Henriques. Um grande reformador da vida religiosa que foi S.<br />

João da Cruz assim nos recorda: «Na vida espiritual, não andar <strong>para</strong> a frente é recuar, não ganhar é perder». O clássico livro da<br />

Imitação de Cristo adverte sapiencialmente: «Sê apaixonado do progresso... Aproveita todas as ocasiões <strong>para</strong> avançar».<br />

O mundo melhor começa por mim. Os outros precisam do meu test<strong>em</strong>unho de mudança, s<strong>em</strong>pre <strong>para</strong> mais e melhor.<br />

«Uma alma que se eleva, eleva o mundo», assim nos interpela Élizabeth Leseur, esposa de um ateu, uma grande cristã,<br />

que, depois da sua morte, converteu o marido viúvo com a leitura do seu diário.<br />

Ninguém nasce herói e santo. Mas todos pod<strong>em</strong>os chegar a este patamar de vida de superior qualidade. Santo Agostinho<br />

é um claro ex<strong>em</strong>plo de como é possível mudar de uma vida libertina, a nível moral e intelectual, <strong>para</strong> uma vida de grande<br />

exigência de amor altruísta e serviçal. Escreveu obras de grande profundidade de pensamento e é dos grandes génios<br />

da humanidade. Foi um Bispo de extr<strong>em</strong>o zelo pastoral.<br />

NãO DEsIsTIR DE MUDAR O MUNDO à NOssA vOlTA<br />

Olhando <strong>para</strong> o que frequent<strong>em</strong>ente nos apresentam os meios de comunicação social, pode parecer que o mal alastra<br />

s<strong>em</strong>pre mais, como um gigante polvo com tentáculos omnipresentes. Será o mal mais forte que o b<strong>em</strong>? A mentira terá<br />

argumentos mais convincentes que a verdade?... A tentação de desânimo <strong>em</strong> lutar por um mundo melhor pode ser<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

9


13 de Fevereiro | Quarta-feira de Cinzas<br />

DEsENvOlvIMENTO QUE pROMOvE O BEM COMUM<br />

muito forte. Mas é claro que só Deus é omnipotente e que a vitória final só a Ele pertence.<br />

Perante as dificuldades da vida, como na t<strong>em</strong>pestade no mar de Tiberíades, Cristo nos interpela: «Porque t<strong>em</strong>eis, homens<br />

de pouca fé?» (Mt 8, 26). Se t<strong>em</strong>os fé, dev<strong>em</strong>os acreditar que o mundo melhor é possível na nossa família, no nosso grupo<br />

de trabalho, nas relações sociais, no campo da justiça e da paz no mundo.<br />

A Madre Teresa de Calcutá que o Papa João Paulo II beatificou, poucos anos a seguir à sua morte, gostava de repetir: «Mais do<br />

que protestar contra as trevas, importa acender um simples fósforo». É claro que o gesto é b<strong>em</strong> pequeno, mas é o princípio<br />

de iluminação, ao passo que os protestos não traz<strong>em</strong> luz nenhuma e dificultam encontrar qualquer ideia luminosa.<br />

São estes gestos simples de luz, nas trevas das dificuldades, que somos chamados a realizar cada dia. Assim ser<strong>em</strong>os<br />

promotores de mudança <strong>para</strong> melhor.<br />

CONvERsãO: NOME CRIsTãO DE MUDANÇA<br />

Cristo, também hoje, nos repete como aos contr<strong>em</strong>porâneos da sua encarnação: «O Reino de Deus está próximo de vós:<br />

convertei vos e acreditai na minha boa nova» (Mc 1, 15).<br />

Con<strong>versão</strong> significa exatamente mudança de orientação da vida: do egoísmo ao amor altruísta; da mediocridade de<br />

qu<strong>em</strong> se contenta com não ser mau ao progresso na virtude; da desistência desanimada de mais e de melhor a um<br />

grande ideal de vida; do esquecimento de Deus ao fomento de uma relação profunda de amizade, pela prática da oração<br />

e por gestos de caridade solidária.<br />

Ser cristão é viver <strong>em</strong> caminhada de con<strong>versão</strong>: «Um cristão é s<strong>em</strong>pre um pagão <strong>em</strong> vias de con<strong>versão</strong>», recorda um<br />

grande teólogo jesuíta, Jean Daniélou.<br />

Há que acreditar que vale a pena recomeçar de novo, tentar uma vez mais fazer as devidas mudanças. Deus o quer, os<br />

outros precisam e só assim viverei feliz.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

10<br />

Manuel Morujão, sj


REspONsABIlIDADE<br />

17 FEVEREIRO | I DOMINGO DA QUARESMA


17 de Fevereiro | I Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO pElA REspONsABIlIDADE<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Deut. 26, 4-10<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 90 (91)<br />

• LEITURA II - Rom 10, 8-13<br />

• EVANGELHO - Lc 4, 1-13<br />

REFlEXãO<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

12<br />

PE. MIGUEL RIBEIRO, CSSp<br />

A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração, adverte-nos com firmeza o apóstolo. E acrescenta: com o coração<br />

se acredita <strong>para</strong> obter a justiça. Esta palavra que se apresenta tão perto de cada um de nós t<strong>em</strong> <strong>em</strong> si o poder da palavra<br />

criadora. É também a palavra que alimentou os profetas da Antiga Aliança no seu clamor incansável contra a injustiça. É<br />

ainda a palavra que se fez carne e que agora aparece mais penetrante que uma espada de dois gumes. E por isso, chega<br />

ao coração e pede ao ser humano uma resposta livre e decidida; pede responsabilidade!<br />

Quando a palavra divina se encontra com a responsabilidade humana, o resultado é uma intensa fome de mudança.<br />

Foi assim com os profetas daquele t<strong>em</strong>po e assim permanece com os do nosso. E assim nasce uma geração de b<strong>em</strong>-<br />

aventurados: aqueles que viv<strong>em</strong> famintos e sedentos de justiça.<br />

E nisto de b<strong>em</strong>-aventuranças, apetecia-me acrescentar uma outra: uma b<strong>em</strong>-aventurança que proclamasse felizes todos<br />

aqueles que não se deitam descansados e acordam s<strong>em</strong> ter<strong>em</strong> dormido, porque se ‘inconformam’ com o grito do pobre,<br />

e porque ouviram a voz do “Deus que é”, e que viu a miséria, o sofrimento e a opressão que dominava sobre o Seu<br />

povo. Diante da “sarça” que arde no alto do monte, a “fome” pro-voca, superando o conformismo, qual “gaguez” a querer<br />

obstaculizar a mudança. Porque a palavra, que é alimento, foi digerida no coração, essa “terra” boa capaz de multiplicar<br />

trinta, sessenta ou c<strong>em</strong> por um.<br />

A responsabilidade humana é essa capacidade de digerir de todo o coração a palavra-acontecimento na nossa existência<br />

cristã profética. É saber procurar nos “desertos” da vida de muita gente a palavra divina do desassossego, transportando<br />

<strong>em</strong> si os apelos que os “povos da fome” dirig<strong>em</strong> aos “povos da opulência”. É acreditar que cada injustiça não v<strong>em</strong> de um


17 de Fevereiro | I Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO pElA REspONsABIlIDADE<br />

sujeito estrutural e impessoal, mas de pessoas livres, onde se inclu<strong>em</strong> qu<strong>em</strong> escreve e qu<strong>em</strong> lê este texto. É reconhecer<br />

que “o desenvolvimento é vocação” e que esta supõe a “liberdade responsável da pessoa e dos povos”, não havendo lugar<br />

<strong>para</strong> qualquer estrutura que prescinda e se sobreponha à responsabilidade humana (cf. Caritas in veritate, 16-17).<br />

Qualquer palavra – sab<strong>em</strong>o-lo –, encontra no silêncio o lugar ideal <strong>para</strong> ser escutada. A “mesa” <strong>em</strong> que a palavra<br />

divina pede <strong>para</strong> ser servida <strong>em</strong> alimento é o “deserto” <strong>em</strong> que superamos a tentação da fuga à nossa verdade. Ali nos<br />

encontramos com a nobre missão que o Pai nos confiou: amar a Verdade e responder-lhe <strong>em</strong> liberdade.<br />

E termino recorrendo às sábias palavras de Santo Agostinho especialista neste género de “refeições”: Ora, uma vez que<br />

viestes <strong>para</strong> receber este manjar, comei-o b<strong>em</strong>. Mas quando fordes <strong>em</strong>bora, digeri-o b<strong>em</strong>. Com efeito, come-o b<strong>em</strong> e<br />

digere-o mal, aquele que ouve a palavra de Deus e não a põe <strong>em</strong> prática (cf. Mt 7, 26). Na verdade, a esse não lhe aproveita<br />

o suco proveitoso do alimento, mas com a indigestão acaba por vomitar o alimento cru e enjoativo. (Sermão 28, sobre o<br />

Salmo 104, pregado durante o jejum quaresmal. Trad.: Fr. Isidro Lamelas).<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

13<br />

Miguel Ribeiro, CSSp


ABERTURA<br />

24 FEVEREIRO | II DOMINGO DA QUARESMA


24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Gén 15, 5-12.17-18<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 26 (27)<br />

• LEITURA II - Filip 3, 17 – 4,1<br />

• EVANGELHO - Lc 9, 28b-36<br />

REFlEXãO<br />

sINAIs DOs TEMpOs<br />

Acredito que verei a bondade do Senhor na terra dos vivos (Salmo 27,13)<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

15<br />

CHRIS BAIN<br />

Presidente da CIDSE<br />

Viv<strong>em</strong>os t<strong>em</strong>pos <strong>para</strong>doxais e de mudança. Este é simultaneamente um t<strong>em</strong>po de enorme esperança <strong>em</strong> que se<br />

celebra o progresso humano e a oportunidade e um t<strong>em</strong>po de indignação perante a contínua desigualdade e injustiça.<br />

Pod<strong>em</strong>os ter esperança, porque milhões de pessoas <strong>em</strong> todo o mundo estão a conseguir sair da pobreza.<br />

Nos últimos 10 anos, mais de 50 milhões de crianças começaram a ir à escola na África Subsariana, enquanto as<br />

mortes por sarampo, essa doença fatal, diminuíram quase 75 por cento. Estamos a dar os primeiros passos na estrada<br />

que nos levará ao fim da pobreza extr<strong>em</strong>a <strong>para</strong> todos.<br />

Mas estamos numa encruzilhada.<br />

Mantermo-nos como estamos vai continuar a significar que há mil milhões de pessoas que não ve<strong>em</strong> satisfeitas as<br />

necessidades básicas da vida, que não têm dignidade humana básica. Como cristãos, somos chamados a seguir o<br />

caminho que garanta que cada mulher, criança e hom<strong>em</strong> prospera e t<strong>em</strong> uma oportunidade justa na vida.<br />

Se seguirmos por este novo caminho, t<strong>em</strong>os de abordar um dos maiores escândalos do nosso t<strong>em</strong>po – a fome.


24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

Todas as noites, uma <strong>em</strong> cada oito mulheres, homens e crianças no mundo vão deitar-se com fome. Cada ano, 2,3<br />

milhões de crianças morr<strong>em</strong> de malnutrição.<br />

Contudo, há alimentos suficientes no mundo <strong>para</strong> alimentar todos.<br />

Há alimentos suficientes <strong>para</strong> cada um, mas as pessoas não têm condições de os comprar. Os preços dos alimentos<br />

alcançaram recent<strong>em</strong>ente os valores mais elevados <strong>em</strong> décadas e são preços cada vez mais voláteis. E nos países <strong>em</strong><br />

desenvolvimento, os pobres gastam cerca de três quartos do seu rendimento <strong>em</strong> comida.<br />

Os líderes mundiais reuniram-se <strong>em</strong> 2000 e definiram os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Prometeram<br />

que até 2015 reduziríamos a fome <strong>para</strong> metade, mas há muito poucas perspetivas de se manter essa promessa. Isto<br />

significa que estamos a faltar ao prometido com as gerações futuras: até 2025, quase mil milhões de jovens vão ser<br />

pobres por causa dos danos que lhes foram causados enquanto crianças pela fome e pela malnutrição.<br />

Mesmo <strong>em</strong> Portugal e no Reino Unido, muitas pessoas que trabalham imenso lutam <strong>para</strong> conseguir<strong>em</strong> o dinheiro<br />

necessário <strong>para</strong> alimentar<strong>em</strong> as suas famílias, com os preços elevados dos alimentos a aumentar<strong>em</strong> ainda mais os<br />

efeitos da crise económica. E o clima está a mudar, o que torna o nosso futuro global cada vez mais incerto.<br />

No verão passado, visitei a Margaret, uma camponesa local <strong>em</strong> Kitui, no centro do Quénia. Ela disse que tinham<br />

tido oito anos de seca, que as suas culturas não tinham vingado e que todos os seus animais tinham morrido. Os<br />

filhos tinham-se mudado <strong>para</strong> as cidades e a restante família dependia de alimentos dados pela diocese local e pelo<br />

governo <strong>para</strong> sobreviver. Nestes mesmos oito anos, o preço dos alimentos tinha duplicado!<br />

O escândalo é que ninguém precisa de passar fome ou estar malnutrido. O probl<strong>em</strong>a é inteiramente causado<br />

pelo ser humano. O sist<strong>em</strong>a global através do qual os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos não está<br />

a conseguir ir ao encontro das necessidades da população mundial. Nos países ricos, quase metade dos alimentos<br />

produzidos são desperdiçados e deitados fora!<br />

Pequenos camponeses como a Margaret pod<strong>em</strong> receber ajuda técnica e direitos sobre a terra, e pode ser-lhes<br />

estabelecido um preço justo <strong>para</strong> os seus produtos. As grandes <strong>em</strong>presas pod<strong>em</strong> ser regulamentadas <strong>para</strong> que<br />

pagu<strong>em</strong> a sua quota-parte de impostos e sejam honestas <strong>em</strong> relação às suas finanças.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

UMA REspOsTA CRIsTã<br />

Vários t<strong>em</strong>as <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> das leituras deste domingo, sobretudo do Evangelho, e eles pod<strong>em</strong>-nos ajudar a compreender<br />

o que é uma resposta cristã à crise de alimentos e de fome. Para mim, os t<strong>em</strong>as mais fortes têm a ver com a transformação,<br />

ou a mudança radical, e a importância da oração – <strong>em</strong> especial como precursora da ação.<br />

TRANsFORMAÇãO BAsEADA NO AMOR<br />

“Enquanto Ele orava, mudou-se a aparência do seu rosto, e a sua roupa tornou-se branca e resplandecente.” (Lc 9,29)<br />

O relato da Transfiguração dá início à caminhada quaresmal no Evangelho de S. Lucas – uma caminhada de <strong>para</strong>doxo<br />

e mudança. Pedro acabou de proclamar Jesus como o Messias e ambos estão a realizar as longas viagens <strong>em</strong> direção<br />

a Jerusalém.<br />

Alguns comentadores acreditam que a transfiguração tinha a ver com Jesus obter a bênção final do Seu Pai. Outros<br />

acreditam que se tratou de permitir que os discípulos escolhidos tivess<strong>em</strong> um vislumbre da glória de Deus, e da<br />

Ressurreição que estava <strong>para</strong> vir, <strong>para</strong> que a compreendess<strong>em</strong> melhor.<br />

Contudo, vejo o monte como uma linha que divide águas, uma encruzilhada. É um momento fundamental que liga o<br />

ministério inicial de Jesus ao seu destino <strong>em</strong> Jerusalém.<br />

O percurso doloroso escolhido significará que daí a poucos meses o mundo dos discípulos será virado do avesso.<br />

Nada mais será o mesmo. A sua tarefa será transformar<strong>em</strong> o mundo orientados pelo Espírito, o que irá originar a<br />

mudança mais profunda que o mundo alguma vez viu.<br />

O poder de concretizar esta mudança, esta transformação, não se baseia na riqueza ou no privilégio, mas sim no amor.<br />

Será centrado nesse último gesto de amor: dar a própria vida <strong>para</strong> que os outros possam viver.<br />

O amor que era Jesus perdoou aos pecadores, disse que deveríamos dar a outra face, queria que os ricos abdicass<strong>em</strong><br />

da sua riqueza, disse que éramos todos iguais, falou de modo familiar às mulheres e deu poder aos pobres. Disse que<br />

o que fizéss<strong>em</strong>os ao menor dos seus irmãos era a Ele que o fazíamos.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

Este amor é desconfortável, inaceitável, irrealista, ingénuo. É d<strong>em</strong>asiado dispendioso, quebra com todas as normas<br />

criadas pelos homens. Este amor está no centro da missão da Igreja: t<strong>em</strong>os a responsabilidade de trabalhar <strong>em</strong> prol<br />

de um mundo que espera um Reino de Deus com paz e justiça aqui na terra e no qual cada pessoa possa prosperar<br />

Por isso, <strong>em</strong>bora a ajuda e a caridade sejam necessárias <strong>para</strong> ajudar as pessoas que têm fome, também é importante<br />

trabalhar <strong>para</strong> transformar o sist<strong>em</strong>a alimentar falhado que mantém as pessoas a passar<strong>em</strong> fome.<br />

A ORAÇãO COMO pRECURsOR DA AÇãO pARA A jUsTIÇA<br />

“Jesus tomou Pedro, Tiago e João e subiu a um monte <strong>para</strong> orar.” (Lc 9,28)<br />

O Evangelho de S. Lucas coloca a oração no centro do ministério de Jesus. Gosto de pensar que este é o Jesus humano<br />

que se mantém <strong>em</strong> contacto com o Seu Pai – no momento do seu batismo, antes de selecionar os apóstolos, antes da<br />

crucificação e noutros momentos chave quando estavam <strong>para</strong> ser tomadas decisões fundamentais.<br />

A minha organização, a CAFOD, acredita muito que a oração é uma parte essencial da nossa missão.<br />

Muitos dos que apoiam o nosso trabalho <strong>em</strong> prol da justiça social são como eu – impacientes, ativistas, por vezes<br />

zangados e acusadores. Por vezes, sentimos que tudo vai mudar através das nossas ações. Que arrogância da nossa<br />

parte! É um pouco como Pedro no cimo do monte precipitando-se a construir tendas e a pensar que era isso o que<br />

Deus queria, que essa era a única mudança necessária.<br />

A oração requer espaço <strong>para</strong> reflexão e discernimento. Isto permite-nos reconhecer o dom da graça: que nada pode<br />

acontecer s<strong>em</strong> Deus e que tudo é possível com Ele.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

18<br />

Chris Bain<br />

Presidente da CIDSE (Cooperação Internacional <strong>para</strong> o Desenvolvimento e a Solidariedade) e líder da CAFOD,<br />

agência correspondente à <strong>FEC</strong> <strong>em</strong> Inglaterra e no País de Gales, mandatada pelos Bispos<br />

<strong>para</strong> lutar contra a pobreza e a injustiça <strong>em</strong> nome da comunidade católica.


24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

REFlEXãO<br />

MUDANÇA INTERIOR QUE pOssIBIlITA A pRáTICA DA jUsTIÇA<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

19<br />

PE. FELIx LOPES, sj<br />

Desde o princípio até os fins dos t<strong>em</strong>pos, a História da Salvação, foi e s<strong>em</strong>pre será o estabelecimento de uma aliança entre<br />

Deus e os homens. Uma aliança, que é fruto da gratuidade de Deus <strong>para</strong> com a humanidade. Mas há momentos <strong>em</strong> que<br />

esquec<strong>em</strong>os o significado dessa união. Neste segundo domingo da <strong>Quaresma</strong> dar<strong>em</strong>os mais um passo <strong>para</strong> a subida à<br />

Festa da Páscoa, a qual nos faz renovar não só o nosso compromisso com o Deus da vida, mas a continuarmos a dar novo<br />

sentido a essa História de Salvação. A primeira leitura, do livro do Génesis, apresenta-nos a figura de Abraão o qual recebe<br />

a promessa de Deus (não só de uma numerosa descendência, mas de terras <strong>para</strong> sua descendência) e assim é considerado<br />

o justo por excelência. A minha experiência de missionário, e <strong>em</strong> especial a minha experiência <strong>em</strong> Moçambique, no meio<br />

de uma realidade sofrida, dura, marcada pela desigualdade social, miséria, precariedade, trouxe-me um questionamento:<br />

pelo que observamos nos dias de hoje, de fato a promessa concretizou-se? Abraão é o modelo do patriarca, l<strong>em</strong>brado por<br />

inúmeras gerações, que pela fé se entregou totalmente à Palavra de Deus. Mediante a promessa de Deus, também somos<br />

herdeiros dessa Aliança, mas as nossas práticas de egoísmo, o nosso medo do diferente, a nossa postura comodista, afasta-<br />

nos dessa herança de fé. Porém, assim como Abraão dev<strong>em</strong>os, também, pela fé entregar-nos totalmente à Palavra de Deus.<br />

Palavra que nos leva a uma atitude de con<strong>versão</strong>. Quero salientar que essa atitude de con<strong>versão</strong> deve ser um sair de si <strong>para</strong><br />

encontro do outro, um sinal de confiança, uma entrega, um sinal de abertura <strong>para</strong> o novo. Pois assim fez Abraão, saiu da sua<br />

pátria, correu o risco pela fé, todavia confiou inteiramente <strong>em</strong> Deus s<strong>em</strong> se opor à sua vontade. Hoje somos convidados a<br />

fazer a vontade do Pai, a deixar-nos confrontar com outras realidades, compartilhar não simplesmente o que t<strong>em</strong>os, mas o<br />

que somos. Pois a promessa de Deus ainda não se consolidou por completo.<br />

O Evangelho de São Lucas traz-nos a narrativa da Transfiguração como anúncio da Ressurreição, onde Jesus Ressuscitado se<br />

faz centro da Nova Aliança. Quero aqui trazer três aspetos que me chamam a atenção neste texto. O primeiro aspeto é que<br />

Lucas diz-nos que “Enquanto orava, o aspeto de seu rosto alterou-se...”, muitas das vezes somos tentados a olhar <strong>para</strong> essa<br />

alteração (Transfiguração) como algo físico e material, ou simplesmente por práticas assistencialistas achando que pod<strong>em</strong><br />

trazer verdadeiras mudanças. Dev<strong>em</strong>os sim, entender essa Transfiguração como uma experiência de oração vivida na fé e na


24 de Fevereiro | II Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO ABERTURA<br />

confiança num Deus que t<strong>em</strong> como seu filho, Jesus Cristo, com modelo de entrega total à vontade de Seu Pai. Desta forma,<br />

dev<strong>em</strong>os ter uma experiência de fé fundada na oração que nos faça transfigurar do interior <strong>para</strong> a ação transformadora da<br />

nossa realidade, ou melhor, de realidade que precisam ser reconstruídas de forma justa. Em África/Moçambique, inúmeras<br />

foram as comunidades que visitei e onde presenciei o analfabetismo total, falta de saneamento básico, fome, a morte por causa<br />

de simples doenças. Perante tudo isto, poderíamos até dizer: é <strong>em</strong> função da pobreza e miséria que gera a ignorância... Não só,<br />

mas também pelo simples fato que faltam pessoas que possam ajudar estes a saír<strong>em</strong> da ignorância, que possam ir ao encontro<br />

desse povo num gesto de disponibilidade e compreensão.<br />

O segundo aspeto v<strong>em</strong> da afirmação de Pedro: ”Mestre, como é bom estarmos aqui...”, dev<strong>em</strong>os ter o cuidado com a prática do<br />

comodismo, pois assim como Pedro pod<strong>em</strong>os cair no erro de que Projeto da Nova Aliança se realizaria s<strong>em</strong> passar pele martírio.<br />

Ao ex<strong>em</strong>plo de Abraão, Jesus, pela fé faz a vontade de Deus, porém não oferece sacrifícios <strong>para</strong> selar a Nova Aliança, mas torna-<br />

se o próprio sacrifício. E nós de que forma nos encontramos hoje? À maneira de Pedro que se acomoda diante da realidade<br />

cómoda vivendo no mundo irreal, ou à maneira de Jesus que busca fazer a vontade de Deus, através de ação transformadora,<br />

que muda a sociedade. O terceiro aspeto é o da voz que v<strong>em</strong> nuv<strong>em</strong>: “Este é meu filho, o meu eleito: escutai-O.”, aqui não<br />

dev<strong>em</strong>os ter dúvidas, é a voz do próprio Deus. O Deus que falou a Abraão, a Jesus, aos discípulos e fala agora conosco. Somos<br />

convidados a escutar Jesus Cristo, somos convidados a descer da montanha <strong>para</strong> seguirmos os Seus passos s<strong>em</strong> medo e s<strong>em</strong><br />

medida. Essa atitude de escuta, a qual Deus pede a cada um de nós, leva-nos a uma liberdade interior, que nos possibilita a uma<br />

abertura exterior, que nos faz compreender a necessidade do outro e assim possamos Transfigurar-nos interiormente. Conviver<br />

e compartilhar a minha experiência de fé noutra Cultura, com outros Credos, noutro Continente (África), deu-me possibilidade<br />

de entender e aprender que a confiança <strong>em</strong> Deus é fundamental <strong>para</strong> uma vida de con<strong>versão</strong>.<br />

São Paulo, na Carta aos Filipenses, mostra-nos que todos somos filhos de Deus, como constatamos na leitura do Génesis,<br />

somos pela fé da descendência de Abraão e o destino de todos é a glória de Deus. Paulo salienta que <strong>para</strong> chegarmos<br />

a essa glória dev<strong>em</strong>os fazer a nossa caminhada de fé no amor e na fraternidade. Dev<strong>em</strong>os ter <strong>em</strong> conta que fazer a<br />

vontade de Deus está muito <strong>para</strong> além de fazer algo por fazer, mas sim fazer valer a Justiça. Só com a prática da Justiça,<br />

a promessa feita à Abraão, a Nova Aliança feita com Jesus e a Transfiguração interior pod<strong>em</strong> realizar-se por completo.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

20<br />

Felix Lopes, sj


TOMAR pARTE<br />

NA CRIAÇãO<br />

3 MARÇO | III DOMINGO DA QUARESMA


3 de Março | III Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

TOMAR pARTE NA CRIAÇãO<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Ex 3, 1-8a. 13-15<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 102 (103)<br />

• LEITURA II - 1 Cor 10, 1-6. 10-12<br />

• EVANGELHO - Lc 13, 1-9<br />

REFlEXãO<br />

IRMÃ REGINA MATEUS, SNSF<br />

DIRETORA DO CENTRO DE FORMAçÃO DE EDUCADORES DE INFâNCIA, BISSAU<br />

O Senhor me cria e me quer hoje. E porquê? Porque é que Deus teima <strong>em</strong> chamar Moisés, na sarça ardente? Porque é<br />

que Paulo era tão exigente com os Coríntios do seu t<strong>em</strong>po, insistindo que os seus antepassados tinham bebido todos<br />

de um rochedo espiritual, que era Cristo, mas que não agradaram a Deus? Porque é que Jesus, a revelação fiel de Deus-<br />

amor, lança aquelas palavras duríssimas aos que lhe trouxeram a notícia de que uns galileus tinham sido degolados<br />

por Herodes, e as repete depois de recordar o episódio trágico da torre de Siloé que matou 18 pessoas, “Se não vos<br />

arrependerdes, morrereis todos da mesma maneira!<br />

Porquê e <strong>para</strong> quê esta insistência da Palavra divina que procura encontrar-me e deixar-se encontrar? Que mistério<br />

insondável envolve o nosso ser, o mistério da vida?<br />

E a vida vive-se de modo muito simples. É lá, onde se cruza o olhar de Deus e o nosso que ela acontece. Ele hoje quer<br />

recriar-me e quer que eu seja “criador” com Ele.<br />

Portugal sofre, mas escandalizei-me com a crise <strong>em</strong> Portugal. Vi gente que se queixava, procurando afastar a esperança<br />

do seu coração e do coração dos outros, mas tinha adquirido hábitos caros, dos quais não prescindia. Estive uns meses<br />

<strong>em</strong> Portugal com uma furunculose generalizada, mas é verdade que fui excelent<strong>em</strong>ente recebida pelas minhas irmãs,<br />

e b<strong>em</strong> atendida <strong>em</strong> todos os serviços de saúde, e nada me faltou. Pela graça de Deus curei-me. Também é verdade<br />

que nas minhas muitas idas e vindas, quase s<strong>em</strong> pensar, levava água e alguma coisa <strong>para</strong> comer e nada me faltava. A<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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3 de Março | III Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

TOMAR pARTE NA CRIAÇãO<br />

sobriedade acaba por ser consequência da vida ao lado dos pobres. Será que a nossa sociedade portuguesa está atenta<br />

ao chamamento de Deus? Ele que descer, porque ouve os gritos do seu povo, mas conta comigo como contou com<br />

Moisés. Queres ser com Jesus, novo Moisés que dá alento ao seu povo, e arrisca o comodismo da sua vida <strong>para</strong> “quebrar<br />

cadeias injustas”, dar liberdade aos cativos, e vista aos cegos?”<br />

Um dia destes falei com um <strong>em</strong>pregado da CARITAS aqui da Guiné, e ele dizia que há muito t<strong>em</strong>po não comia carne.<br />

Ont<strong>em</strong> observei um transeunte que se esforçava por comprar uma galinha, mas o preço era elevado e não conseguiu…<br />

E se falarmos dos medicamentos e do sist<strong>em</strong>a de saúde? Venho de Angola (onde estive 12 anos), e cheguei à Guiné no<br />

início deste ano. A mesma dor, o mesmo sofrimento! Hoje apanhei boleia do Pe Jaquité que corria <strong>para</strong> Boor à procura<br />

de medicamento <strong>para</strong> a hipertensão. Deixou a doente a repousar no s<strong>em</strong>inário; é que ela soluçava agitada, porque<br />

não podia comprar o r<strong>em</strong>édio. Este seria de uns 3000 Fcfa, muito caro <strong>para</strong> as suas posses, mas nas farmácias de Bissau<br />

quadriplicava. É a fragilidade de um sist<strong>em</strong>a que derruba os pobres… Então o Padre ia a um centro médico da Igreja<br />

católica, distante, à procura de medicamento, e do conselho do médico. Deus o ajude a salvar esta vida.<br />

Por estes dias houve um grande acidente, a caminho de Antula, e já são uns 12 mortos! As débeis condições de vida<br />

faz<strong>em</strong> com que a morte esteja s<strong>em</strong>pre muito perto. Todos os dias há alguém que falta ao <strong>em</strong>prego ou às aulas <strong>para</strong> ir ao<br />

funeral, ao “tchoro” de um mais velho, da mãe que falece ao dar à luz, ou de alguma criança inocente. São diferentes os<br />

olhares sobre a morte. Às vezes, na reunião familiar que se segue, venc<strong>em</strong> os ódios e domina o mal, então “identificarão”<br />

os culpados pela morte, e surgirão mais vítimas. Tantas prisões! Oxalá nestas viagens, que guineenses (ou angolanos…),<br />

faz<strong>em</strong>, normalmente <strong>para</strong> o interior do país, <strong>para</strong> enterrar os seus queridos e chorar por eles, lev<strong>em</strong> paz, “se arrependam”<br />

e nos arrependamos,” <strong>para</strong> que não morramos todos da mesma maneira”. Quando Deus não está, reina a morte. E esta<br />

não precisa de grandes desculpas. S<strong>em</strong> Deus somos prisioneiros do medo, e tudo nos ameaça. Senhor, dá-nos o dom da<br />

fé. Cria <strong>em</strong> nosso coração o mundo feito de esperança e paz, e faz de nós criadores de um mundo que seja acolhimento<br />

e confiança <strong>para</strong> os outros, vivido sob o olhar de Deus.<br />

Faz-me Senhor, “tomar parte ativa na criação”! Aquela que cresce no meu íntimo e de que só o Espírito é capaz;<br />

O Senhor nos dê a corag<strong>em</strong>, a luz, abertura e a confiança <strong>para</strong> nos expormos à ação do seu Espírito.<br />

Ensina-me a descalçar-me, porque a terra da vida é sagrada, e os mais pobres, os mais desprotegidos precisam que me aproxime<br />

deles s<strong>em</strong> os magoar, levando a palavra que realiza o que significa como presença concreta do Deus que desce até nós.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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3 de Março | III Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

TOMAR pARTE NA CRIAÇãO<br />

O Senhor vê o sofrimento e envia-me. Hoje sou eu que preciso de libertar. Quero tomar parte na nova criação; a criação<br />

de um mundo que não endeusa o supérfluo, mas dá precedência à pessoa. Um mundo que denuncia sist<strong>em</strong>as de<br />

corrupção; que vê hoje o povo de Deus oprimido, e não t<strong>em</strong>e prescindir de mordomias, quando descobre, como Moisés,<br />

que o seu modo de viver faz cair outros.<br />

• Não serei eu opressor dos meus irmãos/ãs?<br />

• Não invento contas de desvio ao fisco?<br />

• Não exijo subsídios de des<strong>em</strong>prego, s<strong>em</strong> que lute pelo trabalho?<br />

• Não pretendo condições excelentes, á custa de tudo e de todos?<br />

Como recrio o meu interior e o dos outros?<br />

senhor, aumenta <strong>em</strong> mim a fé, faz-me viver do rochedo espiritual que é Cristo, acolhendo os cuidados, que o<br />

mesmo jesus, o vinhateiro me quer oferecer, a fim de que venha a dar fruto.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

24<br />

Ir. Regina Mateus, snsf, Guiné-Bissau


RECONCIlIAÇãO<br />

10 MARÇO | IV DOMINGO DA QUARESMA


10 de Março | IV Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO hUMANO INTEgRAl<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Jos 5, 9a.10-12<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 33 (34)<br />

• LEITURA II - 2 Cor 5, 17-21<br />

• EVANGELHO - Lc 15, 1-3.11-32<br />

REFlEXãO<br />

IRMÃ MARIA LUÍS P. BARÃO, MISSIONÁRIA DOMINICANA DO ROSÁRIO<br />

O IV Domingo da <strong>Quaresma</strong> propõe à nossa consideração e reflexão, a Misericórdia de Deus, <strong>em</strong> contrapartida da<br />

atitude de dois irmãos que não se compreendiam; con<strong>versão</strong> e reconciliação, como condição indispensável <strong>para</strong> o<br />

itinerário quaresmal.<br />

A meditação das três leituras deste domingo, deverá ajudar-nos a fazer um enquadramento mais sério e completo do<br />

viver cristão que ultrapassa toda a expetativa de um simples formalismo de cumpridores de umas normas já estabelecidas,<br />

<strong>para</strong> ir mais além, na nossa vivência quotidiana, da Boa Nova de Jesus Cristo que deve transformar os nossos corações,<br />

a fim de que haja lugar <strong>para</strong> a festa, na comunidade dos crentes, festa da partilha dos bens da terra, da partilha do amor<br />

1 | COM jOsUé, COMO ENCARAR O TEMpO DE MUDANÇA?<br />

Nesta primeira leitura, mais um passo nos é apresentado, <strong>para</strong> a nossa caminhada quaresmal. É a saída do Egipto <strong>para</strong><br />

a terra da promessa. No t<strong>em</strong>po de deserto, t<strong>em</strong>po de provação… Deus que cuidou do seu povo, através de Moisés,<br />

agora, com Josué, mostra-se provedor das necessidades básicas do seu povo, com o maná caído do céu! Mostra-se um<br />

Deus providente, atento às necessidades do povo sofredor, enquanto peregrino no deserto, <strong>para</strong> a terra da promessa.<br />

Uma vez na Terra Prometida, terminou a viag<strong>em</strong>; o povo estabelece-se na planície de Jericó e celebra a festa da chegada,<br />

a festa da páscoa com os frutos da terra, porque já pode cultivar! Festa que também marca o início de uma nova<br />

etapa na vida do povo (libertação). O maná cede à criatividade e ao engenho humano. Todos ao trabalho, a fim de<br />

comer dos frutos da terra. Não será essa uma forma de restaurar a dignidade de um povo? Ao invés de viver s<strong>em</strong>pre de<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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10 de Março | IV Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO hUMANO INTEgRAl<br />

“mãos estendidas”, <strong>para</strong> pedir ou <strong>para</strong> dar (…)? Em circunstâncias normais, as pessoas dev<strong>em</strong> providenciar o seu alimento,<br />

através do trabalho a fim de comer os frutos que a mãe terra nos dá (Gn2,15). Um caminho de desenvolvimento<br />

humano integral.<br />

2 | O MANá DEIXOU DE CAIR<br />

Agora que o maná deixou de cair, como encarar a situação? Que terá feito Josué, chefe do povo, perante tal mudança?<br />

Como responderia a esse desafio? Uma reflexão se impõe e se pode aplicar a esta nossa realidade (angolana), <strong>em</strong> que<br />

durante décadas fomos obrigados a viver de “mãos estendidas” <strong>para</strong> mendigar um “grão de milho”, … porque a guerra se<br />

impôs a todos o níveis e ninguém por mais que quisesse cultivar a terra, podia fazê-lo porque a situação era de contínua<br />

“<strong>em</strong>ergência”, e o momento era de “vida” ou “morte”!... Naquele t<strong>em</strong>po então não se vivia; “sobrevivia-se”! Éramos um<br />

povo que deambulava, correndo de Norte a Sul, de Leste a Oeste, …s<strong>em</strong> Pão, n<strong>em</strong> Paz, s<strong>em</strong> Harmonia, mas com a firme<br />

certeza de ter Deus Pai de todos os povos! “Se Deus acompanhou o povo de Israel, no deserto, durante 40 anos, também<br />

nos acompanhará a nós, e um dia o maná cessará e dará lugar à mandioca, à batata-doce (tubérculos da terra) …”<br />

(palavras de uma mãe de família, cansada de sofrer; porém, mulher de muita fé)! A Palavra de Deus escutada e meditada,<br />

s<strong>em</strong>pre alentou a nossa fé e deu firmeza às nossas mãos e pés “vacilantes”! <strong>Quaresma</strong> é um t<strong>em</strong>po que nos é dado <strong>para</strong><br />

fortalecer o nosso itinerário cristão. Um peregrinar no deserto da vida, a fim de chegarmos à Páscoa com os “pães ázimos“<br />

da graça que se nos oferece através: da escuta e meditação da palavra de Deus, da maior frequência sacramental, da<br />

prática da caridade, da partilha, etc.<br />

3 | O NOssO DEUs é MIsERICORDIOsO: NãO gUARDA REssENTIMENTO<br />

A parábola que nos é narrada hoje, muitos de nós a conhece como a “A Parábola do Filho”. A parábola não fala só de um<br />

filho, mas sim de dois. É verdade que o filho mais novo parece tomar o protagonismo ao dizer: “Pai, dá-me a parte da<br />

herança que me toca.”Terá sido um filho ousado? Libertino? Insubmisso? Que Bom pai que não refuta sequer a atitude<br />

do filho! Então o pai não devia inquirir, indagar o filho sobre a tomada dessa decisão, se ele tinha tudo <strong>em</strong> casa? Atitude<br />

desconcertante! Deus atende os seus filhos e filhas, até mesmo na sua rebeldia! Dev<strong>em</strong>os perguntar-nos sobre o porquê<br />

dessa atitude do pai. Será <strong>em</strong> detrimento da liberdade que nos deu? Sim, pela liberdade que Deus nos deu ao virmos a este<br />

mundo, Ele jamais nos forçará a fazer algo contra a nossa vontade; antes pelo contrário, dar-nos-á t<strong>em</strong>po suficiente <strong>para</strong><br />

amadurecermos e cairmos na conta dos nossos erros e expetativas, <strong>para</strong> nos levantarmos e corrermos à procura do B<strong>em</strong>.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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10 de Março | IV Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO hUMANO INTEgRAl<br />

jesus Cristo ensina-nos hoje, quão grande é o amor de Deus que nãos nos condena pelos nossos pecados e crimes, antes<br />

pelo contrário, fica à nossa espera, até que nos decidamos a pôr cobro às nossas atitudes infantis e a Ele aderirmos. O Deus<br />

de jesus Cristo é um Deus cl<strong>em</strong>ente e cheio de compaixão! O evangelista S. João diz-nos que Deus é Amor. O amor só<br />

quer ser correspondido com amor. O Deus que enche de beijos qu<strong>em</strong> esteve perdido e voltou a encontrar-se; o Deus que<br />

convida <strong>para</strong> a festa do regresso e começo de uma vida nova. O Deus paciente, porque sabe esperar…<br />

4 | ”há TANTOs ANOs QUE EU TE sIRvO…”<br />

A meio da festa, chega o irmão mais velho. Pergunta sobre o que se passa no bairro e informam-no do “regresso” do<br />

seu irmão que “estava morto” e “voltou à vida…”(v 32). Vejamos como pode a inveja deturpar as nossas relações na<br />

comunidade cristã! O pai ordena que a festa comece, <strong>para</strong> celebrar a vida, a libertação, o regresso à casa, o início de novas<br />

relações. O filho mais velho não quer entrar nessa dinâmica da alegria e festa, antes pelo contrário, reclama por aquilo<br />

que não lhe foi atribuído, sendo o bom e melhor dos filhos que nunca “transgrediu” n<strong>em</strong> se quer, uma das Suas ordens.<br />

Isto é inveja! Qu<strong>em</strong> é invejoso, na linguag<strong>em</strong> de S. Paulo, ainda vive segundo a carne e não segundo o Espírito, sob o<br />

controle dos nossos desejos (1Cor3,3), (Gál5,26). Sim, a inveja, esse sentimento de possuir aquilo que o outro possui;<br />

o desgosto pelo b<strong>em</strong> que o outro possui, como corrigi-lo e bani-lo do nosso meio, neste t<strong>em</strong>po de quaresma? Que<br />

invejam hoje as pessoas? A inteligência dos outros, os campos, casas, carros, casa de praia, a vida da graça? A impressão<br />

que se t<strong>em</strong> é de que as pessoas facilmente choram com qu<strong>em</strong> chora e dificilmente se alegram com qu<strong>em</strong> está alegre,<br />

por causa da inveja. Jesus Cristo, quer hoje ensinar-nos que o Pai nos quer pessoas felizes com a felicidade das outras<br />

pessoas; alegres na alegria das outras pessoas. Que particip<strong>em</strong>os da festa da comunidade; que particip<strong>em</strong>os s<strong>em</strong> ser<br />

meros expetadores. Que nos abramos à sua ação salvadora e libertadora. Assim sendo, participar<strong>em</strong>os ativamente nesta<br />

parábola do Desenvolvimento, com o coração renovado.<br />

5 | A RECONCIlIAÇãO DOM E TAREFA<br />

Na 2ª leitura deste IV Domingo da <strong>Quaresma</strong>, S. Paulo fala-nos da reconciliação. A reconciliação, diz S. Paulo, não é<br />

realizada de forma milagrosa por Deus. Ele t<strong>em</strong> os Seus canais: os Arautos do Evangelho, os pregadores/as, os catequistas,<br />

que ao pregar a Palavra pre<strong>para</strong>m o ambiente do nascimento do hom<strong>em</strong> novo, da mulher nova. Qu<strong>em</strong> os escuta? Já<br />

no AT, Deus revela-se como um Deus de ternura e piedade (Ex34,6). Ele não guarda ressentimento, antes pelo contrário,<br />

Ele dá s<strong>em</strong>pre o primeiro passo. Quantas vezes o povo rompeu com a aliança feita no Sinai. Porém, Deus não se resigna;<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

28


10 de Março | IV Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO hUMANO INTEgRAl<br />

Ele tomará a iniciativa duma nova aliança. (Ez36,24-30). A nova criação implica um novo estilo de vida, novas relações. A<br />

reconciliação t<strong>em</strong> a ver com a restauração e a re<strong>para</strong>ção de relações deterioradas, rompidas quer seja com Deus,<br />

quer com os irmãos e com as irmãs ou com qualquer outra pessoa. Deus é a fonte da reconciliação, por Cristo.<br />

Retomando a nossa reflexão acerca dos dois irmãos, Deus, o Misericordioso permitiria que o mais velho dos irmãos<br />

continuasse na sua inveja e “amuado” pelo b<strong>em</strong> que se fez ao mais novo que voltou à vida? Deixar-se-ia vencer pela<br />

atitude do filho mais velho, s<strong>em</strong> que os dois se reconciliass<strong>em</strong>? O Pai- Deus não é entendido pelos Seus filhos; mas Ele os<br />

entende e nos entende, nas nossas atitudes farisaicas e mesquinhas. A 2ª leitura é um convite a aceitar a reconciliação<br />

connosco mesmos, com Deus, com os irmãos, com as irmãs. Perante a crise de valores, Jesus convida-nos a encontrar<br />

nesta parábola, r<strong>em</strong>édio <strong>para</strong> os nossos males, Amando e deixando-nos Amar.<br />

Aqui <strong>em</strong> Angola, este Domingo é reservado como dia de oração e sacrifício pela reconciliação nacional. “Mudar os<br />

nossos corações e fazer-nos triunfar sobre o poder do pecado e da divisão. O Evangelho ensina-nos que a reconciliação<br />

- uma verdadeira reconciliação - só pode ser fruto de uma con<strong>versão</strong>, de uma mudança do coração de um<br />

novo modo de pensar. Ensina-nos que só a força do amor de Deus pode” (Papa Bento XVI, aquando da sua visita<br />

a Angola, <strong>em</strong> Março de 2009). Quando estávamos” mortos pelos nossos pecados” (Ef2,5), o seu amor e a sua misericórdia<br />

deram-nos a reconciliação e a vida nova <strong>em</strong> Cristo A reconciliação é caminho <strong>para</strong> a participação na festa que Deus<br />

nos preparou desde a criação do mundo. A Bíblia dá-nos muitos ex<strong>em</strong>plos disso e na nossa realidade também os há e<br />

ex<strong>em</strong>plos gratificantes de pessoas que durante anos viveram se<strong>para</strong>das, mas que hoje gozam da felicidade de ser<strong>em</strong><br />

pessoas reconciliadas, porque tomaram consciência de que só o perdão, a reconciliação, na comunidade, na família e<br />

na sociedade tornam as pessoas novas e renovadas, <strong>para</strong> um melhor enquadramento das suas vidas, nessa dinâmica de<br />

caminhada quaresmal, rumo à páscoa da Ressurreição.<br />

pessoas, comunidades e sociedades desavindas jamais poderão construir algo novo, porque desperdiçam<br />

energias por aquilo que não edifica.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

29<br />

Ir. Maria Luís P. Barão, Missionária Dominicana do Rosário<br />

Boa Entrada, Província do Kwanza-Sul, Angola


hUMIlDADE<br />

12 MARÇO | INÍCIO DO CONCLAVE


12 de Março | Início do Conclave<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO UM DOM<br />

REFERêNCIA<br />

• Lc 5, 1-11<br />

REFlEXãO<br />

hUMIlDADE: A FORMA DIvINA DE AMAR<br />

Em que estou a pensar quando digo ou me refiro que aquela pessoa é humilde?<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

31<br />

IRMÃ RITA CORTEZ, ACI<br />

Será que penso <strong>em</strong> alguém mais ou menos calado, que roça a timidez, pouco comunicativo, reservado, que foge de<br />

protagonismos, chamando, <strong>para</strong>doxalmente, à atenção por passar desapercebido… ?<br />

Será que penso num caminho ou grau de perfeição da vida espiritual que deveria atingir ou propor-me até mesmo nesta<br />

caminhada quaresmal?<br />

Será que….<br />

Proponho aqui uma reflexão que nos situa num ponto de partida diferente. A humildade como terra de possibilidade<br />

<strong>para</strong> construção cristã – desde Cristo – da minha própria história, do que vou sendo e do que estou chamada a ser. Dito<br />

de outra forma a humildade como “terra boa” <strong>para</strong> crescer <strong>em</strong> Cristo e ir ajustando pacífica e consoladoramente o mundo<br />

dos meus interesses, afetos e desejos ao projeto do Reino do Pai. Ajustar o meu mundo ao mundo e desejos de Deus.<br />

A humildade como o “faro” que me orienta e dinamiza a não querer mais que seguir o Espírito do Senhor Jesus sobre<br />

a história, sobre a vida, sobre o mundo num reconhecimento e afirmação permanentes, com a vida, da referência à<br />

Alteridade; de saber-me recebida de Outro e perceber o mundo como recebido.<br />

Trata-se, estou com-vencida, não de atingir um grau de perfeição mas de atração à Pessoa de Jesus de tal forma que


12 de Março | Início do Conclave<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO UM DOM<br />

configurando-me com Ele vou assumindo a minha condição de ser criatura, de crer, pouco a pouco, que não sou deus<br />

n<strong>em</strong> princípio e fundamento de nada, e que nada, absolutamente nada, por importante e forte que seja ou pareça t<strong>em</strong><br />

por si só consistência, se não for referido na sua orig<strong>em</strong> e razão ao Eterno Senhor de Todas as Coisas.<br />

“Caminha humild<strong>em</strong>ente com o teu Deus”, diz o profeta. Lado a lado, vendo o que Ele vê e como Ele vê. Um modo diferente de<br />

ver a vida <strong>em</strong> que sou chamada, a cada instante, a descentrar-me de mim mesma <strong>para</strong> pôr-me <strong>em</strong> atitude de serviço e entrega,<br />

“soltando amarras” e abrir-me ao “domínio” de Deus sobre mim, de tal forma que o que me mova e arraste não são “as outras<br />

coisas criadas” 1 mas o desejo de identificar-me com Jesus <strong>para</strong> que “seguindo-O na pena, também O siga na glória” 2 .<br />

hUMIlDADE CRUCIFICADA<br />

Como os discípulos, também nós d<strong>em</strong>oramos a compreender as últimas consequências e implicações que t<strong>em</strong> seguir<br />

o Mestre. Não estar<strong>em</strong>os, muitas vezes, como os discípulos, pouco dispostos a entrar no caminho da cruz? A nossa<br />

falta de lucidez – primeiro estádio <strong>para</strong> a humildade – mantêm-nos longe do Mestre e do que “move” o Seu coração.<br />

Quantas vezes, nos <strong>em</strong>penhamos ridiculamente, como Tiago e João, <strong>em</strong> ser os primeiros e pedir que nos instale um à<br />

direita e outro à esquerda? 3 Quantas vezes, e sob aparência de b<strong>em</strong> 4 e numa tr<strong>em</strong>enda atitude de falsa humildade, não<br />

procuramos e construímos “lugares privilegiados” que só alimentam o nosso desejo de protagonismo, s<strong>em</strong> nos darmos<br />

conta da ausência radical do Mestre de tais contextos de honra e de prestígio?<br />

Precisamos como Igreja, como comunidades cristãs e enquanto seguidores de Cristo de gerar espaços de autenticidade<br />

cristã, espaços de con<strong>versão</strong> por adesão de coração ao Senhor Jesus, deixando-nos impregnar e afetar pela sua humildade,<br />

libertando-nos do que <strong>em</strong> nós é soberba e desejos de poder. Precisamos, com urgência, correndo o risco de ser tarde,<br />

de ser com a vida, ex<strong>em</strong>plo de Cristo pobre e humilde. Precisamos que Jesus Crucificado <strong>em</strong>erja no mundo dos nossos<br />

afetos e desejos e nos recorde o seu modo de proceder.<br />

Processar a nossa sensibilidade diante de Jesus Crucificado é um indicador da qualidade dos nossos afetos, da capacidade que<br />

tenho de me descentrar e viver <strong>para</strong> o outro e de purificar as intenções e motivações que me mov<strong>em</strong> a amar e entregar a vida.<br />

1 EE[23]<br />

2 EE [95]<br />

3 Cfr. Mc 10, 35-37<br />

4 EE [331-332]<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

32


12 de Março | Início do Conclave<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO UM DOM<br />

Processar a nossa sensibilidade diante de Jesus Crucificado poe à prova a autenticidade do meu seguimento. “Prova-nos”<br />

no Seguimento e no Amor.<br />

Quando sigo, a qu<strong>em</strong> sigo?<br />

Quando amo, a qu<strong>em</strong> amo?<br />

TRês ÍCONEs<br />

1. A sENsIBIlIDADE DOs QUE pAssAvAM pOR AlI<br />

“Os que passavam injuriavam-no, meneando a cabeça e dizendo: «Tu, que destruías o t<strong>em</strong>plo e o reedificavas <strong>em</strong> três<br />

dias, salva-te a ti mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz!» Os sumos sacerdotes com os doutores da Lei e os anciãos<br />

também zombavam dele…” Mt 27, 35<br />

A sensibilidade dos que passavam… Os que passamos por ali, s<strong>em</strong>pre que na nossa vida a cruz não é motivo de<br />

escândalo e passamos ao largo, ficando tudo e todos na mesma. Pode, por vezes, assomar-se à minha “pele” um ligeiro<br />

sopro de pena que um simples desvio do olhar rapidamente faz desaparecer. Na realidade, a minha vida <strong>em</strong> nada se<br />

altera porque a minha sensibilidade não está afetada pelos sentimentos que mov<strong>em</strong> o coração de Cristo: defender a<br />

dignidade dos mais pobres, acolher os que ninguém quer e abraçar e proteger os mais frágeis e indefesos, colocando-os<br />

no centro da minha vida. No fundo, eu passo por ali mas s<strong>em</strong> mudar de rumo, seguindo o meu caminho. A minha vida.<br />

Os sumos sacerdotes com os doutores da lei…Somos nós quando cumpridores mas não seguidores. A fé que<br />

professamos traduz-se, na nossa vida, não mais do que um conjunto de práticas piedosas que tentamos, com escrúpulo,<br />

cumprir. Somos fiéis cumpridores, não seguidores apaixonados que se desviv<strong>em</strong> <strong>para</strong> tornar viva a Boa Nova do Mestre.<br />

Revela que, <strong>em</strong> boa verdade, entre mim e Jesus pouco existe. As palavras que digo e as obras que faço vinculam-me<br />

apenas comigo mesmo.<br />

Quando sigo, a qu<strong>em</strong> sigo?<br />

Quando amo, a qu<strong>em</strong> amo?<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

33


12 de Março | Início do Conclave<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO UM DOM<br />

2. A sENsIBIlIDADE DE pEDRO<br />

“Tomando-o de parte, Pedro começou a repreendê-lo, dizendo: «Deus te livre, Senhor! Isso nunca te há-de acontecer!»<br />

Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és <strong>para</strong> mim um estorvo, porque os teus pensamentos<br />

não são os de Deus, mas os dos homens!» 5<br />

Isso nunca Te irá acontecer… revela a presença <strong>em</strong> nós, como <strong>em</strong> Pedro, de um desejo bondoso mas desorientado<br />

porque quer amar a Deus ainda desde si próprio. Um desejo que nos leva a querer manipular a forma como Deus ama.<br />

Pedro revela-nos, por um lado, um coração apaixonado por Cristo, mas, por outro, ainda pouco capaz de uma adesão<br />

total. Revela a nossa cobardia que se resiste a seguir a um fracassado; a falta de corag<strong>em</strong> <strong>para</strong> uma entrega radical.<br />

Quando sigo, a qu<strong>em</strong> sigo?<br />

Quando amo, a qu<strong>em</strong> amo?<br />

3. A sENsIBIlIDADE DA MUlhER<br />

“Enquanto estava à mesa, aproximou-se dele uma mulher, que trazia um frasco de alabastro com um perfume de alto preço<br />

e derramou-lho sobre a cabeça. Ao ver<strong>em</strong> isto, os discípulos ficaram indignados e disseram: «Para quê este desperdício?” 6<br />

Um perfume de alto preço… revela a atitude de qu<strong>em</strong> perante a dificuldade, a dor, o desprezo, a solidão é capaz de<br />

dar e entregar o melhor de si mesmo… de se esquecer de si e abrir-se ao outro, “partindo-se” e “derramando-se”, s<strong>em</strong><br />

ressentimento mas num gesto de pura gratuidade e amor, amando s<strong>em</strong> medida e até ao fim de si mesma. Dando o<br />

melhor de si mesma… um perfume de alto preço.<br />

Derramou-lho sobre a cabeça…revela e antecipa com a sua própria vida a agonia de Jesus, assumindo-o num gesto<br />

de adoração e de adesão total. Aceita e acolhe incondicionalmente, naquele gesto de total e radical humildade, o Senhor<br />

Jesus. Afirma o projeto de Jesus até ao fim como única possibilidade de gerar Vida , como fragância que se espalha e<br />

chega a todos, s<strong>em</strong> exclusão.<br />

Quando sigo, a qu<strong>em</strong> sigo?<br />

Quando amo, a qu<strong>em</strong> amo?<br />

5 Mt 16, 22-23<br />

6 Mt 26, 6-13<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

34


12 de Março | Início do Conclave<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO UM DOM<br />

UMA FORMA pOssÍvEl DE AMAR<br />

Orientar o nosso desejo <strong>para</strong> Jesus Crucificado é a possibilidade real de por à prova a autenticidade do nosso seguimento<br />

no amor e no serviço. É alargar o horizonte do nosso coração dando entrada à forma divina de amar, s<strong>em</strong> que nada<br />

n<strong>em</strong> ninguém, por repugnante e doloroso que (me) seja, fique fora dessa força que nos move e move o mundo e que<br />

afirmamos ser o Amor.<br />

Orientar o nosso desejo <strong>para</strong> Jesus Crucificado é “tocar” as humildes entranhas de Jesus e aprender, humild<strong>em</strong>ente, a<br />

amar.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

35<br />

Ir. Rita Cortez, aci<br />

Escrava do Sagrado Coração de Jesus


DIspONIBIlIDADE<br />

17 MARÇO | V DOMINGO DA QUARESMA


17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Is 43, 16-21<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 125 (126)<br />

• LEITURA II - Filip 3, 8-14<br />

• EVANGELHO - Jo 8, 1-11<br />

REFlEXãO<br />

«RAsgAI Os vOssOs CORAÇõEs E NãO As vOssAs vEsTEs,<br />

CONvERTEI-vOs AO sENhOR, vOssO DEUs,<br />

pORQUE ElE é ClEMENTE E COMpAssIvO,<br />

pACIENTE E RICO EM MIsERICóRDIA» (Joel 2, 13)<br />

MENSAGEM qUARESMAL<br />

DO CARDEAL JORGE MARIO BERGOGLIO (PAPA FRANCISCO)<br />

BUENOS AIRES, 13.2.2013<br />

Pouco a pouco acostumámo-nos a ouvir e ver, através dos meios de comunicação, a crónica negra da sociedade<br />

cont<strong>em</strong>porânea, apresentada quase com perverso regozijo, e também nos acostumámos a tocá-la e a senti-la <strong>em</strong> torno<br />

de nós e na nossa própria carne.<br />

O drama está na rua, no bairro, na nossa casa e, por que não, no nosso coração. Conviv<strong>em</strong>os com a violência que mata,<br />

que destrói famílias, aviva guerras e conflitos <strong>em</strong> muitos países do mundo. Conviv<strong>em</strong>os com a inveja, o ódio, a calúnia,<br />

o mundanismo no nosso coração.<br />

O sofrimento de inocentes e pacíficos não deixa de nos esbofetear; o desprezo pelos direitos das pessoas e dos povos<br />

frágeis não nos são tão distantes; o império do dinheiro com os seus efeitos d<strong>em</strong>oníacos como a droga, a corrupção, o<br />

tráfico humano - incluindo crianças – a par da miséria material e moral são moeda corrente.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

37


17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

A destruição do trabalho digno, as <strong>em</strong>igrações dolorosas e a falta de futuro un<strong>em</strong>-se também a esta sinfonia. Os nossos<br />

erros e pecados como Igreja também não ficam fora deste panorama.<br />

Os egoísmos mais pessoais justificados, e não por causa disso menores, a falta de valores éticos dentro de uma sociedade<br />

que faz metástases nas famílias, na convivência dos bairros, vilas e cidades, falam-nos da nossa limitação, da nossa<br />

debilidade, e da nossa incapacidade de transformar esta lista inumerável de realidades destrutivas.<br />

A armadilha da impotência leva-nos a pensar: Será que faz sentido tentar mudar tudo isto? Pod<strong>em</strong>os fazer algo<br />

diante desta situação? Vale a pena tentá-lo se o mundo continua a sua dança carnavalesca disfarçando tudo por<br />

um t<strong>em</strong>po? No entanto, quando a máscara cai, aparece a verdade e, <strong>em</strong>bora <strong>para</strong> muitos soe anacrónico dizê-lo,<br />

reaparece o pecado, que fere a nossa carne com toda a sua força destrutiva, desfigurando os destinos do mundo<br />

e da história.<br />

A <strong>Quaresma</strong> apresenta-se-nos como grito de verdade e de esperança certa que nos responde que sim, que é possível<br />

não nos maquilharmos e esboçarmos sorrisos de plástico como se nada se passasse.<br />

Sim, é possível que tudo seja novo e diferente porque Deus continua a ser «rico <strong>em</strong> bondade e misericórdia, s<strong>em</strong>pre<br />

disposto a perdoar», e encoraja-nos a começar uma e outra vez.<br />

Hoje, novamente, somos convidados a <strong>em</strong>preender um caminho pascal até à Vida, caminho que inclui a cruz e a<br />

renúncia; que será incómodo mas não estéril. Somos convidados a reconhecer que algo não está b<strong>em</strong> <strong>em</strong> nós mesmos,<br />

na sociedade ou na Igreja, a mudar, a fazer uma virag<strong>em</strong>, a convertermo-nos.<br />

Neste dia, são fortes e desafiadoras as palavras do profeta Joel: «Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes,<br />

convertei-vos ao Senhor, vosso Deus». São um convite a todo o povo, ninguém está excluído.<br />

Rasgu<strong>em</strong> o coração e não as roupas de uma penitência artificial s<strong>em</strong> garantias de futuro.<br />

Rasgu<strong>em</strong> o coração e não as roupas de um jejum formal e de cumprimento que nos continua a manter satisfeitos.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

Rasgu<strong>em</strong> o coração e não as roupas de uma oração superficial e egoísta que não chega às entranhas da própria vida <strong>para</strong><br />

a deixar tocar por Deus.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações <strong>para</strong> dizer com o salmista : «pecámos». «A ferida da alma é o pecado: Oh pobre ferido, reconhece o teu<br />

Médico! Mostra-lhe as chagas das tuas culpas. E uma vez que a ele não são ocultos os nossos pensamentos, faz-lhe sentir o<br />

g<strong>em</strong>ido do teu coração. Leva-o à compaixão com as tuas lágrimas, com a tua insistência, importuna-o! Que ouça os teus suspiros,<br />

que a tua dor chegue até Ele, de modo que, no fim, possa dizer-te: “O Senhor perdoou o teu pecado”»” (S. Gregório Magno).<br />

Esta é a realidade da nossa condição humana. Esta é a verdade que pode aproximar-nos da autêntica reconciliação…<br />

com Deus e com os homens. Não se trata de desacreditar a autoestima mas de penetrar no mais fundo do nosso coração<br />

e cuidar do mistério do sofrimento e da dor que nos liga desde há séculos, milhares de anos... desde s<strong>em</strong>pre.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações <strong>para</strong> que por essa fenda possamos olharmo-nos de verdade.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações, abram os vossos corações, porque só num coração rasgado e aberto pode entrar o amor<br />

misericordioso do Pai que nos ama e nos cura.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações diz o profeta, e Paulo pede-nos quase de joelhos “deixai-vos reconciliar com Deus”. Mudar o modo<br />

de vida é o sinal e fruto deste coração reconciliado por um amor que nos ultrapassa.<br />

Este é o convite, frente a tantas feridas que nos magoam e que nos pod<strong>em</strong> levar à tentação de endurecermos: Rasgai os<br />

corações <strong>para</strong> experimentar na oração silenciosa e serena a suavidade da ternura de Deus.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações <strong>para</strong> sentir o eco de tantas vidas rasgadas e que a indiferença não nos deixe inertes.<br />

Rasgu<strong>em</strong> os corações <strong>para</strong> poder amar com o amor com que somos amados, consolar com o consolo que somos<br />

consolados e partilhar o que receb<strong>em</strong>os.<br />

Este t<strong>em</strong>po litúrgico que inicia hoje a Igreja não é só <strong>para</strong> nós mas também <strong>para</strong> a transformação da nossa família, da<br />

nossa comunidade, da nossa Igreja, da nossa pátria, do mundo inteiro.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

São 40 dias <strong>para</strong> que nos convertamos à santidade mesma de Deus; nos convertamos <strong>em</strong> colaboradores que receb<strong>em</strong>os<br />

a graça e a possibilidade de reconstruir a vida humana <strong>para</strong> que todo o hom<strong>em</strong> experimente a salvação que Cristo nos<br />

ganhou com sua a morte e ressurreição.<br />

Juntamente com a oração e a penitência, como sinal da nossa fé na força da Páscoa que tudo transforma, também nos<br />

dispomos a começar como nos outros anos o nosso “Gesto quaresmal solidário”.<br />

Como Igreja <strong>em</strong> Buenos Aires que marcha rumo à Páscoa e que crê que o Reino de Deus é possível necessitamos que,<br />

dos nossos corações rasgados pelo desejo de con<strong>versão</strong> e pelo amor, brote a graça e o gesto eficaz que alivie a dor de<br />

tantos irmãos que caminham ao nosso lado.<br />

«Nenhum ato de virtude pode ser grande se dele não resulta proveito <strong>para</strong> os outros… Assim pois, por mais que passes<br />

o dia <strong>em</strong> jejuns, por mais que durmas sobre o chão duro, e comas cinza, e suspires continuamente, se não fazes b<strong>em</strong> a<br />

outros, não fazes nada grande». (São João Crisóstomo)<br />

Este ano da fé que percorr<strong>em</strong>os é também a oportunidade que Deus nos dá <strong>para</strong> crescer e amadurecer no encontro com<br />

o Senhor que se faz visível no rosto sofredor de tantas crianças s<strong>em</strong> futuro, nas mãos tr<strong>em</strong>entes dos idosos esquecidos<br />

e nos joelhos vacilantes de tantas famílias que continuam a dar o peito à vida s<strong>em</strong> encontrar ninguém que as sustenha.<br />

Desejo-vos uma santa da <strong>Quaresma</strong>, penitencial e fecunda <strong>Quaresma</strong> e, por favor, peço-vos que rez<strong>em</strong> por mim. Que<br />

Jesus vos abençoe e a Virg<strong>em</strong> Santa vos proteja.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

40<br />

Cardeal Jorge Mario Bergoglio (Papa Francisco)


17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

DEUs NãO TEM plANOs, TEM sURpREsAs!<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

41<br />

D. ANTÓNIO COUTO<br />

BISPO DA DIOCESE DE LAMEGO<br />

1. A «caminhada« quaresmal aproxima-se da sua meta e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa onde<br />

resplandece <strong>para</strong> s<strong>em</strong>pre o Rosto do imenso, indizível, surpreendente amor de Deus. Nesta altura do percurso<br />

(supõe-se que encetámos uma subida espiritual: entenda-se no Espírito Santo e com o Espírito Santo), baptizados<br />

e catecúmenos dev<strong>em</strong> estar já a ser Iluminados por essa luz, a ponto de se desfazer<strong>em</strong> das «obras das trevas» e<br />

de abraçar<strong>em</strong> as «obras da Luz», como verdadeiros discípulos que segu<strong>em</strong> o Mestre até ao fim, que é também o<br />

princípio, a Fonte da Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (s<strong>em</strong>pre Actos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,37-39).<br />

Os catecúmenos têm neste Domingo V da <strong>Quaresma</strong> os seus terceiros «escrutínios»: última «chamada» <strong>para</strong> a<br />

Liberdade antes da Noite Pascal Baptismal.<br />

2. Deus não t<strong>em</strong> planos, t<strong>em</strong> surpresas. É, portanto, s<strong>em</strong>pre desmedido e surpreendente quanto v<strong>em</strong> de Deus.<br />

Brota do excesso de Deus, que supera <strong>em</strong> muito as nossas necessidades e capacidades. Aí está, neste Domingo V<br />

da <strong>Quaresma</strong>, a imensa lição do Evangelho de João 8,1-11. Esta passag<strong>em</strong> parece uma incrustação no IV Evangelho,<br />

pois interrompe o discurso de Jesus durante a Festa das Tendas, não aparece nos manuscritos mais antigos e<br />

nos códices antigos mais importantes dos Evangelhos, n<strong>em</strong> nos Padres gregos. Omit<strong>em</strong>-na nos seus comentários<br />

Orígenes, João Crisóstomo, Teodoro de Mopsuéstia, Cirilo de Alexandria, Teófilo, Tertuliano, Cipriano, Hilário e<br />

Taciano. Os Padres latinos Ambrósio, Agostinho e Jerónimo conhec<strong>em</strong>-na noutro lugar. Alguns manuscritos situam<br />

esta perícope no Evangelho de João depois de 7,37, outros depois de 7,44, ou mesmo no final. Outros ainda<br />

introduz<strong>em</strong>-na no Evangelho de Lucas (Lc 21,37 e seguintes). Por outro lado, a perícope não t<strong>em</strong> o estilo joanino.<br />

Está, de facto, mais perto do estilo lucano.<br />

3. Fix<strong>em</strong>os a nossa atenção no movimento do texto. Jesus SENTA-SE como MESTRE, <strong>para</strong> ensinar, e SENTADO como<br />

MESTRE permanece na cena até ao fim. Apenas se inclina <strong>para</strong> o chão, e de novo se endireita, nunca deixando,<br />

porém, a posição de SENTADO. Portanto, permanecendo SENTADO, está s<strong>em</strong>pre na cátedra a ensinar. Nele tudo é<br />

lição. São lição os seus gestos; são lição as suas palavras.


17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

4. Entram na cena os «impecáveis» do costume: os escribas e os fariseus. Desta vez não vêm sós. Traz<strong>em</strong> uma mulher<br />

apanhada <strong>em</strong> flagrante adultério. Eles conhec<strong>em</strong> a Lei de Moisés, que citam a propósito, <strong>para</strong> dizer que tais mulheres<br />

dev<strong>em</strong> ser apedrejadas. Mas, roídos de malícia, quer<strong>em</strong> saber o que, sobre este assunto preciso, t<strong>em</strong> a dizer o MESTRE<br />

Jesus. Só isto: permanecendo SENTADO como MESTRE, inclinou-se, e, COM O DEDO, escrevia no chão.<br />

5. Os escribas e fariseus tinham compreendido mal a Lei, citando só metade, pois a Lei diz que, <strong>em</strong> caso de adultério,<br />

morrerão os dois: o hom<strong>em</strong> e a mulher (Levítico 20,10; Deuteronómio 22,22). Tão-pouco estavam a compreender<br />

a resposta do MESTRE Jesus ao parecer jurídico que lhe tinham pedido. E era clara a lição: na verdade, há apenas<br />

outra circunstância na Escritura Santa <strong>em</strong> que alguém escreve COM O DEDO: as tábuas de pedra escritas pelo DEDO<br />

DE DEUS no Sinai (Êxodo 31,18; Deuteronómio 9,10). Claramente: o MESTRE que escrevia COM O DEDO era Deus!<br />

Conhecia a Lei, mas conhecia também os Profetas, pois ao ESCREVER NO CHÃO, está a ler Jer<strong>em</strong>ias que diz que «os<br />

que se afastam de YHWH serão escritos no chão» (17,13). Jesus conhecia a Lei e os Profetas, isto é, a inteira Escritura<br />

Santa, e conhecia também os homens por dentro (João 2,24-25). Permanecendo SENTADO, endireitou-se e disse-<br />

lhes: «Aquele que estiver s<strong>em</strong> pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra!». Inclinou-se novamente e continuava a<br />

escrever. Saíram todos, a começar pelos mais velhos, diz-nos o narrador, recorrendo com certeza outra vez a Jer<strong>em</strong>ias<br />

17,13, que diz ainda que «os que abandonam YHWH serão cobertos de vergonha». É esta vergonha que faz com que<br />

todos se vão <strong>em</strong>bora, um após outro, a começar pelos mais velhos, os primeiros a sentir o peso da vergonha. Ont<strong>em</strong><br />

como hoje: os mais novos chegam lá s<strong>em</strong>pre depois.<br />

6. Ao comentar este episódio, Santo Agostinho diz luminosamente que só ficaram dois <strong>em</strong> cena: a miserável e a misericórdia!<br />

Os escribas e fariseus prenderam e acusaram a mulher, mas foram eles que se sentiram acusados, desvendados, lidos,<br />

descobertos no esconderijo do seu próprio pecado! N<strong>em</strong> sequer viram a mulher como uma pessoa: nunca falam com<br />

ela ou <strong>para</strong> ela; falam simplesmente dela, como se de um objecto se tratasse. É o MESTRE Jesus o primeiro na cena que<br />

fala <strong>para</strong> a mulher, e não a prende, mas liberta-a, colocando-a no caminho novo da liberdade: «Vai e não tornes a pecar»,<br />

diz-lhe Jesus.<br />

Aproximou-se um hom<strong>em</strong> habituado<br />

ao uso inveterado do silêncio<br />

o seu olhar varrendo toda a fraude<br />

das palavras<br />

Aproximou-se firme e impoluto<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

42


17 de Março | V Domingo da <strong>Quaresma</strong><br />

DEsENvOlvIMENTO COMO MUDANÇA<br />

Esquadrinhou as faces oxidadas<br />

da mentira<br />

Olhou depois o chão como qu<strong>em</strong> abre<br />

um sepulcro<br />

e lentamente desenhou<br />

o puro rosto da verdade<br />

sobre a areia<br />

7. O anónimo profeta do exílio, o chamado «Segundo Isaías» (Isaías 40-55), põe hoje Deus a interpelar-nos assim<br />

directamente, como Jesus no Evangelho: «Eis que vou fazer uma coisa nova! Ela já desponta: não a compreendeis?»<br />

(Isaías 43,19). A nós compete entender a obra s<strong>em</strong>pre nova e surpreendente de Deus, que ultrapassa s<strong>em</strong>pre a medida<br />

do nosso coração e da nossa capacidade de compreensão! Pode o deserto florir, encher-se de água, e pode o mar<br />

encher-se de caminhos. Pode s<strong>em</strong>pre a s<strong>em</strong>ente germinar antes do t<strong>em</strong>po, e a espiga amadurar antes do campo!<br />

8. Paulo pode b<strong>em</strong> ser hoje o modelo a seguir (Filipenses 3,8-14): esquecendo o que fica <strong>para</strong> trás, atira-se todo <strong>para</strong> a<br />

frente, <strong>para</strong> Cristo.<br />

Quando Jesus irrompe na vida de alguém,<br />

interrompe a normalidade de um percurso,<br />

e rompe essa vida <strong>em</strong> duas partes desiguais:<br />

uma que fica <strong>para</strong> trás,<br />

outra que se abre agora à nossa frente,<br />

recta como uma seta directa a uma meta,<br />

a um alvo, um objectivo intenso e claro,<br />

tão intenso e claro que na vida de cada um<br />

só pode haver um!<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

43<br />

D. António Couto<br />

Bispo da Diocese de Lamego e Presidente da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização


COERêNCIA<br />

24 MARÇO | DOMINGO DE RAMOS


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Is. 50, 4-7<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 21 (22)<br />

• LEITURA II - Filip 2, 6-11<br />

• EVANGELHO - Lc 22, 14 – 23, 56<br />

REFlEXãO<br />

JUAN AMBROSIO<br />

FACULDADE DE TEOLOGIA, UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA<br />

De um modo geral, apesar de muitas ambiguidades, a maioria dos seres humanos t<strong>em</strong> fome de mudança. Ainda que a<br />

partir de diversas perspetivas e de diversos modos, a grande maioria de nós é capaz de intuir a necessidade de introduzir<br />

mudanças significativas no futuro que estamos a construir. Se tudo continuar na mesma, as diferenças entre ricos e<br />

pobres continuarão a aumentar na mesma medida dos mais diversos egoísmos.<br />

Também de um modo geral as pessoas começam a estar cansadas dos discursos, pois ainda que muitas vezes pareçam<br />

indiciar as tais mudanças acabam por as não gerar. Pouco a pouco, as atenções vão-se virando <strong>para</strong> os gestos e <strong>para</strong> as<br />

atitudes, na tentativa de, no meio de tantas palavras e mesmo de tantas imagens, vislumbrar sinais e indicativos capazes<br />

de sustentar a esperança e a confiança na construção de um mundo diferente e melhor.<br />

Se olharmos com alguma atenção, julgo que ser<strong>em</strong>os capazes de perceber como, <strong>em</strong> muitas das sociedades denominadas<br />

de avançadas, foram acontecendo algumas transformações que acabam também por revelar como os gestos e as<br />

atitudes se revest<strong>em</strong>, hoje, de uma enorme importância.<br />

Na verdade, hoje pod<strong>em</strong>os assistir a como se privilegia muito mais o processo da procura e da busca do que propriamente<br />

o processo da receção. Para muitos, é mais importante o procurar do que propriamente o encontrar ou receber.<br />

Intimamente ligada com esta realidade, está igualmente, sobretudo nos processos educativos, a deslocação que se deu<br />

do polo da autoridade <strong>para</strong> o polo da experiência. Não há muito t<strong>em</strong>po aceitávamos o que nos era dito e transmitido<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

45


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

porque reconhecíamos autoridade aqueles que o faziam. Hoje, <strong>para</strong> validar alguma coisa sentimos necessidade de a<br />

experimentar de alguma maneira. A passag<strong>em</strong> da importância do grupo/comunidade, <strong>para</strong> a importância do eu pode<br />

também ser vista nesta mesma linha. Não há muito t<strong>em</strong>po, a pertença a uma determinada comunidade ou grupo era<br />

capaz de influenciar profundamente as crenças e as atitudes e sustentar os mais diversos comportamentos. Hoje, o eu<br />

é praticamente a medida de todas as coisas que experimentamos e viv<strong>em</strong>os. A predominância do ver sobre o escutar<br />

sublinha outra dessas transformações. Hoje, as pessoas estão de um modo geral mais recetivas a acreditar naquilo que<br />

ve<strong>em</strong> <strong>em</strong> detrimento daquilo que escutam.<br />

Como é óbvio, o ver, o experimentar, o procurar, o eu, são dimensões fundamentais do ser humano. Ignorá-las, ou<br />

mesmo secundarizá-las, seria certamente um grande erro. Mas absolutizá-las não me parece, também, que seja o melhor<br />

caminho a seguir nas mudanças que todos procuramos.<br />

Se olharmos <strong>para</strong> a experiência da transmissão da fé ver<strong>em</strong>os como as dificuldades surgidas a partir destas<br />

transformações pod<strong>em</strong> revelar-se ainda de um modo mais claro. A fé, todos sab<strong>em</strong>os, é uma opção pessoal, mas que<br />

se vive s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> comunidade. Mesmo quando procurada, acaba s<strong>em</strong>pre por ser vivida como um dom gratuito<br />

que receb<strong>em</strong>os de Deus. E no processo do crescimento da fé, a autoridade de vida daqueles que no-la transmit<strong>em</strong> e<br />

test<strong>em</strong>unham des<strong>em</strong>penha s<strong>em</strong>pre um papel fundamental. Mais do que simplesmente nos permitir ver o mistério de<br />

Deus, a fé possibilita-nos escutá-lo através de palavras ditas, escritas, ou ouvidas, essencialmente a partir daquele falar<br />

de Deus que <strong>em</strong> Jesus se concretizou.<br />

Tanto na vida das nações, como na experiência da fé, o test<strong>em</strong>unho dado pela vida das pessoas reveste-se de uma<br />

importância fundamental. As palavras dos que nos governam parec<strong>em</strong> já não ter peso, e nas experiências de transmissão<br />

e educação também o escutar parece ter perdido terreno. Mas ao test<strong>em</strong>unho da vida - sobretudo ao test<strong>em</strong>unho<br />

coerente - as pessoas parec<strong>em</strong> estar muito atentas e sensíveis.<br />

Essa importância é ainda mais relevante quando não é simplesmente vivida, permitam-me assim dizê-lo, <strong>em</strong> ‘circuito<br />

fechado’. É que por si mesma a coerência pode até não ser um grande valor. Infelizmente todos sab<strong>em</strong>os como algumas<br />

das figuras mais revoltantes da história até foram coerentes com os seus princípios e os seus ideais. Por isso, a coerência<br />

deve ser vista à luz de outras dimensões, das quais quero destacar o «b<strong>em</strong> comum» e o «cuidado dos outros».<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

46


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

Todos aqueles que coerent<strong>em</strong>ente viveram a sua existência, tendo b<strong>em</strong> presentes o b<strong>em</strong> comum e o cuidado dos<br />

outros, acabaram por ser grandes, mesmo muito grandes, na história humana, ainda que deles não tenha ficado registo<br />

algum nas páginas oficiais dessa mesma história. Mas a vida das pessoas que com eles se cruzaram, essa ficou <strong>para</strong><br />

s<strong>em</strong>pre com a sua marca indelével. E é de marcas dessas que estamos s<strong>em</strong>pre a precisar.<br />

É também a partir desta perspetiva que pod<strong>em</strong>os olhar <strong>para</strong> a vida de Jesus. Claro que <strong>para</strong> os crentes a sua vida não<br />

pode ser só vista à luz da coerência. E, no entanto, é essa mesma coerência que acaba por interpelar, de uma maneira<br />

definitiva, crentes e não crentes. Ao longo de Toda a sua existência sobressai a sua absoluta fidelidade à causa do Pai<br />

como causa do ser humano. Todo o seu viver é assumido a partir desta pró-existência: vive <strong>para</strong> Deus Pai, vive <strong>para</strong> o<br />

ser humano.<br />

O anúncio do Reino de Deus é b<strong>em</strong> disso o test<strong>em</strong>unho coerente. Jesus anuncia o Reino <strong>para</strong> todos e faz desse anúncio<br />

o núcleo mais profundo do seu viver. Por causa do Reino viveu Jesus, por causa do Reino morreu Jesus. E o anúncio<br />

desse Reino test<strong>em</strong>unha-nos igualmente a coerência de uma existência totalmente vivida <strong>em</strong> prol do b<strong>em</strong> comum e<br />

do cuidado dos outros. E Jesus viveu assim, porque nos quis test<strong>em</strong>unhar que é assim que Deus é <strong>para</strong> o ser humano.<br />

Também a este nível encontramos a nota da coerência.<br />

Num momento verdadeiramente decisivo da história da humanidade, os cristãos são chamados também a ser<br />

test<strong>em</strong>unhas coerentes, com gestos e atitudes, deste Deus que quer o b<strong>em</strong>, a realização e a salvação do ser humano, de<br />

todo o ser humano.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

47<br />

Juan Ambrosio<br />

Professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

“ENTãO, é QUAREMA DO pOBRE OU O pOBRE DA QUAREsMA?!”<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

48<br />

EUSéBIO AMARANTE GUENGO<br />

DIREçÃO GERAL DA CARITAS DE ANGOLA<br />

No diálogo com a vida, algum momento nos impele a fé; cá entre nós, nos t<strong>em</strong>os perguntado o que ela representa<br />

(individual ou colectivamente); é t<strong>em</strong>po de penitencia, reflexão, castigo, sofrimento, arrependimento, confissão ou perdão?<br />

A Igreja proporciona-nos este t<strong>em</strong>po de “<strong>Quaresma</strong>” <strong>para</strong> fortalecer a nossa caminhada <strong>para</strong> a Vida Eterna. Mesmo com<br />

sentido transcendente <strong>em</strong> que a terra prometida é a Jerusalém Celeste.<br />

A <strong>Quaresma</strong> era vivida como um t<strong>em</strong>po forte de pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> o baptismo. Na <strong>Quaresma</strong>, a pessoa que se tornaria<br />

cristã tinha a oportunidade de refletir mais e mais na nova vida que estava assumindo, assim como nas dificuldades que<br />

haveria de enfrentar <strong>para</strong> ser fiel ao evangelho no meio de um mundo pagão. Hoje a situação não é muito diferente<br />

<strong>para</strong> todos os que pretend<strong>em</strong> viver de modo cristão. Se no início, <strong>para</strong> celebrar a sua fé, aconteceu aos cristãos ter<strong>em</strong><br />

de se esconder nos subterrâneos das catacumbas, atualmente pod<strong>em</strong> celebrar o mais sagrado dos seus mistérios<br />

diante das câmaras bisbilhoteiras da televisão. Isso, porém, não quer dizer que tenha ficado fácil viver hoje de maneira<br />

autenticamente cristã. As tentações de reduzir o sentido da vida ao b<strong>em</strong>-estar, ao consumismo fácil e até ao desperdício,<br />

as tentações dos ídolos do dinheiro e do mercado e os da religião milagrosa que põe a fé ao serviço de interesses<br />

pessoais, estão fort<strong>em</strong>ente presentes hoje, mais até do que no passado.<br />

Não apenas é t<strong>em</strong>po mas também lugar <strong>para</strong> o encontro com Deus. Somos chamados a buscar um marco de<br />

silêncio e solidão (como o deserto) <strong>para</strong> percorrer o nosso caminho interior. Na mentalidade do povo de Deus, o deserto<br />

era o âmbito reservado aos malditos e aos deserdados. Aos prodígios iniciais da libertação e da aliança, vai-se somando<br />

a superação das provas e das tentações, através das quais o povo experimenta como o amor de Deus se expressa <strong>em</strong><br />

termos íntimos de noivado e de casamento místico: “Eis o que diz o Senhor: foi concedida graça no deserto ao povo que<br />

o gládio pou<strong>para</strong>. Dentro <strong>em</strong> pouco Israel gozará de repouso. De longe me aparecia o Senhor: amo-te com eterno amor,<br />

e por isso a ti estendi o meu favor’’ (Jer<strong>em</strong>ias 31, 2-3).


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

João Baptista, o hom<strong>em</strong> do deserto por excelência, de corpo endurecido, com voz que clama à con<strong>versão</strong>: a sua existência<br />

faz-se caminho <strong>para</strong> o Senhor. Jesus, após o baptismo, viverá no deserto uma experiência de prova que lhe levará à plena<br />

aceitação de sua própria identidade e da missão encomendada. A mesma Igreja terá sua experiência de deserto. Aparece<br />

no Apocalipse. A mulher-igreja é levada ao deserto, lugar que Deus lhe preparou como refúgio, purificação, prova e<br />

superação da perseguição: toda uma experiência de salvação que a igreja t<strong>em</strong> de viver com fidelidade.<br />

“Os infelizes que buscam água e não a encontram e cuja língua está ressequida pela sede, eu, o Senhor, os atenderei, eu,<br />

o Deus de Israel, não os abandonarei. Sobre os planaltos desnudos, farei correr água, e brotar fontes no fundo dos vales.<br />

Transformarei o deserto <strong>em</strong> lagos, e a terra árida <strong>em</strong> fontes. Plantarei no deserto cedros e acácias, murtas e oliveiras;<br />

farei crescer nas estepes o cipreste, ao lado do olmo e do buxo, a fim de que saibam à evidência, e pela observação<br />

compreendam, que foi a mão do Senhor que fez essas coisas, o Santo de Israel qu<strong>em</strong> as realizou.” (Is 41,17-20).<br />

“Que delícia oferece a solidão e o silêncio do ermitão... Aqui, o olho adquire esse olhar singelo que fere de amor ao<br />

esposo(a), ao amigo(a), à comunidade, etc.” Aceitar esse fato, no entanto, pode acordar <strong>em</strong> nós um oásis. Outras vezes, é<br />

o deserto da falta de amor, a solidão, a distância que nos se<strong>para</strong> de outros seres humanos que nos torna enfraquecidos.<br />

Ainda que estejam perto, falta comunhão; há uma aparente ruptura dura e dolorosa entre a fé e a razão. Há qu<strong>em</strong>,<br />

anuncie uma espécie de ausência de Deus, o s<strong>em</strong> sentido de muitas coisas, a aridez da fé, que alguém chamaria de<br />

“Noite escura”. Porém não é assim. O que nos abandona são as nossas ilusões e fantasias; a fé não se perde, pelo contrário<br />

começa-se a aprofundar quando perd<strong>em</strong>os as nossas “crenças”.<br />

Dev<strong>em</strong>os viver o sentido da passag<strong>em</strong>, da purificação e da provisionalidade. Dev<strong>em</strong>os ter confiança <strong>para</strong> caminhar às<br />

cegas e na austeridade, s<strong>em</strong>pre abertos à solidariedade. Dev<strong>em</strong>os mudar o coração <strong>para</strong>, <strong>em</strong> liberdade, sermos capazes<br />

de oferecer a vida. É t<strong>em</strong>po de confissão e con<strong>versão</strong>.<br />

A <strong>Quaresma</strong> é um t<strong>em</strong>po propício <strong>para</strong> renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso<br />

caminho pessoal e comunitário de Fé. É um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum,<br />

com a esperança de viver a alegria pascal. Partilhar o pão de cada dia com as crianças de ou na rua; ouvir o clamor<br />

das violentadas e denunciar; partilhar abrigo ou terra com os desterrados; partilhar equitativamente os rendimentos<br />

provindos do ventre da natureza; dar olhos e ouvidos ao irmão por meio da alfabetização / formação; evangelizar os<br />

de coração de pedra, etc. “AMAI-VOS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI” (Jo. 15,12) e ver 1Jo.4,20); “AMAR E SER<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

49


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

AMADOS” é o antídoto e caminho perfeitos <strong>para</strong> a Felicidade, não apenas terrena como eterna.<br />

Qu<strong>em</strong> é o “outro” na minha vida? É meu irmão/a; amigo/a; família/comunidade; o outro é um Mistério, é JESUS <strong>para</strong><br />

mim! O mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade. “O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de<br />

fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns faz<strong>em</strong> dos recursos<br />

do universo” (Paulo VI, Populorum progressio, 66)” (Q.2012)<br />

Heb. 10,24: “Prest<strong>em</strong>os atenção uns aos outros, <strong>para</strong> nos estimularmos ao amor e às boas obras”. Conscientes de que<br />

ninguém nasce e vive <strong>para</strong> si, somos todos chamados a procurar o b<strong>em</strong> do outro, mesmo quando não o fiz<strong>em</strong>os pela fé,<br />

mas sim pela responsabilidade social: no aspeto físico/material; no aspeto moral/ <strong>em</strong>ocional; no aspeto espiritual. O fruto<br />

do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais:<br />

À (1.) firmeza da fé junta-se a (2.) persistência da Esperança e a (3.) primazia da Caridade. “A Fé vive-se na Caridade<br />

<strong>para</strong> a Esperança” (Tiago,2, 14-24).<br />

Por isso, o jejum é visto hoje como o domínio sobre o primeiro e mais forte instinto, o de sobrevivência. A grande<br />

tentação hoje limita-se à palavra de ord<strong>em</strong>: “t<strong>em</strong> vontade, faz!” Em nome da liberdade, impõe-se a libertinag<strong>em</strong>. O “senhor<br />

Mercado” exige isso, porque jejum, moderação, educação não dão lucro, e libertinag<strong>em</strong> dá. Transformamos as tentações<br />

que Jesus venceu <strong>em</strong> alvos a conquistar.<br />

Hoje, transformam-se as pessoas <strong>em</strong> consumidoras, se reduzirmos o sentido da vida ao conforto e ao consumo que<br />

nada t<strong>em</strong> a ver com o pão necessário. É a ord<strong>em</strong> do senhor Mercado e é o que mais se vê. Não é mentalidade comum<br />

a ideia de que viver b<strong>em</strong> significa gozar de todos os prazeres que a vida pode oferecer? Boa oportunidade <strong>para</strong> o<br />

arrependimento e perdão.<br />

poder e dinheiro: essas tentações exist<strong>em</strong> hoje? É até difícil falar sobre isso; todos estão cansados de ver e saber.<br />

Mas não escapam a elas. O dinheiro pode-se contar, somar ou diminuir. É muito visível. Outros valores, como honra,<br />

dignidade, respeito, solidariedade, que não se pod<strong>em</strong> contar n<strong>em</strong> somar, desaparec<strong>em</strong> diante do dinheiro?! É mesmo<br />

pena, sabendo que o dinheiro não t<strong>em</strong> qualidade, só quantidade. Só assim se percebe porquê <strong>em</strong> negócios e <strong>em</strong> política<br />

vale tudo, só não vale perder (...). Reflexão e penitência não seriam aconselháveis?<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

50


24 de Março | Domingo de Ramos<br />

DEsENvOlvIMENTO pElA COERêNCIA<br />

A religião de curas e milagres cresce. O individualismo e a busca de soluções na religião <strong>para</strong> probl<strong>em</strong>as psicológicos,<br />

afectivos, de saúde a até económicos são fenómenos que parec<strong>em</strong> característicos dos nossos t<strong>em</strong>pos. A fé já não é o<br />

comprometer-se com um Messias crucificado, mas acreditar na cura, acreditar que Jesus me livra das dificuldades. O<br />

centro da religião passa a ser o eu. <strong>Quaresma</strong> é lutar e vencer essas tentações (…), é t<strong>em</strong>po de reflexão e arrependimento.<br />

É t<strong>em</strong>po de reflexão! Não dev<strong>em</strong>os ficar calados perante o mal. “ O silêncio dos bons” é mais perigoso do que o alarido<br />

dos que faz<strong>em</strong> mal.<br />

É t<strong>em</strong>po de reflexão! Que nos dias de hoje se devia prolongar no quotidiano.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

51<br />

Eusébio Amarante Guengo<br />

Direção Geral da Caritas de Angola


EspERANÇA<br />

29 MARÇO | SEXTA-FEIRA SANTA


29 de Março | Sexta-feira Santa<br />

DEsENvOlvIMENTO NA EspERANÇA<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Is 52, 13 – 53, 12<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 30 (31)<br />

• LEITURA II - Hebr 4, 14-16; 5, 7-9<br />

• EVANGELHO - Jo 18, 1 - 19, 42<br />

REFlEXãO<br />

ISABEL JONET<br />

PRESIDENTE DA FEDERAçÃO PORTUGUESA DOS BANCOS ALIMENTARES<br />

No termo de mais uma <strong>Quaresma</strong>, caminhada <strong>em</strong> que, passo a passo, nos aproximamos do dia <strong>em</strong> que a ressurreição de<br />

Jesus veio dar um sentido e uma dimensão à vida do hom<strong>em</strong> que a alterou radicalmente, somos desafiados a reflectir<br />

naquilo que significa este t<strong>em</strong>po e esta passag<strong>em</strong>.<br />

Passag<strong>em</strong> por uma vida terrena, passag<strong>em</strong> <strong>para</strong> a vida eterna que dá sentido a toda a nossa caminhada, que inclui<br />

inevitavelmente sofrimento e dor, mas onde cada um pode ser fermento novo que leveda a massa se efectivamente<br />

encontrar esse sentido. Tendo fome de mudança porque só assim receber<strong>em</strong>os a energia e a razão que darão sentido<br />

ao que <strong>em</strong>preend<strong>em</strong>os, fazendo de cada um de nós instrumentos do amor de Deus, verdadeiros agentes da caridade.<br />

A sociedade actual precisa de compaixão, não sinónimo de pena, mas de <strong>em</strong>penhamento no b<strong>em</strong> comum. Indo<br />

ao encontro dos que sofr<strong>em</strong>, com as escolhas feitas e com a forma de viver. Ter compaixão significa colocar-se<br />

incondicionalmente ao lado do outro, levando-lhe o que ele precisa, com alegria. A compaixão exige de nós actos,<br />

iniciativas. Exige que não nos conform<strong>em</strong>os e pass<strong>em</strong>os do sentimento à acção. Compaixão e solidariedade ou caridade<br />

são indissociáveis.<br />

O alimento é el<strong>em</strong>ento de vida. S<strong>em</strong> comida não se vive. Alimentar-se é a primeira necessidade tanto <strong>para</strong> o rico como<br />

<strong>para</strong> o pobre. A alimentação é um recurso fundamental <strong>para</strong> a sobrevivência do ser humano. Desde que ocupa a Terra que<br />

o hom<strong>em</strong> procura a sua alimentação. Começou por ser caçador e, <strong>em</strong> seguida, aprendeu a cultivar a terra. A alimentação<br />

esteve no cerne dos processos de formação de identidades colectivas, no plano das civilizações, a nível social ou mesmo<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

53


29 de Março | Sexta-feira Santa<br />

DEsENvOlvIMENTO NA EspERANÇA<br />

familiar. O ex<strong>em</strong>plo da relação entre alimentação e ritos religiosos marcou profundamente as diferentes civilizações e os<br />

seus comportamentos <strong>em</strong> relação aos diversos tipos de alimentos e a luta contra a fome deve ter <strong>em</strong> consideração estes<br />

diferentes el<strong>em</strong>entos.<br />

Para uma grande parte da humanidade que vive na miséria, a procura de comida é um combate quotidiano que mobiliza<br />

a maior parte das energias e impede o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana e a procura de um projecto de<br />

vida na sociedade. Hoje mais do que nunca, dada a dimensão mundial que a pobreza e a questão social assumiram, há que<br />

ter atenção pelas pessoas com fome, s<strong>em</strong> casa, s<strong>em</strong> assistência médica e, sobretudo, s<strong>em</strong> esperança de um futuro melhor.<br />

Os pobres, infelizmente, <strong>em</strong> vez de diminuír<strong>em</strong>, multiplicam-se, não só nos países <strong>em</strong> vias de desenvolvimento, mas,<br />

naquilo que pareceria menos provável, também nos países desenvolvidos.<br />

É um olhar diferente que cada um de nós deve ter sobre os mais desprotegidos. Piedade com compaixão. Chegar a cada<br />

um dos nossos irmãos, comungar com cada um deles e sentir-se solidário: é partilhando estes valores, individualmente<br />

e <strong>em</strong> equipa, que encontrar<strong>em</strong>os a força criadora que tornará a nossa acção forte e credível.<br />

Somos impelidos a lutar incessant<strong>em</strong>ente contra a indiferença e a apatia das pessoas, das instituições. A ser mulheres e<br />

homens que sobressa<strong>em</strong> pela esperança de que dão test<strong>em</strong>unho. Vivendo na Verdade, enquanto valor primordial que<br />

guia as suas vidas. Levando essa Verdade, com afecto e esperança, com compaixão aos que sofr<strong>em</strong> no corpo ou na alma.<br />

Vive-se hoje no registo do “cada um por si”. Não é de estranhar, portanto, que se acumul<strong>em</strong> leis que não consegu<strong>em</strong><br />

erradicar a pobreza.<br />

É indispensável alertar todas pessoas de forma inequívoca <strong>para</strong> que a fome e a subnutrição são inaceitáveis num mundo<br />

que dispõe de níveis de produção, de recursos e de conhecimentos suficientes <strong>para</strong> pôr termo a esse flagelo e às suas<br />

consequências.<br />

A resolução dos actuais probl<strong>em</strong>as sociais, dada a sua enorme complexidade, requer uma melhor coordenação de<br />

esforços e o trabalho <strong>em</strong> rede dos vários intervenientes (instituições, entidades governamentais, <strong>em</strong>presas e pessoas<br />

individuais) <strong>em</strong> torno de uma agenda comum, criando um impacto colectivo.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

54


29 de Março | Sexta-feira Santa<br />

DEsENvOlvIMENTO NA EspERANÇA<br />

Assiste-se felizmente ao aparecimento de uma nova mentalidade, de partilha e solidariedade, entre jovens e idosos,<br />

entre os cidadãos comuns e as <strong>em</strong>presas. Ganha espaço e afirma-se o conceito da responsabilidade social. Mas é preciso<br />

avançar mais, criar novas sinergias, provocar a imaginação criativa, <strong>para</strong> construir alternativas que dê<strong>em</strong> oportunidades<br />

de vida digna, quando a necessidade bate à porta.<br />

Mobilizar pessoas com fome de mudança, que quer<strong>em</strong> estar envolvidas e participar <strong>em</strong> acções concretas. Propondo-lhes<br />

um modo de estar na vida, por via do qual a participação activa e responsável nas diversas estruturas da sociedade se<br />

torna um imperativo de cidadania, exercício de civismo e de co-responsabilidade pelo b<strong>em</strong> comum. Cada pessoa dá <strong>em</strong><br />

função da sua vontade, da sua disponibilidade. Mas existe um efeito multiplicador, <strong>em</strong> termos de resultados, da acção da<br />

sociedade civil quando reunida e organizada. O importante é o comprometimento e o reconhecimento de que cada um<br />

de nós pode fazer a diferença com a sua forma de estar na vida e com as suas opções.<br />

“Dai-lhes vós mesmos de comer” foi a ord<strong>em</strong> de Jesus aos seus discípulos. E o amor de Cristo leva-nos a sair de nós<br />

próprios e a agir. Porque acreditamos que Ele vive.<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

55<br />

Isabel Jonet<br />

Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares


pAssAgEM<br />

31 MARÇO | DOMINGO DE PÁSCOA


31 de Março | Domingo de Páscoa<br />

DEsENvOlvIMENTO COMO pAssAgEM<br />

REFERêNCIAs<br />

• LEITURA I - Act. 10, 34a, 37-43<br />

• SALMO RESPONSORIAL - Salmo 117 (118)<br />

• LEITURA II - Col. 3, 1-4<br />

• EVANGELHO - Jo 20, 1-9<br />

REFlEXãO<br />

pásCOA: ITINERáRIO(s) DE DEsENvOlvIMENTO<br />

Aleluia! Cristo ressuscitou!<br />

FOME DE MUDANÇA | QUARESMA 2013<br />

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FREI MÁRIO RUI, op<br />

Na tradição judaica, a Páscoa celebra a passag<strong>em</strong> da escravidão <strong>para</strong> a Liberdade. Na tradição cristã celebra a passag<strong>em</strong><br />

da morte à Vida. Mas o que significa, hoje, <strong>para</strong> nós, a ressurreição de Jesus? Os textos da liturgia eucarística do Domingo<br />

de Páscoa pod<strong>em</strong> ajudar-nos a abeirarmo-nos do mistério pascal.<br />

Maria, Pedro e João corr<strong>em</strong>… Faz<strong>em</strong> o caminho… Esta é a nossa condição humana – homo viator – gente a caminho…<br />

O que nos faz andar ou correr? Fugir dos nossos medos e inseguranças? Procurar o poder do prestígio, do dinheiro, do<br />

domínio sobre os outros,…? Procurar a protecção e o conforto daqueles - poucos - que amamos?<br />

A Páscoa é-nos proposta como uma forma própria de fazer caminho, de estar <strong>em</strong> marcha... Estamos de passag<strong>em</strong>,<br />

mas a travessia da nossa vida é feita de inúmeras passagens que vão dando sentido ao caminho e vão pre<strong>para</strong>ndo a<br />

passag<strong>em</strong> final <strong>para</strong> os braços amorosos de Deus… A nossa tendência <strong>para</strong> nos imobilizarmos, <strong>para</strong> nos instalarmos <strong>em</strong><br />

hábitos e seguranças, <strong>para</strong> criar raízes, <strong>para</strong> tomar por definitivo o provisório; <strong>para</strong> acumular bagagens, é muitas vezes<br />

um obstáculo a vencer no itinerário pascal…<br />

A Páscoa de Jesus, não é apenas a glória junto do Pai, como um super-herói que finalmente paira triunfante acima dos


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seus inimigos. A Páscoa de Jesus está presente na sua encarnação, na forma como assumiu a fragilidade da nossa condição<br />

humana – passou fazendo o b<strong>em</strong> (Act 10,38) – acolhendo e colocando no centro das atenções as/os que por razões<br />

culturais, económicas, políticas e religiosas tinham sido <strong>em</strong>purrados <strong>para</strong> as periferias da vida, como gosta de frisar o papa<br />

Francisco. Não se limita a torná-los visíveis, mas abre-lhes possibilidades concretas de caminhar na vida pelo seu próprio pé...<br />

Reflectindo sobre o mistério pascal como impulso ao desenvolvimento proponho que percorramos um itinerário que<br />

parte do volver, passa pelo envolver <strong>para</strong> se concretizar no desenvolver.<br />

vOlvER<br />

É o primeiro dia da s<strong>em</strong>ana – aquele <strong>para</strong> os cristãos se tornará por excelência o Dia do Senhor, a celebração jubilosa<br />

da “nova criação” – e Maria Madalena, de manhãzinha, ainda escuro, volta ao sepulcro. Procurará apenas completar<br />

os rituais de sepultamento que o repouso sabático não permitira concluir? Procurará junto do túmulo, a proximidade<br />

afectiva com Aquele que amava? Procurará fazer o seu luto, chorando a perda do amigo e a decepção pela Esperança<br />

assassinada no Gólgota?<br />

É o primeiro dia da s<strong>em</strong>ana… mas Maria volta ao passado… é de manhãzinha… mas Maria volta ao ocaso de sexta<br />

feira… Está ainda escuro… Maria apenas encontra sinais de ausência…<br />

Como Maria, d<strong>em</strong>asiadas vezes, recusamos começar <strong>em</strong> direcção ao novo e ao desconhecido, preferindo a lamentação<br />

sobre o passado, enleados num lamber as feridas s<strong>em</strong> horizonte…<br />

Na nossa história pessoal e colectiva d<strong>em</strong>asiadas vezes volv<strong>em</strong>os sobre o passado, desperdiçando aí as nossas energias,<br />

revolvendo-nos <strong>em</strong> labirintos de traumas e decepções… Quantas vezes os nossos horizontes de futuro se traduz<strong>em</strong> apenas<br />

<strong>em</strong> tentativas vãs de reproduzir um passado idealizado (como imaginamos que deveria ter sido e que, na verdade, nunca<br />

existiu…). O passado é importante como sabedoria <strong>para</strong> viver o presente, mas Deus chama-nos do futuro - Eu sou Aquele que<br />

serei! (Ex. 3,14). É nos caminhos que percorr<strong>em</strong>os que Deus se manifesta como Presença vivificadora que congrega e envia…<br />

Mas há caminhos que parec<strong>em</strong> apenas voltar ao mesmo: impressiona-me como se procura sair da crise económica que<br />

afecta tantas zonas do globo retomando as lógicas e as receitas que levaram à crise… Por ex<strong>em</strong>plo, porque não acabar<br />

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com os off-shore que distorc<strong>em</strong> o sist<strong>em</strong>a financeiro e ocultam o dinheiro sujo da corrupção, dos tráficos, dos apoios<br />

secretos entre Estados,…? Porque não aplicar nos processos de desenvolvimento centrados nas pessoas pelo menos<br />

tantos milhões como se aplicaram <strong>para</strong> “salvar” o sist<strong>em</strong>a bancário? O probl<strong>em</strong>a não está na falta de dinheiro, mas na<br />

mentalidade que decide sobre o uso do dinheiro que há…<br />

Apesar de tudo, o passado não se repete… a pedra foi retirada! Não sab<strong>em</strong>os ainda o que significa… Para Maria, o desconhecido<br />

não se enfrenta <strong>em</strong> competição, mas suscita a cooperação… Maria corre… procura outros… anuncia… envolve…<br />

ENvOlvER<br />

Num primeiro momento, Maria envolve Pedro e João! Como refere Raymond Brown, no Evangelho segundo S. João, o<br />

discípulo amado não é apenas o “lugar” <strong>em</strong> que as comunidades joânicas reconhec<strong>em</strong> o seu patrono, mas é o lugar que<br />

cada um de nós – ouvintes da Palavra – é chamado a ocupar…<br />

Maria corre a anunciar … Pedro e João corr<strong>em</strong> ao sepulcro… Gosto de olhar <strong>para</strong> esta passag<strong>em</strong> vendo Pedro como<br />

o peso da instituição e João como a leveza do amor. O Amor chega primeiro… entrevê apenas sinais de morte… mas<br />

aguarda e respeita o “mais velho” que chega entretanto… A instituição segue o Amor… chega depois, entra, abeira-se e<br />

encontra sinais da morte…<br />

A vida é feita de amor, de convicção, de intuição, mas também de estruturas e instituições… s<strong>em</strong> elas tudo seria d<strong>em</strong>asiado<br />

efémero… Quantas iniciativas admiráveis nasceram, cresceram e morreram com as mesmas pessoas por nunca se ter<strong>em</strong><br />

institucionalizado? O Amor e a instituição não se contrapõ<strong>em</strong>, mas compl<strong>em</strong>entam-se… A instituição não é um fim <strong>em</strong> si<br />

mesma, mas deve deixar-se conduzir pelo Amor e este precisa daquela <strong>para</strong> manifestar toda a sua fecundidade…<br />

A Páscoa supõe a corag<strong>em</strong> de nos aproximarmos dos lugares de decepção, de sofrimento, de morte que povoam o<br />

nosso mundo. Por vezes, não t<strong>em</strong>os sequer a corag<strong>em</strong> de os ver na TV, preferindo mudar de canal <strong>para</strong> que não nos<br />

incomod<strong>em</strong> “imagens chocantes”… Para outros a banalização mediática do sofrimento humano endurece o coração,<br />

como se tudo fosse apenas ficção… Os que têm uma vida mais cómoda, pensam proteger os seus filhos poupando-<br />

lhes o contacto com o lado sombrio da vida, não compreendendo que uma educação integral exige que saibamos<br />

aproximar-nos destas realidades - não como voyeur, como qu<strong>em</strong> visita um jardim zoológico – reconhecendo que faz<strong>em</strong><br />

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parte da nossa vida. Não são a vida de “outros” – estamos envolvidos - são a face desfigurada da nossa vida humana que<br />

somos chamados a transformar!<br />

DEsENvOlvER<br />

O discípulo amado entra no sepulcro – viu e acreditou (Jo 20, 8) – viu sinais de morte e acreditou no princípio de uma<br />

vida nova… É este o princípio do desenvolvimento – ter a corag<strong>em</strong> de nos aproximarmos dos lugares onde a morte<br />

reina e acreditar que pode ser diferente se não nos limitarmos a ficar ou estar envolvidos, mas abrirmos processos que<br />

permitam algo novo: que as pessoas possam erguer-se – ressuscitar – tornando-se protagonistas do seu caminho e<br />

companheiras de viag<strong>em</strong>…<br />

A Páscoa não se fundamenta num túmulo vazio, mas na Presença vivificadora do Ressuscitado que - carregando as<br />

marcas da injustiça e da violência - congrega os/as discípulos/as após a decepção que dispersa, os cura depois da traição<br />

que envergonha, os liberta do medo que tolhe, os fortalece na compreensão da Escritura, as/os envia a test<strong>em</strong>unhar, por<br />

palavras e sinais, da passag<strong>em</strong> que se operou na sua vida e na vida da humanidade.<br />

É esta a dinâmica fundamental do desenvolvimento… Não se trata de resolver todos os probl<strong>em</strong>as… Mas de test<strong>em</strong>unhar<br />

com outras/os, por palavras e acções concretas, que a vida pode ser diferente se vivermos a nossa Páscoa, abrindo<br />

passagens <strong>para</strong> que outras e outros possam ver reconhecida a sua dignidade de filhas e filhos muito queridos por Deus.<br />

Na verdade, hoje como ont<strong>em</strong>, <strong>para</strong> qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a corag<strong>em</strong> de se aproximar da cruz, a alegria da manhã de Páscoa é<br />

s<strong>em</strong>pre mais intensa…<br />

Alegria irmã(o)s! Cristo ressuscitou verdadeiramente! Aleluia!<br />

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Frei Mário Rui, op

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