JE577OUT08 - Exército
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PROPRIEDADE<br />
DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO<br />
Direcção, Redacção e Administração<br />
Largo de S. Sebastião da Pedreira<br />
1069-020 Lisboa<br />
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DIRECÇÃO<br />
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José Custódio Madaleno Geraldo<br />
Secretária<br />
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2.º Cabo-Condutor Fábio Carrada<br />
REDACÇÃO<br />
Chefe<br />
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Redactores<br />
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Tenente Rico dos Santos<br />
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Chefe<br />
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2.º Cabo Gonçalo Silva<br />
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Chefe<br />
Tenente-Coronel Moura Duarte<br />
Operador Informático<br />
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Distribuição<br />
Sargento-Ajudante Luís Silva<br />
Auxiliar Serviço Filomena Remédios<br />
Publicidade<br />
Sargento-Ajudante Luís Silva<br />
SECRETARIA<br />
Amanuense<br />
2.º Sargento Carina Rodrigues<br />
COLABORAÇÃO FOTOGRÁFICA<br />
Lusa - Agência de Noticias<br />
de Portugal, SA<br />
Centro de Audiovisuais do <strong>Exército</strong><br />
RCRPP/GabCEME<br />
EXECUÇÃO GRÁFICA<br />
Europress, Lda<br />
Rua João Saraiva, 10-A − 1700-249<br />
Lisboa<br />
Telef 218 444 340 − Fax 218 492 061<br />
Europress@mail.telepac.pt<br />
Tiragem − 6 000 exemplares<br />
Sumário<br />
Ano XLIX - N.º 577 - Outubro de 2008<br />
Corolário da Invasão de Junot<br />
As primeiras derrotas de Napoleão<br />
em Portugal 18<br />
Dia da Arma de Infantaria 30<br />
Batalha de Diu – 1509 12<br />
Da Política Europeia de Segurança e Defesa à Política<br />
Comum de Segurança e Defesa 44<br />
A Guerra de 2006 entre Hezbolah e Israel 52<br />
Secções<br />
Regimento de Engenharia n.º 1<br />
“São os Primeiros” 37<br />
Monumentos com História Militar – Batalha do Vimeiro 4<br />
Editorial 5<br />
Figuras e Factos 6<br />
200 Anos da Guerra Peninsular – Programa do <strong>Exército</strong> 25<br />
Desporto 57<br />
Capa: Batalha do Vimeiro – Ilustração de Salvador Ferreira.<br />
O autor nasceu no Vimeiro e executou esta ilustração especialmente<br />
para o Jornal do <strong>Exército</strong> no âmbito do Bicentenário da Batalha do Vimeiro.<br />
Revisão do texto a cargo do Professor Doutor Eurico Gomes Dias.<br />
Os artigos publicados com indicação de autor são da inteira responsabilidade dos mesmos, não reflectindo, necessariamente, o pensamento da Chefia do <strong>Exército</strong> Português<br />
Depósito Legal n.º 1465/82<br />
ISSN 0871/8598 ÓRGÃO DE INFORMAÇÃO, CULTURA E RECREIO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, CRIADO POR PORTARIA DE 14JUL60
4<br />
MONUMENTOS COM HISTÓRIA MILITAR<br />
Monumento da Batalha do Vimeiro<br />
Desde tempos que se perdem nas teias da memória<br />
que, por artifício – intelectual ou espiritual –, agora<br />
designado de antropomorfismo, traços de carácter e de<br />
natureza animal são atribuídos ao génio e ao temperamento<br />
humano. Este fenómeno, embora universal, recorre, com<br />
frequência, a um restrito grupo de animais dotados de<br />
qualidades apreciáveis capazes de adjectivar, com mais<br />
elevada eloquência e garbo, alguns raríssimos e valorosos<br />
homens, beneméritas virtudes e inolvidáveis actos de<br />
inteligência ou de brava glória. Daqueles, um dos mais<br />
populares e que reúne mais unanimidade quando associado<br />
ao arrojo, à valentia e à força é, sem surpresa, o leão.<br />
A escolha deste felino não deixa de ter, no entanto, o seu<br />
lado curioso, quando adoptado, com certa abundância, para<br />
representar armas e instituições em países que nunca pisou.<br />
Ora, o monumento que nesta edição se evoca, e os<br />
homens – soldados –, que nele são lembrados, mereceu a<br />
alta distinção de ter esculpida, em alto-relevo, uma cabeça<br />
de leão, simbolizando a força e a coragem que garantiram,<br />
em campo de batalha, a independência de Portugal. O padrão<br />
em memória da Batalha do Vimeiro foi construído por artífices<br />
nacionais em 1908 e inaugurado a 21 de Agosto do mesmo<br />
ano, na presença do Rei D. Manuel II, exactamente um século<br />
depois do dia da célebre jornada que pôs fim às pretensões<br />
napoleónicas em terras lusas.<br />
Com cerca de 4,5 m de altura, o monumento ocupa uma<br />
base cónica, onde está registada uma epígrafe alusiva à<br />
efeméride, de onde se ergue um obelisco de quatro faces,<br />
encabeçado por um pináculo. Imediatamente abaixo deste<br />
está gravado o brasão nacional, conferindo ao conjunto um<br />
reforçado simbolismo da união anglo-lusa – lembremos a<br />
cabeça de leão, esculpida a meia altura do padrão, e o timbre<br />
do escudo das armas do Reino Unido, onde figura a fera<br />
coroada.<br />
Mantendo-se ainda em excelente estado de conservação,<br />
o Monumento da Batalha do Vimeiro foi considerado, em 26<br />
de Fevereiro de 1982, imóvel de interesse público e actualmente<br />
está protegido por um gradeamento de ferro que,<br />
embora ferindo-o na estética, enaltece-o na solenidade. JE<br />
Tenente RC Paulo Moreira
«Sendo os centenarios commemorações de caracter essencialmente educativo, cujo<br />
fim principal é estimular as gerações actuaes, ensinando-lhes o exemplo dos antepassados,<br />
e arraigando-lhes na alma o amor das glorias nacionaes, patrimonio commum,<br />
todos aquelles factos, credores como poucos da nossa admiração e do nosso sincero<br />
preito, se impõem á consagração nacional.»<br />
Programa para a Commemoração da Guerra Peninsular e respectivo Relatório<br />
elaborados pela Commissão nomeada por portaria de 2 de maio de 1908.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, pp. 3-4.<br />
Tal como há cem anos atrás, também o <strong>Exército</strong> Português, imbuído do mesmo espírito<br />
patriótico elaborou, através da Comissão Coordenadora para o efeito, um programa para<br />
as Comemorações dos 200 anos da Guerra Peninsular para evocar os acontecimentos de maior<br />
relevo durante aquele período da História, tão funesto aos portugueses e a Portugal.<br />
Através de encenações históricas, conferências, palestras, exposições, homenagens e outras<br />
actividades o <strong>Exército</strong>, por sua iniciativa ou associado a Câmaras Municipais e outras instituições,<br />
invocou de forma indelével alguns dos momentos associados à Invasão de Junot, que ficaram na<br />
memória colectiva.<br />
Napoleão, desesperado com a política portuguesa, associa-se a Carlos IV de Espanha e manda<br />
invadir Portugal com um <strong>Exército</strong> Franco-Espanhol, conforme o Tratado de Fontainbleau. Cerca<br />
de cinquenta mil invasores ocupam as terras portuguesas. O Príncipe Regente D. João, prevendo<br />
o pior, associa-se à potência marítima da altura, a Grã-Bretanha, e assina a Convenção Secreta<br />
entre os dois Reinos, Português e Inglês, que previa a transferência da Corte para a América<br />
Portuguesa – o Brasil foi não só o refúgio da Família Real como a salvação da Pátria Portuguesa,<br />
na altura. Do que se passou a seguir temos vindo a dar conta de alguns episódios neste Jornal do<br />
<strong>Exército</strong>, ao longo dos últimos meses.<br />
Destacamos a evocação da Batalha do Vimeiro por ter sido decisiva no desenrolar dos<br />
acontecimentos a favor do <strong>Exército</strong> Anglo-Luso, que pôs fim à invasão. Depois desta derrota as<br />
tropas de Napoleão regressariam a França, em navios ingleses, acompanhados “de armas e bagagens”,<br />
conforme a Convenção de Sintra, em que os portugueses não tiveram assento.<br />
Há episódios na nossa História que merecem ser conhecidos e partilhados com as novas<br />
gerações, como é o caso feliz da Bíblia dos Jerónimos. Ficou acordado que o embarque das tropas<br />
francesas se verificaria entre os dias 10 e 15 de Setembro de 1808. Neste último dia embarcou<br />
Junot, Duque de Abrantes, que se fazia acompanhar da Bíblia dos Jerónimos, entre outros<br />
tesouros. O sagrado tesouro terá sido oferecido a sua esposa, Duquesa de Abrantes, que o<br />
esperava no porto francês de La Rochelle, onde desembarcou. Mais tarde, os 12 volumes que<br />
compõem a Bíblia foram vendidos por oitenta mil francos pela mulher de Junot e posteriormente<br />
entregues ao governo português por Luís XVIII.<br />
Hoje, a Bíblia dos Jerónimos é, segundo Pedro Dias, um dos maiores tesouros da Torre do<br />
Tombo e uma das obras mais marcantes, não só da Iluminura Europeia, mas de toda a produção<br />
artística do Ocidente, da época áurea do Humanismo, que enriqueceu a câmara de maravilhas do<br />
mais notável monarca do seu tempo, e que foi depois incorporada no mosteiro que lhe deu o nome,<br />
uma emblemática instituição religiosa portuguesa, memorial da aventura da «revolução dos mundos»<br />
levada a cabo pelos portugueses de Quatrocentos e Quinhentos.<br />
5
6<br />
FIGURAS e FACTOS<br />
Dia de Portugal no Allied Rapid Reaction Corps (ARRC)<br />
O<br />
Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, General José<br />
Luís Pinto Ramalho, no dia 25 de Setembro, presidiu<br />
à Cerimónia de Condecorações e Entrega de Espadas a Oficiais<br />
Generais que decorreu na Sala Dona Maria do Museu Militar,<br />
em Lisboa. Assim, o General Pinto Ramalho condecorou e<br />
entregou espadas de Oficial General aos seguintes militares:<br />
Condecorado com a Ordem Militar de Avis Grau Grande<br />
Oficial, o Major-General, Fernando Constantino Pinto da<br />
Silva;<br />
Com a Medalha D. Afonso Henriques − Mérito do<br />
<strong>Exército</strong> − 1.ª Classe, o Major-General Manuel Mateus da<br />
Silva Couto, o Major-General Frederico José Rovisco Duarte<br />
e o Major-General Aníbal Alves Flambó.<br />
Foram entregues as Espadas de Oficial General ao Major-<br />
General Manuel Mateus da Silva Couto, ao Major-General<br />
Vice CEME visita IGE<br />
Realizou-se, no dia 29 de Julho, a visita oficial do<br />
Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, Tenente-<br />
General Oliveira Cardoso, à Inspecção-Geral do <strong>Exército</strong>. Na<br />
sequência da visita, o Vice-CEME visitou o Centro de<br />
Finanças Geral e o Jornal do <strong>Exército</strong>, aproveitando, desta<br />
forma, para se inteirar das actividades levadas a cabo pelos<br />
respectivos órgãos.<br />
Em 11 de Junho de 2008, a comunidade portuguesa<br />
no Quatel-General do Allied Rapid Reaction Corps,<br />
comemorou o Dia de Portugal, realizando uma pequena<br />
cerimónia na messe de Oficiais das Forças de Reacção em<br />
Rheidalen, Mönchengladbach.<br />
Estiveram presentes neste evento, o Dr. João Bernardo<br />
Weinstein, Cônsul Geral de Portugal em Dusseldorf, o Major-General<br />
Gian Marco Chiarini, 2.º Comandante do ARRC,<br />
o Contra-Almirante Silva Campos, Representante Militar<br />
Nacional no SHAPE, uma representação da comunidade<br />
portuguesa de Mönchengladbach que, com famílias de<br />
militares de 17 países diferentes que servem no ARRC, se<br />
juntaram para a celebração desta data.<br />
O objectivo principal foi partilhar com diferentes<br />
nacionalidades um pouco da cultura e tradição portuguesas,<br />
no momento da celebração do 865.º aniversário da<br />
Independência de Portugal, tendo os convidados tido a<br />
oportunidade de degustar alguma da culinária nacional e<br />
ouvir o nosso Fado.<br />
Portugal participa neste Quartel-General, desde a sua<br />
fundação, sendo o actual contingente constituído por três<br />
militares.<br />
Cerimónia de Imposição de Condecorações e Entrega de Espadas<br />
a Oficiais Generais<br />
Frederico José Rovisco Duarte e ao Major-General Aníbal<br />
Alves Flambó.
FIGURAS e FACTOS<br />
Comemorações do 869.º Aniversário da Batalha de Ourique<br />
Realizaram-se nos dias 24 e 25 de Julho, em Castro<br />
Verde, as cerimónias comemorativas do 869.º<br />
aniversário da Batalha de Ourique.<br />
As cerimónias foram presididas pelo Major-General<br />
Adelino de Matos Coelho, Director de História e Cultura<br />
Militar, e tiveram início na noite de 24 de Julho, com um<br />
Concerto no Anfiteatro de Castro Verde com a Banda Mil<br />
Évora.<br />
No dia 25 de Julho, sucedeu-se uma romagem ao Padrão<br />
de São Pedro das Cabeças, nos arredores de Castro Verde,<br />
local onde se terá travado a Batalha de Ourique, onde D.<br />
Afonso Henriques venceu as forças militares de cinco reis<br />
mouros, após violenta peleja. D. Sebastião, que o mandou<br />
construir em local ermo, quis assim homenagear a coragem<br />
do primeiro Rei de Portugal.<br />
Sucedeu-se, junto da Basílica Real de Nossa Senhora<br />
da Conceição, a Cerimónia Militar, de onde se realça o<br />
discurso do Presidente da Câmara Municipal de Castro<br />
Verde, o Arquitecto Francisco Caldeira Duarte:<br />
“A carga lendária que carrega o episódio da ‘Batalha<br />
de Ourique’ é, para nós, motivo mais do que suficiente para<br />
estar aqui hoje nesta iniciativa junto à Basílica Real de<br />
Castro Verde, dando continuidade às cerimónias comemorativas<br />
dos 869 anos da Batalha de Ourique, iniciadas<br />
ontem.<br />
A oralidade e a tradição colocaram nos campos de<br />
Ourique e em S. Pedro das Cabeças, um acontecimento<br />
ímpar na historiografia portuguesa, que olhamos, desde há<br />
alguns anos a esta parte, sem qualquer tipo de complexos,<br />
sejam eles ideológicos ou escolásticos, como um elemento<br />
importante na construção da nossa memória colectiva.<br />
Não nos interessa aqui valorizar, discutir ou mesmo<br />
contestar a exacta localização desta batalha, ou escaramuça,<br />
ou o que é que quer que seja, dependendo muito essa<br />
interpretação da escola historiográfica do observador ou<br />
do interesse académico do investigador. O que nos<br />
interessa, isso sim, é valorizar o tempo e o contexto em que<br />
assinalamos o 25 de Julho de 1139, enquanto elemento<br />
referencial da nossa memória.<br />
E é nesse pressuposto, que não podemos deixar de<br />
enaltecer o facto de, pela primeira vez, os municípios de<br />
Ourique e Castro Verde estarem associados nesta data,<br />
não estando cada um na sua “capelinha” a fazer a sua<br />
“batalha”. Partindo de um programa-base discutido em<br />
conjunto, desenvolvemos um conjunto de actividades<br />
consentâneo com as especificidades de cada município.<br />
Esta experiência, que pode ser a génese para um projecto<br />
mais amplo e mais abrangente num futuro próximo, tem,<br />
naturalmente, o <strong>Exército</strong> Português como parte indissociável<br />
desta parceria, funcionando, inclusivé, como elo<br />
de ligação das duas comunidades.<br />
É-nos particularmente grato que num tempo em que as<br />
mais diversas instituições, quer por razões financeiras, quer<br />
por questões de interesse particular, quer por falta de<br />
vontade de construir projectos em conjunto e sem<br />
protagonismos, se unam e demonstrem uma vontade clara<br />
em reanimar este dia que, até à bem pouco tempo,<br />
assinalava o dia do <strong>Exército</strong>.<br />
O carácter profissional que desde há algum tempo<br />
caracteriza as nossas Forças Armadas, sugere a sua<br />
aproximação à sociedade civil. Até para divulgar parte do<br />
seu trabalho, cada vez mais de natureza humanitária, que<br />
procura contribuir, dentro das suas possibilidades, para a<br />
pacificação global do nosso planeta e para o esvaziar da<br />
componente militarista, que a nossa geração ainda associa<br />
à Guerra Colonial.<br />
Queremos que este seja o reiniciar de uma colaboração<br />
profícua, em particular de carácter cultural, entre estas três<br />
instituições. Que a Batalha de Ourique seja o pretexto e<br />
nós saibamos trabalhar para alcançarmos um futuro melhor<br />
para as nossas populações.”<br />
Mais tarde, no interior da Basílica, o Tenente-Coronel<br />
Borges da Fonseca proferiu uma palestra sobre a Batalha<br />
de Ourique, explicando a conjuntura da época, os tipos de<br />
confronto e os pormenores da contenda.<br />
7
8<br />
FIGURAS e FACTOS<br />
Comemoração dos 198 Anos do Cerco de Almeida<br />
O<br />
<strong>Exército</strong>, representado pelo Major-General Adelino<br />
Matos Coelho, Director de História e Cultura Militar,<br />
esteve presente nas comemorações do 198.º Aniversário do<br />
Cerco de Almeida, no passado dia 24 de Agosto, organizadas<br />
pela Câmara Municipal daquela vila.<br />
As comemorações iniciaram-se com o hastear das bandeiras<br />
nacionais dos países participantes, seguido de desfile até à<br />
Praça Alta para a cerimónia de homenagem aos Mortos do<br />
Cerco de Almeida e ao Marchal John Beresford. Esta cerimónia<br />
constitui sempre um momento forte de comoção, em que a<br />
população de Almeida participa com grande orgulho, e inclui<br />
uma deposição de coroas de flores e o descerramento de uma<br />
lápide em memória dos tombados em 26 de Agosto de 1810.<br />
Nas cerimónias participaram militares do Regimento de<br />
Decorreram, nos dias 17 e 18 de Setembro, as provas<br />
de Agregação levadas a efeito pelo Tenente-Coronel<br />
de Infantaria Francisco Proença Garcia.<br />
Subordinado ao tema O fenómeno da Guerra no nosso<br />
Infantaria n.º14, a Fanfarra do Regimento de Artilharia n.º 5 e<br />
elementos desta Unidade que colaboraram com a Associação<br />
Napoleónica Portuguesa no manuseamento de peças de<br />
artilharia da época de 1810.<br />
Para além das entidades convidadas, esteve presente<br />
numeroso público, constituído maioritariamente por habitantes<br />
da região de Almeida, aos quais foi especialmente dirigida uma<br />
alocução proferida pelo Coronel de Infantaria Américo José<br />
Henriques.<br />
A mensagem transmitida, centrada na capacidade do<br />
<strong>Exército</strong> Português para combater o invasor e na capacidade<br />
das populações para resistirem às contingências da guerra,<br />
designadamente à pilhagem e ao saque, serviu também para<br />
evidenciar que a História do <strong>Exército</strong> é indissociável da História<br />
de Portugal, hoje projectada na unidade europeia.<br />
A recriação da Batalha do Cerco de Almeida, com combates<br />
junto às Portas de Santo António, foi o ponto alto das comemorações,<br />
que também contemplaram demonstrações tácticas da<br />
época (tropas anglo-lusas e napoleónicas, milícias e<br />
ordenanças).<br />
As comemorações iniciaram-se em 22 de Agosto com um<br />
seminário sob o tema “Memória, Mito e História : O Sacrifício<br />
de Almeida”, no Centro de Arquitectura Militar de Almeida. No<br />
dia seguinte foi inaugurada a Exposição “A Fronteira da Beira e<br />
a Defesa do Território, Cartografia, Fortificação e Arquitectura<br />
Militar”, da responsabilidade da Direcção de Infra-Estruturas<br />
de <strong>Exército</strong> e apresentada pelo Tenente-coronel José Paulo<br />
Berger, à qual se seguiu a recriação das rondas de sentinelas e<br />
patrulhas nas Portas de S. Francisco e bastiões da Fortaleza,<br />
bem como combates nocturnos com fogos de Artilharia e de<br />
mosquetes, nas muralhas e baluartes da Praça Forte de Almeida.<br />
Primeiro Oficial das Forças Armadas a obter título académico de Agregado<br />
Foto: Artur Lourenço<br />
século, o Tenente-Coronel Garcia proferiu uma lição, perante<br />
um júri presidido pelo magnífico Reitor da Universidade<br />
Católica, tendo sido aprovado por unanimidade.<br />
O novo Doutor Agregado pertence à Arma de Infantaria,<br />
licenciou-se em Ciências Militares na Academia Militar,<br />
possui o Mestrado em Relações Internacionais e doutorouse<br />
em História. É Secretário-geral da Academia Internacional<br />
da Cultura Portuguesa, exercendo também funções na<br />
Academia de Ciências, na Sociedade de Geografia e na<br />
Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Tem o<br />
Curso de Estado-Maior, tendo já desempenhado várias<br />
missões no estrangeiro, designadamente em Timor Leste e<br />
Angola. Do antecedente, foi professor no Instituto de<br />
Estudos Superiores Militares e na Academia Militar.<br />
Actualmente presta serviço como Conselheiro Militar<br />
da representação portuguesa junto da NATO, em Bruxelas,<br />
e continua a exercer funções docentes na Academia Militar.<br />
O JE apresenta as congratulações, pela sua Agregação,<br />
ao Doutor Francisco P. Garcia.
Dia da Arma de Engenharia<br />
e da sua Escola Prática<br />
A<br />
cerimónia teve lugar na Escola Prática de Engenharia,<br />
no Polígono Militar de Tancos, no dia 14 de Julho,<br />
comemorando os 361 anos da Arma de Engenharia e os 128<br />
anos da Escola Prática de Engenharia.<br />
Na impossibilidade do General CEME estar presente, a<br />
cerimónia foi presidida pelo Director Honorário da Arma de<br />
Engenharia, Tenente-General Carlos Alberto de Carvalho dos<br />
Reis, Chefe da Casa Militar do Presidente da República.<br />
Do programa das Comemorações destacam-se a exposição<br />
interactiva das “Capacidades e Actividades da Engenharia<br />
Militar” e a demonstração de capacidades da Engenharia Militar<br />
em Ambiente Táctico.<br />
Museu Militar de Bragança Comemorou 25 anos<br />
O<br />
<strong>Exército</strong>, através da Direcção de História e Cultura<br />
Militar, promoveu as comemorações do 25.º<br />
Aniversário do Museu Militar de Bragança, no passado dia 22<br />
de Agosto.<br />
As comemorações tiveram o momento mais significativo<br />
na sessão solene que decorreu no Auditório Municipal Paulo<br />
Quintela, presidida pelo Director da Direcção de História e<br />
Cultura Militar, Major-General Adelino Matos Coelho, e que<br />
contou com a presença de entidades militares, civis, religiosas<br />
e numeroso público.<br />
Nesta cerimónia, a autarquia de Bragança, representada pelo<br />
Presidente da Câmara Municipal, Engenheiro António Jorge<br />
Nunes, entregou ao Museu Militar de Bragança a Medalha de<br />
Mérito Municipal, tendo sublinhado a relevância do Museu no<br />
âmbito da promoção cultural de Bragança.<br />
Ainda na sessão solene, foi feita uma alocução pelo Tenente-<br />
General Ramires de Oliveira, que homenageou o Coronel<br />
António José Teixeira, fundador do Museu.<br />
As comemorações tiveram início em 26 de Julho, com um<br />
concerto pela Orquestra Ligeira do <strong>Exército</strong>, uma exposição de<br />
temática militar no Centro Cultural de Bragança, organizada<br />
pelo Museu Militar de Lisboa, tendo sido proporcionado à<br />
Cerimónia Militar em Lamego<br />
No dia 13 de Setembro, realizou-se no Centro de<br />
Instrução de Operações Especiais em Lamego, a<br />
12.ª Admissão à Irmandade Militar de Nossa Senhora da<br />
Conceição, tendo a cerimónia sido presidida pelo Ajudante-<br />
General Tenente-General Lima Pinto.<br />
A cerimónia religiosa foi feita pelo Bispo de Lamego,<br />
D. José Moniz Botelho, coadjuvado por dois missionários<br />
que trabalham em Timor há 34 anos. Depois da missa, foram<br />
prestadas honras militares e precedeu-se à entrega das flores.<br />
O evento terminou com um jantar no Hotel de Lamego.<br />
Foto: João António<br />
FIGURAS e FACTOS<br />
população o contacto com actividades radicais (rappel,<br />
escalada e slide) na semana de 18 a 24 de Agosto, com o apoio<br />
do Centro de Tropas de Operações Especiais de Lamego, sob a<br />
coordenação da Direcção de Obtenção de Recursos Humanos.<br />
9
10<br />
Exercício FELINO ‘08<br />
FIGURAS e FACTOS<br />
O s Exercícios Militares Conjuntos e Combinados da<br />
série Felino são desenvolvidos no âmbito da<br />
cooperação técnico-militar entre a Comunidade de Países de<br />
Língua Oficial Portuguesa (CPLP).<br />
Embora esta Comunidade tenha sido criada em 1996, foi<br />
só no ano 2000 que se realizou o primeiro exercício deste<br />
género. Desde então, o FELINO tem sido executado em regime<br />
de rotatividade pelos diferentes países da CPLP, com<br />
excepção para os dois primeiros, que decorreram em Portugal.<br />
O Brasil assumiu a realização do Exercício em 2002,<br />
Moçambique em 2003, Angola em 2004, Cabo Verde em 2005,<br />
em 2006, novamente o Brasil, e a edição de 2007 coube a São<br />
Tomé e Príncipe. Também em 2002, fruto da sua recente<br />
independência, Timor-Lorosae passou a fazer parte<br />
integrante deste grupo.<br />
Com os Exercícios FELINO, a CPLP pretende dotar as Forças<br />
Armadas dos respectivos países de uma maior e mais eficaz<br />
interoperabilidade, possibilitando, simultaneamente, o treino<br />
necessário para o emprego de uma Força de Tarefa Conjunta e<br />
Combinada (FTCC) em missões humanitárias e de apoio à paz,<br />
sob a égide da ONU. A regularidade destas iniciativas permite<br />
ainda a harmonização de conceitos, de procedimentos, de<br />
técnicas e de tácticas que, uma vez uniformizados, vão garantir<br />
a condução segura de operações militares.<br />
O exercício deste ano, com base no Regimento de Infantaria<br />
n.º 10, em S. Jacinto, decorreu em duas fases: a primeira,<br />
entre 16 e 26 de Junho, consistiu num Estágio de Planeamento<br />
Operacional e no Planeamento de Exercícios e Regras de<br />
Empenhamento; a segunda, realizada entre 15 e 24 de<br />
Setembro, compreendeu o Treino Cruzado e a condução de<br />
operações num cenário fictício da Força de Tarefa Conjunta<br />
e Combinada do Exercício FELINO ‘08 envolveu cerca de<br />
500 militares de todos os países da CPLP. Sob comando<br />
português, a FTCC ramificava-se num Estado-Maior – cujo
CEM (Chefe do Estado-Maior) era um Oficial moçambicano,<br />
uma vez que caberá a Moçambique o encargo de receber o<br />
Exercício FELINO 2009; num Pelotão de Polícia do <strong>Exército</strong>,<br />
com participação portuguesa e cabo-verdiana; numa<br />
Componente Naval, com militares das Marinhas de Guerra<br />
de Cabo Verde, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe;<br />
numa Componente Terrestre, com militares de Angola, Brasil,<br />
Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e Timor-Lorosae;<br />
numa Componente Aérea, exclusivamente portuguesa; numa<br />
Componente de Operações Especiais, com militares de Angola,<br />
Brasil, Portugal e Moçambique; e numa Unidade de<br />
Apoio de Serviços, também exclusivamente portuguesa.<br />
O cenário simulado criado para o presente Exercício,<br />
apoiado em dados geográficos reais de Portugal,<br />
caracterizava uma situação de crise humanitária num país<br />
denominado Zululand, independente desde 1965, assolado,<br />
actualmente, por alguma instabilidade social e pela frequente<br />
perturbação da ordem pública e ameaças à segurança interna.<br />
Depois de violentos distúrbios na capital, na sequência de<br />
greves dos serviços públicos que paralisaram o país, o<br />
Presidente viu-se na necessidade de empregar as Forças<br />
Armadas e de decretar um recolher obrigatório. Chegado o<br />
caso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi<br />
solicitado o apoio da CPLP que, por sua vez, encarregou<br />
Portugal de constituir a Nação Quadro de uma Força que<br />
liderasse uma Operação Humanitária e de Apoio à Paz, com<br />
o objectivo de restabelecer um ambiente seguro e garantir a<br />
liberdade de circulação na capital daquele território.<br />
No dia 18 de Setembro, o Presidente da República, Prof.<br />
Dr. Aníbal Cavaco Silva, visitou o Regimento de Infantaria<br />
n.º 10 no âmbito da realização do Exercício FELINO ‘08, onde,<br />
na companhia do Ministro da Defesa, Prof. Dr. Nuno Severiano<br />
Teixeira, do Secretário Executivo da CPLP, Dr. Domingos<br />
Simões Pereira, do Chefe do Estado-Maior General das Forças<br />
Armadas, General Luís Valença Pinto, e do Chefe do Estado-<br />
Maior do <strong>Exército</strong>, General José Luís Pinto Ramalho, assistiu<br />
a um briefing e a uma demonstração de actividades,<br />
especialmente planeados para a ocasião. O Presidente da<br />
República destacou a cooperação e o trabalho conjunto dos<br />
ramos das Forças Armadas e dos militares dos vários países<br />
envolvidos, que constituiu um inegável contributo para a<br />
componente externa da política de defesa nacional.<br />
TABELA DE PREÇOS PARA 2008<br />
FIGURAS e FACTOS<br />
No dia 24 de Setembro, presente na conclusão do<br />
Exercício, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas<br />
declarou que está criada a base doutrinária militar<br />
para a constituição e emprego de forças conjuntas da CPLP,<br />
e enalteceu o empenho e o profissionalismo de todos os<br />
militares que concorreram para o sucesso do FELINO 08.<br />
PREÇO DE CAPA € 2,10<br />
ASSINATURA ANUAL (11 números)<br />
VIA SUPERFÍCIE - Portugal Cont. Madeira e Açores € 19.00<br />
VIA AÉREA - Países europeus € 44,00; Restantes Países € 63,50<br />
NOTA: As assinaturas devem ser pagas antecipadamente<br />
NÚMEROS ATRASADOS - 1960 a 1969 € 3,88; 1970 a 1979 € 3,62; 1980 a 1989 € 2,85; 1990 a 2003 € 2,48; 2002 a 2006 € 2,00<br />
Os preços incluem IVA à taxa de 5%<br />
Preço da Encadernação do JE do ano de 2006 € 27,95 c/IVA incluído<br />
N.B.: Os pedidos de envio pelos CTT serão acrescidos de portes segundo os códigos postais: 1000/2000 € 4,21; 3000/8000 € 5,79; Açores e Madeira € 6,56.<br />
11
Por Rui D. Sena<br />
Uma batalha nem sempre recebe o devido<br />
valor no decorrer da História. Para muitos<br />
académicos, os conflitos bélicos não passam de<br />
vírgulas no meio de longos textos narrativos sem<br />
que sejam feitas as devidas pausas. Os Portugueses,<br />
em geral, não têm uma visão de si mesmos a nível<br />
militar. A maioria das Universidades portuguesas não<br />
atribuem o devido valor à História Militar nacional e<br />
internacional. Praticamente todos os alunos acabam<br />
uma licenciatura sem ter frequentado uma cadeira de<br />
História Militar.<br />
Por estas razões, e estando a Batalha de Diu a<br />
completar, dentro de poucos meses, quinhentos anos,<br />
torna-se razão mais que suficiente para se relembrar<br />
e reflectir sobre esta batalha naval que colocou frente<br />
a frente o mundo muçulmano contra o mundo cristão.<br />
Esta batalha foi de grande importância para o Império<br />
Português e para a História Militar.<br />
A entidade política de Portugal, representada<br />
pelo Rei D. Manuel, decidiu aumentar a sua<br />
12<br />
influência no Oceano Índico. De facto, após um<br />
relatório de Pedro Álvares Cabral, a política<br />
portuguesa muda de uma atitude pacífica até então<br />
praticada, salvo uma ou outra excepção, para uma<br />
atitude agressiva puramente bélica 1 .<br />
Para o efeito dessa mudança política foi<br />
nomeado D. Francisco de Almeida como vice-rei,<br />
algo inédito, pois, antes dele, ninguém tinha<br />
recebido esse título, possuindo o pleno comando<br />
da frota que partiu de Portugal para prestar serviço<br />
no Oriente. Estavamos no ano de 1505. Portugal já<br />
não queria ter apenas um comandante da frota que<br />
viajava periodicamente para o Oriente 2 . Pretendiase<br />
alguém que fosse o representante da entidade<br />
política de Portugal, ou seja, pretendia-se, em<br />
concreto, uma liderança.<br />
Todavia, esta liderança tinha um limite de tempo.<br />
D. Francisco de Almeida seria vice-rei durante apenas<br />
três anos. Há claramente uma preocupação ao delegar<br />
o título de vice-rei para que este fosse curto e rotativo
e não longo e exclusivista, impedindo que a Coroa<br />
perdesse poder a favor do vice-rei.<br />
D. Francisco de Almeida foi o primeiro que levou<br />
para o Oriente uma estratégia bem definida, montada<br />
pela Coroa portuguesa, que serviria de modelo para<br />
as décadas vindouras. Podemos falar de uma<br />
estratégia imperial com características geo-políticas<br />
para a época.<br />
Esta estratégia está registada no regimento dado<br />
a D. Francisco de Almeida no ano da sua partida.<br />
De forma abreviada, D. Francisco de Almeida tinha<br />
de construir fortalezas, estar constantemente<br />
vigilante no Oceano Índico e devia estabelecer ou<br />
fortalecer alianças com reinos locais favoráveis a<br />
Portugal. Pretendia-se controlar o Oceano de modo<br />
a controlar o comércio 3 .<br />
Antes desta mudança política, Portugal já<br />
estava a desequilibrar o status quo daquela área<br />
geográfica. O Egipto era a principal potência da<br />
área, rivalizando com o Império Otomano. Todos<br />
Estando<br />
a Batalha de Diu<br />
a completar, dentro<br />
de poucos meses,<br />
quinhentos anos,<br />
torna-se razão<br />
mais que suficiente<br />
para se relembrar<br />
e reflectir sobre<br />
esta batalha naval<br />
os restantes reinos sob a influência política destas<br />
duas potências se queixavam dos danos que os<br />
portugueses lhes causavam a nível comercial 4 .<br />
A Europa estava interessada no desiquilíbrio<br />
político e comercial que Portugal causava. Portugal<br />
trazia especiarias, conquistava território ao mundo<br />
muçulmano e ganhava influência para o mundo<br />
cristão. Todavia, nem todo o mundo cristão estava<br />
agradado com o sucesso que Portugal estava a<br />
auferir no Oriente. De facto, os Venezianos estavam<br />
a perder importância comercial para os Portugueses<br />
no Oriente. Apesar de os Venezianos serem também<br />
cristãos, estavam mais interessados na expulsão<br />
dos Portugueses do Oriente. Assim, os Venezianos<br />
continuariam a ter o exclusivo comercial com os<br />
muçulmanos, exportando para Europa todo o tipo<br />
de mercadorias daquela parte do mundo. Devido a<br />
tanta pressão e porque começava a sentir os seus<br />
interesses atingidos o Egipto e o Império Otomano<br />
esquecem as rivalidades entre ambos e unem<br />
esforços para acabar com a presença dos<br />
Portugeses no Oriente. Os Venezianos não puderam,<br />
pelas razões óbvias, prestar um apoio declarado<br />
à causa muçulmana. Esse apoio seria ir contra a fé<br />
cristã e contra os reinos europeus. Não há provas<br />
de qualquer tipo de auxílio veneziano aos<br />
muçulmanos, mas que terão influenciado decisões<br />
muçulmanas através da diplomacia, isso será quase<br />
certo.<br />
Por esta altura, já Veneza tinha retirado a sua<br />
embaixada de Portugal e tinha recorrido à<br />
espionagem, mostrando assim o desagrado com a<br />
Coroa portuguesa e não deixando de receber<br />
informações sobre o que se passava no Reino, de<br />
forma mais barata e discreta.<br />
13
14<br />
O Egipto, para construir uma frota que pudesse<br />
rivalizar com a de Portugal teve de encomendar todo<br />
o tipo de materiais de que não dispunha no seu<br />
território para as embarcações. Devido a<br />
vicissitudes várias, a encomenda não chegou na<br />
totalidade. Destaca-se a ajuda dos cruzados instalados<br />
na ilha de Rodes (Cavaleiros Hospitalários<br />
de São João), que interceptaram a encomenda de<br />
madeira egípcia vinda do Mar Negro e a ocorrência<br />
de uma tempestade. A encomenda daria para<br />
construir cerca de trinta galés, algo que não chegou<br />
acontecer, pois só cerca de dois quintos da<br />
encomenda chegaram a Alexandria, capital do<br />
Egipto 5 .<br />
De 1505 a 1507, o vice-reinado de D. Francisco<br />
de Almeida parecia calmo e as naus portuguesas<br />
continuava a navegar no Oriente. Chegando ao ano<br />
de 1508, temos o primeiro desaire português no<br />
Oriente. D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei,<br />
tinha como missão proteger as naus que iam carregar<br />
mercadorias a Chaul. D. Lourenço de Almeida acabou<br />
surpreendido por uma esquadra egípcia e uma<br />
otomana, com informações de que D. Lourenço de<br />
Almeida estava mal defendido ao nível de<br />
embarcações e estava numa missão de escolta 6 .<br />
Estavam criadas as condições ideiais para a<br />
realização de uma emboscada. A escaramuça foi bem<br />
disputada; os artilheiros portugueses, já especializados<br />
nesta arte bélica, levaram a melhor sobre os<br />
artilheiros inimigos. Todavia, a falta de pólvora da<br />
parte portuguesa fez com que ao terceiro dia da<br />
escaramuça a força portuguesa batesse em retirada.<br />
A embarcação de D. Lourenço de Almeida afastouse<br />
das restantes devido à corrente do Golfo de<br />
Cambaia, ficando sozinha e foi perseguida pela<br />
esquadra muçulmana. D. Lourenço de Almeida<br />
faleceu às mãos dos muçulmanos e a tripulação<br />
sobrevivente foi feita prisioneira. Os turcos esfolaram<br />
o corpo, encheram-no de palha e enviaramno<br />
ao sultão que estava em Constantinopla 7 . Esta<br />
pequena vitória muçulmana, mais simbólica que<br />
concreta, trouxe a esperança efémera de que os<br />
portugueses podiam ser expulsos do Oriente se<br />
todos os muçulmanos unissem esforços. Os<br />
vencedores retiram-se do local da escaramuça,<br />
deixando o vice-rei D. Francisco de Almeida com<br />
um ansioso desejo de vingar a morte do filho.<br />
Segundo as crónicas, o vice-rei não demonstrou<br />
qualquer sentimento com a notícia da morte do seu<br />
filho. Apenas terá murmurado: “Quem comeu o<br />
frango vai ter agora que provar o galo”, uma clara<br />
metáfora prometendo vingança.<br />
Afirmou-se que este desejo de vingança é o<br />
factor pelo qual surge a Batalha de Diu. Algo que<br />
se deve rejeitar completamente, visto que a batalha<br />
A localização da batalha foi ao largo da costa de Diu<br />
O Oceano Índico, através das suas correntes, fazia com que<br />
as embarcações não mantivessem a formação de combate<br />
que se pretendia<br />
seria inevitável na conjuntura política e de tensões<br />
em que se encontravam os diversos intervenientes.<br />
Chegamos finalmente a 1509, ano da Batalha de<br />
Diu. Os diversos autores apontam datas diferentes<br />
para o dia da batalha, mas a maioria situa-a entre o<br />
dia 2 e 3 de Fevereiro. Não se sabe exactamente ao<br />
certo o número das forças militares envolvidas na<br />
batalha, pois são apontados números dispersos uns<br />
dos outros, pelo que aqui se fará um balanço geral<br />
desses dados.<br />
De facto, devido à barreira linguística, há ausência<br />
de interessados no estudo das fontes muçulmanas<br />
desta época. Assim, apenas se conhece a<br />
versão portuguesa da batalha.<br />
A força militar portuguesa teria cerca de 16 a 20
navios de diversas dimensões. No que diz respeito<br />
ao número de efectivos humanos portugueses,<br />
contaria com cerca de 1200 a 1600 homens (entre<br />
soldados e marinheiros). Alguns autores referem<br />
também 400 malabares, mas não explicam se<br />
integram a força total. Assim, a força efectiva teria<br />
cerca de 1600 a 2000 homens. Deve-se ter cautela<br />
com estes últimos dados. Os valores mais realistas<br />
devem situar-se entre os 1200 a 1600 homens, onde<br />
os malabares estariam integrados. Estes homens<br />
representavam a quase totalidade da força<br />
portuguesa no Oceano Índico 8 .<br />
A força militar muçulmana é menos contabilizada<br />
e ainda menos precisa que a dos Portugueses, pelo<br />
que não se deve dar grande credibilidade aos<br />
valores que por vezes são divulgados. A força militar<br />
Ao perder a Batalha de Diu, o mundo muçulmano percebia<br />
que teria de conviver com a presença dos Portugueses<br />
naquele espaço geográfico<br />
muçulmana abrangia cerca de 1500 homens,<br />
milhares de remadores, necessários para manobrar<br />
as embarcações, e cerca de 200 navios. O número<br />
dos navios não aparenta ser correcto, mas se o for,<br />
então eram navios de pequeno porte, em nada<br />
comparados com embarcações para uma batalha<br />
naval daquela envergadura.<br />
Relativamente às baixas sofridas de ambos os<br />
lados, mais uma vez fazendo o balanço geral de<br />
diversos números apontados, podemos estimar um<br />
número de trinta mortos e trezentos feridos para as<br />
forças portuguesas. A maior perda terá sido para<br />
os muçulmanos, que terão perdido cerca de dois<br />
mil homens, várias embarcações destruídas,<br />
algumas aprisionadas, artilharia capturada e os<br />
prisioneiros muçulmanos foram executados como<br />
forma de desmoralizar o inimigo para futuros<br />
confrontos.<br />
A localização da batalha foi ao largo da costa<br />
de Diu. O Oceano Índico, através das suas<br />
correntes, fazia com que as embarcações não<br />
mantivessem a formação de combate que se<br />
pretendia. Este problema táctico foi mais sentido<br />
do lado dos muçulmanos, pois as suas<br />
embarcações não dispunham da mesma<br />
navegabilidade que as embarcações portuguesas,<br />
sendo estas últimas mais sofisticadas tecnologicamente.<br />
A artilharia montada nas embarcações portuguesas<br />
era muito superior tanto em número, como em<br />
alcance e em poder destrutivo. Essa vantagem foi<br />
fundamental no decurso da batalha. Ainda para mais<br />
porque as embarcações portuguesas disparavam<br />
várias fileiras de canhões pelas partes laterais,<br />
enquanto que as embarcações inimigas muçulmanas<br />
disparavam da proa e apenas continham três a<br />
quatro peças de artilharia.<br />
As peças de artilharia consistiam em canhões.<br />
O canhão muçulmano era de menor alcance e com<br />
um menor poder de destruição. Logo, para os<br />
canhões muçulmanos fazerem algum dano nas<br />
embarcações portuguesas tinham de se chegar<br />
muito perto com as suas.<br />
A força naval portuguesa tinha tudo a seu lado<br />
para vencer a batalha. Para além do que já foi dito,<br />
não necessitava de remadores para manejar os<br />
navios, ao contrário do seu inimigo, que os usava<br />
em tão grande número.<br />
O combate, mediante o que foi dito, resumiu-se<br />
à viragem das embarcações portuguesas de modo<br />
a “estrangular” o avanço das embarcações<br />
muçulmanas. A artilharia portuguesa fez o que lhe<br />
era exigido, com maior alcance de tiro, atingindo as<br />
embarcações inimigas, garantindo que nenhuma<br />
frota portuguesa chegasse suficientemente perto<br />
para atingir, e, mesmo que atingisse não lhe causaria<br />
dano significavativo. O canhão muçulmano não era<br />
par para o canhão europeu.<br />
No final da batalha, os muçulmanos, ao<br />
perceberem que tinham perdido, atracaram as<br />
embarcações que lhes restavam e fugiram para o<br />
hinterland. D. Francisco de Almeida tinha vingado<br />
a morte do seu filho, viu os tripulantes portugueses<br />
que tinham sido chefiados pelo seu filho libertados<br />
e fazia imperar a vontade da Coroa portuguesa no<br />
Oriente. Pouco tempo depois acabou por cessar<br />
funções como vice-rei, entregando-as a D. Afonso<br />
de Albuquerque.<br />
D. Francisco de Almeida soube defender os<br />
interesses da Coroa portuguesa no Oriente, mas<br />
15
16<br />
acabou por não seguir à risca o regimento que lhe<br />
fora entregue quando partiu de Lisboa. D. Francisco<br />
de Almeida sempre defendeu que a estratégia para<br />
Portugal seria dominar o Oceano Índico, pois só<br />
assim poderiam policiar e controlar o comércio<br />
efectuado. Se a Coroa optasse pela constante<br />
construção de fortalezas em vários pontos (como<br />
estava decidido no regimento), mesmo que<br />
estratégicos, essa política de fortificação iria dividir<br />
o poder de Portugal pelo Oceano Índico, tornando<br />
o Império fraco e disperso.<br />
Percebe-se que Portugal seria praticamente<br />
invencível nos mares e nas zonas costeiras se<br />
tivesse um poder naval superior aos muçulmanos,<br />
se este poder fosse naval e não territorial, sendo<br />
constantemente aumentado e reposto quando<br />
houvesse baixas.<br />
D. Afonso de Albuquerque sucedeu a D.<br />
Francisco de Almeida e seguiu a política de<br />
construção de fortalezas, de modo a que o Império<br />
tivesse uma visão territorial permamente. Esta<br />
política foi o “calcanhar de Aquiles” do Império<br />
Português.<br />
D. Francisco de Almeida morreu em Dezembro<br />
de 1509, no cabo da Boa Esperança, ao ser emboscado<br />
por um grupo de nativos daquela zona quando<br />
regressava para o Reino 9 .<br />
Esta batalha foi uma das mais importantes a<br />
nível naval pelas consequências que trouxe. Ao<br />
perder a Batalha de Diu, o mundo muçulmano<br />
percebia que teria de conviver com a presença dos<br />
Portugueses naquele espaço geográfico. De facto,<br />
vencendo a batalha, Portugal afastou as ameaças à<br />
sua supremacia durante um período de cem anos<br />
no Oceano Índico. Portugal ficou mais consistente<br />
para conquistar mais zonas no Oriente. O ano de<br />
1509 marca a consolidação do recente Império que<br />
se ia criando. Numa altura em que o Islão parecia<br />
imparável naquela zona, Portugal interrompe esse<br />
progresso. As consequências a curto prazo foram<br />
imediatas. Os mamelucos egípcios, ao perderem o<br />
comércio do Oriente, foram conquistados pelo exaliado<br />
otomano, isto após decorridos apenas oito<br />
anos da batalha de Diu. Os Otomanos tentaram,<br />
nos anos seguintes, afastar Portugal do Oceano<br />
Índico, mas todas as tentativas realizadas resultaram<br />
em fracasso.<br />
Sem dúvida, 1509 é um ano chave para o mundo<br />
cristão e muçulmano. Marca o fim do monopólio<br />
muçulmano no Oriente e o começo do monopólio<br />
português e, consequentemente, cristão. Todavia,<br />
Portugal iria perder, a longo prazo, esse monopólio<br />
que possuía no Oriente, mas não para nenhuma<br />
entidade política muçulmana. Perdeu primeiro para<br />
os Holandeses e depois para os Ingleses. Logo,<br />
Vencendo a batalha, Portugal afastou as ameaças à sua<br />
supremacia durante um período de cem anos no Oceano<br />
Índico<br />
esta batalha marcou também a supremacia naval<br />
ocidental.<br />
Em conclusão, uma batalha pode ser apenas<br />
um facto histórico, mas pode mudar o curso da<br />
História. É sempre um momento de cisão; quando<br />
surge uma batalha existe um “antes” e um “depois”.<br />
Uma das principais razões porque há conflitos<br />
bélicos, senão a mais importante, é o homem em si,<br />
o facto de o homem cobiçar o que outro homem<br />
possui (recursos naturais). Primeiro, tenta chegar a<br />
um acordo comercial ou diplomático. Durante esse<br />
tempo pode tentar influenciar esse Estado para a<br />
esfera de influência do “cobiçador”. No final,<br />
quando todas as tentativas falharam, parte para a<br />
acção bélica, de modo a conquistar o que pretendia<br />
possuir. Muitas vezes, os conflitos bélicos ocorrem<br />
e nem sempre se pretende possuir algo do outro em<br />
concreto, mas sim afastá-lo do mesmo objectivo,<br />
ou seja, várias potências não chegam a acordo<br />
sobre determinada questão, geralmente política, e<br />
guerreiam entre si; o vencedor leva a sua política<br />
adiante.<br />
O homem existe e vive em sociedade, organizase<br />
e cria uma entidade política (Estado). Ao coabitarem<br />
diferentes entidades políticas no mesmo<br />
espaço geográfico, surgem conflitos de interesses,<br />
vem ao de cima o instinto guerreiro do homem e<br />
dão-se as batalhas, escaramuças e pilhagens. Esta<br />
explicação da “origem dos conflitos” tem lacunas,<br />
pois há várias situações ao longo da História para<br />
o surgir da Guerra e seria díficil aqui nomeá-las por<br />
completo. Todavia, fica aqui um pequeno padrão
da “origem dos conflitos”. A Guerra é algo inerente<br />
ao homem fazendo parte dele próprio como ser.<br />
Termina-se com uma frase de Niall Ferguson:<br />
“Parece que enquanto os homens planearem a<br />
destruição dos seus pares […] a guerra será<br />
recorrente, desafiando as fronteiras da cronologia”.<br />
JE<br />
Fotos: arquivo JE<br />
Notas<br />
1 Bailey e Winius, 1993: 11.<br />
2 Bailey e Winius, 1993: 16.<br />
3 Mendonça, 2006: 96.<br />
4 Weir, 2001: 50.<br />
5 Bailey e Winius, 1993: 20.<br />
6 Bailey e Winius, 1993: 21.<br />
7 Weir, 2001: 50.<br />
8 Bailey e Winius, 1993: 28.<br />
9 Mendonça, 2006: 101.<br />
Bibliografia<br />
Bailey W. Diffie, George D. Winius, A Fundação do<br />
Império Português 1415 - 1580, Vol. II, Lisboa, Veja, 1993.<br />
FERGUSON, Niall, A Guerra do Mundo, Porto,<br />
Livraria Civilização, 2006.<br />
MENDONÇA, Manuela (coord), Batalhas da História<br />
de Portugal, Vol. VII, - Campanhas da Índia 1501-1600,<br />
Lisboa, QuidNovi, 2006.<br />
WEIR, William, 50 Battles that Changed the World:<br />
the conflicts that most influenced the course of history, The<br />
Career Press, 2001.<br />
17
18<br />
Coronel de Infantaria José Geraldo<br />
Gravura: Salvador Ferreira
Combate da Roliça<br />
(17 de Agosto de 1808)<br />
Participaram neste combate as seguintes<br />
tropas portuguesas: “Artilheria n.º 4.<br />
Cavallaria n. os 6, 11, 12 e da guarda real da policia.<br />
Caçadores n.º 6. Infanteria n.os 12, 21 e 24” 1 . O<br />
desembarque inglês foi recebido com grande júbilo<br />
pelos portugueses, “que de Coimbra e de Pombal<br />
mandaram offerecer refrescos ao general inglez. Ao<br />
mesmo tempo Manuel Pinto Bacellar e Bernardim Freire<br />
de Andrade dirigiram-se tambem para Lisboa, com as<br />
tropas do seu commando, ás quaes tinham vindo<br />
juntar-se uns 130 soldados e sargentos da guarda real<br />
da policia, que tinham conseguido evadir-se da capital,<br />
a occultas dos Francezes” 2 .<br />
Apesar de aliados, os ingleses e os portugueses<br />
não se iriam entender muito bem na conduta das<br />
operações, contudo, houve alguma colaboração que<br />
deu bons resultados, como iremos ver: “Os generaes<br />
portuguezes conferenciaram em Montemór-o-Velho<br />
com sir Arthur Wellesley. Começaram alli os<br />
dissentimentos entre uns e outros, querendo<br />
Bernardim Freire e Manuel Pinto que os Inglezes se<br />
internassem no reino, para se ligarem com as tropas<br />
do Alemtejo; Wellesley não queria de modo algum<br />
afastar-se da costa3 . […] O único resultado d'<br />
.0esta conferencia, foi o receberem os Portuguezes<br />
5:000 espingardas inglezas. No dia 10 rompeu a marcha<br />
o exercito inglez, dirigindo-se de Lavos para Leiria<br />
n'uma linha que se podia dizer quasi parallela á costa,<br />
da qual se desviava” 4 .<br />
O general inglês não abandonava o seu plano e<br />
os portugueses não cederam, alegando que assim não<br />
poderiam garantir a subsistência das tropas<br />
portuguesas, porque aquela região estava depauperada<br />
pelas acções dos soldados franceses.<br />
Wellesley argumentava que não podia sustentar as<br />
tropas portuguesas no seu próprio território. Todos<br />
tinham as suas razões. Consta que os soldados,<br />
sabendo daquele desentendimento, diziam: “Pois bem!<br />
brigaremos sem pão!” 5 Perante a desinteligência e as<br />
condições impostas, Wellesley solicitou a Bernardim<br />
Freire um total de 1600 homens, a quem garantiria<br />
rações. Mas os ingleses poderam contar com mais mil<br />
homens, num total de 26006 .<br />
Muitas são as fontes e estudos históricos que<br />
1 CHABY, Claudio de – Excertos Historicos e Collecção<br />
de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula<br />
e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña.<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1863, p. 70.<br />
2 CHAGAS, Manuel Pinheiro - Historia de Portugal:<br />
Popular e Illustrada, 3.ª Ed., Lisboa: Empreza da Historia<br />
Gravura de Carvalho, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional<br />
relatam estes episódios dos combates da Roliça e do<br />
Vimeiro, com pormenores distintos, mas vamo-nos<br />
tentar socorrer das descrições do Capitão Claudio de<br />
Chaby, com algumas ilustrações:<br />
“No dia 12 de agosto, effeituavam, porém, algumas<br />
tropas portuguezas a sua juncção, na cidade de Leiria,<br />
com o exercito britanico, [...]. Combinadas então entre<br />
os generaes, apropriadas disposições, fornecidas<br />
por Wellesley a alguns dos nossos soldados os<br />
armamentos de que haviam mister, foi determinada a<br />
marcha immediata de todas as forças reunidas, sobre<br />
Lisboa. [...] o general Bernardim permaneceu em<br />
Leiria com tropas portuguezas, para vigiar o inimigo<br />
que tinha à sua esquerda; e Wellesley, com treze<br />
mil inglezes, mil e quatrocentos soldados dos<br />
corpos de infanteria portugueza, n. os 12, 21, 24 e<br />
caçadores n.º 6, algumas peças do regimento n.º 4,<br />
e duzentos e sessenta cavalleiros portuguezes dos<br />
de Portugal, Vol. VII, p. 549.<br />
3 Para não perder de vista os navios que o apoiavam.<br />
4 IDEM, Ibidem, p. 549.<br />
5 IDEM, Ibidem, p. 550.<br />
6 IDEM, Ibidem, p. 550.<br />
19
20<br />
regimentos n.º 6, 11, 12 e da guarda real da policia,<br />
saiu d'aquella cidade, dirigindo-se no dia 14 para<br />
Alcobaça, onde, desde 8, estavam De Laborde com<br />
Thomiers e Brenier.<br />
Tão depressa tiveram os francezes conhecimento<br />
da approximação das forças combinadas,<br />
decamparam immediatamente, effeituando um<br />
movimento retrogrado. No dia 16 occupavam as<br />
tropas de wellesley a Nazareth, em quanto De<br />
Laborde guarnecia as alturas da Roliça e Columbeira,<br />
esperando socorros, que se sabia estarem já em<br />
marcha para se lhe unirem.<br />
Resolveu então o general britanico atacar o<br />
inimigo na seguinte manhã. Cinco mil e quinhentos<br />
soldados de infantaria, quinhentos cavallos e cinco<br />
bôcas de fogo, ao mando de De Laborde, tinham<br />
apoiada a direita nas collinas, e a esquerda em uma<br />
elevação, então coroada por um moinho. Presumiase<br />
que Loison tentava unir-se-lhe pela direita.<br />
O exercito alliado foi dividido em tres columnas.<br />
A columna da direita composta de mil e duzentos<br />
soldados de infantaria portugueza, com cincoenta<br />
cavallos das mesmas tropas, teve o encargo de rodear<br />
o flanco esquerdo do inimigo. Para ganhar as alturas<br />
de Obidos, flanquear os postos que os francezes<br />
tinham no valle, e a direita do da Roliça, vigiando ao<br />
mesmos tempo os movimentos de Loison, foi<br />
destinada a columna da esquerda composta das<br />
brigadas inglezas de Fergunson e Bowes, de tres<br />
companhias de caçadores, uma brigada de artilheria<br />
ligeira, e quarenta cavalleiros portuguezes e inglezes.<br />
Á columna do centro, foi commettido o ataque pela<br />
frente á posição de De Laborde: as brigadas de Hil,<br />
Nigthingale e Crawfurd, quatro centos caçadores<br />
portuguezes, cavallaria portugueza e ingleza, e duas<br />
brigadas de artilheria de 9 e de 6, constituiam a força<br />
d'esta columna.<br />
Pozeram-se em marcha as columnas alliadas,<br />
pelas sete horas da manhã do dia 17, e atacando com<br />
valentia os postos inimigos, apesar da dura<br />
resistencia dos seus defensores, dos mesmos postos<br />
se foram sucessivamente apoderando. Em acto<br />
continuo, a infantaria portugueza, recebe ordem para<br />
marchar por um caminho que ficava á direita do<br />
exercito; as companhias ligeiras da brigada Hil,<br />
seguem outra vereda mais proxima da direita; os<br />
regimentos britanicos 9 e 29, marcham por terceiro<br />
caminho, e as brigadas 45 e 82, seguem pela esquerda.<br />
Em todas as direcções, tiveram os soldados<br />
portuguezes e seus aliados, que vencer as grandes<br />
difficuldades das asperezas do terreno, e da vigorosa<br />
resistencia dos contrarios; mas tudo denodamente<br />
souberam superar, arrojando ante si o inimigo, e<br />
estabelecendo-se em todos os pontos por elle<br />
dominados.<br />
Victoriosos os alliados nas ultimas posições<br />
conquistadas, houveram de as sustentar briosamente,<br />
contra tres ataques que á sua vez intentaram os<br />
francezes, e dos quaes tiveram estes que desistir ante<br />
a firmeza com que foram recebidos, retirando-se a final,<br />
e effeituando em boa ordem o movimento, que a<br />
pouca força da cavallaria alliada não permittiu fosse<br />
perseguido” 7 .<br />
Os aliados acabavam de vencer os franceses, que<br />
não se organizaram convenientemente. Napoleão<br />
enviou Junot para ocupar Portugal, mas este não veio<br />
acompanhado do seu génio para orientar as tropas.<br />
Dois dias antes do combate da Roliça, Junot festejava<br />
o aniversário de Napoleão, em Lisboa, para só sair a<br />
16 de Agosto, data em que assina uma curiosa<br />
comunicação dirigida aos habitantes de Lisboa 8 , não<br />
assistindo à derrota de De Laborde a 17 desse mês.<br />
Houve muitas baixas de ambos os lados neste<br />
combate que “durou desde as 9 horas da manhã até<br />
pouco depois das 4 da tarde” 9 . Não deixa de ser<br />
curioso como o general francês, o Intendente-Geral<br />
da Polícia, comunica o resultado do combate da Roliça<br />
a Junot. Segundo Thiebault, citado por Napier, os<br />
franceses tiveram 600 baixas, entre mortos e feridos;<br />
os aliados tiveram menos de 500 baixas: “The loss of<br />
the French was six hundred killed and wounded,<br />
among the latter Laborde himself. The British had two<br />
lieutenant-colonels and nearly five hundred men killed,<br />
taken or wounded, and as not more than four thousand<br />
men were actually engaged, this fight was very<br />
honourable to both sides” 10 .<br />
Há autores que apontam para outros números de<br />
baixas, como é o caso do marquês de Londonderry<br />
que aponta para 1000 baixas nos franceses e 2000 nos<br />
ingleses 11 .<br />
Batalha do Vimeiro<br />
(21 de Agosto de 1808)<br />
Depois do vigoroso combate que acabámos de<br />
descrever, com elevado número de baixas para ambos<br />
os lados, “Sir Arthur [...] repelliu os francezes da sua<br />
posição, e emquanto estes retiravam na direcção de<br />
Torres Vedras, avançou elle para o Vimeiro, na direcção<br />
do mar, afim de estabelecer as comunicações com a<br />
esquadra, e proteger o desembarque de reforços. No<br />
dia 20, uma brigada de 4:000 homens proximamente,<br />
commandados pelo general Anstruther, approximouse<br />
da costa e desmbarcou a salvo; e tendo-se reunido<br />
provisões para doze dias, foi ordenado um immediato<br />
movimento sobre Torres Vedras. Sir John Moore<br />
estava a este tempo proximo da foz do Mondego,<br />
sendo o plano de Sir Arthur Wellesley que elle<br />
desembarcasse ali, e que, marchando depois sobre<br />
Oficial do corpo de voluntarios<br />
reais de milicias a cavalo 1807<br />
(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />
Soldado de milicias reg. de Penafiel<br />
divisão do Norte 1806<br />
(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)
Santarem, ameaçasse cortar as comunicações dos<br />
francezes com Elvas, emquanto elle (Sir Arthur)<br />
tentava chegar a Lisboa” 12 .<br />
O plano de Wellesley era contornar Torres Vedras<br />
pelo lado da costa e chegar a Mafra, barrando o<br />
caminho a Junot no sentido de Lisboa. Não foi<br />
realizado este projecto.<br />
Vamos então verificar o que aconteceu poucos<br />
dias depois do combate da Roliça, que tão bom<br />
augúrio havia dado às tropas aliadas. As tropas<br />
inglesas recebiam reforços, enquanto os soldados<br />
portugueses ganhavam ainda mais ânimo para combater<br />
e expulsar os franceses, constantando-se que<br />
grande parte deles fugia do jugo francês para se<br />
juntar aos seus e engrossar as tropas aliadas.<br />
7 CHABY, Claudio de - Excertos Historicos e Collecção<br />
de Documentos..., pp. 70-72.<br />
8 Vd. Comunicação de Junot aos Habitantes de Lisboa<br />
(16 de Agosto de 1808), in Collecção dos Decretos, Avisos,<br />
Ordens, Editaes etc. que foram Impressos e Expedidos a<br />
Diversas Repartições do Reino de Portugal desde 22 de<br />
Outubro de 1807, até 16 de Outubro de 1808, em que<br />
existio o Governo Intruso dos Francezes. Lisboa: Impressão<br />
Regia, 1808.<br />
9 CESAR, J. Victoriano – Estudos de Historia Militar:<br />
Breve estudo sobre a Invasão Franco-Hespanhola de 1807<br />
Gravura: Salvador Ferreira<br />
Junot deixou Lisboa à guarda de Travot com 3500<br />
homens e foi em socorro de De Laborde, que caminhava<br />
sobre Torres Vedras, sob observação dos<br />
aliados.<br />
Tal como no combate da Roliça, transcrevemos a<br />
Batalha do Vimeiro pelo Capitão Cláudio de Chaby:<br />
“No dia 18 de agosto, Junot, De Laborde, e<br />
Loison, estavam reunidos n'aquella villa 13 . Tendo o<br />
general Bernardim desaffrontado de inimigos o flanco<br />
esquerdo, saiu da cidade de Leiria, e chegou a Obidos<br />
no dia 20, onde fez alto de accordo com o general<br />
britânnico.<br />
Pela noticia de approximação á costa, dos navios<br />
inglezes, que a seu bordo transpotavam as brigadas<br />
Anstruther e Ackland, Wellesley fez uma conversão<br />
em Portugal e operações realizadas até á Convenção de<br />
Sintra. Lisboa: Typ. da Cooperativa Militar, 1903, p. 105.<br />
10 NAPIER, W. F. P. - History of the War in the Peninsula<br />
and in the South of France: From the year 1807 to the<br />
Year 1814. London: Frederick Warne And Co., [s. d.], Vol.<br />
I, p. 131.<br />
11 CESAR, Victoriano J. - Ob. cit., p. 105.<br />
12 ROBINSON, C. W. – A Guerra da Península: 1808-<br />
1814. Lisboa: Typographia de Mattos Moreira & Cardosos,<br />
1883, p. 41.<br />
13 Torres Vedras.<br />
21
22<br />
para a Lourinhã, dirigindo-se depois para o Vimeiro,<br />
onde se localisou, tambem no dia 20, no qual, pisou<br />
as nossas praias a brigada ingleza de Anstruther, na<br />
força de dois mil e quatrocentos homens.<br />
Pensava Wellesley seguir pela estrada de Mafra<br />
os francezes, na retirada que sobre Lisboa suppunha<br />
effeituariam com promptidão pelo caminho de<br />
TorresVedras, e, n'esta hypothese, tinha dado instruções<br />
ao General Bernardim, para que os fosse observando<br />
pela esquerda, quando soube que Junot longe<br />
de retirar-se, se propunha offerecer-lhe batalha. [...].<br />
Em quanto Junot assim procedia, Wellesley, certo<br />
já do seu intento, dispunha-se a recebe-lo por<br />
condigno modo. Algumas brigadas, com oito peças<br />
de artilheria, foram estabelecidas em uma elevação<br />
para a rectaguarda, e nordeste do Vimeiro; a brigada<br />
Hill estava á direita, e a de Ferguson á esquerda. As<br />
outras tropas tomaram posições dominantes do<br />
campo, em quanto a cavallaria e artilheria de reserva<br />
foram postadas no valle.<br />
Pelas oito horas da manhã do dia 21, em frente<br />
dos alliados, apresentaram-se os francezes,<br />
mostrando em apparato a cavallaria, e coroando as<br />
alturas por onde passa o caminho da Lourinhã,<br />
manifestamente determinados a atacar pela esquerda<br />
as tropas de Wellesley.<br />
Percebendo o britannico, o designio dos<br />
contrarios, ordenou uma conversão sobre aquelle<br />
flanco, dispondo a brigada de Ferguson como<br />
primeira linha, e a de Nigthingale como segunda. Na<br />
rectaguarda estavam formadas em columnas as<br />
brigadas de Bowes, e de Ackland, que acabavam de<br />
desembarcar.<br />
Ordenadas as tropas nas montanhas, tendo no<br />
flanco direito o valle que conduz ao Vimeiro, e pelo<br />
esquerdo a quebrada que da cordilheira separa estas<br />
alturas, viam-se os portuguezes nas pequenas<br />
elevações da baixa, junto ao Vimeiro. Deram os<br />
francezes principio ao ataque arrojando algumas<br />
columnas contra a vanguarda dos alliados, nas<br />
alturas do sul; avançaram contra a esquerda, atravez<br />
do vivo fogo dos atiradores, chegando a encontrarse<br />
com regimento inglez 50, que os recebeu, com<br />
firmeza e valentia nas pontas das bayonetas. No<br />
caminho que vae para o Vimeiro, lutaram corpo a<br />
corpo com os francezes, a quem repelliram, os<br />
soldados do regimento 43; e na direita, o regimento<br />
92, e o segundo batalhão do 52, inutilisaram todo o<br />
ardor dos agressores, que, investidos de flanco pela<br />
brigada Ackland, e padecendo grandes perdas, em<br />
consequencia do fogo de artilheria, cederam a victoria<br />
aos alliados, retirando-se desordenadamente,<br />
deixando no campo muitos prisioneiros, sete peças<br />
de artilheria e consideravel numero de mortos e<br />
feridos.<br />
Gravura de Carvalho, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional<br />
Principiou o ataque sobre as alturas que acompanham<br />
o caminho da Lourinhã, quasi ao mesmo tempo,<br />
com muita energia, e apoiado por cavallaria<br />
numerosa. Os regimentos britannicos 36, 40 e 71,<br />
que formavam a brigada Ferguson, carregaram<br />
intrepidamente os francezes, e os obrigaram a retirar,<br />
em quanto as tropas portuguezas, com arrogante<br />
decisão, avançavam em duas linhas ao longo das<br />
alturas da esquerda. Em breve tempo, depois de<br />
violentos choques, retirava o inimigo, com perda de<br />
mais seis bocas de fogo e de abundante numero de<br />
mortos, feridos e prisioneiros. Quizeram ainda os<br />
imperiaes tentar algumas diligencias para rehaver<br />
parte da perdida artilheria, investindo em um valle,<br />
onde ella estava, os regimentos 71 e 82, os quais<br />
souberam inutilisar-lhes a tentativa, forçando-os á<br />
retirada, que effeituaram com augmento de<br />
consideravel perda em mortos e feridos” 14 .<br />
Os franceses iriam agora abandonar o combate e<br />
empreender um movimento em retrocesso até Torres<br />
Vedras, sem perseguição da cavalaria portuguesa<br />
ou inglesa, que se encontrava reduzida. As tropas<br />
aliadas ficavam nas suas posições, no Vimeiro.<br />
Segundo Victoriano J. Cesar, Thiébault descreve<br />
nas suas Memorias 15 o seguinte: “Logo que<br />
terminou a batalha do Vimeiro, o duque d'Abrantes
Soldado do 4.º Batalhão de Caçadores<br />
(Beira) 1808<br />
(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />
Soldado do Regimento de Artilharia<br />
n.º 2 divisão do Sul 1806<br />
(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />
reuniu os generais Delaborde, Loison, Kellermann e<br />
Thiébault, pedindo-lhes que emitissem a sua opinião<br />
sobre as três questões seguintes: “O exército deve<br />
ainda tentar a sorte das armas? No caso afirmativo,<br />
qual o plano a seguir? Não podendo tentar tal cousa,<br />
que partido há a tomar? Conclui-se que o exército<br />
não estava em estado de aceitar uma batalha e que<br />
se devia retirar sobre Lisboa, que era o único ponto<br />
onde se podia reunir o exercito. Depois desta<br />
conferência assentou-se desde logo em fazer retirar<br />
o exercito para Torres Vedras”” 16 .<br />
Antes de abandonar o campo de batalha, Junot<br />
escreveu uma carta a Travot, onde descrevia, de<br />
modo sumário, os acontecimentos como lhe<br />
convinha. Dessa carta, transcrevemos um excerto a<br />
que tivemos acesso: “Campo de Batalha 21 de<br />
Agosto ás 4 horas da tarde. O Inimigo foi atacado<br />
esta manhã ás 9 horas na posição fortificada que elle<br />
occupava: em hum instante foi desalojado de todas<br />
as suas posições avançadas” 17 .<br />
Para além da perdas acima mencionadas, o<br />
exército de Junot abandonou no campo de batalha<br />
uma vintena de carros de munições. Napier descreve<br />
assim as perdas das tropas imperiais francesas:<br />
“One general, thirteen guns, and several hundred<br />
prisoners, fell into the hands of the victors, and the<br />
total loss of the French was estimated at three<br />
thousand men; an exaggeration no doubt, yet it was<br />
certanly above two thousand, for their closed<br />
columns were exposed for more than half an hour to<br />
sweeping discharges of grape and musketry, and<br />
the dead lay thickly together. Thiebault reduces the<br />
number to eighteen hundred, and says the whole<br />
French army did not much exceed twelve thousand<br />
men; from which he deducts nearly three thousand<br />
for sick, stragglers, and those other petty drains<br />
which torment a general-in-chief” 18 .<br />
Muito ficará por contar destas operações<br />
militares, tão decisivas para a expulsão dos invasores,<br />
nesta primeira Invasão Francesa. Apesar do desaire,<br />
Junot ainda comunicou para Lisboa que tinha obtido<br />
uma vitória, talvez para acalmar os ânimos dos<br />
portugueses que já se encontravam bastante<br />
exaltados. Ao invés, a derrota foi de tal ordem que o<br />
duque de Abrantes enviou Kellerman ao quartelgeneral<br />
britânico para negociar a paz: “Quando<br />
Kellermann chegou aos postos-avançados inglêses,<br />
14 CHABY, Claudio de - Excertos Historicos e Collecção<br />
de Documentos..., pp. 72-74.<br />
15 CESAR, J. Victoriano - Ob. cit., p. 138.<br />
16 CESAR J. Victoriano - Ob. cit., p. 138.<br />
17 "Noticias do Exercito, Junot, 21 de Agosto de 1808",<br />
in Collecção dos Decretos, Avisos, Ordens, Editaes...<br />
18 NAPIER, W. F. P. - Ob. cit., p. 140.<br />
acompanhado d'um clarim e um esquadrão de<br />
cavallaria, houve um verdadeiro sobressalto, pois<br />
se julgou que um reconhecimento se ia effectuar e<br />
que os francêses, tendo recebido reforços, iam<br />
recomeçar a lucta. Mas logo que se reconheceu que<br />
era dum parlamentario que se tratava, tudo voltou<br />
ao seu estado normal e Kellermann foi conferenciar<br />
com Wellesley” 19 .<br />
Depois de conferenciarem, concordaram que<br />
deveria haver uma convenção entre os beligerantes,<br />
com a excepção dos portugueses. Com a Convenção<br />
de Sintra 20 , Portugal ficava na posse efectiva dos<br />
ingleses. O modo como foi elaborada e o conteúdo<br />
das suas cláusulas, “Excitou ella por esse tempo uma<br />
tempestade de indignação em Inglaterra, levantandose<br />
um clamor ainda mais injustificável por não terem<br />
obrigado Junot a entregar-se sem condições, em<br />
logar de lhe permittirem que retirasse com o seu<br />
exercito. Mas posto que alguns dos menores<br />
detalhes da convenção não fossem talvez<br />
convenientes, no todo era, comtudo, vantajosa para<br />
a causa dos inglezes” 21 .<br />
Para os portugueses trouxe a vantagem de se<br />
verem livre dos invasores, mas foi, de facto, uma<br />
posição humilhante! Os franceses derrotados<br />
deixavam Portugal levando armas, bagagens e o<br />
saque acumulado durante o período em que cá<br />
estiveram.<br />
A indignação não se fez só sentir em Portugal.<br />
“Comtudo, em virtude dos clamores que se<br />
levantaram em Inglaterra, Sir Arthur Wellesley, Sir<br />
Harry Burrard, e Sir Hew Dalrymple, foram<br />
mandados regressar ao seu paiz afim de responderem<br />
perante um conselho de investigação.<br />
Absolveu-os esta da culpa de que eram accusados,<br />
devendo nós aqui mencionar a opinião do proprio<br />
Napoleão, que dizia ter sido a convenção, que pôz<br />
termo a esta campanha, de uma evidente vantagem<br />
para os inglezes, constituindo um erro praticado<br />
por Junot. “Tratava eu de levar Junot perante um<br />
conselho de guerra (diz elle) quando, felizmente, os<br />
inglezes metteram em processo os seus generaes,<br />
poupando-me por esta forma o pezar de ter de<br />
castigar um velho amigo”” 22 .<br />
Esta convenção foi motivo de elevada<br />
polémica, tanto em Portugal e no Brasil, bem como<br />
em Inglaterra e até em França.<br />
19 CESAR, Victoriano J. - Ob. cit., p. 139.<br />
20 Ficou assim conhecida para a História por ter sido<br />
assinada naquela vila, no palácio dos Seteais, no dia 30 de<br />
Agosto de 1808. (Vd. CHAGAS, M. P. - Historia de Portugal,<br />
p. 550).<br />
21 ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 46.<br />
22 IDEM, Ibidem, p. 47.<br />
23
24<br />
Convenção para a Suspensão<br />
de Armas entre os <strong>Exército</strong>s<br />
Inglês e Francês estacionados<br />
em Portugal (1808)<br />
A suspensão das hostilidades concordada entre<br />
Arthur Wellesley, Tenente-General, cavaleiro da Ordem<br />
do Banho, de uma parte, e o General de Divisão<br />
Kellermann, Grande Oficial da Legião de Honra,<br />
comendador da Ordem da Coroa de Ferro, grâ-cruz da<br />
Ordem do Leão de Baviera, da outra parte, ambos<br />
munidos dos poderes dos respectivos generais<br />
francês e inglês:<br />
A convenção definitiva para a evacuação de Portugal<br />
23 pelo exército francês seria concluída poucos<br />
dias mais tarde, a 30 de Agosto, entre os dois generais<br />
comandantes-em-chefe dos exércitos francês e<br />
britânico em Portugal, Junot e Dalrymple, respectivamente,<br />
tendo como base o acordo que se estabeleceu<br />
a 22 de Agosto, que pôs termo às hostilidades. O<br />
embarque dos franceses ocorreu entre os dias 10 e 15<br />
de Setembro, em navios ingleses, tal como estava<br />
previsto: “No dia 15 embarcou Junot no Caes do Sodré,<br />
com a sua comitiva, senhoras, empregados, etc.,<br />
e com parte das suas tropas, no meio de grande concurso<br />
de povo, que estava gosando aquelle espectaculo,<br />
que lhe annunciava o vêr-se livre dos invasores.<br />
O duque de Abrantes embarcou na fragata ingleza<br />
The nymph, commandante Pery, que o conduziu ao<br />
porto de La Rochelle, onde desembarcou. Ahi lhe<br />
veiu ao encontro sua esposa a duqueza de Abrantes 24 .<br />
Parte do exercito francez, que retirou de Portugal,<br />
desembarcou na Rochelle, o resto foi desembarcar<br />
em Quiberon” 25 .<br />
Há episódios da História de Portugal que põem<br />
em evidência o patriotismo do povo português. Eis o<br />
que se passou. Depois dos franceses abandonarem<br />
as fortalezas do Tejo aos ingleses, estes içaram a sua<br />
bandeira, inclusivé no castelo de S. Jorge. Só mais<br />
tarde é que a bandeira inglesa foi substituída pela<br />
bandeira portuguesa. Com este acto os ingleses<br />
queriam transmitir aos portugueses que a libertação<br />
do jugo francês lhes era devida.<br />
Mas esta atitude da parte inglesa irritou muitos<br />
portugueses, tal como a não inclusão de Portugal na<br />
assinatura da Convenção de Sintra. Dos indivíduos<br />
mais indignados destacam-se os generais Bernardim<br />
Freire de Andrade e Manuel Pinto Bacelar. O General<br />
Bernardim Freire de Andrade elaborou um protesto 26<br />
contra a Convenção de Sintra, mostrando a sua indignação<br />
“por tudo o que póde ser contrario á honra,<br />
segurança e interesses da nação, [...]” datado de 4 de<br />
Setembro de 1808, no Quartel-General da Encarnação 27 .<br />
Como corolário desta primeira Invasão Francesa<br />
podemos dizer, tal como o fez Francisco da Fonseca<br />
Benevides: “A convenção de Cintra foi criticada, e<br />
mal recebida, em França, em Inglaterra, em Portugal e<br />
no Brazil! Todos perderam e todos ganharam” 28 .<br />
A grande vantagem de Portugal e de Inglaterra<br />
obtida nesta fase foi extraordinária, sob o ponto de<br />
vista estratégico, dado que Portugal ficava novamente<br />
liberto e com a sua fronteira terrestre com Espanha<br />
novamente definida e na sua posse, com excepção de<br />
Olivença, e “com os seus portos abertos ao mar” 29 . O<br />
território iria constituir-se numa “mui excellente base<br />
onde apoiar as operações contra os francezes” 30 . Os<br />
ingleses tinham à disposição este território e a<br />
colaboração dos portugueses.<br />
A França não perdeu tudo, recebendo ainda os<br />
milhares de soldados que Junot conseguiu poupar,<br />
assim como armas e bagagens transportados por<br />
navios ingleses até aos seus portos. Junot não<br />
conseguiu ser, como ambicionava, rei de Portugal e a<br />
França não manteve a ocupação de Portugal.<br />
Reinava a confusão no período em que o exército<br />
francês embarcava nos navios ingleses entre 10 e 15<br />
de Setembro. “O povo inundava as ruas, e onde<br />
apparecia hum Francez, levantava-se hum tumulto.<br />
Graças á vigilância, e actividade das tropas Inglezas,<br />
a que os portuguezes conservavão o respeito, que a<br />
gratidão dictava: evitou-se maior effusão de sangue,<br />
parando toda a tempestade em muita gritaria, algumas<br />
pedradas, contuõses 31 , e cabeças quebradas” 32 .<br />
O Tenente General João Hope, comandante das<br />
tropas inglesas destinadas a garantir a segurança e a<br />
ordem na capital, fez afixar uma proclamação 33 , ao<br />
mesmo tempo que os franceses embarcavam.JE<br />
* In Geraldo, José - As Invasões Francesas e as Linhas de<br />
Torres: Defesa de um Património. Dissertação de Mestrado<br />
23 Vd. "Convenção de Sintra", in Brandão, Raul - Eldefendida<br />
Rei Junot. a Porto: 29Fev08, Livraria na Academia Brazileira, Militar, 1912, pp. 59-68.<br />
317-320.<br />
24 Junot fazia-se acompanhar de muitos tesouros, entre<br />
eles a Bíblia dos Jerónimos.<br />
25 BENEVIDES, Francisco da Fonseca - Ob. cit., pp.<br />
281-282.<br />
26 BRANDÃO, Raul – El-Rei Junot. Lisboa: Livraria<br />
Brazileira, 1912, p. 321.<br />
27 Vd. Convenção de Sintra e Artigos Addicionais à<br />
Convenção, de 30 de Agosto.<br />
28 IDEM, Ibidem, p. 283.<br />
29 ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 47.<br />
30 IDEM, ibidem, p. 48.<br />
31 Pretenderia o autor dizer “contusões”.<br />
32 NEVES, José Accursio das – Historia Geral da Invasão<br />
dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino.<br />
Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1810, Tomo<br />
V.p. 270.<br />
33 Vd. “Proclamação do Tenente-General João Hope<br />
aos Habitantes de Lisboa”.
O<br />
Instituto de Defesa Nacional, com o apoio da<br />
Comissão Coordenadora do <strong>Exército</strong> para as Comemorações<br />
dos 200 anos da Guerra Peninsular, evocou, no<br />
passado dia 7 de Junho, o primeiro pronunciamento militar<br />
contra o ocupante estrangeiro, protagonizado pela guarnição<br />
do Castelo de S. João da Foz, no Porto, em 1808.<br />
200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />
PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />
O primeiro grito da revolta contra a ocupação napoleónica<br />
No âmbito destas comemorações, em 6 de Junho, a<br />
Universidade Católica promoveu um seminário subordinado<br />
ao tema “As Forças Armadas e a Nação”, onde, sob a<br />
moderação do Professor Doutor Armando Teixeira Carneiro,<br />
um vasto e interessado público seguiu atentamente as<br />
intervenções do Professor Doutor Adriano Moreira, do Eng.<br />
Luís Braga da Cruz, do General Luís Valença Pinto, Chefe do<br />
Estado-Maior General das Forças Armadas, do General<br />
Gabriel Espírito Santo e do Professor Doutor Carvalho<br />
Rodrigues. As sessões de abertura e de encerramento foram<br />
presididas, respectivamente, pelo Ministro da Defesa<br />
Nacional, Professor Doutor Severiano Teixeira, e pelo Director<br />
do Instituto de Defesa Nacional, Professor Doutor<br />
António José Telo.<br />
No dia 7 de Junho, o Tenente-General Lima Pinto,<br />
Ajudante-General do <strong>Exército</strong>, em representação do General<br />
Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, presidiu à Cerimónia<br />
Militar comemorativa do Primeiro Grito de Revolta Contra a<br />
Ocupação Napoleónica, que teve lugar no interior do Castelo.<br />
O Coronel António Feijó, Chefe da Delegação Norte do<br />
Instituto de Defesa Nacional e actual responsável por aquela<br />
fortaleza, apresentou o Oficial e historiador, Coronel Américo<br />
José Guimarães Henriques, que descreveu, perante a atenta<br />
plateia, as circunstâncias dramáticas que levaram aquela<br />
guarnição, há duzentos anos atrás, a iniciar uma revolta. O<br />
termo desta revolta, escrito em 1808, pelo Capelão da<br />
Fortaleza, e assinado por todos os militares da guarnição,<br />
foi posteriormente lido pelo Tenente-Coronel Morais da<br />
Silva, ao que imediatamente se seguiu o hastear das<br />
Bandeiras Nacionais – a da época e a actual – e uma salva de<br />
21 tiros, executada por uma Bateria de Artilharia do<br />
Regimento de Artilharia n.º 5, da Serra do Pilar. Depois, nas<br />
ruínas da igreja da fortaleza, o pároco da Foz celebrou uma<br />
eucaristia evocativa da memória dos militares revoltosos e<br />
dos demais que tombaram pela Pátria, solenemente<br />
acompanhado pelo Orfeão da Madalena.<br />
As comemorações foram encerradas na noite<br />
do dia 7 de Junho, ainda no interior do Castelo de<br />
S. João da Foz, com uma moldura restante que<br />
ultrapassava o milhar de almas, a quem foi dado<br />
apreciar a arte da Banda Militar do Norte, sob a<br />
batuta do Major Lemos Botelho e dos coros do<br />
Orfeão da Madalena, da AXA Seguros de Portugal,<br />
da Cerâmica de Valadares e da Associação<br />
Académica de Ermesinde, sob a direcção da<br />
Maestrina Lígia Castro.<br />
Estas evocações faziam também parte do<br />
programa comemorativo dos 200 anos das<br />
Invasões Francesas elaborado pela Junta<br />
Metropolitana do Porto. A colaboração desta Junta<br />
contribuiu decisivamente para o sucesso das<br />
cerimónias, tendo sido de sua iniciativa a<br />
participação de meia centena de elementos da<br />
Associação Napoleónica Portuguesa que, envergando os<br />
uniformes militares da época, reconstituíram as noites de 6 e<br />
7 de Junho de 1808, com demonstrações de ordem unida e<br />
manobras tácticas, recorrendo a quatro réplicas de bocas de<br />
fogo que equipavam a artilharia daqueles tempos.<br />
O Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos<br />
Livres dos Trabalhadores, o INATEL e a Câmara Municipal<br />
do Porto, pelo apoio prestado, pela disponibilidade e<br />
pela contribuição técnica e logística, foram, igualmente,<br />
parceiros indispensáveis nesta actividade, tendo nela<br />
desempenhado um papel fundamental.<br />
Texto (adaptado) da autoria<br />
do Coronel António Feijó<br />
25
26<br />
200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />
PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />
Bicentenário da Batalha da Roliça<br />
Bispo do Porto falou da Igreja no tempo das Invasões Francesas<br />
D<br />
Manuel Clemente, Bispo do Porto, deslocou-se na<br />
. quarta-feira, dia 13 de Agosto, ao Bombarral para<br />
falar sobre o “Papel da Igreja no tempo das Invasões<br />
Francesas”.<br />
A sessão teve lugar no Auditório Municipal do Bombarral<br />
e integrou o programa das Comemorações do Bicentenário<br />
da Batalha da Roliça, que terminaram no domingo, dia 17 de<br />
Agosto.<br />
Perante uma plateia composta por cerca de uma centena<br />
de pessoas, D. Manuel Clemente falou sobre a posição<br />
tomada pela Igreja desde que o <strong>Exército</strong> Francês entrou em<br />
Portugal até à revolta da Nação Portuguesa.<br />
Após esta interessante intervenção, o público presente<br />
teve ainda oportunidade de colocar algumas questões ao<br />
Bispo do Porto, momento que veio enriquecer ainda mais<br />
esta sessão.<br />
Cardeal Patriarca esteve no Bombarral<br />
O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, deslocouse<br />
ao Bombarral na sexta-feira, 15 de Agosto, para presidir a<br />
uma missa em honra de Nossa Senhora da Assunção, evocada<br />
liturgicamente nesse dia.<br />
O troar dos canhões voltou a fazer-se ouvir no Picoto<br />
Perto de duas mil pessoas deslocaram-se na manhã de<br />
sábado, dia 16 de Agosto, à localidade da Columbeira, para<br />
assistirem àquele que foi um dos pontos altos das<br />
Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça: a sua<br />
recriação histórica.<br />
Cerca de duzentos figurantes, oriundos de Portugal, de<br />
França, Espanha, Inglaterra e Holanda, recriaram, numa orga-<br />
A cerimónia religiosa teve a presença da imagem peregrina<br />
de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Padroeira de<br />
Portugal, chegada na véspera à igreja paroquial da Roliça, onde<br />
foi recebida por um significativo número de fiéis e onde foram<br />
celebradas missa e vigília.<br />
Todas as referidas cerimónias religiosas tiveram lugar no<br />
âmbito das Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça<br />
que, a de 15 de Agosto, reuniram no alto da Serra do Picoto<br />
cerca de cinco centenas de pessoas.<br />
Após a celebração da Eucaristia, iniciou-se a procissão da<br />
imagem de Nossa Senhora da Conceição até à capela de Nossa<br />
Senhora da Oliveira de Azambujeira dos Carros, tendo aquela<br />
imagem sido transportada numa viatura dos Bombeiros<br />
Voluntários do Bombarral. A celebração culminou com um<br />
espectáculo de fogo-de-artifício.<br />
Nossa Senhora da Conceição foi proclamada Padroeira de<br />
Portugal em 25 de Março de 1646, e o rei de Portugal, D. João IV,<br />
entregou a coroa do reino à respectiva imagem de Vila Viçosa,<br />
em reconhecimento pela Restauração da nossa Independência.<br />
A partir de então, os monarcas portugueses da Dinastia de<br />
Bragança nunca mais voltaram a colocá-la na cabeça.<br />
nização da Câmara Municipal do Bombarral e em conjunto<br />
com a Associação Napoleónica Portuguesa, a batalha<br />
travada entre os exércitos anglo-luso e francês no dia 17<br />
de Agosto de 1808.<br />
O troar dos canhões voltou a fazer-se ecoar, dois séculos<br />
depois, por terras da freguesia da Roliça, num momento que<br />
deixou maravilhados todos aqueles que se deslocaram ao campo
da batalha, conforme provou o forte aplauso com que brindaram<br />
os figurantes no final do “combate”.<br />
A recriação histórica foi levada a cabo a partir do sopé da<br />
Serra do Picoto, junto à Capela de Santana, local que, também<br />
em 1808, foi palco de confrontos entre os exércitos comandados<br />
pelo Tenente-General Arthur Wellesley e pelo General Henri<br />
Delaborde.<br />
A “vitória” foi de seguida comemorada com um almoço<br />
organizado pela Comissão de Melhoramentos da Columbeira e<br />
pelo Clube Recreativo e Desportivo Columbeirense, num<br />
convívio bastante apreciado por todos os figurantes, autarcas<br />
locais, membros da organização e convidados.<br />
Para além daqueles, o almoço contou com a presença de<br />
alguns descendentes do General Henri Delaborde, tendo os<br />
200 anos da Batalha da Roliça servido de mote para este reencontro<br />
familiar. No Bombarral estiveram apenas os descendentes<br />
radicados na Argentina e Inglaterra, embora o General<br />
francês tenha também deixado familiares em França e na Suíça.<br />
A presença dos familiares de Henri Delaborde foi<br />
surpreendente para a organização, mas também para eles<br />
próprios, uma vez que não estavam à espera de encontrar o<br />
ambiente festivo, no qual acabaram por ser envolvidos. Na<br />
hora da despedida, fizeram questão de demonstrar a sua gratidão<br />
pela forma como foram recebidos.<br />
Também presentes na recriação e no almoço estiveram ainda<br />
alguns dirigentes da associação Les Amis du Patrimoine<br />
Soldados que perderam a vida em combate foram recordados<br />
As Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça<br />
terminaram no domingo, dia 17 de Agosto, com um momento<br />
solene de homenagem a todos os soldados que perderam a<br />
vida nas guerras.<br />
Com a presença da comitiva, provinda dos Paços do<br />
Município, e de bastante público, a cerimónia teve lugar junto<br />
ao túmulo do Tenente-Coronel George Lake, na Serra do Picoto,<br />
e contou com a participação do <strong>Exército</strong> Português.<br />
Acabado de restaurar, o túmulo foi erigido em memória do<br />
Tenente-Coronel Lake pelos seus camaradas oficiais do 29.º<br />
Regimento de Worcestershire, datando de 1903 a anterior<br />
restauração, efectuada pelo mesmo Regimento.<br />
De seguida, os presentes rumaram ao alto do Picoto para<br />
proceder ao descerramento de uma placa evocativa das<br />
Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça, colocada<br />
junto ao cruzeiro existente no local.<br />
Nos Claustros do Palácio Gorjão, no Bombarral, realizouse,<br />
posteriormente, a Sessão Solene comemorativa do<br />
Bicentenário, que abriu com as actuações do grupo coral In<br />
Vita a Música e da banda do Círculo de Cultura Musical<br />
Bombarralense.<br />
A banda bombarralense foi, aliás, protagonista de um dos<br />
pontos mais altos da sessão, ao interpretar de forma brilhante a<br />
obra musical “Abertura 1812”, do compositor russo<br />
Tchaikovsky, tema que os músicos ensaiaram durante vários<br />
meses para estrear neste evento.<br />
Usaram, de seguida, da palavra o Major-General Maia de<br />
Mascarenhas, o Coronel Rocha da Fonseca e o Presidente da<br />
200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />
PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />
Napoleonien (Os Amigos do Património Napoleónico), que se<br />
deslocaram propositadamente a Portugal para assistir às<br />
comemorações.<br />
Outro dos momentos marcantes do dia, que alguns<br />
elementos da organização tiveram oportunidade de presenciar,<br />
foi a homenagem espontânea, por parte dos figurantes, ao<br />
Tenente-Coronel Lake, junto do túmulo erigido em sua memória.<br />
Tratou-se de um momento repleto de emoção, vivido debaixo<br />
de chuva intensa.<br />
Câmara Municipal do Bombarral, Dr. Luís Camilo Duarte, a quem<br />
coube o discurso de encerramento das Comemorações. O<br />
Major-General Maia de Mascarenhas fez um enquadramento<br />
histórico das três Invasões Francesas, enquanto o Coronel<br />
Rocha da Fonseca “dissecou” ao pormenor as várias fases da<br />
Batalha da Roliça.<br />
Fotos: Câmara Municipal do Bombarral<br />
Textos do Gabinete de Informação, Relações Públicas<br />
e Turismo da Câmara Municipal do Bombarral<br />
27
28<br />
200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />
PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />
A Batalha do Vimeiro<br />
Situada no extremo sul do concelho da<br />
Lourinhã, perto do mar e com águas<br />
termais, a freguesia do Vimeiro é hoje um ponto de<br />
elevado interesse turístico e cultural da região<br />
Oeste portuguesa.<br />
Com cerca de 375 anos de existência – embora<br />
alguns documentos aludam a uma carta de foral<br />
do século XII onde o Vimeiro é referido –, esta<br />
freguesia saltou para a ribalta da História de Portugal<br />
em 1808, quando ali se travou uma célebre<br />
batalha, no decorrer das Guerras Peninsulares,<br />
onde se defrontaram soldados portugueses e<br />
britânicos com as numerosas tropas napoleónicas.<br />
D. Manuel II, 100 anos volvidos depois daquela<br />
efeméride, mandou que ali se construísse um<br />
obelisco evocativo da Batalha, que se tornou um<br />
incontornável local de visita para quem passa pelo Vimeiro e<br />
que, em 1982, foi classificado de interesse público.<br />
A Batalha do Vimeiro fez estremecer, sob a marcha dos<br />
soldados e o ribombar dos canhões, o dia 21 de Agosto de<br />
1808, opondo as tropas de Junot – cerca de 12.000<br />
combatentes – aos soldados luso-britânicos, comandados<br />
pelo General Arthur Wellesley que, dois dias antes, na Roliça<br />
e com o mesmo contingente, tinha derrotado Delaborde.<br />
Àquele efectivo, que já somava perto de 14.000 homens,<br />
juntaram-se mais 4.000 ingleses recentemente desembarcados<br />
em Porto Novo e, seguindo o futuro Duque de Wellington,<br />
caminharam rumo a Lisboa. Perto de Torres Vedras,<br />
nos campos verdejantes do Vimeiro, colidiram os dois<br />
exércitos em sangrento aparato, mas com desfecho favorável,<br />
mais uma vez, aos lusitanos e aos seus aliados.<br />
No rescaldo da Batalha do Vimeiro foram abertos os<br />
caminhos para as negociações e para a Convenção de Sintra,<br />
que determinou a retirada das forças napoleónicas da<br />
Península Ibérica, derrotadas, mas abastadas.<br />
Do programa comemorativo que marcou os 200 anos<br />
deste acontecimento, ganha amplo relevo a inauguração do<br />
Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro que, vizinho<br />
do Monumento Comemorativo da mesma Batalha, dota a<br />
freguesia com um núcleo de interesse histórico, cultural e<br />
turístico insubstituível. O Centro de Interpretação constituirá<br />
não só uma fonte de conhecimento sobre esta Batalha em<br />
particular, mas também reunirá, entre peças museológicas,<br />
documentos históricos e conteúdos virtuais, a vasta herança<br />
cultural legada por todo o período em que decorreram as<br />
Guerras Peninsulares. Projectado pelo arquitecto Augusto<br />
Silva, o Centro de Interpretação, além da vista privilegiada<br />
sobre o palco de Batalha, oferece salas de exposições, uma<br />
sala de estudos e um auditório.<br />
A inauguração do Centro, em 21 de Agosto de 2008,<br />
protagonizada pelo Doutor Mário Lino, Ministro das Obras<br />
Públicas, Transportes e Comunicações, contou também com a<br />
presença do Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, o<br />
Dr. José Manuel Custódio, do Vice-Chefe do Estado-Maior do<br />
<strong>Exército</strong>, o Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso, e de<br />
inúmeras entidades civis e militares associadas ao evento.<br />
Da Sessão Solene que logo se seguiu, destaca-se a<br />
intervenção do Tenente-Coronel de Infantaria Nuno Correia<br />
Barrento de Lemos Pires, versando, também, sobre os “200<br />
anos da Batalha do Vimeiro” e que, pela sua originalidade e<br />
dinâmica, manteve cativa a atenção de uma considerável<br />
plateia, de onde surgiram, no fim, rasgados elogios.<br />
Também no âmbito das comemorações do bicentenário<br />
das Guerras Peninsulares, e para os amantes da História e<br />
das caminhadas, o município da Lourinhã criou alguns<br />
percursos pedestres que proporcionam aos visitantes, mais<br />
do que um tranquilo passeio pelo campo, uma verdadeira<br />
incursão pelo passado da região, pelos pontos de interesse<br />
do campo da Batalha e pelo quotidiano das gentes que ali<br />
vivem. Refira-se, neste sentido, o PR 3, cujo início e fim se<br />
situam junto ao Monumento Comemorativo da Batalha do<br />
Vimeiro e que, atravessando vários aglomerados populacionais,<br />
dá a conhecer os cenários e os bastidores dos<br />
combates ali travados e aos quais ficámos a dever, em grande<br />
parte, a independência de Portugal.<br />
Tenente RC Paulo Moreira
Texto e Fotos do Tenente RC Paulo Moreira<br />
Por volta de 1299 a.C., quando era rei do<br />
Egipto Ramsés II, ou Ramsés, o Grande,<br />
como ficou também conhecido, foi travada a mais<br />
bem documentada batalha do mundo antigo - a<br />
Batalha de Kadesh. Kadesh foi uma antiga cidade<br />
da Síria, implantada nas margens do rio Oronte, a<br />
cerca de 25 km para sudoeste da contemporânea<br />
Homs. Ramsés II, rei egípcio, e Muwattalis, soberano<br />
dos Hititas, confrontaram os seus exércitos pela<br />
posse daquela cidade que, depois de mais de um<br />
século de submissão aos faraós, se entregou ao<br />
governo hitita, transformando-se em território<br />
contestado nos limites dos dois impérios. Ramsés,<br />
jovem, destemido e arrogante, lança uma ofensiva<br />
impetuosa pela conquista de Kadesh que, por<br />
pouco, não lhe custou a vida com um exército<br />
numericamente inferior, mas com maior mobilidade e<br />
disciplina. A peleja terminou com um empate técnico<br />
status quo ante bellum com ambas as potências<br />
a reconhecerem as suas forças equivalentes. Na<br />
prática, Muwattalis, embora derrotado em combate,<br />
conseguiu conter o avanço egípcio no vale dos<br />
Orontes, e Ramsés II, ainda que clamando uma grande<br />
vitória, não voltou a insistir na expansão dos seus<br />
territórios asiáticos.<br />
Nesta batalha, apesar dos numerosos carros<br />
puxados por cavalos, onde o próprio Ramsés<br />
combateu, os soldados apeados constituíram,<br />
inevitavelmente, a grande massa dos exércitos. É de<br />
senso comum pensar e acreditar que foi de pé e corpoa-corpo,<br />
com armas e técnicas rudimentares, que<br />
combateram entre si os primeiros homens, sendo,<br />
assim, fácil de compreender que a Infantaria se defina<br />
como a principal e a mais antiga arma dos exércitos.
Uma das poucas e, por isso, notáveis excepções a<br />
este retrato foram os povos nómadas, entre eles os<br />
Hunos e os Mongóis, que lutavam montados, sendo<br />
esta prática parte do seu estilo de vida. Desde tenra<br />
idade até cerca dos sessenta anos, todos os homens<br />
saudáveis deveriam ser capazes de montar, caçar e<br />
guerrear.<br />
Os primeiros dias de glória da Infantaria<br />
amanheceram ainda durante a Antiguidade Clássica,<br />
na Grécia e em Roma. As cidades-estado gregas, ou<br />
de inspiração grega, desenvolveram tácticas de<br />
combate para pequenos grupos apeados de Hoplitas.<br />
O Hoplita era o cidadão-combatente, assim designado<br />
devido ao grande escudo que levava para as batalhas,<br />
o hoplon. Defendido por um elmo, uma couraça e o<br />
escudo, armado com uma lança e uma espada, este<br />
era o soldado da Infantaria Pesada daquele tempo,<br />
que combatia integrado numa Falange. A formação<br />
rectangular e compacta das Falanges avançava sobre<br />
o inimigo como uma parede de escudos, golpeando-o<br />
com as lanças compridas, que podiam medir até 5 m,<br />
emergentes das primeiras linhas. As primeiras<br />
referências às Falanges datam de meados do terceiro<br />
milénio a.C., entre os sumérios, e dominaram os campos<br />
de guerra durante milhares de anos, vindo a conhecer<br />
o seu auge com Filipe II da Macedónia ou com os<br />
exércitos de Alexandre, o Grande. Praticamente<br />
invencíveis num ataque frontal, quando constituídas<br />
por soldados bem treinados e disciplinados, as<br />
Falanges eram, no entanto, demasiado lentas na<br />
progressão e vulneráveis a investidas pelos flancos,<br />
visto que as armas estavam orientadas para a frente e,<br />
normalmente, presas naquela posição entre os<br />
restantes homens e os escudos. Este ouriço viria ainda<br />
a ser repetido, em finais da Idade Média, pelos famosos<br />
Quadrados Suíços.<br />
O soldado de Infantaria que granjeia de maior fama<br />
é, talvez, o Legionário Romano. Foi esta formação<br />
a Legião que mais directamente evidenciou a<br />
fraqueza das Falanges e que mais contribuiu para o<br />
seu gradual abandono. A organização romana marcou<br />
de tal forma a estrutura da Infantaria que a sua<br />
influência ainda é visível nos exércitos actuais. A<br />
Legião dividia-se em dez Coortes que, por sua vez,
A mais bem documentada batalha do mundo antigo a<br />
Batalha de Kadesh<br />
eram constituídas por, normalmente, seis Centúrias,<br />
cada uma com 80 homens. Ao longo da História,<br />
variando conforme as circunstâncias, a Legião<br />
continha entre 3 a 6 mil soldados. Equipado com o<br />
célebre gládio, um dardo e um punhal, e protegido<br />
por um elmo, uma couraça, uma cota de malha e um<br />
escudo, este soldado foi senhor dos campos de<br />
batalha durante mais de mil anos, chegando a marchar<br />
cerca de 30 km por dia, com 30 kg de equipamento e<br />
servindo um mínimo de 20 anos nas fileiras.<br />
Curiosamente, ou não, a queda do Império<br />
Romano do Ocidente, onde o soldado Infante<br />
conheceu o seu apogeu, coincidiu com o ocaso da<br />
Infantaria. Sem as estruturas de base sustentadas pelo<br />
Império, nenhuma outra nação reunia as condições<br />
necessárias para treinar, manter e equipar um exército<br />
permanente com aquelas dimensões e organização.<br />
Este facto, associado à invenção do estribo, mudou<br />
radicalmente a face dos exércitos ocidentais. Crê-se<br />
que este artigo tenha sido inventado na Ásia Central,<br />
há cerca de 2600 anos, mas a sua chegada à Prússia,<br />
por exemplo, data de há 1200 anos, e a sua introdução<br />
no quotidiano foi lenta, tendo em conta que, na Europa<br />
da altura, o cavalo era, principalmente, um animal de<br />
tracção e de carga. No entanto, a adesão do estribo e<br />
a sua utilização eficaz, permitiu uma maior ligação entre<br />
o cavaleiro e o animal, uma maior segurança no<br />
A Infantaria de carácter permanente, além de depreciada,<br />
quase se apaga na Europa, sendo suplantada por pequenos<br />
núcleos de Cavaleiros
cavalgar e no manejo de armas enquanto montado,<br />
razões que conduziram à ascensão da Cavalaria durante<br />
o período da Idade Média.<br />
Assim, a Infantaria de carácter permanente, além<br />
de depreciada, quase se apaga na Europa, sendo<br />
suplantada por pequenos núcleos de Cavaleiros que,<br />
mais solidários com a sua montada e capazes de um<br />
enorme poder de choque, são superiormente desproporcionais<br />
ao soldado apeado. Durante este longo<br />
período, a Cavalaria, cujos membros eram oriundos<br />
da nobresa, vê as suas tácticas e armas, quer de defesa<br />
quer de ataque, substancialmente aperfeiçoadas. Ao<br />
mesmo tempo, o investimento na Infantaria era bem<br />
menor e, com frequência, em tempo de necessidade,<br />
um grande número de soldados era literalmente<br />
arrebanhado entre as pessoas comuns e preparado<br />
para o combate de forma rudimentar.<br />
Mas esta relativa supremacia acabaria por se<br />
esbater com o passar do tempo. Logo nos séculos XI<br />
e XII, e um pouco por toda a Europa, foram aparecendo<br />
soluções que, contornando a fragilidade da Infantaria<br />
no confronto directo com os cavaleiros, devolveram<br />
à primeira algumas vantagens no terreno. A preparação<br />
cuidada e táctica do campo de batalha, com estacas,<br />
fossos, paliçadas e abatises veio anular algumas das<br />
mais eficientes armas da Cavalaria, como a velocidade<br />
e o alcance. O desenvolvimento das armas de projecção,<br />
como o arco longo ou a besta, e, já nos finais<br />
da Idade Média, o surgimento das armas de fogo<br />
arcabuzes e mosquetes , significaram o volte-face na<br />
História da Guerra. A Infantaria podia agora parar ou<br />
abrandar significativamente o inimigo e combatê-lo a<br />
uma certa distância. No entanto, sendo a cadência de<br />
tiro destas primeiras armas muito lenta, os atiradores<br />
eram ainda apoiados por uma massa de tropas munida<br />
de lanças e outro equipamento adequado ao combate<br />
corpo-a-corpo. Apesar de tudo, as mudanças foram<br />
de tal ordem que, ao longo do século XIV, os próprios<br />
cavaleiros, normalmente bem protegidos por<br />
elaboradas e sofisticadas armaduras e escudos<br />
resistentes preparados para o embate com os seus<br />
congéneres desceram da sua montada, onde ficavam<br />
mais vulneráveis aos ataques dos arqueiros e<br />
atiradores, tornando-se na Infantaria Pesada da altura.<br />
Até ao século XIX, e enquanto a espingarda de<br />
cano estriado não foi generalizada, o soldado de<br />
Infantaria manteve a formação cerrada em combate,<br />
primeiro por uma questão de unidade de comando,<br />
porque os comandantes podiam, assim, mais<br />
facilmente orientar as grandes massas sob as suas<br />
ordens, e, depois, por uma questão de eficácia, tendo<br />
em conta a pouca justeza no tiro das armas,<br />
reconhecia-se a grande vantagem do efeito de<br />
“cortina de fogo” propiciado por aquela disposição.<br />
O progressivo desenvolvimento da artilharia,<br />
conferindo às armas mais precisão, maior alcance e<br />
uma mais rápida cadência, alterou novamente o<br />
cenário das campanhas. Na Guerra da Secessão, na<br />
Guerra do Paraguai ou na Guerra Franco-Prussiana,<br />
o soldado apeado abandona a formação compacta e<br />
em linha e passa a combater ao abrigo de trincheiras,<br />
protegendo-se dos projécteis cada vez mais certeiros<br />
do inimigo. A Primeira Guerra Mundial, também<br />
conhecida como “Guerra das Trincheiras”, foi, neste<br />
aspecto, sintomática: a evolução das armas e a<br />
introdução da metralhadora transformaram os<br />
confrontos da Infantaria em campo aberto em vastos<br />
cemitérios. A solução foi o combate entre trincheiras,<br />
deixando o espaço entre as linhas inimigas como a<br />
“terra de ninguém”, onde a morte era quase certa.<br />
Apareceu, então, pelas mãos dos britânicos, o<br />
blindado. Rapidamente esta invenção foi adoptada<br />
pelos exércitos de todo o mundo e, na maior parte<br />
dos casos, apropriada pela Cavalaria. Convém dizer<br />
que Infantaria e Cavalaria nunca foram, na verdade,<br />
rivais. Se tanto, terão competido entre si pelo<br />
protagonismo no campo de batalha, obrigando-se<br />
mutuamente a constantes reinvenções e evoluções,<br />
que só as beneficiaram, sempre motivadas pelo<br />
progresso tecnológico e pelo desenvolvimento<br />
táctico e técnico das artes militares. O blindado, no<br />
entanto, não veio mudar radicalmente o estado das<br />
coisas: a infantaria permaneceu a mais numerosa das<br />
armas, podendo agora ser transportada com maior<br />
segurança e rapidez para os pontos fulcrais dos<br />
teatros de guerra, transformando-se em Infantaria<br />
Mecanizada ou Motorizada; a Cavalaria, munida com<br />
grandes e pesados carros de combate, protegida sob<br />
robustas couraças, continuou a desempenhar o seu<br />
papel nas grandes ofensivas. Ambas constituem, por<br />
definição, as armas da manobra de qualquer <strong>Exército</strong><br />
e, conforme as épocas, a tecnologia e as<br />
particularidades do terreno ou do conflito,<br />
combateram sempre lado a lado, equilibrando os<br />
pontos fortes e frágeis uma da outra.<br />
Hoje, não fazendo sentido falar da Infantaria<br />
ou da Cavalaria de forma isolada, sendo cada vez<br />
mais comuns as unidades “mistas”, com subagrupamentos<br />
e agrupamentos constituídos por<br />
atiradores e carros, resta um facto imutável: o<br />
soldado apeado, seja ele, efectivamente, infante<br />
ou cavaleiro, artilheiro ou engenheiro, é a<br />
materialização da conquista de um objectivo; o<br />
controlo efectivo de uma determinada área ou parte<br />
de uma cidade, em contexto de conflito, é<br />
confirmado pela presença, naquele local, de<br />
homens desmontados. É desta forma que, um tanto<br />
romanescamente e fora da terminologia estritamente<br />
militar, no fundo, sempre que a situação o<br />
exige, somos todos Infantes.
No dia 14 de Agosto de 2008, sob os olhares<br />
antigos da tradição e junto à frontaria do Convento<br />
de Mafra, onde, desde 1809, nas preparações para o<br />
confronto com a 3.ª Invasão Francesa, se abrigam<br />
soldados de Infantaria, tiveram lugar as Cerimónias<br />
de Comemoração do Dia da Arma de Infantaria e da<br />
sua Escola Prática.<br />
Na parada improvisada, debaixo do comando do<br />
Tenente-Coronel Jorge Saramago, 2.º Comandante<br />
da Escola Prática de Infantaria (EPI), integraram: a<br />
Banda e Fanfarra do <strong>Exército</strong>, o Bloco de Estandartes<br />
Representativos das Unidades de Infantaria, um<br />
Batalhão de Formação da EPI a duas companhias, o<br />
Batalhão de Formação Militar Geral, também da EPI e<br />
um Batalhão a três companhias (uma, da Brigada<br />
Mecanizada, outra da Brigada de Intervenção, e a<br />
última, da Brigada de Reacção Rápida).<br />
Presididas pelo Chefe do Estado-Maior do<br />
<strong>Exército</strong>, General Pinto Ramalho, estas comemorações<br />
contaram ainda com a presença do General<br />
Altino de Magalhães, acompanhado pelo General<br />
Cerqueira Rocha e distintos Tenentes-Generais na<br />
situação de Reserva e de Reforma. Estiveram também<br />
presentes o Tenente-General Mário de Oliveira<br />
Cardoso, Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong> e<br />
Director Honorário da Arma de Infantaria, o Tenente-<br />
General Cunha Lopes, Inspector-Geral do <strong>Exército</strong>, o<br />
Tenente-General Paiva Monteiro, o Tenente-General<br />
Vaz Antunes, o Tenente-General Pires Tavares e o<br />
Tenente-General Mourato Cabrita. Abrilhantaram,<br />
também, a moldura humana da celebração o<br />
Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Eng.º José<br />
Maria Ministro dos Santos, e o Deputado à<br />
Assembleia da República, Coronel Marques Júnior.<br />
Dos actos cerimoniais, pelo seu simbolismo e<br />
carga emocional, salientaram-se a integração do<br />
Estandarte Nacional nas Forças em Parada,<br />
acompanhado pelo entoar do Hino Nacional,<br />
cantado por todos os presentes, civis e militares; e a<br />
Cerimónia de Homenagem aos Infantes Mortos ao<br />
Serviço da Pátria, soldados que, “de S. Mamede e<br />
Ourique a Aljubarrota, do Buçaco a La Lys, às<br />
bolanhas da Guiné, às chanas de Angola e matas de<br />
Moçambique, das planuras da Índia às montanhas<br />
dos Balcãs, Timor e Afeganistão”, sacrificaram a<br />
própria vida pela honra e independência de Portugal.<br />
Um silêncio de solenidade caiu sobre o momento,<br />
enquanto o General Chefe do Estado-Maior do<br />
<strong>Exército</strong> depunha uma coroa de flores, acompanhado<br />
pelos Tenentes-Generais Oliveira Cardoso e Vaz<br />
As comemorações foram presididas pelo General Pinto<br />
Ramalho, Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong><br />
Antunes, o Major-General Piriquito e o Coronel<br />
Guerra Pereira, Comandante da EPI.<br />
Fazendo uso da palavra, o Coronel Guerra Pereira,<br />
a poucos dias de ser rendido no posto, deixou uma<br />
mensagem de boas-vindas ao novo Comandante da<br />
EPI:<br />
“Concluindo nos próximos dias o exercício das<br />
minhas funções, passo o testemunho com os mais<br />
sinceros e profundos votos de sucesso ao nosso novo<br />
Comandante, Coronel Ormonde Mendes.”<br />
Não terminando sem um comovido agradecimento<br />
àqueles que serviram sob a sua autoridade:<br />
“Tudo se poderia resumir numa frase simples, mas<br />
plena de significado: o que fizeram foi SERVIR A<br />
INFANTARIA, O EXÉRCITO E PORTUGAL.<br />
Mas, permitam-me que, publicamente, testemunhe<br />
que têm fundadas, justificadas e visíveis razões para<br />
afirmar que cumpriram a missão. Em vós está patente<br />
a prova de que os recursos humanos não são<br />
contabilizados de forma puramente numérica ou<br />
matemática, mas sim de forma subjectiva, onde a<br />
motivação, o sentido do dever, a coesão, a<br />
disponibilidade, empenhamento e competência<br />
técnico-profissional, e, atrevo-me a dizer, o vosso<br />
apaixonado e abnegado apego pela nossa Escola,<br />
são factores multiplicadores para as realizações de<br />
sucesso, do saber fazer bem.
Coronel Guerra Pereira, Comandante da EPI<br />
Tenente-General Oliveira Cardoso, Vice-Chefe do Estado-<br />
Maior do <strong>Exército</strong><br />
Ser Comandante de tal gente, que tudo dá, foi<br />
um privilégio e uma subida honra.”<br />
O Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>,<br />
Tenente-General Oliveira Cardoso, enquanto Director<br />
Honorário da Arma de Infantaria, quis, também, com<br />
algumas palavras, contribuir para a memória colectiva<br />
daquele dia:<br />
“Nesta singela homenagem aos presentes, e<br />
também àqueles que, noutras paragens de Portugal,<br />
albergam Unidades da nossa Infantaria, vai o nosso<br />
reconhecimento e expressão de quanto o nosso<br />
carinho nos conforta. Para os nossos camaradas em<br />
terras longínquas, em cumprimento de missões que<br />
Portugal lhes confiou, vai a nossa solidariedade e a<br />
nossa confiança.<br />
Faz, para o Director da Arma de Infantaria,<br />
sentido, ao invocar, hoje, a figura ímpar de Português<br />
que foi D. Nuno, e o dia longínquo de 1385, em<br />
Aljubarrota, onde se confirmou, de forma inequívoca,<br />
a nossa unidade como Nação, não o fazer reflectindo<br />
só sobre o acto a Batalha dita de real , mas também<br />
nas circunstâncias que a antecederam e naquelas<br />
que foram consequências da mesma. (…)<br />
D. Nuno, o nosso Patrono, é hoje um Comandante<br />
Militar a merecer revisitar nos seus conceitos.<br />
Isto porque, [o] mundo onde nós, Portugueses,<br />
estamos envolvidos com forças militares, no cumprimento<br />
de deveres decorrentes da nossa consciência<br />
colectiva, não é moldável, para surpresa de<br />
alguns, ao poder da tecnologia e à capacidade de<br />
destruição das armas dos exércitos poderosos. (…)<br />
Os soldados estarão misturados com civis; terão<br />
de fazer face a organizações variadas e sem estruturas<br />
políticas reconhecidas, sem território delimitado, num<br />
caldeirão de culturas onde será difícil materializar<br />
fisicamente o objectivo a atingir. (…)<br />
De acordo com credenciados historiadores, o<br />
êxito de D. Nuno Álvares Pereira baseou-se também<br />
na inovação e na compreensão e adaptação a uma<br />
nova realidade. Por isso, ele foi pioneiro, entre nós,<br />
na disciplina das marchas; no judicioso dispositivo<br />
das tropas, fruto do reconhecimento da força<br />
adversária, do terreno e do juízo das suas<br />
capacidades; no aumento da capacidade de<br />
protecção, fruto da exploração das características<br />
do terreno e das armas, mesmo que isso contrariasse<br />
as doutrinas vigentes; (…); na capacidade de motivar,<br />
incentivando e constituindo-se como exemplo; (…).<br />
Tão longe que estamos de Aljubarrota e do que<br />
foi o Condestável D. Nuno Álvares Pereira; tão perto<br />
que estamos da compreensão do seu êxito, que foi,<br />
tão só, saber utilizar o homem, as suas capacidades,<br />
a sua inteligência e a razão porque se luta.<br />
Tão evidente nos parece, hoje, a modernidade<br />
da Infantaria.”<br />
Na ocasião, que era de festa, foram galardoados<br />
alguns militares e civis que prestam ou prestaram<br />
serviço na Escola Prática de Infantaria, com a Medalha<br />
de Serviços Distintos, grau Prata e Cobre, com a<br />
Medalha de Mérito Militar, 1.ª e 4.ª Classes, com a<br />
Medalha de D. Afonso Henriques, 2.ª, 3.ª e 4.ª<br />
Classes, e com a Medalha de Comportamento Exemplar,<br />
grau Ouro, Prata e Cobre. No total, foram agraciadas<br />
18 pessoas, entre elas, três funcionários civis.<br />
Por determinação do General Chefe do Estado-<br />
Maior do <strong>Exército</strong>, foi ainda condecorado, a título<br />
póstumo, o Tenente-General Valdemar José Moura<br />
da Fonte, com a Grã-Cruz de Mérito Militar, pelas<br />
“excepcionais qualidades e virtudes militares, pela<br />
afirmação constante de elevados dotes de carácter,
lealdade, abnegação, espírito de sacrifício, de<br />
obediência e de competência profissional.” A Sra.<br />
Dr.ª Leonor Fonte, viúva do Tenente-General Moura<br />
da Fonte, acompanhada pelas suas duas filhas,<br />
recebeu a condecoração entregue pelas mãos do<br />
General Pinto Ramalho.<br />
Foram entregues, também, os prémios<br />
correspondentes aos três primeiros lugares da prova<br />
da Patrulha D. Nuno Álvares Pereira, que se realizou<br />
em 12 de Agosto. Tendo participado 12 patrulhas,<br />
em representação das unidades de Infantaria do<br />
<strong>Exército</strong>, do Regimento de Infantaria da Guarda<br />
Nacional Republicana e do Corpo de Fuzileiros,<br />
classificaram-se, em terceiro lugar, a Patrulha do<br />
Centro de Tropas de Operações Especiais, em<br />
segundo lugar, a Patrulha da Escola Prática de<br />
Infantaria e, em primeiro lugar, a Patrulha da Guarda<br />
Nacional Republicana.<br />
Depois do desfile das Forças em Parada, em<br />
continência perante o Chefe do Estado-Maior do<br />
<strong>Exército</strong>, foram dadas por terminadas as Cerimónias<br />
Militares comemorativas do Dia da Arma de<br />
Infantaria.<br />
No interior do Convento, para além das<br />
exposições permanentes patrocinadas pela Escola<br />
Prática de Infantaria, esteve ainda patente, durante<br />
o mês de Agosto e até finais de Setembro, uma<br />
exposição de fotografia intitulada “Um Quartel no<br />
Convento”, fruto de uma reportagem realizada<br />
naquele espaço, da autoria de António Pedro<br />
Santos (fotojornalista e colaborador permanente do<br />
semanário Sol).<br />
Foram galardoados alguns militares e civis que prestam ou<br />
prestaram serviço na Escola Prática de Infantaria
O<br />
Regimento de Engenharia n.º1 (RE1) é a<br />
unidade de Engenharia mais antiga do País,<br />
sendo originária do Batalhão de Artífices Engenheiros<br />
criado em 24 de Outubro de 1812, e é herdeiro das<br />
tradições históricas do extinto Batalhão de Sapadores<br />
de Caminhos-de-ferro. Após várias evoluções obteve,<br />
em 1947, a actual designação de “Regimento de<br />
Engenharia n.º1”. Distinguiu-se pelos seus feitos na<br />
Guerra Peninsular (1813), em Moçambique (1881-85),<br />
na 1.ª Guerra Mundial e no Ultramar (1961-74), para<br />
onde mobilizou várias Companhias.<br />
No 25 de Abril de 1974, foi o Posto de Comando<br />
do Movimento das Forças Armadas.<br />
Mais recentemente, tem participado em várias<br />
missões de apoio a Forças Nacionais Destacadas,<br />
nomeadamente nos Balcãs, Timor-leste, Afeganistão<br />
e Líbano.<br />
Missão da Engenharia<br />
De acordo com o disposto no n.º 2, do Art.º 1 do<br />
Dec.-Lei n.º 61/06, compete ao <strong>Exército</strong> satisfazer<br />
missões de interesse público que especificamente lhe<br />
forem consignadas. No quadro da missão geral do<br />
<strong>Exército</strong>, compete à Engenharia Militar participar na<br />
actividade operacional do exército através dos<br />
encargos operacionais que lhe forem fixados:<br />
organizar-se para actuar em apoio a entidades militares<br />
e civis em situações declaradas de catástrofe, de<br />
acordo com directivas superiores; colaborar no apoio<br />
às U/E/O na melhoria das suas infra-estruturas pela<br />
realização de trabalhos de Engenharia no âmbito das<br />
construções verticais e/ou horizontais, de acordo com<br />
o plano de actividade operacional aprovado; colaborar<br />
no apoio à melhoria das condições de vida e bemestar<br />
das populações, sem prejuízo das tarefas<br />
essencialmente militares, através da realização de<br />
trabalhos gerais de Engenharia, preferencialmente no<br />
âmbito das vias de comunicação.<br />
Pela sua primazia, a participação na actividade<br />
operacional do exército, através dos encargos<br />
operacionais do RE 1, será tratada em texto próprio.<br />
O duplo uso da Engenharia<br />
Das missões da Engenharia Militar atrás referidas,<br />
verifica-se o seu desenvolvimento na área militar<br />
e no apoio civil.<br />
No âmbito civil, as missões da Engenharia são,<br />
37
Quadro 1<br />
Entidade<br />
Apoiada<br />
Município de<br />
Palmela<br />
Município de<br />
Monsaraz<br />
Município de<br />
Monsaraz<br />
Entidade<br />
Apoiada<br />
Municipio<br />
Estremoz<br />
Municipio<br />
Óbidos<br />
Municipio<br />
Cadaval<br />
*<br />
VTL - Viatura Táctica Ligeira.<br />
VB - Viatura Basculante<br />
AT - Auto-tanque<br />
DP - Dumper<br />
TL - Tractor de Lagartas<br />
de apoio à Autoridade Nacional de Protecção Civil,<br />
desenvolvendo trabalhos em apoio das entidades<br />
civis, visando colaborar na melhoria da qualidade de<br />
vida e bem-estar das populações, prioritariamente no<br />
âmbito da rede viária rural e das infra-estruturas ligadas<br />
ao desenvolvimento económico das regiões,<br />
englobando desmatações, trabalhos de terraplanagem,<br />
compactações mecânicas e pequenas obras<br />
de drenagem.<br />
O <strong>Exército</strong>, através do estabelecido em Protocolo<br />
entre a Presidência do Conselho de Ministros, o<br />
Ministério da Defesa Nacional e o Ministério do<br />
Ambiente, do Ordenamento do Território e do<br />
Desenvolvimento Regional, expressa a sua colaboração<br />
no apoio à satisfação das necessidades básicas<br />
das populações.<br />
Nesse sentido, com o objectivo de empregar a<br />
Engenharia Militar no quadro das missões de interesse<br />
público, tendo em vista a melhoria da qualidade de<br />
vida das populações, o <strong>Exército</strong> Português elabora o<br />
Plano de Actividade Operacional Civil (PAOC),<br />
cabendo ao Regimento de Engenharia n.º 1 executá-lo<br />
ANO 2007<br />
Actividade Data início Data fim<br />
Beneficiação de itinerários 27FEV07 24ABR07<br />
Melhoramento de caminhos de acesso<br />
às muralhas de Monsaraz<br />
02JUL07 31AGO07<br />
Melhoramento de itinerários 01SET07 11OUT07<br />
ANO 2008<br />
Actividade Data início Data fim<br />
Meios<br />
humanos<br />
2 Sar<br />
6 Praças<br />
1 Sar<br />
6 Praças<br />
1 Sar<br />
6 Praças<br />
Homens.<br />
Dia<br />
Melhoramento de itinerários 14JAN08 14AGO08 671<br />
Melhoramento e abertura de itinerários.<br />
Limpeza de linha de água<br />
Melhoramento e abertura de itinerários .<br />
Limpeza de linha de água<br />
21JUL08<br />
08set08<br />
A<br />
DECORRER<br />
A<br />
DECORRER<br />
---<br />
---<br />
GL - Giratória de Lagartas<br />
NV - Motoniveladora<br />
CR - Pá carregadora de rodas<br />
CL - Pá Carregadora de Lagartas<br />
CW - Cilindro<br />
MC - Compressor<br />
Equip.<br />
Viaturas*<br />
1CL 1GL<br />
1AT 1NV<br />
1TL 1PC<br />
1PC 1NV<br />
2AT<br />
1CL 1TL<br />
1GIR<br />
1CL 1GL<br />
2DP<br />
1AT 1NV<br />
1TL 1PC<br />
Equip.<br />
Viaturas*<br />
1VTL 1VB<br />
1NV 1CW<br />
1CR 1MC<br />
2VTL 2VB<br />
1NV 1CW<br />
1CR 1MC<br />
1GL<br />
1NV 1CW<br />
1CR 1MC<br />
na sua zona de acção ou área de actividade. No que<br />
concerne ao apoio do RE1 em missões de interesse<br />
público, este estende-se às áreas dos Centros de<br />
Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)<br />
de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, pertencentes<br />
à estrutura civil de Ordenamento do Território.<br />
São apresentados no Quadro 1 os trabalhos<br />
efectuados por este Regimento, nos últimos dois anos,<br />
no âmbito do PAOC.<br />
Na área militar, apoia as U/E/O da Estrutura Base<br />
do <strong>Exército</strong> no âmbito logístico, salientando-se a<br />
construção, remodelação e manutenção de instalações,<br />
fortificações e vias de comunicação.<br />
O apoio às U/E/O inicia-se anualmente com o<br />
necessário processo burocrático de planeamento dos<br />
trabalhos, com base nos diversos pedidos e<br />
estabelecimento de prioridades que, por último, se<br />
traduz no Plano de Actividade Operacional Militar<br />
para cada ano.<br />
São apresentados no Quadro 2 apenas alguns<br />
exemplos de trabalhos efectuados por este Regimento,<br />
no âmbito da actividade operacional militar.<br />
km<br />
Horas<br />
4,808 341<br />
18,525 671<br />
11,040 728<br />
m<br />
Horas<br />
26,665 2180<br />
10,194 560<br />
--- ----
Quadro 2<br />
Unidade<br />
Apoiada<br />
CM<br />
RI1<br />
Cmd Op<br />
Entrevista ao Coronel de Engenharia<br />
António José dos Santos Matias<br />
Qual a missão do Regimento de Engenharia<br />
n.º 1?<br />
O RE1 tem a missão de aprontar uma<br />
Companhia de Engenharia, assegurar o apoio de<br />
Engenharia às Zonas Militares dos Açores e da<br />
Madeira e à Autoridade Nacional de Protecção<br />
Civil e, à ordem, aprontar uma Companhia Geral<br />
CIMIC. Colabora também em acções no âmbito de<br />
outras missões de interesse público, conforme lhe<br />
for determinado.<br />
O RE1 está sob a dependência do Comando<br />
Operacional e actua conforme as determinações<br />
daquele OCAD.<br />
O RE1 responde às solicitações, com especial<br />
enfoque para o Plano de Actividade Operacional<br />
Actividade Data início Data fim<br />
TRABALHOS DE PROTECÇÃO DO MURO<br />
DO COLÉGIO MILITAR<br />
REABILITAÇÃO DE PARTE DO PM 07<br />
(TAVIRA)<br />
DESMATAÇÃO DA ÁREA DO FORTE DE S.<br />
GONÇALO (OEIRAS)<br />
Homens<br />
Dia<br />
08MAI08 15AGO08 12<br />
Equip.<br />
viaturas<br />
1VTM 1VTL<br />
1GL 1CD<br />
1DP<br />
04MAR08 16SET08 20 1TP 1VTG<br />
31MAR08 21ABR08 5<br />
1VTM 1VTL<br />
1GL 1CD<br />
1DP<br />
Militar, a desenvolver em proveito das Unidades<br />
Militares que o solicitem nos termos das directivas<br />
emanadas pelo escalão superior, designadamente<br />
a Norma de Execução Permanente 03.03.08.04/EME,<br />
que estabelece a doutrina de emprego da<br />
Engenharia Militar nas actividades de apoio a<br />
Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do <strong>Exército</strong><br />
e Entidades Civis, bem como para o Plano de<br />
Actividade Operacional Civil, que permitirá o<br />
emprego de meios de Engenharia em proveito das<br />
autarquias locais, maioritariamente ao nível das<br />
Construções Horizontais (apropriação de<br />
itinerários, limpeza de linhas de água ou aterros/<br />
desaterros para infra-estruturas) e assim colaborar<br />
no desenvolvimento regional do País, podendo<br />
ainda actuar em situações de calamidade ou<br />
catástrofe pública.<br />
No âmbito civil, aponto os exemplos ainda<br />
recentes do apoio inopinado do RE1 ao Município<br />
de Loures, na montagem de tendas na Quinta da<br />
Fonte, concretizado em muito curto espaço de<br />
tempo, tendo mobilizado um efectivo significativo<br />
de pessoal e meios, e o apoio à Autarquia de<br />
Odivelas na sequência das cheias ocorridas em<br />
Fevereiro deste ano.<br />
Como inopinado militar, pela sua especificidade<br />
técnica, considero que merece especial relevância<br />
o apoio prestado ao Colégio Militar na reposição<br />
das condições de estabilidade do muro contíguo<br />
à Estrada da Luz.<br />
No que respeita ao contributo do RE1 para a<br />
FOPE, merecem realce as iniciativas tendo em vista<br />
o desenvolvimento da capacidade CIMIC no<br />
<strong>Exército</strong>, que fez com que a primeira concentração<br />
de todo o efectivo da Companhia, incluindo<br />
militares dos três ramos das Forças Armadas em
40<br />
Ordem de Batalha, se realizasse nas instalações<br />
do RE1. O aprontamento de uma Companhia Geral<br />
CIMIC acarreta um elevado esforço para o RE1,<br />
devido à dispersão dos recursos materiais, de<br />
acordo com a atribuição de responsabilidades no<br />
que respeita ao Quadro Orgânico de Material, bem<br />
como devido à dispersão dos recursos humanos,<br />
de que fazem parte militares dos três Ramos.<br />
Nas tarefas regulares do Regimento estão<br />
ainda incluídas a montagem das Tribunas Militares,<br />
sob a égide do Comando Operacional e à responsabilidade<br />
do RE1, tendo sido realizadas 14 já em<br />
2008, estando planeadas mais 5 no mês de<br />
Setembro, e a montagem da Torre Multi-actividades,<br />
sob a égide da Direcção de Obtenção de<br />
Recursos Humanos, já erguida 6 vezes desde o<br />
início do ano, no âmbito de divulgação das<br />
actividades do <strong>Exército</strong> com vista à obtenção de<br />
Recursos Humanos.<br />
Como se estrutura e desenvolve a formação<br />
na Engenharia?<br />
Para os Oficiais do QP a Academia Militar tem<br />
primordial importância na formação académica dos<br />
Oficiais de Engenharia. Fruto da qualidade técnica<br />
da formação ministrada, o reconhecimento dos<br />
Engenheiros Militares pela Ordem dos Engenheiros<br />
está consolidado, de uma maneira geral, por toda a<br />
sociedade, sendo realmente uma referência no<br />
ensino universitário português e na Engenharia.<br />
Actualmente, ao longo dos 7 anos de formação<br />
académica de um Engenheiro Militar, é importante<br />
realçar a formação militar ministrada na Academia<br />
Militar, a formação técnica ministrada no Instituto<br />
Superior Técnico e a formação complementar com<br />
o Tirocínio para Oficial de Engenharia ministrada<br />
na Escola Pratica de Engenharia.<br />
Relativamente aos Sargentos do QP, para além<br />
do Curso de Formação de Sargentos, formação<br />
ministrada na Escola de Sargentos do <strong>Exército</strong> e na<br />
Escola Prática de Engenharia, a formação contínua<br />
em ambiente de trabalho e a formação complementar<br />
ministrada na Escola Prática de Engenharia, com os<br />
Cursos de Vias de Comunicação, Curso de Construções<br />
e Instalações e, no Regimento de Manutenção,<br />
com o Curso de Mecânico de Equipamento<br />
de Engenharia, são garantia da qualidade destes<br />
militares.<br />
Sendo a formação base de Sapador comum aos<br />
militares do Quadro Permanente, ao nível da<br />
formação complementar são exemplos o Curso de<br />
Explosivos, Destruições, Minas e Armadilhas<br />
(CEDMA), o Curso de Defesa NBQ, o Curso de<br />
Contra-vigilância, a formação em Pontes e, mais<br />
recentemente, o Curso EOD, para além da formação<br />
na área Ambiental e na área CIMIC.<br />
Os Oficiais e Sargentos em Regime de Contrato<br />
recebem a formação complementar, ministrada na
Escola Prática de Engenharia, nas vertentes de<br />
Sapadores e de Construções.<br />
Ao nível de Praças, existem duas vertentes na<br />
formação: a básica inicial do Sapador de Engenharia<br />
que, através da experiência em ambiente de trabalho,<br />
poderá ser complementada com o desenvolvimento<br />
de competências profissionais nas áreas da<br />
Construção Civil (Pedreiros, Canalizadores,<br />
Pintores, etc.) e outra vertente técnica, com os<br />
cursos de Operador de Equipamento Pesado de<br />
Engenharia e de Mecânico de Equipamento de<br />
Engenharia, ambos ministrados pelo Regimento de<br />
Engenharia n.º 3.<br />
Relativamente aos ofícios do âmbito das<br />
construções verticais, nota-se actualmente a falta<br />
de carpinteiros de construção, decorrente das<br />
dificuldades inerentes aos tempos de aprendizagem<br />
requeridos, a que acresce a falta de “mestres”<br />
carpinteiros do QPCE nas Unidades, que proporcionariam<br />
condições para a aprendizagem em<br />
ambiente de trabalho, e pelo reduzido tempo que<br />
os militares passam nas fileiras, uma vez que a<br />
formação de um carpinteiro é extremamente<br />
demorada e exigente.<br />
Qual é o ponto de situação a nível de recursos<br />
humanos e materiais?<br />
Neste momento, o Regimento de Engenharia<br />
n.º 1 encontra-se a 80% em oficiais, 95% em<br />
Sargentos e 85 % em Praças, relativamente ao<br />
efectivo autorizado.<br />
A família do RE1 é constituída por cerca de 270<br />
militares e civis.<br />
O futuro aprontamento da Força Nacional<br />
Destacada UNENG6/UNIFIL na Operação Militar<br />
no Líbano irá traduzir-se numa diminuição<br />
significativa do efectivo do Regimento, mas,<br />
apesar disso, a Unidade continuará a desenvolver<br />
a sua intensa actividade operacional, tanto no<br />
âmbito militar como no âmbito civil, à semelhança<br />
do ano de 2007, durante a projecção da UNENG2/<br />
UNIFIL.<br />
Ao nível de recursos materiais, o RE1 cedeu<br />
alguns dos seus equipamentos às Unidades de<br />
Engenharia que permanecem no Líbano ao serviço<br />
da UNIFIL. Com os restantes recursos temos<br />
conseguido cumprir a nossa missão, fruto dos<br />
excelentes mecânicos que asseguram a manutenção<br />
dos equipamentos e da disponibilidade para o<br />
serviço dos nossos militares e civis.<br />
Qual o ponto de situação relativo a missões<br />
no estrangeiro?<br />
Para a satisfação dos compromissos internacionais,<br />
o RE1 tem contribuído com militares e<br />
equipamentos para as Forças Nacionais Destacadas,<br />
das quais se destaca a UNIFIL.<br />
Em 1 de Fevereiro de 2007 teve início o<br />
aprontamento da UNENG2/FND/UNIFIL/LIBANO,<br />
com 2 Oficiais, 19 Sargentos e 57 Praças deste<br />
Regimento, que embarcaram para o Líbano em 25<br />
de Maio do mesmo ano e que tiveram a responsabilidade<br />
de render a UNENG1 na Operação Militar<br />
no Líbano, tendo sido extremamente positivo o seu<br />
trabalho.<br />
Já é com grande expectativa que aguardamos,<br />
também, o aprontamento da Força Nacional Destacada<br />
UNENG6 neste Regimento, com início em<br />
Novembro do corrente ano, e que terá a responsabilidade<br />
de render a UNENG5/UNIFIL na<br />
Operação Militar no Líbano.<br />
São conhecidas as inúmeras obras levadas a<br />
cabo pela Engenharia, quer no <strong>Exército</strong>, quer<br />
em apoio às autarquias. Existem algumas<br />
parcerias com municípios ou entidades civis?<br />
Anualmente é definido o Plano de Actividade<br />
Operacional Civil, onde são referidos os apoios a<br />
efectuar às autarquias no respectivo ano, que se<br />
concretiza através da assinatura de protocolos para<br />
a execução dos trabalhos.<br />
Por exemplo, desde Fevereiro de 2007 já<br />
apoiamos o Município de Palmela, Reguengos de<br />
Monsaraz, Estremoz, Óbidos e Cadaval. O trabalho<br />
efectuado em prol dos Municípios é, de uma forma<br />
41
42<br />
geral, ao nível das construções horizontais,<br />
nomeadamente, abertura e melhoria de itinerários,<br />
escavações e aterros, terraplanagens e limpeza de<br />
linhas de água.<br />
Surgem, também neste âmbito, pedidos de apoio<br />
inopinados e urgentes, como por exemplo o último<br />
que recebemos da Associação dos Bombeiros<br />
Voluntários de Barrancos, a solicitar apoio na<br />
terraplanagem para a construção de um novo<br />
quartel.<br />
Uma parceria importante, pelo seu significado e<br />
simbolismo, é o Protocolo com a Câmara Municipal<br />
de Odivelas, destinado a dinamizar a utilização do<br />
Edifício onde esteve instalado o Posto de Comando<br />
do 25 Abril de 1974, no RE 1, que recebe várias<br />
visitas ao longo do ano.<br />
Realço também o Protocolo com a Direcção<br />
Geral dos Recursos Florestais para a beneficiação<br />
de infra-estruturas numa extensão de 30 km de<br />
itinerário, para reparação de caminhos e limpeza de<br />
aceiros, a fim de diminuir os riscos de incêndios<br />
florestais, preveni-los e facilitar o seu combate.<br />
No decurso deste período de dois anos<br />
apoiámos a Autoridade Nacional de Protecção Civil<br />
através dos planos LIRA e ALUVIÃO. No âmbito<br />
do plano ALUVIÃO, o RE1 colabora, em caso de<br />
eventuais situações de cheias, na garantia de<br />
mobilidade das populações e no apoio logístico<br />
aos vários agentes de Protecção Civil, nomeadamente<br />
com acções de busca e salvamento. No<br />
âmbito do plano LIRA, o RE1 colaborou com a<br />
estrutura de Protecção Civil em acções tendentes<br />
a minimizar os efeitos dos incêndios florestais e<br />
também relacionadas com a satisfação de<br />
necessidades básicas para a melhoria da qualidade<br />
de vida das populações, nomeadamente em<br />
acções de rescaldo, vigilância activa, pós-rescaldo<br />
e apoio logístico às cooperações de bombeiros,<br />
serviços florestais e outros serviços de protecção<br />
civil.<br />
O Coronel António José dos Santos Matias<br />
está prestes a concluir o seu Comando no<br />
Regimento de Engenharia n.º 1. Que retrospectiva<br />
faz deste período?<br />
Comandar o RE1 foi para mim uma experiência<br />
muito gratificante, especialmente por duas<br />
razões.<br />
Porque o Comando proporcionou-me o privilégio<br />
de trabalhar com subordinados/colaboradores,<br />
de alto nível, tanto no campo profissional<br />
como na dimensão humana. Ao longo destes quase<br />
dois anos de Comando senti-me sempre muito<br />
confortável e com determinação para cumprir todas<br />
as missões que o <strong>Exército</strong> veio atribuindo ao<br />
Regimento, e isto devo-o, sem dúvida alguma, aos<br />
militares e civis desta casa.<br />
A segunda razão, que não é mais que o<br />
corolário da anterior, resulta do facto de o Regimento,<br />
neste período, ter sido confrontado com<br />
desafios estimulantes que exigiram empenhamento,<br />
dedicação e saber de todos nós. Desde<br />
logo, a organização e os aprontamentos da<br />
UNENG2 e da Companhia Geral CIMIC e a<br />
execução de trabalhos no âmbito das construções<br />
horizontais e verticais.<br />
É importante referir que neste período de cerca<br />
de dois anos em que tivemos fora da unidade cerca<br />
de um terço do total do efectivo, empenhado durante<br />
um ano na UNENG2, no Líbano, ao serviço<br />
das Nações Unidas, apoiámos 41 Unidades,<br />
Estabelecimentos e Órgãos do <strong>Exército</strong> e 10<br />
Autarquias e executámos um significativo volume<br />
de trabalhos na nossa Unidade, que vieram melhorar<br />
as condições de vida e de trabalho de todos os que<br />
aqui servem.<br />
Por tudo isto, e porque sei que deixo a Unidade<br />
com gente motivada e muito profissional, bem<br />
equipada, quer em materiais e equipamentos, quer<br />
em relação às suas infra-estruturas, sinto-me<br />
realizado como Comandante.JE<br />
JE JE JE JE<br />
Coordenação do Tenente<br />
Rico dos Santos
44<br />
Tenente-Coronel de Infantaria<br />
Nuno Miguel Pereira da Silva<br />
A<br />
designação da Política Europeia de<br />
Segurança e Defesa (PESD) é, no Tratado<br />
de Lisboa (TL), substituída pela Política Comum de<br />
Segurança e Defesa (PCSD). Esta mudança de<br />
designação poderá ser significativa, pois, etimologicamente,<br />
expressa um sentido de comunhão, que é<br />
necessário aprofundar cada vez mais entre os Estados<br />
Membros da União Europeia (UE).<br />
Após a ratificação do TL pela Assembleia da<br />
República de Portugal e antes da sua entrada em<br />
vigor na UE, em princípio em 20091 , parece-nos ser<br />
curial analisar algumas partes do tratado em termos<br />
de política de defesa e segurança, para verificarmos<br />
o que irá mudar após a sua entrada em vigor, bem<br />
como reflectir sobre as oportunidades para Portugal<br />
em termos militares.<br />
Como sabemos, sempre que existe um Tratado,<br />
ou um novo Conceito Estratégico (caso da NATO),<br />
há uma quantidade de alterações que têm<br />
obrigatoriamente que se realizar em termos<br />
estruturais nas Organizações, para as adequar aos<br />
instrumentos necessários à concretização do<br />
consignado.<br />
O TL, como qualquer lei, necessita ser<br />
regulamentada, implicando transformações<br />
profundas na estrutura da Organização. A entrada<br />
em vigor do Tratado, que irá ocorrer em princípio<br />
em meados de 2009 2 , tem implicado, por parte das<br />
nossas organizações nacionais em Bruxelas, um<br />
esforço titânico no sentido preparar as decisões<br />
do Conselho, referentes às mudanças que irão<br />
ocorrer estruturalmente na Organização, mudanças<br />
essas que vamos referir neste trabalho com alguma<br />
profundidade.<br />
Pretendemos com este artigo dar uma visão<br />
prospectiva da PCSD, em especial das mudanças
estruturais que a Organização irá sofrer, e de outras<br />
que, como veremos, já sofreu, como consequência<br />
da ratificação do Tratado.<br />
Não é do âmbito deste trabalho referirmo-nos às<br />
relações NATO/UE nem analisar em profundidade<br />
os problemas políticos inerentes à eventual “criação”<br />
de uma defesa colectiva na UE; no entanto, não é<br />
possível falar sobre a PCSD sem nos referirmos, ainda<br />
que de uma forma breve, a este assunto.<br />
Generalidades<br />
O TL é constituído por duas partes distintas: o<br />
Tratado da UE e o Tratado sobre o funcionamento<br />
da UE, ao que se juntam trinta e sete Protocolos que<br />
têm a mesma força jurídica que os primeiros.<br />
No Tratado da UE, em termos de PCSD, é de<br />
realçar, pela sua importância, o Título V “Disposições<br />
Gerais relativas à acção externa da União e<br />
disposições específicas relativas à política externa e<br />
de segurança comum”. No Tratado sobre o<br />
funcionamento da UE, a parte V é a mais importante,<br />
pois é referente à acção externa da UE, sendo de<br />
realçar os Títulos VII (Cláusula de solidariedade) e a<br />
parte VI Título III, que se refere às Cooperações<br />
Reforçadas. Nos protocolos adicionais é de realçar<br />
o Protocolo n.º 10, relativo à cooperação estruturada<br />
permanente, estabelecida no art.º 42 do Tratado da<br />
União Europeia.<br />
O TL possui algumas inovações em termos de<br />
PCSD, como iremos verificar ao longo deste trabalho;<br />
no entanto, na sua essência, plasma o que foi<br />
realizado desde o Tratado de Nice até aos dias de<br />
hoje, legitimando-o. É de realçar neste domínio: o<br />
ISS, por muitos considerado o Conceito Estratégico<br />
da UE; os trabalhos referentes ao desenvolvimento<br />
do HHG 2003 e posteriormente ao HG 2010, muito em<br />
especial no referente à construção dos cenários para<br />
o desenvolvimento de capacidades militares que já<br />
consignam algumas das novas missões da UE; os<br />
resultados do “Progress Catalogue” que expressam<br />
as lacunas; e, por último, mas não menos importante,<br />
a constituição dos “Battle Groups” (BG) e a<br />
constituição da Agência de Defesa Europeia (EDA).<br />
Como afirmou o deputado José Lamego, em<br />
conferência sobre o TL ocorrida no Instituto de<br />
Defesa Nacional, não é “pecado” que se vertam para<br />
o Tratado as mudanças ocorridas nos períodos<br />
decorrentes entre os Tratados, uma vez que estes<br />
têm obrigação de englobar essas transformações.<br />
Novas entidades e estruturas<br />
da UE relacionadas<br />
com a PESC<br />
Nesta parte vou referir-me unicamente a algumas<br />
alterações importantes no âmbito da UE e da PESC,<br />
que foram introduzidas com o TL, sem as dissecar.<br />
Destas alterações da PESC referir-me-ei somente<br />
àquela que, pensamos, poderá ter algumas<br />
1 Após o resultado negativo do referendo, resultado<br />
igual ao que já tinha acontecido aquando da ratificação do<br />
Tratado de Nice, a Irlanda vai ter novamente de resolver o<br />
seu problema internamente.<br />
Caso todos os outros Estados Membros da UE, conforme<br />
acordado em Lisboa, ratificarem o Tratado, a Irlanda fica<br />
isolada; nesse caso, ou repete o referendo, como fez aquando<br />
do Tratado de Nice, negociando algumas cláusulas especiais<br />
de adesão, ou fica fora deste Tratado, continuando na UE,<br />
não se lhe aplicando o mesmo.<br />
2 Após a resolução do problema irlandês.<br />
45
implicações estruturais no EUMS, nomeadamente<br />
a referente à criação do novo Serviço Europeu de<br />
Acção Externa (SEAE).<br />
Com o TL, a UE passa a ter personalidade jurídica;<br />
o Presidente do Conselho da UE deixa de ser um<br />
cargo rotativo, por seis meses, exercido pelo Estado<br />
Membro que exerce a Presidência, para passar a ser<br />
um cargo eleito por três anos; o Comissário dos<br />
Negócios Estrangeiros passa a ser simultaneamente<br />
o “Secretário-geral do Conselho e o “High Representative”<br />
(SG HR) para a PCSD; e é criado o SEAE<br />
dependente do SG HR.<br />
O Serviço Europeu<br />
de Acção Externa<br />
O Artigo 27.º, n.º 3, do Tratado de Lisboa diz que<br />
o SEAE é um serviço que terá a finalidade de coadjuvar<br />
o Alto Representante da União para os Negócios<br />
Estrangeiros e a Política de Segurança nas suas<br />
funções, incluindo a de vice-presidente da Comissão,<br />
e deverá ser composto por funcionários provenientes<br />
do Secretariado-Geral do Conselho, da Comissão e<br />
por Diplomatas oriundos dos Estados-Membros”.<br />
A definição do novo SEAE tem estado na Ordem<br />
do Dia nas reuniões do COREPER II, em Bruxelas,<br />
porque, dependendo da sua futura constituição, a<br />
criação deste serviço poderá fazer “perigar” o<br />
Secretariado-Geral do Conselho, como ele<br />
actualmente existe, pois este corre o risco de se<br />
esvaziar, como consequência da migração de alguns<br />
dos seus órgãos, missões e serviços para este novo<br />
serviço, ficando o Conselho reduzido a temáticas<br />
muito específicas.<br />
Uma das discussões a ter lugar no COREPER II<br />
tem a ver com a integração, ou não, do Estado-Maior<br />
Militar da UE (EUMS) e do CPCC (gestão civil de<br />
crises) no SEAE.<br />
Actualmente, o EUMS é um órgão que, embora<br />
pertença ao Secretariado do Conselho, em termos<br />
orgânicos, tem respondido quase sempre em<br />
exclusivo para o Comité Militar (MC) dele<br />
dependendo funcionalmente<br />
46<br />
3 .<br />
Em nossa opinião, o EUMS, actualmente, é<br />
grande demais para ser exclusivamente um órgão<br />
para efectuar o secretariado do MC e, consequentemente,<br />
das suas reuniões, e é pequeno demais para<br />
executar as missões que um Estado-Maior deve<br />
executar, ou seja, de planeamento e conduta de<br />
Operações, muito por culpa do UK e dos Estados<br />
Membros mais “atlantistas”, corrente na qual<br />
geralmente Portugal se insere, que nunca quiseram<br />
desenvolver no EUMS as capacidades de conduzir<br />
operações, com receio de que este se viesse a<br />
converter num Quartel-General de Operacões da UE,<br />
Com o TL, a UE passa a ter personalidade jurídica<br />
podendo, nesse caso, eventualmente ser concorrente<br />
do SHAPE.<br />
Em nossa opinião, se não se avançar para um<br />
aprofundamento e alargamento do EUMS 4 , este com<br />
as capacidades e dimensão que actualmente possui,<br />
poderá, sem problemas de maior, integrar o SEAE,<br />
dependendo directamente do SG HR, facto que só<br />
lhe traria acrescida importância e prestígio,<br />
contribuindo cabalmente para o cumprimento da<br />
missão de aconselhamento político e estratégico ao<br />
mais alto nível na UE, muito embora esta “migração”<br />
não nos agrade, se analisada em termos<br />
exclusivamente militares.<br />
Caso o EUMS venha a integrar o SEAE, será<br />
mais difícil no futuro atribuir-lhe capacidades para<br />
que este possa conduzir operações reais,<br />
transformando-se assim num QG de Operacões<br />
(OHQ), razão principal pela qual alguns Estados<br />
Membros parecem não querer aceitar a migração do<br />
EUMS para este novo Serviço.<br />
O Comité Militar (MC), caso o EUMS migre para<br />
o SEAE, perderia alguma da sua influência, facto<br />
que poderá ser dirimido, caso o seu Chairman<br />
tivesse assento neste novo Serviço. Os generais<br />
MILREPS poderiam também facilmente ser<br />
integrados no SEAE devendo, para isso, ser<br />
equiparados ao pessoal destacado dos serviços<br />
diplomáticos nacionais.<br />
Portugal, em nossa opinião, para ser coerente<br />
com as suas posições “atlantistas”, deverá ter uma<br />
posição consentânea com a “migração” do EUMS<br />
para o Serviço de Acção Externa, pois assim mais
facilmente evitará que se constitua um OHQ da UE.<br />
A opinião de alguns Estados Membros, que se<br />
opõem à opinião por nós veiculada, é a de que no<br />
SEAE fiquem apenas algumas estruturas do<br />
Conselho e da Comissão que tratem de assuntos<br />
exclusivamente políticos, devendo as que executam<br />
o planeamento e conduta de missões civis e<br />
operações militares, nomeadamente o CPCC e o<br />
EUMS, permanecer na dependência do PSC e do<br />
SG HR.<br />
Pensamos não ser necessário, por causa da ratificação do<br />
TL, estabelecer um novo objectivo a ser atingido pela UE<br />
em termos de Capacidades Militares, muito embora o<br />
espectro das Missões tenha alargado no novo Tratado<br />
Novas Missões<br />
A Missões de Peteresberg, até agora consignadas<br />
no Tratado da UE no seu art.º 17, eram as<br />
missões humanitárias ou de evacuação dos<br />
cidadãos nacionais; as missões de manutenção da<br />
paz; e as missões de forças de combate para a gestão<br />
das crises, incluindo operações de restabelecimento<br />
da paz.<br />
As Missões consignadas no art.º 43 do TL são<br />
as “Acções conjuntas em termos de desarmamento,<br />
as Missões Humanitárias e de Evacuação, as<br />
missões de aconselhamento e assistência em matéria<br />
militar, as missões de prevenção de conflitos e de<br />
manutenção de paz, as missões de forças de<br />
combate para a gestão de crises, incluindo as<br />
missões de restabelecimento de paz e as operações<br />
de estabilização no termo dos conflitos”.<br />
Comparando as missões que estavam consignadas<br />
no anterior Tratado da UE com as consignadas<br />
no TL, verificamos que são acrescentadas as acções<br />
conjuntas em termos de desarmamento, as missões<br />
de aconselhamento e assistência em matéria militar,<br />
e, nas missões de forças de combate para a gestão<br />
de crises, são incluídas as operações de estabilização<br />
no termo dos conflitos.<br />
É ainda referido que todas estas missões podem<br />
contribuir para a luta contra o terrorismo, inclusive<br />
mediante o apoio prestado a países terceiros para<br />
combater o terrorismo no respectivo território.<br />
Embora no tratado da UE, ainda em vigor, só<br />
estivessem consignadas as missões de Peteresberg,<br />
em termos do processo de desenvolvimento de<br />
capacidades militares 5 , no Requirements Catalogue<br />
03, já foram considerados os cenários da Separação<br />
de Partes pela Força, a Prevenção de Conflitos, a<br />
Evacuação de Cidadãos, a Ajuda Humanitária e o<br />
Auxílio à Reconstrução de Estados Falhados. Em<br />
todos estes cenários foi considerado que existia o<br />
perigo de ocorrência de um ataque terrorista à força<br />
da UE, facto que fez aumentar a lacuna qualitativa<br />
existente na organização em termos de protecção.<br />
O terrorismo em si só e a sua luta não foram<br />
considerados missões essencialmente militares, mas<br />
sim missões policiais.<br />
Actualmente, na República Democrática do<br />
Congo (RDC), está a ser levada a cabo uma missão<br />
de desarmamento. Para além da RDC, várias<br />
missões de aconselhamento militar, vulgo de<br />
cooperação civil e militar, têm sido efectuadas,<br />
tendo a última sido lançada, no corrente ano, na<br />
República da Guiné-Bissau.<br />
Pensamos não ser necessário, por causa da<br />
ratificação do TL, estabelecer um novo objectivo<br />
(Headline Goal) a ser atingido pela UE em termos<br />
de Capacidades Militares, muito embora o espectro<br />
das Missões tenha alargado no novo Tratado,<br />
incluindo explicitamente no tocante à prestação de<br />
apoio a países terceiros para combater o terrorismo<br />
no respectivo território 6 .<br />
Em nossa opinião, poderá vir a ser estabelecido<br />
um novo Objectivo de Força após 2010, não devido<br />
ao facto de existirem novas missões explícitas no<br />
TL – uma vez que a maior parte delas já foi<br />
considerada no desenvolvimento das Capacidades<br />
em curso a atingir em 2010 – mas sim devido a<br />
ambições políticas da União.<br />
3 Este tem sido o entendimento tácito dos sucessivos<br />
Directores Gerais do EUMS, até à presente data.<br />
4 Para que este se transforme num Estado-Maior com<br />
as capacidades necessárias para efectuar o planeamento e<br />
comando ao nível operacional (equivalente ao nível<br />
estratégico na NATO).<br />
5 Uma capacidade militar engloba um conjunto de meios<br />
materiais e humanos, conceitos, doutrina e treino.<br />
6 A UE parece ter capacidades militares suficientes no<br />
Catálogo de Forças 03, em termos de Forças de Operações<br />
Especiais, e Forças Especiais para fazer face a Guerras<br />
Assimétricas.<br />
47
Defesa Colectiva na UE<br />
O Artigo 42.º, alínea 7, do Tratado da UE (TL)<br />
refere que se um Estado Membro for alvo de uma<br />
agressão armada, os outros Estados Membros<br />
deverão prestar-lhe auxílio e assistência por todos<br />
os meios ao seu alcance, tendo, no entanto, em<br />
conta as suas especificidades, bem como as relações<br />
que possuam com a NATO, que continua a ser o<br />
fundamento da defesa colectiva da maior parte dos<br />
Estados Membros da UE.<br />
O enunciado do art.º 42 versa sobre um assunto<br />
eminentemente político e, como tal, não gostaríamos<br />
de nos pronunciar sobre ele, por não ser o objecto<br />
deste trabalho 7 .<br />
Gostaríamos, no entanto, de referir que o último<br />
parágrafo da alínea 7 do TL, referente às relações<br />
com a NATO, em nosso entender, mata à nascença<br />
a possibilidade da UE poder eventualmente pensar<br />
em estabelecer uma defesa colectiva.<br />
O artigo 222.º do Tratado sobre o Funcionamento<br />
da União Europeia estabelece a Cláusula<br />
de solidariedade, ou seja, o dever de prestar auxílio<br />
a um Estado Membro no caso deste ser “vítima de<br />
um ataque terrorista, ou vítima de uma catástrofe<br />
natural, ou de origem humana...”. Este artigo relança<br />
o problema do terrorismo que, sendo um problema<br />
de Segurança, não é um problema de Defesa, razão<br />
pela qual não nos vamos alongar mais sobre este<br />
assunto por não ser do âmbito deste trabalho.<br />
A Cooperação Estruturada<br />
Permanente<br />
A cooperação estruturada permanente (CEP)<br />
vem referida no TL, no seu artigo 46.º, e no Protocolo<br />
Adicional n.º 10<br />
48<br />
8 .<br />
A CEP é uma das novidades deste Tratado, em<br />
termos de PCSD, e a mais importante pelas exigências<br />
para dela se fazer parte desde a primeira hora, e para<br />
os outros Estados Membros, pelas exigências e<br />
critérios que terão de passar, para a posteriori a<br />
integrarem.<br />
Há um certo receio, por parte do poder político,<br />
de que com a CEP se tenha aberto uma “caixa de<br />
Pandora” que vá permitir que a PCSD caminhe a<br />
duas velocidades diferentes. De acordo com a<br />
opinião do Eurodeputado Carlos Coelho, em<br />
Conferência na Faculdade de Economia em Coimbra,<br />
a CEP está inserida no Tratado, por ser preferível<br />
que esta o integre, tendo em vista evitar que esta<br />
forma de cooperação se concretizasse na mesma à<br />
margem do Tratado, facto que, na sua opinião, seria<br />
muito mais prejudicial para o futuro da União.<br />
A EDA, em termos de desenvolvimento de Capacidades,<br />
passa a ter, em nossa opinião, responsabilidades muito<br />
semelhantes ao Internacional Staff da NATO<br />
Na prática, os cinco maiores Estados Membros<br />
da União já determinam o que se pode ou não fazer<br />
em termos de PCSD, e a maioria dos restantes<br />
Estados Membros vão um pouco a reboque.<br />
Como vimos a propósito do SEAE, também em<br />
relação à CEP estão a ser definidos, no nível<br />
político, os critérios/parâmetros para que os<br />
Estados Membros a possam integrar desde a<br />
primeira hora, baseados no artigo 2.º do Protocolo<br />
adicional n.º 10.<br />
A Agência Europeia de Defesa<br />
A criação da Agência Europeia de Defesa (EDA)<br />
é estabelecida nos artigos 42.º e 45.º e no art.º 3.º do<br />
protocolo adicional n.º 10.<br />
O papel da EDA sai reforçadíssimo com o TL,<br />
pois este dá-lhe muitas mais missões do que as que<br />
tinha até ao momento, tendo-lhe inclusivamente<br />
sido dada a responsabilidade de informar se<br />
determinado Estado Membro se encontra ou não<br />
apto a integrar ou de continuar a pertencer ao Clube<br />
da CEP.<br />
A EDA é também responsável pela investigação<br />
e pelo estabelecimento de programas de desenvolvimento<br />
de projectos, bem como pelo seu financiamento,<br />
factos que são bastante importantes no<br />
desenvolvimento e aprofundamento da PCSD e no<br />
futuro estabelecimento de critérios de admissão dos<br />
Estados Membros à CEP, pois um dos critérios a
estabelecer deverá ser o da participação em<br />
projectos multinacionais.<br />
A EDA, em termos de desenvolvimento de<br />
Capacidades, passa a ter, em nossa opinião, responsabilidades<br />
muito semelhantes ao Internacional<br />
Staff da NATO, ficando com responsabilidades<br />
no desenvolvimento de Capacidades<br />
a Médio/Longo Prazo, facto que condicionará o<br />
estabelecimento de novos objectivos (GoAls) a<br />
atingir pela União.<br />
Os resultados do Capabilities Development<br />
Process a ser entregues no final do primeiro<br />
Semestre de 2008, trabalho coordenado pela EDA,<br />
vão ser determinantes para o futuro desta nova<br />
agência.<br />
A EDA não deve estabelecer conceitos ao nível<br />
estratégico, sendo tal responsabilidade do MC,<br />
enquanto Órgão do Conselho. Por vezes, a Agência<br />
necessita de alguns conceitos específicos 9 para<br />
poder planear o desenvolvimento de Capacidades<br />
a Longo Prazo, tendo, para o efeito, estabelecido<br />
uma entente cordiale com o MC no sentido de os<br />
poder desenvolver, caso este órgão não tenha<br />
capacidades para o fazer em tempo.<br />
A EDA vai ser o elo de ligação que faltava entre<br />
o mundo político, académico e empresarial, facilitando<br />
assim a constituição efectiva de uma<br />
indústria de Defesa da União.<br />
O Agrupamento de Batalha<br />
Os Agrupamentos de Batalha (BG) são<br />
elementos de reacção rápida necessários para que<br />
a UE responda aos desafios que lhe são lançados.<br />
O BG, como sabemos, é uma força de cerca de<br />
1500 homens, com as capacidades logísticas para<br />
sobreviver num TO por um período de trinta dias<br />
sem ser reabastecido, podendo este período ser<br />
prorrogável até 120 dias. O BG deve estar<br />
preparado para ser projectado para um TO num<br />
prazo compreendido entre 5 a 30 dias. Conjuntamente<br />
com a força, deve ser projectado um Quartel-<br />
7 As relações NATO/UE já foram alvo de alguns artigos<br />
escritos por nós, na Revista Militar, no ano transacto.<br />
8 As Cooperações reforçadas – outro assunto de que se<br />
trata neste Tratado – não são novas, já existindo na Europa<br />
ainda antes da PESD fazer parte da UE. Forças como o<br />
EUROCORPO, a EUROFOR de entre outras cerca de<br />
trezentas forças multinacionais constituídas, algumas<br />
integradas já no Catálogo de Forças da UE<br />
9 Há conceitos que são necessários ao desenvolvimento<br />
de Capacidades. Alvin Toffler diz que se devem estabelecer<br />
os conceitos mesmo que não se disponham de determinados<br />
meios na actualidade, pois a tecnologia tem capacidades<br />
General de Força (FHQ) capaz de comandar a força<br />
e lidar com um Quartel-General de Operacões<br />
(OHQ) a cerca de 10 mil Km de distância.<br />
Desafios para Portugal<br />
Desde que se começou a falar no TL que se<br />
ouve repetir incessantemente, desde o nível<br />
político até aos estudantes das faculdades, o lema<br />
de que “Portugal tem que ficar na linha da frente<br />
da CEP e, consequentemente, na linha da frente<br />
da Defesa Europeia”, ou seja, à semelhança do<br />
que fez aquando da entrada em vigor do EURO,<br />
Portugal deve agora também fazer um esforço para<br />
apanhar o “comboio” da CEP.<br />
A entrada no “Clube” da CEP, como definida<br />
no TL, parece ser muito condicionada. No entanto,<br />
como já referimos, estão-se actualmente a definir<br />
os critérios objectivos para que os Estados<br />
Membros possam entrar no “Clube”, devendo Portugal<br />
tentar, como sabemos que o está a fazer, que<br />
estes se adaptem à nossa condição.<br />
Um BG, ou a participação numa força multinacional<br />
com uma unidade de escalão batalhão 10 para<br />
formar um BG, parece ser o mínimo exigível de que<br />
o País deve dispor para poder pertencer ao<br />
“Clube” 11 .<br />
A Directiva do General CEME, aquando da sua<br />
tomada de posse, define, como prioridade, o<br />
levantamento de um BG, pelo que, se o <strong>Exército</strong><br />
atingir esse objectivo, que é perfeitamente<br />
plausível e exequível, Portugal deverá negociar<br />
com outros Estados Membros para que estes<br />
providenciem os “enablers”, ou seja, neste caso<br />
os meios para fazer a projecção da força e a sua<br />
consequente sustentação logística, uma vez que<br />
a nação não possui organicamente esses meios 12 .<br />
Para não perdermos o comboio da Cooperação<br />
Estruturada Permanente, em nossa opinião, Portugal<br />
precisa de:<br />
Continuar a investir na área da Defesa, muito<br />
em especial nas áreas de Capacidades onde existem<br />
para subsequentemente os desenvolver.<br />
10 Critério que está a ser discutido em Bruxelas como o<br />
mínimo de que um Estado Membro deve dispor para integrar<br />
a CEP.<br />
11 Até à data, a nossa participação nos BG tem sido feita<br />
a nível de companhia, facto que nos parece manifestamente<br />
insuficiente para as actuais ambições nacionais de pertencer<br />
ao pelotão da frente da UE. A mínima participação nacional<br />
deverá ser de um batalhão.<br />
12 Os meios para a projecção poderão também ser<br />
contratados recorrendo a meios civis e militares,<br />
nomeadamente ao SALIS.<br />
49
50<br />
lacunas na UE 13 . Para isso é necessário que os<br />
futuros orçamentos nacionais reflictam efectivamente<br />
este desiderato, facto que, como sabemos,<br />
na conjuntura actual é muito difícil que venha a<br />
acontecer;<br />
Ter acesso privilegiado à informação, bem como<br />
capacidade para influenciar as decisões na altura<br />
da elaboração dos documentos nas diversas<br />
estruturas da PCSD, devendo, para isso, participar<br />
com pessoal em todas as estruturas do conselho e<br />
agências 14 ;<br />
Participar efectiva e activamente em todas as<br />
reuniões 15 , e em todos os níveis, desde o técnico<br />
ao político, no âmbito do Conselho e da EDA,<br />
relacionadas com a PCSD;<br />
Participar efectivamente nas operações militares<br />
sob a égide da UE. Não podemos não participar ou<br />
participar com um mínimo possível de pessoal nas<br />
operações. Ultimamente, em termos de forças<br />
terrestres, Portugal tem participado somente com<br />
um ou dois oficiais de Estado-Maior dos Quartéis-<br />
Generais. No TO da Bósnia, quando a operação<br />
transitou da NATO para a UE, Portugal retirou<br />
imediatamente o seu contingente, facto que foi<br />
muito criticado por alguns Estados Membros;<br />
Continuar a disponibilizar Forças para o<br />
Catálogo de Forças da UE. As forças<br />
disponibilizadas para a NATO deveriam também ser<br />
disponibilizadas para a UE 16 ;<br />
Adequar o Planeamento de Forças Nacional<br />
também aos requisitos da UE e não responder exclusivamente<br />
aos ciclos de planeamento da NATO;<br />
Utilizar a EDA como uma possibilidade de<br />
13 As lacunas na UE estão listadas no Catálogo de<br />
Progresso finalizado durante a Presidência Portuguesa da<br />
Organização.<br />
O investimento nacional recentemente efectuado na<br />
área da “Protecção” da Força, que resultou no<br />
reequipamento das Forças do <strong>Exército</strong> com as novas<br />
viaturas PANDUR, associado ao reequipamento com os<br />
rádios da família 500, que permitem comunicação por<br />
fonia e por dados, vão ser uma grande mais-valia para o<br />
desenvolvimento tecnológico do <strong>Exército</strong> Português e<br />
respondem a algumas das lacunas identificadas no Catálogo<br />
de Progresso.<br />
14 Facto do pessoal destas estruturas muitas vezes<br />
continuar a ser pago pelas estruturas nacionais, em cargos<br />
designados por “seconded”, tem feito com que Portugal,<br />
por dificuldades orçamentais, não tenha colocado<br />
elementos em número significativo nas estruturas da PCSD,<br />
o que em nosso entender nos leva a ter um “deficit” de<br />
informação e um reduzido poder de influência.<br />
Como afirmou o EURODEPUTADO Carlos Encarnação<br />
em Conferência na Faculdade de Economia de<br />
Coimbra, “não parece ser possível não termos influência<br />
nas estruturas da PESD por falta de verbas. Este facto só<br />
acesso à informação, à tecnologia e aos desenvolvimentos<br />
das Indústrias de Defesa;<br />
Promover a criação de Centros de Excelência<br />
em Portugal, nas áreas em que temos melhores<br />
capacidades, nomeadamente na área de Operações<br />
Especiais.<br />
As maiores dificuldades que se põem a Portugal,<br />
actualmente, estão nas restrições orçamentais que<br />
estamos vivendo, onde, com um orçamento cada<br />
vez mais reduzido, temos de fazer face às novas<br />
exigências de Segurança e Defesa.<br />
A opção pela especialização em determinadas<br />
áreas e Capacidades, ao invés da generalização<br />
conforme explicitado no TL, pode ser perigosa, pois<br />
esta só se poderá eventualmente concretizar quando<br />
existir uma verdadeira Defesa Colectiva Europeia 17 .<br />
Conclusões<br />
Com a entrada em vigor do TL, algumas<br />
alterações vão ser efectuadas na estrutura,<br />
organização e composição do Conselho e alguns<br />
dos actuais órgãos irão migrar para o novo Serviço<br />
Europeu de Acção Externa. O Estado-Maior da União<br />
Europeia é um dos órgãos do Conselho que,<br />
provavelmente, passará para a alçada deste novo<br />
serviço, malgrado a opinião divergente de alguns<br />
Estados Membros.<br />
O TL atribui novas missões à PCSD, para além<br />
das missões de Peteresberg, algumas dessas missões<br />
já estavam tipificadas nos cenários de Desenvolvimento<br />
de Capacidades constantes no Headline Goal<br />
Catalogue para se atingir o HG 2010, pelo que, por<br />
demonstra uma grande falta de visão estratégica nacional”<br />
15 Em muitas reuniões do Conselho e da EDA, Portugal<br />
não participa por falta de orçamento.<br />
16 O facto de se disponibilizarem forças para o Catálogo<br />
de Forças da UE, em termos de planeamento, não<br />
compromete Portugal a disponibilizar as mesmas forças<br />
para uma Operação. Antecedendo uma Operação Militar<br />
há sempre uma Conferência de Geração de Forças onde<br />
cada Estado Membro disponibiliza as Forças que entende,<br />
independentemente de as ter disponibilizado anteriormente<br />
para o Catálogo de Forças.<br />
17 Em relação à NATO, o nosso Conceito Estratégico<br />
de Defesa Nacional já prevê que, sendo esta a Organização<br />
de Defesa Colectiva da Europa, algumas Capacidades<br />
necessárias à Defesa Nacional poderão ser “descuradas”,<br />
podendo por esse facto Portugal especializar-se nalgumas<br />
Capacidades em detrimento de outras.<br />
Recordamos que, após a Cimeira de Praga da NATO,<br />
vários documentos circularam, tendo em vista que as nações<br />
conseguissem dar passos significativos no caminho da<br />
especialização, tendo no primeiro documento aparecido a<br />
palavra “must”, na primeira revisão do documento a<br />
palavra “should” e na terceira revisão a palavra “could”.
esta razão, não nos parece ser necessário estabelecer<br />
um novo objectivo para a UE.<br />
Em relação à Defesa Colectiva da UE, gostaríamos<br />
de referir que o último parágrafo da alínea 7 do TL<br />
alusivo às relações com a NATO, em nosso entender,<br />
mata à nascença a possibilidade da UE poder pensar<br />
em estabelecer uma Defesa Colectiva<br />
A CEP (protocolo adicional n.º10) atribui uma<br />
acrescida importância à já existente EDA, em termos<br />
de avaliação regular dos critérios de integração e de<br />
manutenção dos Estados Membros neste “Clube”<br />
restrito.<br />
A contribuição, quer a título nacional, quer<br />
integrando uma força multinacional, para um BG,<br />
passa a ser um dos critérios mais relevantes para os<br />
Estados Membros serem admitidos na CEP.<br />
www.exercito.pt www.exercito.pt<br />
Muitos desafios ora se põem a Portugal para<br />
que possa integrar o pelotão da frente da PCSD,<br />
todos eles relacionados com um maior investimento<br />
financeiro e com uma participação efectiva nas<br />
reuniões da UE, bem como com uma participação<br />
proporcional às nossas ambições nas operações<br />
militares no âmbito da PCSD.<br />
Muito embora as Forças Nacionais Destacadas<br />
nos diversos TO, até à presente data, sejam alvo de<br />
rasgados elogios internacionais, estas não têm<br />
participado em operações sob a égide da UE.<br />
As maiores dificuldades que se põem a Portugal<br />
estão relacionadas com as actuais restrições<br />
orçamentais, facto que é incontornável.JE<br />
Fotos: arquivo JE<br />
51
52<br />
Coronel José A. R. do Carmo<br />
Na década de 80, quando o poder da URSS<br />
parecia formidável, eu, então jovem<br />
Tenente, frequentei no Regimento de Comandos<br />
um curso de Patrulhas de Reconhecimento de<br />
Longo Raio de Acção. Tratava-se de um curso<br />
alemão, cujo racional era simples:<br />
Na eventualidade de uma cavalgada blindada<br />
do Pacto de Varsóvia em direcção a Ocidente,<br />
assumia-se que não era possível, face ao potencial<br />
relativo de combate, conduzir, com sucesso, uma<br />
defesa avançada, optando-se por ceder terreno e<br />
defender em profundidade, numa malha de pontos<br />
fortes (povoações e zonas defensáveis) que<br />
canalizassem e abrandassem as colunas blindadas,<br />
desgastando-as e obrigando-as a desenvolver de<br />
forma a possibilitar contra-ataques pela manobra e<br />
pelos fogos.<br />
Para trás das linhas inimigas, escondidas em<br />
shelters subterrâneos, ficariam numerosas equipas<br />
de quatro ou cinco homens, cuja missão principal<br />
era observar e reportar os movimentos soviéticos,<br />
podendo também conduzir acções directas à ordem<br />
ou em alvos de oportunidade que não pusessem<br />
em causa a missão principal.<br />
O curso era ministrado a tropas especiais alemãs<br />
e da NATO, e incidia essencialmente na capacidade<br />
de sobrevivência (as equipas estavam entregues a<br />
Na eventualidade de uma cavalgada blindada do Pacto de<br />
Varsóvia em direcção a Ocidente, assumia-se que não era<br />
possível, conduzir, com sucesso, uma defesa avançada<br />
si mesmas, fora do alcance da cadeia logística),<br />
na camuflagem, no apurado reconhecimento visual<br />
de todo o equipamento do Pacto de Varsóvia e,<br />
acima de tudo, na capacidade de agir sem ordens<br />
específicas, face a situações inopinadas, mas dentro<br />
do conceito geral de operação.
A doutrina militar soviética (e de todos os exércitos<br />
que a copiavam) assentava no princípio da massa, e<br />
o “calcanhar de Aquiles” da sua máquina militar era a<br />
rígida organização vertical, que retirava toda a iniciativa<br />
aos baixos escalões e exigia a constante injecção de<br />
ordens vindas dos centros de decisão. Este sistema<br />
assegurava a obediência total das tropas e o<br />
cumprimento rígido dos planos de operações, mas<br />
impedia a flexibilidade necessária para reagir<br />
imediatamente a quaisquer alterações no campo de<br />
batalha, porque a maioria dos combatentes não tinha<br />
uma ideia do conceito da manobra e nem sequer<br />
saberia onde estava a combater. Não era um assunto<br />
de somenos, embora parecesse. Na realidade, era ele<br />
que marcava a diferença entre ganhar ou perder.<br />
Na Guerra do Yon Kippur, foi a capacidade de<br />
comandar à frente e tomar iniciativas mais depressa<br />
que o adversário que salvou Israel de uma derrota<br />
que parecia certa e iminente.<br />
Nos Montes Golan, os sírios, organizados<br />
segundo o sistema soviético, atacaram massivamente,<br />
em Outubro de 1973, com 1400 carros de combate,<br />
apoiados por fogos de aviação e de mais de 1000<br />
peças de Artilharia, ao longo de uma frente de menos<br />
de 50 km. À sua frente, apenas duas brigadas com 170<br />
carros de combate, apoiadas por menos de 100 peças<br />
de artilharia. Ao fim de 3 dias de combates, as forças<br />
israelitas estavam reduzidas a cacos e a derrota parecia<br />
inevitável, mas enquanto os sírios paravam para<br />
reagrupar e reorganizar, remanescentes de unidades<br />
israelitas lançavam, por iniciativa própria, contraataques<br />
localizados e montavam letais emboscadas<br />
anticarro que destruíram dezenas de carros sírios. Eram<br />
manobras tácticas de pequeno alcance, mas as forças<br />
sírias no terreno não percebiam o que se estava a<br />
passar, não tinham ordens adequadas à situação e<br />
não tinham iniciativa para reagir de forma adequada.<br />
Quando as informações, tardias e filtradas pelo canal<br />
hierárquico, chegavam ao Estado-Maior sírio, eram<br />
interpretadas como alteração dos pressupostos do<br />
plano o que obrigava à emissão de ordens cujo efeito<br />
foi um progressivo abrandamento da ofensiva que<br />
acabou por deter-se e converter-se em retirada geral,<br />
face à chegada de reforços acabados de mobilizar.<br />
Na frente sul, a Divisão comandada por Ariel<br />
Sharon, agindo muitas vezes por iniciativa própria,<br />
logrou atravessar o Canal do Suez, cercar o 3.º <strong>Exército</strong><br />
Egípcio, e só não entrou na cidade de Ismaília porque<br />
o cessar-fogo o impediu. Sharon acabou por ser<br />
destituído do cargo, mas a verdade é que a iniciativa<br />
local, se bem que tenda a ser sempre contrariada no<br />
seio de organizações rigidamente hierarquizadas,<br />
demonstrou virtualidades que foram cabalmente<br />
compreendidas pelo <strong>Exército</strong> Americano, cuja doutrina<br />
53
54<br />
Na Guerra do Yon Kippur, foi a capacidade de comandar à frente e tomar iniciativas mais depressa que o adversário que<br />
salvou Israel de uma derrota que parecia certa e iminente<br />
evoluiu no sentido de a incluir em todas as operações.<br />
As próprias ordens de operações passaram a incluir o<br />
conceito de operação do comandante e a intenção da<br />
operação, e a ser menos pormenorizadas nas missões<br />
específicas e nas instruções de coordenação. Diz-se<br />
o que fazer e nunca como se deve fazer.<br />
Na verdade, a flexibilidade táctica foi sempre a<br />
melhor arma dos israelitas face à obesidade burocrática<br />
dos exércitos árabes.<br />
Porém, em 2006, no Líbano, este paradigma<br />
parece ter mudado e o Hezbolah combateu Israel<br />
utilizando conceitos que raramente haviam sido<br />
vistos em organizações militares árabes. A guerra<br />
começou com um ataque cuidadosamente planeado<br />
a uma patrulha israelita, com o objectivo de capturar<br />
soldados para utilizar como moeda de troca. A<br />
reacção israelita não foi a que o Hezbolah esperava,<br />
mas os 33 dias que se seguiram mostraram um<br />
Hezbolah muito bem preparado, agarrado a pontos<br />
fortes estabelecidos nas povoações, com unidades<br />
actuado sem ordens especificas, e com shelters<br />
profundos, dissimulados e disseminados pelo<br />
terreno de onde emergiam pequenos grupos de<br />
homens e de onde eram lançados foguetes sobre<br />
Israel, mesmo depois da Infantaria israelita os ter<br />
ultrapassado. Um tipo de guerra que remete<br />
irresistivelmente para o plano alemão dos anos 80.<br />
O terreno não é obviamente igual às grandes<br />
planícies alemãs. Na zona a sul do Rio Litani é<br />
enrugado, rochoso, cortado por numerosas linhas de<br />
água e com abundante vegetação arbustiva, uma<br />
espécie de maquis que dificulta a progressão e facilita<br />
a ocultação. Um terreno parecido ao que podemos<br />
ver em largas partes do nosso território. A maioria da<br />
população é shiita e vive numa densa malha de<br />
pequenas povoações encavalitadas nas colinas. Este<br />
tipo de terreno permite as progressões apeadas, mas<br />
dificulta as grandes manobras blindadas e<br />
mecanizadas, canalizando as viaturas para óbvios e<br />
estreitos eixos de aproximação que o Hezbolah minou<br />
intensivamente. Um bom terreno para defender, um<br />
bom terreno para Infantaria que o Hezbolah, entre<br />
2000 e 2006, preparou minuciosamente, construindo<br />
posições de combate fortificadas e complexas, aptas<br />
a aguentar-se durante semanas. Israel sabia que havia<br />
bunkers espalhados pelo terreno, mas não tinha uma<br />
ideia precisa da sua localização, sofisticação e<br />
dimensão.<br />
O facto de o Hezbolah ter usado as povoações<br />
como pontos fortes, motivou os israelitas a abandonar<br />
a manobra blindada, e a desmontar para atacar,<br />
perdendo as vantagens do movimento, do choque,
da protecção e diminuindo a décalage tecnológica.<br />
Prevendo a impossibilidade de reabastecimentos<br />
devido à supremacia aérea israelita, o Hezbolah<br />
disseminou pelo terreno centenas de paióis e paiolins,<br />
e estabeleceu sistemas telefónicos fechados e<br />
seguros.<br />
Numa guerra com uma vertente psicológica muito<br />
apurada, o Hezbolah não poderia apenas defender,<br />
Qualquer pessoa pode aprender a disparar uma espingarda<br />
em poucos minutos, mas o mesmo não acontece com<br />
Artilharia, morteiros e mísseis anticarro, por exemplo<br />
até porque os israelitas talvez nem sequer se dessem<br />
ao trabalho de atacar directamente as posições<br />
defensivas. Tinha de ter capacidade ofensiva que<br />
obrigasse os israelitas a ir ao terreno. Preparou, por<br />
isso, centenas de abrigos para os seus mísseis que,<br />
ao longo do conflito, foi disparando a uma taxa regular,<br />
procurando passar a ideia de que a acção israelita<br />
não estava a obter qualquer resultado.<br />
Para além de milhares de milicianos, o Hezbolah<br />
tem um núcleo duro de soldados profissionais,<br />
bastante bem treinados e aptos a manusear armas<br />
avançadas. Organizam-se, geralmente, em pequenas<br />
unidades de cinco a dez elementos, capazes de operar<br />
de forma independente por razoáveis períodos de<br />
tempo, mas em contacto com os decisores, através de<br />
um elaborado sistema de comunicações filares e TSF.<br />
O sistema filar está agora a ser estendido à escala<br />
nacional e é tão importante para o Hezbolah que foi,<br />
justamente, uma das causas das confrontações que<br />
varreram o Líbano em 2008, quando o Primeiro-Ministro<br />
o quis controlar.<br />
Os aspectos mais significativos desta organização<br />
são a elevada autonomia dos comandantes nos baixos<br />
escalões e a inexistência de uma pesada cadeia<br />
logística durante as operações. Ou seja, exactamente<br />
o contrário daquilo que sempre caracterizou os<br />
exércitos árabes, e a demonstração cabal de que o<br />
Hezbolah estudou as doutrinas tácticas ocidentais e<br />
de Israel.<br />
Foram estas características novas que surpreenderam<br />
os israelitas em 2006.Em termos de<br />
armamento, um dos tradicionais handicaps das<br />
milícias ou de exércitos improvisados, é a<br />
incapacidade para obter o rendimento óptimo de<br />
sistemas de armas mais avançados. Qualquer pessoa<br />
pode aprender a disparar uma espingarda em poucos<br />
minutos, (embora para a usar com eficácia sejam<br />
necessárias algumas horas), mas o mesmo não<br />
acontece com Artilharia, morteiros e mísseis anticarro,<br />
por exemplo. Os dois primeiros necessitam de<br />
guarnições treinadas e aptas a fazer cálculos de<br />
trajectórias e os mísseis guiados exigem uma prática<br />
aturada, uma vez que não basta carregar no gatilho.<br />
Para além disso, municiar estas armas é uma tarefa<br />
logística complexa dada a dimensão, o peso e a<br />
periculosidade dos projécteis.<br />
O Hezbolah mostrou possuir e saber usar com<br />
eficácia um abundante e sofisticado arsenal, desde a<br />
clássica Kalashnikov ao míssil anticarro russo AT-14<br />
Kornet, passando por vários tipos de mísseis e<br />
foguetes balísticos, SS e SM com alcances entre os 20<br />
e os 200 km. A descrição que um oficial israelita fez do<br />
Hezbolah como “uma Divisão de Comandos iraniana”,<br />
não peca por exagero.<br />
Face à inesperada reacção israelita, cujos<br />
objectivos foram claramente expostos (destruir o<br />
Hezbolah, impedir o lançamento de foguetes e libertar<br />
os soldados capturados), o Hezbolah reajustou a sua<br />
missão com bastante rapidez, definindo os<br />
pressupostos de “vitória”: negar aos israelitas os seus<br />
objectivos. Para isso era necessário sobreviver, causar<br />
o maior número possível de baixas pela usura e manter<br />
o lançamento de mísseis sobre Israel. O ataque israelita<br />
partiu de um conceito claro que recusa a lógica dos<br />
proxies, isto é, um ataque a partir de um Estado<br />
soberano, por grupos que nele têm guarida, é um acto<br />
de guerra. Assim sendo, a reacção israelita alcançou<br />
todo o Líbano, o que terá chocado o próprio Nasralah,<br />
que admitiu que se soubesse que Israel iria reagir<br />
assim, teria pensado duas vezes.<br />
Em termos estratégicos, a reacção israelita foi bem<br />
urdida porque logrou surpreender o Hezbolah. Mas,<br />
em termos tácticos, a história foi outra e as unidades<br />
israelitas agiram com a lentidão que convinha ao<br />
Hezbolah. O comando israelita, ignorando ainda o grau<br />
de fortificação do inimigo, acreditava que a força aérea<br />
seria suficiente para destruir o Hezbolah, mas os cinco<br />
dias que passaram até os soldados meterem as botas<br />
no chão permitiram ao Hezbolah recuperar da surpresa,<br />
adaptar os seus próprios planos e organizar a defesa<br />
55
56<br />
a partir dos pontos fortes nas povoações.<br />
Israel, em vez de avançar impetuosamente para o<br />
Rio Litani, ultrapassando as defesas ainda mal<br />
estabelecidas e deixando-as para trás, agiu como um<br />
meticuloso burocrata, tratando de conquistar<br />
laboriosamente cada uma das posições fortificadas.<br />
Exactamente o contrário do que os panzers alemães<br />
fizeram na França, Sharon no Sinai e os americanos<br />
no Iraque. Mesmo no fim da guerra, uma unidade<br />
blindada israelita perdeu vários carros de combate<br />
porque recebeu ordens para voltar para trás e<br />
quando, algumas horas depois, a mandaram avançar<br />
novamente, já o Hezbolah tinha montado no percurso<br />
uma gigantesca emboscada anticarro com dezenas<br />
de Kornets.<br />
Prender o exército israelita a miríades de pequenas<br />
batalhas por vilórias sem importância, era<br />
exactamente o que convinha ao Hezbolah. Tanto os<br />
israelitas como os soldados do Hezbolah combateram<br />
bem, mas isto foi uma novidade para os israelitas<br />
cuja Infantaria, nos últimos anos, não tinha efectuado<br />
treinos para este tipo de inimigo e neste tipo de<br />
terreno.<br />
Claro que a organização descentralizada não tem<br />
só vantagens. O apoio mútuo é precário, a defesa<br />
tende a tornar-se estática, e um adversário bem<br />
treinado pode explorar isto em seu benefício. A força<br />
combate de forma óptima durante um determinado<br />
período de tempo, mas é incapaz de sustentar o<br />
esforço para além de um limite, o que ajuda a explicar<br />
a ansiedade com que o Hezbolah e os seus patronos<br />
exigiram o cessar-fogo.<br />
O uso intensivo de foguetes contra áreas<br />
edificadas foi um sucesso psicológico, mas de<br />
duvidoso valor estratégico, porque não logrou o<br />
objectivo de quebrar a moral da população israelita.<br />
Isto, acrescido ao facto de o Hezbolah não ter<br />
conseguido que um único míssil de alcance<br />
intermédio atingisse Israel (dezenas de lançadores<br />
de Fajr e Zelzal foram destruídos em apenas meia<br />
hora pela força aérea israelita) terá sido<br />
devidamente anotado pelo Irão e pela Síria, que<br />
dependem exclusivamente destes sistemas para<br />
confrontarem Israel. Em suma, o Hezbolah<br />
sobreviveu e tem toda a legitimidade para se ufanar<br />
do desfecho da guerra. Os israelitas tiraram ilações<br />
muito importantes e certamente que, conhecida a<br />
forma como são capazes de estar um passo à frente,<br />
estão já a preparar as tácticas e as estratégias que<br />
lhe permitirão derrotar e vencer um inimigo que é<br />
agora minuciosamente conhecido e tende a ser<br />
imitado pelo Hamas.<br />
O Hezbolah consolidou tácticas. Nos últimos<br />
meses há notícias de intensos trabalhos de<br />
organização das povoações (zonas que a ONU não<br />
A solução está na velocidade, na iniciativa, nas manobras<br />
indirectas, as protecções activas anticarro e um sistema que<br />
neutralize o impacto psicológico da chuva de foguetes<br />
tem mandato para inspeccionar) e é facto assente<br />
que novas linhas de bunkers estarão a ser<br />
escavadas e apetrechadas com abrigos profundos<br />
para homens e armas.<br />
Não é difícil prever que o Hezbolah irá enterrar<br />
também os lançadores de mísseis de alcance<br />
intermédio, apostar na massificação dos mísseis<br />
anticarro e tudo fará para limitar a supremacia aérea<br />
israelita, com a aquisição e distribuição de mísseis<br />
antiaéreos de fabrico russo. Será um adversário<br />
temível, se Israel lhe der combate nos termos que ele<br />
pretende. A solução está, como sempre, desde os<br />
tempos de Belisário, na velocidade, na iniciativa, nas<br />
manobras indirectas, sem esquecer a inovação<br />
tecnológica, as protecções activas anticarro e um<br />
sistema que neutralize o impacto psicológico da<br />
chuva de foguetes (Sistema Iron Dome).JE<br />
Fotos: arquivo JE<br />
Biografia:<br />
O Coronel, na situação de Reforma, José António<br />
Rodrigues do Carmo concluiu a Licenciatura em Ciências<br />
Militares na Academia Militar, em 1982.<br />
Possui o Mestrado em Ciências e Sistemas de<br />
Informação Geográfica e os cursos de Operações<br />
Especiais, Comandos, Patrulhas de Reconhecimento de<br />
Longo Raio de Acção, Pára-quedismo, Operações<br />
Aerotransportadas e Estado-Maior, entre outros.<br />
Em 2001, foi o responsável editorial e redactorial da<br />
revista “Mama Sumae”.<br />
Actualmente, desenvolve, entre outras funções, a de<br />
colunista na Revista Atlântico.
Coronel Henrique Maurício<br />
ENDORFINAS, as drogas audáveis<br />
Muitos de nós, ao praticarmos uma actividade fisíca,<br />
nomeadamente do tipo aeróbico, tal como uma<br />
simples “corridinha”, já experimentámos, uma vez terminado<br />
o esforço, aquela sensação de bem-estar, de felicidade, de<br />
agradável lassidão a qual, avolumada pelo prazer do banho<br />
retemperador que lhe sucede, nos leva a desejar repeti-la,<br />
tão breve quanto possível. Só que uns, após alguns dias de<br />
descanso, esquecem-na por completo, regressando à sua<br />
habitual condição de sedentários, enquanto que outros caem<br />
no extremo oposto, passando a engrossar o pelotão dos<br />
chamados “viciados do fitness”, termo aplicado com toda a<br />
propriedade já que essa verdadeira sensação de prazer se<br />
deve a uma autêntica droga, a endorfina, susceptivel, como<br />
todas as outras, de provocar uma verdadeira dependência,<br />
apenas com uma grande diferença relativamente àquelas que<br />
lhe advém do facto de estar intimamente relacionada com<br />
uma actividade que acarreta evidentes benefícios para a<br />
saúde dos seus praticantes.<br />
Entre os dois extremos há aqueles, cada vez em maior<br />
número, felizmente, que passaram a incluir nas suas rotinas<br />
a prática regular de exercício físico e, com isso, a usufruir de<br />
todos os benefícios que dele advêm. Mas, afinal, o que são<br />
as endorfinas? Kans Kosterlits e John Hughes foram os<br />
primeiros, em 1970, a observá-las no cérebro do porco, tendo<br />
posteriormente, no decurso das suas investigações, chegado<br />
à conclusão que tais substâncias eram comuns a todos os<br />
mamíferos, incluindo o organismo humano, onde foram<br />
detectadas em vários tecidos, nomeadamente ao nível do<br />
sistema digestivo, da medula espinal e do cérebro, e que<br />
elas não mais eram do que polipépticlos isolados que uma<br />
vez fixados nos receptores de certos neurônios, por um<br />
mecanismo semelhante ao dos opiáceos, como, por exemplo,<br />
a morfina, apresentavam propriedades analgésicas de longa<br />
duração e que poderiam, inclusive, dar origem a sensações<br />
de prazer.<br />
Trata-se, no fundo, de hormonas produzidas nas<br />
glândulas hipófise e hipotálamo que actuam sobre<br />
determinadas zonas do cérebro associadas à percepção da<br />
dor, e que são segregadas em determinadas circunstâncias,<br />
fisiológicas e psicológicas, tais como o stress intenso ou o<br />
exercício físico praticado de acordo com características de<br />
intensidade e duração específicas.<br />
No que concerne à actividade física, os seus efeitos<br />
podem ser vários, sendo o mais conhecido (e sentido) o<br />
efeito anestesiante que intervem para limitar as sensações<br />
dolorosas associadas ao esforço, nomeadamente quando<br />
se ultrapassam determinados limites − aquilo a que na gíria<br />
os atletas, em especial os corredores de fundo, chamam<br />
DESPORTO<br />
Actividade Física, Condição Física e Saúde<br />
Algumas (boas) razões para a prática regular do exercício físico<br />
runner’s higt e que não é mais do que uma impressão que<br />
varia entre o simples prazer e a euforia a qual permanece<br />
após um esforço do tipo de corrida contínua com uma<br />
duração mínima de meia hora. Trata-se, aliás, de um fenómeno<br />
semelhante ao experimentado com a massagem, actuando<br />
de uma forma intensa e profunda ao nível dos neurónios e<br />
seus receptores.<br />
De notar que durante uma actividade do tipo da referida<br />
(corrida contínua), o organismo não se limita a segregar<br />
aquelas hormonas do prazer mas, simultâneamente, vai<br />
eliminando as hormonas do stress, tais como a adrenalina.<br />
De salientar, também, que a taxa de produção das<br />
endorfinas está directamente ligada não só à intensidade e<br />
duração do exercício como à sua natureza. Assim, nas<br />
actividades de endurance, tais como o jogging, a sua<br />
produção é das mais elevadas podendo atingir valores cinco<br />
vezes superiores aos do repouso, no período de 30 a 40<br />
minutos seguintes ao termo do esforço. De igual modo,<br />
desportos como o ciclismo, a natação e a generalidade dos<br />
desportos de salão (voleibol, andebol, futsal, etc) ou as<br />
actividades de ginásio como o cardio-fitness (passadeira,<br />
remo, bicicleta ergométrica), o step, a aeróbica, etc, dão<br />
também origem a produções elevadas de endorfinas.<br />
Contudo, convém referir que para se experimentar, na<br />
sua plenitude, o tal efeito de bem-estar dessas hormonas,<br />
57
58<br />
DESPORTO<br />
torna-se necessário que o exercício, para além de<br />
características de endurance, ou seja, com uma intensidade<br />
a que correspondem 65 a 79% da Frequência Cardíaca Máxima<br />
(FCM), tenha uma duração mínima, repetimos, de 30 minutos.<br />
Outro aspecto importante das endorfinas diz respeito ao<br />
seu efeito ansiolítico o qual fundamenta a prescrição de<br />
actividades do tipo das referidas a pessoas stressadas e<br />
deprimidas, com uma pequena diferença que reside no facto<br />
de, nestes casos, o esforço terá de ser de uma intensidade<br />
ligeiramente superior, logo, de menor duração por norma um<br />
mínimo de 20 minutos, para que assim se possam obter efeitos<br />
mais duradouros no organismo, que poderão prolongar-se<br />
por períodos de duas e seis horas, tudo dependendo da<br />
intensidade e duração do esforço dispendido. Todavia tal<br />
acção antidepressiva não é exclusiva das endorfinas, mas<br />
destas associadas à serotonina, um neuromediador ou<br />
neurotransmissor, ou seja, uma substância que transmite o<br />
influxo nervoso entre os neurónios e entre estes e os<br />
músculos, para além de outras funções não menos<br />
importantes, como sejam a regularização da mobilidade intestinal,<br />
a sua acção na musculatura lisa ou de<br />
vasoconstrição em certos territórios vasculares.<br />
Outro dos efeitos das suprecitadas endorfinas é o<br />
analgésico, assim denominado porque ao fixarem-se a<br />
receptores específicos inibem as dores de origem muscular<br />
e tendinosa possibilitando a manutenção do esforço apesar<br />
da fadiga, fenómeno conhecido na gíria desportiva por<br />
“segundo fôlego”.<br />
Mas, nem tudo são “rosas” quando se fala das endorfinas,<br />
ou, por outras palavras, elas também tem efeitos negativos<br />
que importa ter presentes.<br />
Com efeito, a sua acção analgésica, por atenuar ou<br />
camuflar a dor, leva amiúde os praticantes a cairem em<br />
exageros, o que não é de todo recomendável. Por outro lado,<br />
o seu efeito euforizante pode conduzir-nos a um patamar de<br />
grande excitação, pelo que são desaconselháveis sessões<br />
intensas de treino nocturno dada a influência nefasta que<br />
ela tem na qualidade do sono e no necessário descanso dos<br />
atletas ou simples praticantes.<br />
Outro dos seus efeitos prejudiciais prende-se com a<br />
dependência que atrás referimos, a qual pode levar<br />
determinadas pessoas a tornarem-se demasiado obsecadas<br />
com a sua condição física, o seu peso ou as<br />
suas “perfomances”, transformando-se em<br />
autênticos “escravos do treino”. Com efeito,<br />
tais indivíduos apresentam muitas vezes,<br />
sintomas de uma inquietação e perturbação<br />
permanentes, traduzidas, muitas vezes, em<br />
situações de culpabilidade, angústia e<br />
vergonha, nomeadamente quando têm de<br />
interromper o seu plano de treinos, mesmo<br />
que tal interregno seja devido a situações<br />
incontornáveis, por exemplo, lesões ou<br />
doença.<br />
Como corolário, tais indivíduos têm<br />
tendência a aumentar descontroladamente a<br />
carga de treino nas sessões de retorno, numa<br />
ânsia de voltarem rapidamente à forma<br />
momentâneamente perdida, o resultado é a<br />
queda no chamado “sobretreino” com as<br />
consequências que lhe estão associadas,<br />
como sejam as tendinites, as bursites, as<br />
dores e fadiga crónicas, acompanhadas,<br />
quasi sempre, com um enfraquecimento geral<br />
do sistema imunitário, abrindo-se, assim, as<br />
portas a outras complicações de saúde mais<br />
graves.<br />
Assim, quando tal depêndencia começa<br />
a apoderar-se do praticante, torna-se necessária<br />
uma consulta médica.<br />
A boa notícia é que essa dependência<br />
tem, em relação à das restantes drogas, a<br />
grande vantagem de não exigir um desmame<br />
total sendo mesmo desaconselhavel a<br />
interrupção das sessões. Nestes casos,<br />
torna-se apenas necessária uma alteração do<br />
programa de treinos, recorrendo por isso aos<br />
conselhos de um técnico especializado.JE