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JE577OUT08 - Exército

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PROPRIEDADE<br />

DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO<br />

Direcção, Redacção e Administração<br />

Largo de S. Sebastião da Pedreira<br />

1069-020 Lisboa<br />

Telef: 213 567 700<br />

Fax Civil: 213 567 791 Militar: 414 091<br />

E-mail: jornal.do.exercito@mail.exercito.pt<br />

E-mail: jornal.exercito@sapo.pt<br />

E-mail − Intranet: Jornal do <strong>Exército</strong><br />

Home page: www.exercito.pt<br />

DIRECÇÃO<br />

Director<br />

Coronel de Infantaria<br />

José Custódio Madaleno Geraldo<br />

Secretária<br />

Ass Adm Principal Teresa Felicíssimo<br />

2.º Cabo-Condutor Fábio Carrada<br />

REDACÇÃO<br />

Chefe<br />

Tenente-Coronel J. Pinto Bessa<br />

Redactores<br />

Tenente Paulo Moreira<br />

Tenente Rico dos Santos<br />

Mauro Matias<br />

Designer<br />

Inês Galvão<br />

Operadoras Informáticas<br />

Ass Adm Especialista Elisa Pio<br />

Ass Adm Principal Guiomar Brito<br />

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO<br />

Chefe<br />

Major Augusto Correia<br />

Operadores Informáticos<br />

Ass Adm Tânia Espírito Santo<br />

2.º Cabo Gonçalo Silva<br />

Biblioteca<br />

Ass Adm Especialista Joana Moita<br />

SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS<br />

Chefe<br />

Tenente-Coronel Moura Duarte<br />

Operador Informático<br />

Sargento-Ajudante João Belém<br />

Distribuição<br />

Sargento-Ajudante Luís Silva<br />

Auxiliar Serviço Filomena Remédios<br />

Publicidade<br />

Sargento-Ajudante Luís Silva<br />

SECRETARIA<br />

Amanuense<br />

2.º Sargento Carina Rodrigues<br />

COLABORAÇÃO FOTOGRÁFICA<br />

Lusa - Agência de Noticias<br />

de Portugal, SA<br />

Centro de Audiovisuais do <strong>Exército</strong><br />

RCRPP/GabCEME<br />

EXECUÇÃO GRÁFICA<br />

Europress, Lda<br />

Rua João Saraiva, 10-A − 1700-249<br />

Lisboa<br />

Telef 218 444 340 − Fax 218 492 061<br />

Europress@mail.telepac.pt<br />

Tiragem − 6 000 exemplares<br />

Sumário<br />

Ano XLIX - N.º 577 - Outubro de 2008<br />

Corolário da Invasão de Junot<br />

As primeiras derrotas de Napoleão<br />

em Portugal 18<br />

Dia da Arma de Infantaria 30<br />

Batalha de Diu – 1509 12<br />

Da Política Europeia de Segurança e Defesa à Política<br />

Comum de Segurança e Defesa 44<br />

A Guerra de 2006 entre Hezbolah e Israel 52<br />

Secções<br />

Regimento de Engenharia n.º 1<br />

“São os Primeiros” 37<br />

Monumentos com História Militar – Batalha do Vimeiro 4<br />

Editorial 5<br />

Figuras e Factos 6<br />

200 Anos da Guerra Peninsular – Programa do <strong>Exército</strong> 25<br />

Desporto 57<br />

Capa: Batalha do Vimeiro – Ilustração de Salvador Ferreira.<br />

O autor nasceu no Vimeiro e executou esta ilustração especialmente<br />

para o Jornal do <strong>Exército</strong> no âmbito do Bicentenário da Batalha do Vimeiro.<br />

Revisão do texto a cargo do Professor Doutor Eurico Gomes Dias.<br />

Os artigos publicados com indicação de autor são da inteira responsabilidade dos mesmos, não reflectindo, necessariamente, o pensamento da Chefia do <strong>Exército</strong> Português<br />

Depósito Legal n.º 1465/82<br />

ISSN 0871/8598 ÓRGÃO DE INFORMAÇÃO, CULTURA E RECREIO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, CRIADO POR PORTARIA DE 14JUL60


4<br />

MONUMENTOS COM HISTÓRIA MILITAR<br />

Monumento da Batalha do Vimeiro<br />

Desde tempos que se perdem nas teias da memória<br />

que, por artifício – intelectual ou espiritual –, agora<br />

designado de antropomorfismo, traços de carácter e de<br />

natureza animal são atribuídos ao génio e ao temperamento<br />

humano. Este fenómeno, embora universal, recorre, com<br />

frequência, a um restrito grupo de animais dotados de<br />

qualidades apreciáveis capazes de adjectivar, com mais<br />

elevada eloquência e garbo, alguns raríssimos e valorosos<br />

homens, beneméritas virtudes e inolvidáveis actos de<br />

inteligência ou de brava glória. Daqueles, um dos mais<br />

populares e que reúne mais unanimidade quando associado<br />

ao arrojo, à valentia e à força é, sem surpresa, o leão.<br />

A escolha deste felino não deixa de ter, no entanto, o seu<br />

lado curioso, quando adoptado, com certa abundância, para<br />

representar armas e instituições em países que nunca pisou.<br />

Ora, o monumento que nesta edição se evoca, e os<br />

homens – soldados –, que nele são lembrados, mereceu a<br />

alta distinção de ter esculpida, em alto-relevo, uma cabeça<br />

de leão, simbolizando a força e a coragem que garantiram,<br />

em campo de batalha, a independência de Portugal. O padrão<br />

em memória da Batalha do Vimeiro foi construído por artífices<br />

nacionais em 1908 e inaugurado a 21 de Agosto do mesmo<br />

ano, na presença do Rei D. Manuel II, exactamente um século<br />

depois do dia da célebre jornada que pôs fim às pretensões<br />

napoleónicas em terras lusas.<br />

Com cerca de 4,5 m de altura, o monumento ocupa uma<br />

base cónica, onde está registada uma epígrafe alusiva à<br />

efeméride, de onde se ergue um obelisco de quatro faces,<br />

encabeçado por um pináculo. Imediatamente abaixo deste<br />

está gravado o brasão nacional, conferindo ao conjunto um<br />

reforçado simbolismo da união anglo-lusa – lembremos a<br />

cabeça de leão, esculpida a meia altura do padrão, e o timbre<br />

do escudo das armas do Reino Unido, onde figura a fera<br />

coroada.<br />

Mantendo-se ainda em excelente estado de conservação,<br />

o Monumento da Batalha do Vimeiro foi considerado, em 26<br />

de Fevereiro de 1982, imóvel de interesse público e actualmente<br />

está protegido por um gradeamento de ferro que,<br />

embora ferindo-o na estética, enaltece-o na solenidade. JE<br />

Tenente RC Paulo Moreira


«Sendo os centenarios commemorações de caracter essencialmente educativo, cujo<br />

fim principal é estimular as gerações actuaes, ensinando-lhes o exemplo dos antepassados,<br />

e arraigando-lhes na alma o amor das glorias nacionaes, patrimonio commum,<br />

todos aquelles factos, credores como poucos da nossa admiração e do nosso sincero<br />

preito, se impõem á consagração nacional.»<br />

Programa para a Commemoração da Guerra Peninsular e respectivo Relatório<br />

elaborados pela Commissão nomeada por portaria de 2 de maio de 1908.<br />

Lisboa: Imprensa Nacional, 1908, pp. 3-4.<br />

Tal como há cem anos atrás, também o <strong>Exército</strong> Português, imbuído do mesmo espírito<br />

patriótico elaborou, através da Comissão Coordenadora para o efeito, um programa para<br />

as Comemorações dos 200 anos da Guerra Peninsular para evocar os acontecimentos de maior<br />

relevo durante aquele período da História, tão funesto aos portugueses e a Portugal.<br />

Através de encenações históricas, conferências, palestras, exposições, homenagens e outras<br />

actividades o <strong>Exército</strong>, por sua iniciativa ou associado a Câmaras Municipais e outras instituições,<br />

invocou de forma indelével alguns dos momentos associados à Invasão de Junot, que ficaram na<br />

memória colectiva.<br />

Napoleão, desesperado com a política portuguesa, associa-se a Carlos IV de Espanha e manda<br />

invadir Portugal com um <strong>Exército</strong> Franco-Espanhol, conforme o Tratado de Fontainbleau. Cerca<br />

de cinquenta mil invasores ocupam as terras portuguesas. O Príncipe Regente D. João, prevendo<br />

o pior, associa-se à potência marítima da altura, a Grã-Bretanha, e assina a Convenção Secreta<br />

entre os dois Reinos, Português e Inglês, que previa a transferência da Corte para a América<br />

Portuguesa – o Brasil foi não só o refúgio da Família Real como a salvação da Pátria Portuguesa,<br />

na altura. Do que se passou a seguir temos vindo a dar conta de alguns episódios neste Jornal do<br />

<strong>Exército</strong>, ao longo dos últimos meses.<br />

Destacamos a evocação da Batalha do Vimeiro por ter sido decisiva no desenrolar dos<br />

acontecimentos a favor do <strong>Exército</strong> Anglo-Luso, que pôs fim à invasão. Depois desta derrota as<br />

tropas de Napoleão regressariam a França, em navios ingleses, acompanhados “de armas e bagagens”,<br />

conforme a Convenção de Sintra, em que os portugueses não tiveram assento.<br />

Há episódios na nossa História que merecem ser conhecidos e partilhados com as novas<br />

gerações, como é o caso feliz da Bíblia dos Jerónimos. Ficou acordado que o embarque das tropas<br />

francesas se verificaria entre os dias 10 e 15 de Setembro de 1808. Neste último dia embarcou<br />

Junot, Duque de Abrantes, que se fazia acompanhar da Bíblia dos Jerónimos, entre outros<br />

tesouros. O sagrado tesouro terá sido oferecido a sua esposa, Duquesa de Abrantes, que o<br />

esperava no porto francês de La Rochelle, onde desembarcou. Mais tarde, os 12 volumes que<br />

compõem a Bíblia foram vendidos por oitenta mil francos pela mulher de Junot e posteriormente<br />

entregues ao governo português por Luís XVIII.<br />

Hoje, a Bíblia dos Jerónimos é, segundo Pedro Dias, um dos maiores tesouros da Torre do<br />

Tombo e uma das obras mais marcantes, não só da Iluminura Europeia, mas de toda a produção<br />

artística do Ocidente, da época áurea do Humanismo, que enriqueceu a câmara de maravilhas do<br />

mais notável monarca do seu tempo, e que foi depois incorporada no mosteiro que lhe deu o nome,<br />

uma emblemática instituição religiosa portuguesa, memorial da aventura da «revolução dos mundos»<br />

levada a cabo pelos portugueses de Quatrocentos e Quinhentos.<br />

5


6<br />

FIGURAS e FACTOS<br />

Dia de Portugal no Allied Rapid Reaction Corps (ARRC)<br />

O<br />

Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, General José<br />

Luís Pinto Ramalho, no dia 25 de Setembro, presidiu<br />

à Cerimónia de Condecorações e Entrega de Espadas a Oficiais<br />

Generais que decorreu na Sala Dona Maria do Museu Militar,<br />

em Lisboa. Assim, o General Pinto Ramalho condecorou e<br />

entregou espadas de Oficial General aos seguintes militares:<br />

Condecorado com a Ordem Militar de Avis Grau Grande<br />

Oficial, o Major-General, Fernando Constantino Pinto da<br />

Silva;<br />

Com a Medalha D. Afonso Henriques − Mérito do<br />

<strong>Exército</strong> − 1.ª Classe, o Major-General Manuel Mateus da<br />

Silva Couto, o Major-General Frederico José Rovisco Duarte<br />

e o Major-General Aníbal Alves Flambó.<br />

Foram entregues as Espadas de Oficial General ao Major-<br />

General Manuel Mateus da Silva Couto, ao Major-General<br />

Vice CEME visita IGE<br />

Realizou-se, no dia 29 de Julho, a visita oficial do<br />

Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, Tenente-<br />

General Oliveira Cardoso, à Inspecção-Geral do <strong>Exército</strong>. Na<br />

sequência da visita, o Vice-CEME visitou o Centro de<br />

Finanças Geral e o Jornal do <strong>Exército</strong>, aproveitando, desta<br />

forma, para se inteirar das actividades levadas a cabo pelos<br />

respectivos órgãos.<br />

Em 11 de Junho de 2008, a comunidade portuguesa<br />

no Quatel-General do Allied Rapid Reaction Corps,<br />

comemorou o Dia de Portugal, realizando uma pequena<br />

cerimónia na messe de Oficiais das Forças de Reacção em<br />

Rheidalen, Mönchengladbach.<br />

Estiveram presentes neste evento, o Dr. João Bernardo<br />

Weinstein, Cônsul Geral de Portugal em Dusseldorf, o Major-General<br />

Gian Marco Chiarini, 2.º Comandante do ARRC,<br />

o Contra-Almirante Silva Campos, Representante Militar<br />

Nacional no SHAPE, uma representação da comunidade<br />

portuguesa de Mönchengladbach que, com famílias de<br />

militares de 17 países diferentes que servem no ARRC, se<br />

juntaram para a celebração desta data.<br />

O objectivo principal foi partilhar com diferentes<br />

nacionalidades um pouco da cultura e tradição portuguesas,<br />

no momento da celebração do 865.º aniversário da<br />

Independência de Portugal, tendo os convidados tido a<br />

oportunidade de degustar alguma da culinária nacional e<br />

ouvir o nosso Fado.<br />

Portugal participa neste Quartel-General, desde a sua<br />

fundação, sendo o actual contingente constituído por três<br />

militares.<br />

Cerimónia de Imposição de Condecorações e Entrega de Espadas<br />

a Oficiais Generais<br />

Frederico José Rovisco Duarte e ao Major-General Aníbal<br />

Alves Flambó.


FIGURAS e FACTOS<br />

Comemorações do 869.º Aniversário da Batalha de Ourique<br />

Realizaram-se nos dias 24 e 25 de Julho, em Castro<br />

Verde, as cerimónias comemorativas do 869.º<br />

aniversário da Batalha de Ourique.<br />

As cerimónias foram presididas pelo Major-General<br />

Adelino de Matos Coelho, Director de História e Cultura<br />

Militar, e tiveram início na noite de 24 de Julho, com um<br />

Concerto no Anfiteatro de Castro Verde com a Banda Mil<br />

Évora.<br />

No dia 25 de Julho, sucedeu-se uma romagem ao Padrão<br />

de São Pedro das Cabeças, nos arredores de Castro Verde,<br />

local onde se terá travado a Batalha de Ourique, onde D.<br />

Afonso Henriques venceu as forças militares de cinco reis<br />

mouros, após violenta peleja. D. Sebastião, que o mandou<br />

construir em local ermo, quis assim homenagear a coragem<br />

do primeiro Rei de Portugal.<br />

Sucedeu-se, junto da Basílica Real de Nossa Senhora<br />

da Conceição, a Cerimónia Militar, de onde se realça o<br />

discurso do Presidente da Câmara Municipal de Castro<br />

Verde, o Arquitecto Francisco Caldeira Duarte:<br />

“A carga lendária que carrega o episódio da ‘Batalha<br />

de Ourique’ é, para nós, motivo mais do que suficiente para<br />

estar aqui hoje nesta iniciativa junto à Basílica Real de<br />

Castro Verde, dando continuidade às cerimónias comemorativas<br />

dos 869 anos da Batalha de Ourique, iniciadas<br />

ontem.<br />

A oralidade e a tradição colocaram nos campos de<br />

Ourique e em S. Pedro das Cabeças, um acontecimento<br />

ímpar na historiografia portuguesa, que olhamos, desde há<br />

alguns anos a esta parte, sem qualquer tipo de complexos,<br />

sejam eles ideológicos ou escolásticos, como um elemento<br />

importante na construção da nossa memória colectiva.<br />

Não nos interessa aqui valorizar, discutir ou mesmo<br />

contestar a exacta localização desta batalha, ou escaramuça,<br />

ou o que é que quer que seja, dependendo muito essa<br />

interpretação da escola historiográfica do observador ou<br />

do interesse académico do investigador. O que nos<br />

interessa, isso sim, é valorizar o tempo e o contexto em que<br />

assinalamos o 25 de Julho de 1139, enquanto elemento<br />

referencial da nossa memória.<br />

E é nesse pressuposto, que não podemos deixar de<br />

enaltecer o facto de, pela primeira vez, os municípios de<br />

Ourique e Castro Verde estarem associados nesta data,<br />

não estando cada um na sua “capelinha” a fazer a sua<br />

“batalha”. Partindo de um programa-base discutido em<br />

conjunto, desenvolvemos um conjunto de actividades<br />

consentâneo com as especificidades de cada município.<br />

Esta experiência, que pode ser a génese para um projecto<br />

mais amplo e mais abrangente num futuro próximo, tem,<br />

naturalmente, o <strong>Exército</strong> Português como parte indissociável<br />

desta parceria, funcionando, inclusivé, como elo<br />

de ligação das duas comunidades.<br />

É-nos particularmente grato que num tempo em que as<br />

mais diversas instituições, quer por razões financeiras, quer<br />

por questões de interesse particular, quer por falta de<br />

vontade de construir projectos em conjunto e sem<br />

protagonismos, se unam e demonstrem uma vontade clara<br />

em reanimar este dia que, até à bem pouco tempo,<br />

assinalava o dia do <strong>Exército</strong>.<br />

O carácter profissional que desde há algum tempo<br />

caracteriza as nossas Forças Armadas, sugere a sua<br />

aproximação à sociedade civil. Até para divulgar parte do<br />

seu trabalho, cada vez mais de natureza humanitária, que<br />

procura contribuir, dentro das suas possibilidades, para a<br />

pacificação global do nosso planeta e para o esvaziar da<br />

componente militarista, que a nossa geração ainda associa<br />

à Guerra Colonial.<br />

Queremos que este seja o reiniciar de uma colaboração<br />

profícua, em particular de carácter cultural, entre estas três<br />

instituições. Que a Batalha de Ourique seja o pretexto e<br />

nós saibamos trabalhar para alcançarmos um futuro melhor<br />

para as nossas populações.”<br />

Mais tarde, no interior da Basílica, o Tenente-Coronel<br />

Borges da Fonseca proferiu uma palestra sobre a Batalha<br />

de Ourique, explicando a conjuntura da época, os tipos de<br />

confronto e os pormenores da contenda.<br />

7


8<br />

FIGURAS e FACTOS<br />

Comemoração dos 198 Anos do Cerco de Almeida<br />

O<br />

<strong>Exército</strong>, representado pelo Major-General Adelino<br />

Matos Coelho, Director de História e Cultura Militar,<br />

esteve presente nas comemorações do 198.º Aniversário do<br />

Cerco de Almeida, no passado dia 24 de Agosto, organizadas<br />

pela Câmara Municipal daquela vila.<br />

As comemorações iniciaram-se com o hastear das bandeiras<br />

nacionais dos países participantes, seguido de desfile até à<br />

Praça Alta para a cerimónia de homenagem aos Mortos do<br />

Cerco de Almeida e ao Marchal John Beresford. Esta cerimónia<br />

constitui sempre um momento forte de comoção, em que a<br />

população de Almeida participa com grande orgulho, e inclui<br />

uma deposição de coroas de flores e o descerramento de uma<br />

lápide em memória dos tombados em 26 de Agosto de 1810.<br />

Nas cerimónias participaram militares do Regimento de<br />

Decorreram, nos dias 17 e 18 de Setembro, as provas<br />

de Agregação levadas a efeito pelo Tenente-Coronel<br />

de Infantaria Francisco Proença Garcia.<br />

Subordinado ao tema O fenómeno da Guerra no nosso<br />

Infantaria n.º14, a Fanfarra do Regimento de Artilharia n.º 5 e<br />

elementos desta Unidade que colaboraram com a Associação<br />

Napoleónica Portuguesa no manuseamento de peças de<br />

artilharia da época de 1810.<br />

Para além das entidades convidadas, esteve presente<br />

numeroso público, constituído maioritariamente por habitantes<br />

da região de Almeida, aos quais foi especialmente dirigida uma<br />

alocução proferida pelo Coronel de Infantaria Américo José<br />

Henriques.<br />

A mensagem transmitida, centrada na capacidade do<br />

<strong>Exército</strong> Português para combater o invasor e na capacidade<br />

das populações para resistirem às contingências da guerra,<br />

designadamente à pilhagem e ao saque, serviu também para<br />

evidenciar que a História do <strong>Exército</strong> é indissociável da História<br />

de Portugal, hoje projectada na unidade europeia.<br />

A recriação da Batalha do Cerco de Almeida, com combates<br />

junto às Portas de Santo António, foi o ponto alto das comemorações,<br />

que também contemplaram demonstrações tácticas da<br />

época (tropas anglo-lusas e napoleónicas, milícias e<br />

ordenanças).<br />

As comemorações iniciaram-se em 22 de Agosto com um<br />

seminário sob o tema “Memória, Mito e História : O Sacrifício<br />

de Almeida”, no Centro de Arquitectura Militar de Almeida. No<br />

dia seguinte foi inaugurada a Exposição “A Fronteira da Beira e<br />

a Defesa do Território, Cartografia, Fortificação e Arquitectura<br />

Militar”, da responsabilidade da Direcção de Infra-Estruturas<br />

de <strong>Exército</strong> e apresentada pelo Tenente-coronel José Paulo<br />

Berger, à qual se seguiu a recriação das rondas de sentinelas e<br />

patrulhas nas Portas de S. Francisco e bastiões da Fortaleza,<br />

bem como combates nocturnos com fogos de Artilharia e de<br />

mosquetes, nas muralhas e baluartes da Praça Forte de Almeida.<br />

Primeiro Oficial das Forças Armadas a obter título académico de Agregado<br />

Foto: Artur Lourenço<br />

século, o Tenente-Coronel Garcia proferiu uma lição, perante<br />

um júri presidido pelo magnífico Reitor da Universidade<br />

Católica, tendo sido aprovado por unanimidade.<br />

O novo Doutor Agregado pertence à Arma de Infantaria,<br />

licenciou-se em Ciências Militares na Academia Militar,<br />

possui o Mestrado em Relações Internacionais e doutorouse<br />

em História. É Secretário-geral da Academia Internacional<br />

da Cultura Portuguesa, exercendo também funções na<br />

Academia de Ciências, na Sociedade de Geografia e na<br />

Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Tem o<br />

Curso de Estado-Maior, tendo já desempenhado várias<br />

missões no estrangeiro, designadamente em Timor Leste e<br />

Angola. Do antecedente, foi professor no Instituto de<br />

Estudos Superiores Militares e na Academia Militar.<br />

Actualmente presta serviço como Conselheiro Militar<br />

da representação portuguesa junto da NATO, em Bruxelas,<br />

e continua a exercer funções docentes na Academia Militar.<br />

O JE apresenta as congratulações, pela sua Agregação,<br />

ao Doutor Francisco P. Garcia.


Dia da Arma de Engenharia<br />

e da sua Escola Prática<br />

A<br />

cerimónia teve lugar na Escola Prática de Engenharia,<br />

no Polígono Militar de Tancos, no dia 14 de Julho,<br />

comemorando os 361 anos da Arma de Engenharia e os 128<br />

anos da Escola Prática de Engenharia.<br />

Na impossibilidade do General CEME estar presente, a<br />

cerimónia foi presidida pelo Director Honorário da Arma de<br />

Engenharia, Tenente-General Carlos Alberto de Carvalho dos<br />

Reis, Chefe da Casa Militar do Presidente da República.<br />

Do programa das Comemorações destacam-se a exposição<br />

interactiva das “Capacidades e Actividades da Engenharia<br />

Militar” e a demonstração de capacidades da Engenharia Militar<br />

em Ambiente Táctico.<br />

Museu Militar de Bragança Comemorou 25 anos<br />

O<br />

<strong>Exército</strong>, através da Direcção de História e Cultura<br />

Militar, promoveu as comemorações do 25.º<br />

Aniversário do Museu Militar de Bragança, no passado dia 22<br />

de Agosto.<br />

As comemorações tiveram o momento mais significativo<br />

na sessão solene que decorreu no Auditório Municipal Paulo<br />

Quintela, presidida pelo Director da Direcção de História e<br />

Cultura Militar, Major-General Adelino Matos Coelho, e que<br />

contou com a presença de entidades militares, civis, religiosas<br />

e numeroso público.<br />

Nesta cerimónia, a autarquia de Bragança, representada pelo<br />

Presidente da Câmara Municipal, Engenheiro António Jorge<br />

Nunes, entregou ao Museu Militar de Bragança a Medalha de<br />

Mérito Municipal, tendo sublinhado a relevância do Museu no<br />

âmbito da promoção cultural de Bragança.<br />

Ainda na sessão solene, foi feita uma alocução pelo Tenente-<br />

General Ramires de Oliveira, que homenageou o Coronel<br />

António José Teixeira, fundador do Museu.<br />

As comemorações tiveram início em 26 de Julho, com um<br />

concerto pela Orquestra Ligeira do <strong>Exército</strong>, uma exposição de<br />

temática militar no Centro Cultural de Bragança, organizada<br />

pelo Museu Militar de Lisboa, tendo sido proporcionado à<br />

Cerimónia Militar em Lamego<br />

No dia 13 de Setembro, realizou-se no Centro de<br />

Instrução de Operações Especiais em Lamego, a<br />

12.ª Admissão à Irmandade Militar de Nossa Senhora da<br />

Conceição, tendo a cerimónia sido presidida pelo Ajudante-<br />

General Tenente-General Lima Pinto.<br />

A cerimónia religiosa foi feita pelo Bispo de Lamego,<br />

D. José Moniz Botelho, coadjuvado por dois missionários<br />

que trabalham em Timor há 34 anos. Depois da missa, foram<br />

prestadas honras militares e precedeu-se à entrega das flores.<br />

O evento terminou com um jantar no Hotel de Lamego.<br />

Foto: João António<br />

FIGURAS e FACTOS<br />

população o contacto com actividades radicais (rappel,<br />

escalada e slide) na semana de 18 a 24 de Agosto, com o apoio<br />

do Centro de Tropas de Operações Especiais de Lamego, sob a<br />

coordenação da Direcção de Obtenção de Recursos Humanos.<br />

9


10<br />

Exercício FELINO ‘08<br />

FIGURAS e FACTOS<br />

O s Exercícios Militares Conjuntos e Combinados da<br />

série Felino são desenvolvidos no âmbito da<br />

cooperação técnico-militar entre a Comunidade de Países de<br />

Língua Oficial Portuguesa (CPLP).<br />

Embora esta Comunidade tenha sido criada em 1996, foi<br />

só no ano 2000 que se realizou o primeiro exercício deste<br />

género. Desde então, o FELINO tem sido executado em regime<br />

de rotatividade pelos diferentes países da CPLP, com<br />

excepção para os dois primeiros, que decorreram em Portugal.<br />

O Brasil assumiu a realização do Exercício em 2002,<br />

Moçambique em 2003, Angola em 2004, Cabo Verde em 2005,<br />

em 2006, novamente o Brasil, e a edição de 2007 coube a São<br />

Tomé e Príncipe. Também em 2002, fruto da sua recente<br />

independência, Timor-Lorosae passou a fazer parte<br />

integrante deste grupo.<br />

Com os Exercícios FELINO, a CPLP pretende dotar as Forças<br />

Armadas dos respectivos países de uma maior e mais eficaz<br />

interoperabilidade, possibilitando, simultaneamente, o treino<br />

necessário para o emprego de uma Força de Tarefa Conjunta e<br />

Combinada (FTCC) em missões humanitárias e de apoio à paz,<br />

sob a égide da ONU. A regularidade destas iniciativas permite<br />

ainda a harmonização de conceitos, de procedimentos, de<br />

técnicas e de tácticas que, uma vez uniformizados, vão garantir<br />

a condução segura de operações militares.<br />

O exercício deste ano, com base no Regimento de Infantaria<br />

n.º 10, em S. Jacinto, decorreu em duas fases: a primeira,<br />

entre 16 e 26 de Junho, consistiu num Estágio de Planeamento<br />

Operacional e no Planeamento de Exercícios e Regras de<br />

Empenhamento; a segunda, realizada entre 15 e 24 de<br />

Setembro, compreendeu o Treino Cruzado e a condução de<br />

operações num cenário fictício da Força de Tarefa Conjunta<br />

e Combinada do Exercício FELINO ‘08 envolveu cerca de<br />

500 militares de todos os países da CPLP. Sob comando<br />

português, a FTCC ramificava-se num Estado-Maior – cujo


CEM (Chefe do Estado-Maior) era um Oficial moçambicano,<br />

uma vez que caberá a Moçambique o encargo de receber o<br />

Exercício FELINO 2009; num Pelotão de Polícia do <strong>Exército</strong>,<br />

com participação portuguesa e cabo-verdiana; numa<br />

Componente Naval, com militares das Marinhas de Guerra<br />

de Cabo Verde, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe;<br />

numa Componente Terrestre, com militares de Angola, Brasil,<br />

Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e Timor-Lorosae;<br />

numa Componente Aérea, exclusivamente portuguesa; numa<br />

Componente de Operações Especiais, com militares de Angola,<br />

Brasil, Portugal e Moçambique; e numa Unidade de<br />

Apoio de Serviços, também exclusivamente portuguesa.<br />

O cenário simulado criado para o presente Exercício,<br />

apoiado em dados geográficos reais de Portugal,<br />

caracterizava uma situação de crise humanitária num país<br />

denominado Zululand, independente desde 1965, assolado,<br />

actualmente, por alguma instabilidade social e pela frequente<br />

perturbação da ordem pública e ameaças à segurança interna.<br />

Depois de violentos distúrbios na capital, na sequência de<br />

greves dos serviços públicos que paralisaram o país, o<br />

Presidente viu-se na necessidade de empregar as Forças<br />

Armadas e de decretar um recolher obrigatório. Chegado o<br />

caso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi<br />

solicitado o apoio da CPLP que, por sua vez, encarregou<br />

Portugal de constituir a Nação Quadro de uma Força que<br />

liderasse uma Operação Humanitária e de Apoio à Paz, com<br />

o objectivo de restabelecer um ambiente seguro e garantir a<br />

liberdade de circulação na capital daquele território.<br />

No dia 18 de Setembro, o Presidente da República, Prof.<br />

Dr. Aníbal Cavaco Silva, visitou o Regimento de Infantaria<br />

n.º 10 no âmbito da realização do Exercício FELINO ‘08, onde,<br />

na companhia do Ministro da Defesa, Prof. Dr. Nuno Severiano<br />

Teixeira, do Secretário Executivo da CPLP, Dr. Domingos<br />

Simões Pereira, do Chefe do Estado-Maior General das Forças<br />

Armadas, General Luís Valença Pinto, e do Chefe do Estado-<br />

Maior do <strong>Exército</strong>, General José Luís Pinto Ramalho, assistiu<br />

a um briefing e a uma demonstração de actividades,<br />

especialmente planeados para a ocasião. O Presidente da<br />

República destacou a cooperação e o trabalho conjunto dos<br />

ramos das Forças Armadas e dos militares dos vários países<br />

envolvidos, que constituiu um inegável contributo para a<br />

componente externa da política de defesa nacional.<br />

TABELA DE PREÇOS PARA 2008<br />

FIGURAS e FACTOS<br />

No dia 24 de Setembro, presente na conclusão do<br />

Exercício, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas<br />

declarou que está criada a base doutrinária militar<br />

para a constituição e emprego de forças conjuntas da CPLP,<br />

e enalteceu o empenho e o profissionalismo de todos os<br />

militares que concorreram para o sucesso do FELINO 08.<br />

PREÇO DE CAPA € 2,10<br />

ASSINATURA ANUAL (11 números)<br />

VIA SUPERFÍCIE - Portugal Cont. Madeira e Açores € 19.00<br />

VIA AÉREA - Países europeus € 44,00; Restantes Países € 63,50<br />

NOTA: As assinaturas devem ser pagas antecipadamente<br />

NÚMEROS ATRASADOS - 1960 a 1969 € 3,88; 1970 a 1979 € 3,62; 1980 a 1989 € 2,85; 1990 a 2003 € 2,48; 2002 a 2006 € 2,00<br />

Os preços incluem IVA à taxa de 5%<br />

Preço da Encadernação do JE do ano de 2006 € 27,95 c/IVA incluído<br />

N.B.: Os pedidos de envio pelos CTT serão acrescidos de portes segundo os códigos postais: 1000/2000 € 4,21; 3000/8000 € 5,79; Açores e Madeira € 6,56.<br />

11


Por Rui D. Sena<br />

Uma batalha nem sempre recebe o devido<br />

valor no decorrer da História. Para muitos<br />

académicos, os conflitos bélicos não passam de<br />

vírgulas no meio de longos textos narrativos sem<br />

que sejam feitas as devidas pausas. Os Portugueses,<br />

em geral, não têm uma visão de si mesmos a nível<br />

militar. A maioria das Universidades portuguesas não<br />

atribuem o devido valor à História Militar nacional e<br />

internacional. Praticamente todos os alunos acabam<br />

uma licenciatura sem ter frequentado uma cadeira de<br />

História Militar.<br />

Por estas razões, e estando a Batalha de Diu a<br />

completar, dentro de poucos meses, quinhentos anos,<br />

torna-se razão mais que suficiente para se relembrar<br />

e reflectir sobre esta batalha naval que colocou frente<br />

a frente o mundo muçulmano contra o mundo cristão.<br />

Esta batalha foi de grande importância para o Império<br />

Português e para a História Militar.<br />

A entidade política de Portugal, representada<br />

pelo Rei D. Manuel, decidiu aumentar a sua<br />

12<br />

influência no Oceano Índico. De facto, após um<br />

relatório de Pedro Álvares Cabral, a política<br />

portuguesa muda de uma atitude pacífica até então<br />

praticada, salvo uma ou outra excepção, para uma<br />

atitude agressiva puramente bélica 1 .<br />

Para o efeito dessa mudança política foi<br />

nomeado D. Francisco de Almeida como vice-rei,<br />

algo inédito, pois, antes dele, ninguém tinha<br />

recebido esse título, possuindo o pleno comando<br />

da frota que partiu de Portugal para prestar serviço<br />

no Oriente. Estavamos no ano de 1505. Portugal já<br />

não queria ter apenas um comandante da frota que<br />

viajava periodicamente para o Oriente 2 . Pretendiase<br />

alguém que fosse o representante da entidade<br />

política de Portugal, ou seja, pretendia-se, em<br />

concreto, uma liderança.<br />

Todavia, esta liderança tinha um limite de tempo.<br />

D. Francisco de Almeida seria vice-rei durante apenas<br />

três anos. Há claramente uma preocupação ao delegar<br />

o título de vice-rei para que este fosse curto e rotativo


e não longo e exclusivista, impedindo que a Coroa<br />

perdesse poder a favor do vice-rei.<br />

D. Francisco de Almeida foi o primeiro que levou<br />

para o Oriente uma estratégia bem definida, montada<br />

pela Coroa portuguesa, que serviria de modelo para<br />

as décadas vindouras. Podemos falar de uma<br />

estratégia imperial com características geo-políticas<br />

para a época.<br />

Esta estratégia está registada no regimento dado<br />

a D. Francisco de Almeida no ano da sua partida.<br />

De forma abreviada, D. Francisco de Almeida tinha<br />

de construir fortalezas, estar constantemente<br />

vigilante no Oceano Índico e devia estabelecer ou<br />

fortalecer alianças com reinos locais favoráveis a<br />

Portugal. Pretendia-se controlar o Oceano de modo<br />

a controlar o comércio 3 .<br />

Antes desta mudança política, Portugal já<br />

estava a desequilibrar o status quo daquela área<br />

geográfica. O Egipto era a principal potência da<br />

área, rivalizando com o Império Otomano. Todos<br />

Estando<br />

a Batalha de Diu<br />

a completar, dentro<br />

de poucos meses,<br />

quinhentos anos,<br />

torna-se razão<br />

mais que suficiente<br />

para se relembrar<br />

e reflectir sobre<br />

esta batalha naval<br />

os restantes reinos sob a influência política destas<br />

duas potências se queixavam dos danos que os<br />

portugueses lhes causavam a nível comercial 4 .<br />

A Europa estava interessada no desiquilíbrio<br />

político e comercial que Portugal causava. Portugal<br />

trazia especiarias, conquistava território ao mundo<br />

muçulmano e ganhava influência para o mundo<br />

cristão. Todavia, nem todo o mundo cristão estava<br />

agradado com o sucesso que Portugal estava a<br />

auferir no Oriente. De facto, os Venezianos estavam<br />

a perder importância comercial para os Portugueses<br />

no Oriente. Apesar de os Venezianos serem também<br />

cristãos, estavam mais interessados na expulsão<br />

dos Portugueses do Oriente. Assim, os Venezianos<br />

continuariam a ter o exclusivo comercial com os<br />

muçulmanos, exportando para Europa todo o tipo<br />

de mercadorias daquela parte do mundo. Devido a<br />

tanta pressão e porque começava a sentir os seus<br />

interesses atingidos o Egipto e o Império Otomano<br />

esquecem as rivalidades entre ambos e unem<br />

esforços para acabar com a presença dos<br />

Portugeses no Oriente. Os Venezianos não puderam,<br />

pelas razões óbvias, prestar um apoio declarado<br />

à causa muçulmana. Esse apoio seria ir contra a fé<br />

cristã e contra os reinos europeus. Não há provas<br />

de qualquer tipo de auxílio veneziano aos<br />

muçulmanos, mas que terão influenciado decisões<br />

muçulmanas através da diplomacia, isso será quase<br />

certo.<br />

Por esta altura, já Veneza tinha retirado a sua<br />

embaixada de Portugal e tinha recorrido à<br />

espionagem, mostrando assim o desagrado com a<br />

Coroa portuguesa e não deixando de receber<br />

informações sobre o que se passava no Reino, de<br />

forma mais barata e discreta.<br />

13


14<br />

O Egipto, para construir uma frota que pudesse<br />

rivalizar com a de Portugal teve de encomendar todo<br />

o tipo de materiais de que não dispunha no seu<br />

território para as embarcações. Devido a<br />

vicissitudes várias, a encomenda não chegou na<br />

totalidade. Destaca-se a ajuda dos cruzados instalados<br />

na ilha de Rodes (Cavaleiros Hospitalários<br />

de São João), que interceptaram a encomenda de<br />

madeira egípcia vinda do Mar Negro e a ocorrência<br />

de uma tempestade. A encomenda daria para<br />

construir cerca de trinta galés, algo que não chegou<br />

acontecer, pois só cerca de dois quintos da<br />

encomenda chegaram a Alexandria, capital do<br />

Egipto 5 .<br />

De 1505 a 1507, o vice-reinado de D. Francisco<br />

de Almeida parecia calmo e as naus portuguesas<br />

continuava a navegar no Oriente. Chegando ao ano<br />

de 1508, temos o primeiro desaire português no<br />

Oriente. D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei,<br />

tinha como missão proteger as naus que iam carregar<br />

mercadorias a Chaul. D. Lourenço de Almeida acabou<br />

surpreendido por uma esquadra egípcia e uma<br />

otomana, com informações de que D. Lourenço de<br />

Almeida estava mal defendido ao nível de<br />

embarcações e estava numa missão de escolta 6 .<br />

Estavam criadas as condições ideiais para a<br />

realização de uma emboscada. A escaramuça foi bem<br />

disputada; os artilheiros portugueses, já especializados<br />

nesta arte bélica, levaram a melhor sobre os<br />

artilheiros inimigos. Todavia, a falta de pólvora da<br />

parte portuguesa fez com que ao terceiro dia da<br />

escaramuça a força portuguesa batesse em retirada.<br />

A embarcação de D. Lourenço de Almeida afastouse<br />

das restantes devido à corrente do Golfo de<br />

Cambaia, ficando sozinha e foi perseguida pela<br />

esquadra muçulmana. D. Lourenço de Almeida<br />

faleceu às mãos dos muçulmanos e a tripulação<br />

sobrevivente foi feita prisioneira. Os turcos esfolaram<br />

o corpo, encheram-no de palha e enviaramno<br />

ao sultão que estava em Constantinopla 7 . Esta<br />

pequena vitória muçulmana, mais simbólica que<br />

concreta, trouxe a esperança efémera de que os<br />

portugueses podiam ser expulsos do Oriente se<br />

todos os muçulmanos unissem esforços. Os<br />

vencedores retiram-se do local da escaramuça,<br />

deixando o vice-rei D. Francisco de Almeida com<br />

um ansioso desejo de vingar a morte do filho.<br />

Segundo as crónicas, o vice-rei não demonstrou<br />

qualquer sentimento com a notícia da morte do seu<br />

filho. Apenas terá murmurado: “Quem comeu o<br />

frango vai ter agora que provar o galo”, uma clara<br />

metáfora prometendo vingança.<br />

Afirmou-se que este desejo de vingança é o<br />

factor pelo qual surge a Batalha de Diu. Algo que<br />

se deve rejeitar completamente, visto que a batalha<br />

A localização da batalha foi ao largo da costa de Diu<br />

O Oceano Índico, através das suas correntes, fazia com que<br />

as embarcações não mantivessem a formação de combate<br />

que se pretendia<br />

seria inevitável na conjuntura política e de tensões<br />

em que se encontravam os diversos intervenientes.<br />

Chegamos finalmente a 1509, ano da Batalha de<br />

Diu. Os diversos autores apontam datas diferentes<br />

para o dia da batalha, mas a maioria situa-a entre o<br />

dia 2 e 3 de Fevereiro. Não se sabe exactamente ao<br />

certo o número das forças militares envolvidas na<br />

batalha, pois são apontados números dispersos uns<br />

dos outros, pelo que aqui se fará um balanço geral<br />

desses dados.<br />

De facto, devido à barreira linguística, há ausência<br />

de interessados no estudo das fontes muçulmanas<br />

desta época. Assim, apenas se conhece a<br />

versão portuguesa da batalha.<br />

A força militar portuguesa teria cerca de 16 a 20


navios de diversas dimensões. No que diz respeito<br />

ao número de efectivos humanos portugueses,<br />

contaria com cerca de 1200 a 1600 homens (entre<br />

soldados e marinheiros). Alguns autores referem<br />

também 400 malabares, mas não explicam se<br />

integram a força total. Assim, a força efectiva teria<br />

cerca de 1600 a 2000 homens. Deve-se ter cautela<br />

com estes últimos dados. Os valores mais realistas<br />

devem situar-se entre os 1200 a 1600 homens, onde<br />

os malabares estariam integrados. Estes homens<br />

representavam a quase totalidade da força<br />

portuguesa no Oceano Índico 8 .<br />

A força militar muçulmana é menos contabilizada<br />

e ainda menos precisa que a dos Portugueses, pelo<br />

que não se deve dar grande credibilidade aos<br />

valores que por vezes são divulgados. A força militar<br />

Ao perder a Batalha de Diu, o mundo muçulmano percebia<br />

que teria de conviver com a presença dos Portugueses<br />

naquele espaço geográfico<br />

muçulmana abrangia cerca de 1500 homens,<br />

milhares de remadores, necessários para manobrar<br />

as embarcações, e cerca de 200 navios. O número<br />

dos navios não aparenta ser correcto, mas se o for,<br />

então eram navios de pequeno porte, em nada<br />

comparados com embarcações para uma batalha<br />

naval daquela envergadura.<br />

Relativamente às baixas sofridas de ambos os<br />

lados, mais uma vez fazendo o balanço geral de<br />

diversos números apontados, podemos estimar um<br />

número de trinta mortos e trezentos feridos para as<br />

forças portuguesas. A maior perda terá sido para<br />

os muçulmanos, que terão perdido cerca de dois<br />

mil homens, várias embarcações destruídas,<br />

algumas aprisionadas, artilharia capturada e os<br />

prisioneiros muçulmanos foram executados como<br />

forma de desmoralizar o inimigo para futuros<br />

confrontos.<br />

A localização da batalha foi ao largo da costa<br />

de Diu. O Oceano Índico, através das suas<br />

correntes, fazia com que as embarcações não<br />

mantivessem a formação de combate que se<br />

pretendia. Este problema táctico foi mais sentido<br />

do lado dos muçulmanos, pois as suas<br />

embarcações não dispunham da mesma<br />

navegabilidade que as embarcações portuguesas,<br />

sendo estas últimas mais sofisticadas tecnologicamente.<br />

A artilharia montada nas embarcações portuguesas<br />

era muito superior tanto em número, como em<br />

alcance e em poder destrutivo. Essa vantagem foi<br />

fundamental no decurso da batalha. Ainda para mais<br />

porque as embarcações portuguesas disparavam<br />

várias fileiras de canhões pelas partes laterais,<br />

enquanto que as embarcações inimigas muçulmanas<br />

disparavam da proa e apenas continham três a<br />

quatro peças de artilharia.<br />

As peças de artilharia consistiam em canhões.<br />

O canhão muçulmano era de menor alcance e com<br />

um menor poder de destruição. Logo, para os<br />

canhões muçulmanos fazerem algum dano nas<br />

embarcações portuguesas tinham de se chegar<br />

muito perto com as suas.<br />

A força naval portuguesa tinha tudo a seu lado<br />

para vencer a batalha. Para além do que já foi dito,<br />

não necessitava de remadores para manejar os<br />

navios, ao contrário do seu inimigo, que os usava<br />

em tão grande número.<br />

O combate, mediante o que foi dito, resumiu-se<br />

à viragem das embarcações portuguesas de modo<br />

a “estrangular” o avanço das embarcações<br />

muçulmanas. A artilharia portuguesa fez o que lhe<br />

era exigido, com maior alcance de tiro, atingindo as<br />

embarcações inimigas, garantindo que nenhuma<br />

frota portuguesa chegasse suficientemente perto<br />

para atingir, e, mesmo que atingisse não lhe causaria<br />

dano significavativo. O canhão muçulmano não era<br />

par para o canhão europeu.<br />

No final da batalha, os muçulmanos, ao<br />

perceberem que tinham perdido, atracaram as<br />

embarcações que lhes restavam e fugiram para o<br />

hinterland. D. Francisco de Almeida tinha vingado<br />

a morte do seu filho, viu os tripulantes portugueses<br />

que tinham sido chefiados pelo seu filho libertados<br />

e fazia imperar a vontade da Coroa portuguesa no<br />

Oriente. Pouco tempo depois acabou por cessar<br />

funções como vice-rei, entregando-as a D. Afonso<br />

de Albuquerque.<br />

D. Francisco de Almeida soube defender os<br />

interesses da Coroa portuguesa no Oriente, mas<br />

15


16<br />

acabou por não seguir à risca o regimento que lhe<br />

fora entregue quando partiu de Lisboa. D. Francisco<br />

de Almeida sempre defendeu que a estratégia para<br />

Portugal seria dominar o Oceano Índico, pois só<br />

assim poderiam policiar e controlar o comércio<br />

efectuado. Se a Coroa optasse pela constante<br />

construção de fortalezas em vários pontos (como<br />

estava decidido no regimento), mesmo que<br />

estratégicos, essa política de fortificação iria dividir<br />

o poder de Portugal pelo Oceano Índico, tornando<br />

o Império fraco e disperso.<br />

Percebe-se que Portugal seria praticamente<br />

invencível nos mares e nas zonas costeiras se<br />

tivesse um poder naval superior aos muçulmanos,<br />

se este poder fosse naval e não territorial, sendo<br />

constantemente aumentado e reposto quando<br />

houvesse baixas.<br />

D. Afonso de Albuquerque sucedeu a D.<br />

Francisco de Almeida e seguiu a política de<br />

construção de fortalezas, de modo a que o Império<br />

tivesse uma visão territorial permamente. Esta<br />

política foi o “calcanhar de Aquiles” do Império<br />

Português.<br />

D. Francisco de Almeida morreu em Dezembro<br />

de 1509, no cabo da Boa Esperança, ao ser emboscado<br />

por um grupo de nativos daquela zona quando<br />

regressava para o Reino 9 .<br />

Esta batalha foi uma das mais importantes a<br />

nível naval pelas consequências que trouxe. Ao<br />

perder a Batalha de Diu, o mundo muçulmano<br />

percebia que teria de conviver com a presença dos<br />

Portugueses naquele espaço geográfico. De facto,<br />

vencendo a batalha, Portugal afastou as ameaças à<br />

sua supremacia durante um período de cem anos<br />

no Oceano Índico. Portugal ficou mais consistente<br />

para conquistar mais zonas no Oriente. O ano de<br />

1509 marca a consolidação do recente Império que<br />

se ia criando. Numa altura em que o Islão parecia<br />

imparável naquela zona, Portugal interrompe esse<br />

progresso. As consequências a curto prazo foram<br />

imediatas. Os mamelucos egípcios, ao perderem o<br />

comércio do Oriente, foram conquistados pelo exaliado<br />

otomano, isto após decorridos apenas oito<br />

anos da batalha de Diu. Os Otomanos tentaram,<br />

nos anos seguintes, afastar Portugal do Oceano<br />

Índico, mas todas as tentativas realizadas resultaram<br />

em fracasso.<br />

Sem dúvida, 1509 é um ano chave para o mundo<br />

cristão e muçulmano. Marca o fim do monopólio<br />

muçulmano no Oriente e o começo do monopólio<br />

português e, consequentemente, cristão. Todavia,<br />

Portugal iria perder, a longo prazo, esse monopólio<br />

que possuía no Oriente, mas não para nenhuma<br />

entidade política muçulmana. Perdeu primeiro para<br />

os Holandeses e depois para os Ingleses. Logo,<br />

Vencendo a batalha, Portugal afastou as ameaças à sua<br />

supremacia durante um período de cem anos no Oceano<br />

Índico<br />

esta batalha marcou também a supremacia naval<br />

ocidental.<br />

Em conclusão, uma batalha pode ser apenas<br />

um facto histórico, mas pode mudar o curso da<br />

História. É sempre um momento de cisão; quando<br />

surge uma batalha existe um “antes” e um “depois”.<br />

Uma das principais razões porque há conflitos<br />

bélicos, senão a mais importante, é o homem em si,<br />

o facto de o homem cobiçar o que outro homem<br />

possui (recursos naturais). Primeiro, tenta chegar a<br />

um acordo comercial ou diplomático. Durante esse<br />

tempo pode tentar influenciar esse Estado para a<br />

esfera de influência do “cobiçador”. No final,<br />

quando todas as tentativas falharam, parte para a<br />

acção bélica, de modo a conquistar o que pretendia<br />

possuir. Muitas vezes, os conflitos bélicos ocorrem<br />

e nem sempre se pretende possuir algo do outro em<br />

concreto, mas sim afastá-lo do mesmo objectivo,<br />

ou seja, várias potências não chegam a acordo<br />

sobre determinada questão, geralmente política, e<br />

guerreiam entre si; o vencedor leva a sua política<br />

adiante.<br />

O homem existe e vive em sociedade, organizase<br />

e cria uma entidade política (Estado). Ao coabitarem<br />

diferentes entidades políticas no mesmo<br />

espaço geográfico, surgem conflitos de interesses,<br />

vem ao de cima o instinto guerreiro do homem e<br />

dão-se as batalhas, escaramuças e pilhagens. Esta<br />

explicação da “origem dos conflitos” tem lacunas,<br />

pois há várias situações ao longo da História para<br />

o surgir da Guerra e seria díficil aqui nomeá-las por<br />

completo. Todavia, fica aqui um pequeno padrão


da “origem dos conflitos”. A Guerra é algo inerente<br />

ao homem fazendo parte dele próprio como ser.<br />

Termina-se com uma frase de Niall Ferguson:<br />

“Parece que enquanto os homens planearem a<br />

destruição dos seus pares […] a guerra será<br />

recorrente, desafiando as fronteiras da cronologia”.<br />

JE<br />

Fotos: arquivo JE<br />

Notas<br />

1 Bailey e Winius, 1993: 11.<br />

2 Bailey e Winius, 1993: 16.<br />

3 Mendonça, 2006: 96.<br />

4 Weir, 2001: 50.<br />

5 Bailey e Winius, 1993: 20.<br />

6 Bailey e Winius, 1993: 21.<br />

7 Weir, 2001: 50.<br />

8 Bailey e Winius, 1993: 28.<br />

9 Mendonça, 2006: 101.<br />

Bibliografia<br />

Bailey W. Diffie, George D. Winius, A Fundação do<br />

Império Português 1415 - 1580, Vol. II, Lisboa, Veja, 1993.<br />

FERGUSON, Niall, A Guerra do Mundo, Porto,<br />

Livraria Civilização, 2006.<br />

MENDONÇA, Manuela (coord), Batalhas da História<br />

de Portugal, Vol. VII, - Campanhas da Índia 1501-1600,<br />

Lisboa, QuidNovi, 2006.<br />

WEIR, William, 50 Battles that Changed the World:<br />

the conflicts that most influenced the course of history, The<br />

Career Press, 2001.<br />

17


18<br />

Coronel de Infantaria José Geraldo<br />

Gravura: Salvador Ferreira


Combate da Roliça<br />

(17 de Agosto de 1808)<br />

Participaram neste combate as seguintes<br />

tropas portuguesas: “Artilheria n.º 4.<br />

Cavallaria n. os 6, 11, 12 e da guarda real da policia.<br />

Caçadores n.º 6. Infanteria n.os 12, 21 e 24” 1 . O<br />

desembarque inglês foi recebido com grande júbilo<br />

pelos portugueses, “que de Coimbra e de Pombal<br />

mandaram offerecer refrescos ao general inglez. Ao<br />

mesmo tempo Manuel Pinto Bacellar e Bernardim Freire<br />

de Andrade dirigiram-se tambem para Lisboa, com as<br />

tropas do seu commando, ás quaes tinham vindo<br />

juntar-se uns 130 soldados e sargentos da guarda real<br />

da policia, que tinham conseguido evadir-se da capital,<br />

a occultas dos Francezes” 2 .<br />

Apesar de aliados, os ingleses e os portugueses<br />

não se iriam entender muito bem na conduta das<br />

operações, contudo, houve alguma colaboração que<br />

deu bons resultados, como iremos ver: “Os generaes<br />

portuguezes conferenciaram em Montemór-o-Velho<br />

com sir Arthur Wellesley. Começaram alli os<br />

dissentimentos entre uns e outros, querendo<br />

Bernardim Freire e Manuel Pinto que os Inglezes se<br />

internassem no reino, para se ligarem com as tropas<br />

do Alemtejo; Wellesley não queria de modo algum<br />

afastar-se da costa3 . […] O único resultado d'<br />

.0esta conferencia, foi o receberem os Portuguezes<br />

5:000 espingardas inglezas. No dia 10 rompeu a marcha<br />

o exercito inglez, dirigindo-se de Lavos para Leiria<br />

n'uma linha que se podia dizer quasi parallela á costa,<br />

da qual se desviava” 4 .<br />

O general inglês não abandonava o seu plano e<br />

os portugueses não cederam, alegando que assim não<br />

poderiam garantir a subsistência das tropas<br />

portuguesas, porque aquela região estava depauperada<br />

pelas acções dos soldados franceses.<br />

Wellesley argumentava que não podia sustentar as<br />

tropas portuguesas no seu próprio território. Todos<br />

tinham as suas razões. Consta que os soldados,<br />

sabendo daquele desentendimento, diziam: “Pois bem!<br />

brigaremos sem pão!” 5 Perante a desinteligência e as<br />

condições impostas, Wellesley solicitou a Bernardim<br />

Freire um total de 1600 homens, a quem garantiria<br />

rações. Mas os ingleses poderam contar com mais mil<br />

homens, num total de 26006 .<br />

Muitas são as fontes e estudos históricos que<br />

1 CHABY, Claudio de – Excertos Historicos e Collecção<br />

de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula<br />

e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña.<br />

Lisboa: Imprensa Nacional, 1863, p. 70.<br />

2 CHAGAS, Manuel Pinheiro - Historia de Portugal:<br />

Popular e Illustrada, 3.ª Ed., Lisboa: Empreza da Historia<br />

Gravura de Carvalho, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional<br />

relatam estes episódios dos combates da Roliça e do<br />

Vimeiro, com pormenores distintos, mas vamo-nos<br />

tentar socorrer das descrições do Capitão Claudio de<br />

Chaby, com algumas ilustrações:<br />

“No dia 12 de agosto, effeituavam, porém, algumas<br />

tropas portuguezas a sua juncção, na cidade de Leiria,<br />

com o exercito britanico, [...]. Combinadas então entre<br />

os generaes, apropriadas disposições, fornecidas<br />

por Wellesley a alguns dos nossos soldados os<br />

armamentos de que haviam mister, foi determinada a<br />

marcha immediata de todas as forças reunidas, sobre<br />

Lisboa. [...] o general Bernardim permaneceu em<br />

Leiria com tropas portuguezas, para vigiar o inimigo<br />

que tinha à sua esquerda; e Wellesley, com treze<br />

mil inglezes, mil e quatrocentos soldados dos<br />

corpos de infanteria portugueza, n. os 12, 21, 24 e<br />

caçadores n.º 6, algumas peças do regimento n.º 4,<br />

e duzentos e sessenta cavalleiros portuguezes dos<br />

de Portugal, Vol. VII, p. 549.<br />

3 Para não perder de vista os navios que o apoiavam.<br />

4 IDEM, Ibidem, p. 549.<br />

5 IDEM, Ibidem, p. 550.<br />

6 IDEM, Ibidem, p. 550.<br />

19


20<br />

regimentos n.º 6, 11, 12 e da guarda real da policia,<br />

saiu d'aquella cidade, dirigindo-se no dia 14 para<br />

Alcobaça, onde, desde 8, estavam De Laborde com<br />

Thomiers e Brenier.<br />

Tão depressa tiveram os francezes conhecimento<br />

da approximação das forças combinadas,<br />

decamparam immediatamente, effeituando um<br />

movimento retrogrado. No dia 16 occupavam as<br />

tropas de wellesley a Nazareth, em quanto De<br />

Laborde guarnecia as alturas da Roliça e Columbeira,<br />

esperando socorros, que se sabia estarem já em<br />

marcha para se lhe unirem.<br />

Resolveu então o general britanico atacar o<br />

inimigo na seguinte manhã. Cinco mil e quinhentos<br />

soldados de infantaria, quinhentos cavallos e cinco<br />

bôcas de fogo, ao mando de De Laborde, tinham<br />

apoiada a direita nas collinas, e a esquerda em uma<br />

elevação, então coroada por um moinho. Presumiase<br />

que Loison tentava unir-se-lhe pela direita.<br />

O exercito alliado foi dividido em tres columnas.<br />

A columna da direita composta de mil e duzentos<br />

soldados de infantaria portugueza, com cincoenta<br />

cavallos das mesmas tropas, teve o encargo de rodear<br />

o flanco esquerdo do inimigo. Para ganhar as alturas<br />

de Obidos, flanquear os postos que os francezes<br />

tinham no valle, e a direita do da Roliça, vigiando ao<br />

mesmos tempo os movimentos de Loison, foi<br />

destinada a columna da esquerda composta das<br />

brigadas inglezas de Fergunson e Bowes, de tres<br />

companhias de caçadores, uma brigada de artilheria<br />

ligeira, e quarenta cavalleiros portuguezes e inglezes.<br />

Á columna do centro, foi commettido o ataque pela<br />

frente á posição de De Laborde: as brigadas de Hil,<br />

Nigthingale e Crawfurd, quatro centos caçadores<br />

portuguezes, cavallaria portugueza e ingleza, e duas<br />

brigadas de artilheria de 9 e de 6, constituiam a força<br />

d'esta columna.<br />

Pozeram-se em marcha as columnas alliadas,<br />

pelas sete horas da manhã do dia 17, e atacando com<br />

valentia os postos inimigos, apesar da dura<br />

resistencia dos seus defensores, dos mesmos postos<br />

se foram sucessivamente apoderando. Em acto<br />

continuo, a infantaria portugueza, recebe ordem para<br />

marchar por um caminho que ficava á direita do<br />

exercito; as companhias ligeiras da brigada Hil,<br />

seguem outra vereda mais proxima da direita; os<br />

regimentos britanicos 9 e 29, marcham por terceiro<br />

caminho, e as brigadas 45 e 82, seguem pela esquerda.<br />

Em todas as direcções, tiveram os soldados<br />

portuguezes e seus aliados, que vencer as grandes<br />

difficuldades das asperezas do terreno, e da vigorosa<br />

resistencia dos contrarios; mas tudo denodamente<br />

souberam superar, arrojando ante si o inimigo, e<br />

estabelecendo-se em todos os pontos por elle<br />

dominados.<br />

Victoriosos os alliados nas ultimas posições<br />

conquistadas, houveram de as sustentar briosamente,<br />

contra tres ataques que á sua vez intentaram os<br />

francezes, e dos quaes tiveram estes que desistir ante<br />

a firmeza com que foram recebidos, retirando-se a final,<br />

e effeituando em boa ordem o movimento, que a<br />

pouca força da cavallaria alliada não permittiu fosse<br />

perseguido” 7 .<br />

Os aliados acabavam de vencer os franceses, que<br />

não se organizaram convenientemente. Napoleão<br />

enviou Junot para ocupar Portugal, mas este não veio<br />

acompanhado do seu génio para orientar as tropas.<br />

Dois dias antes do combate da Roliça, Junot festejava<br />

o aniversário de Napoleão, em Lisboa, para só sair a<br />

16 de Agosto, data em que assina uma curiosa<br />

comunicação dirigida aos habitantes de Lisboa 8 , não<br />

assistindo à derrota de De Laborde a 17 desse mês.<br />

Houve muitas baixas de ambos os lados neste<br />

combate que “durou desde as 9 horas da manhã até<br />

pouco depois das 4 da tarde” 9 . Não deixa de ser<br />

curioso como o general francês, o Intendente-Geral<br />

da Polícia, comunica o resultado do combate da Roliça<br />

a Junot. Segundo Thiebault, citado por Napier, os<br />

franceses tiveram 600 baixas, entre mortos e feridos;<br />

os aliados tiveram menos de 500 baixas: “The loss of<br />

the French was six hundred killed and wounded,<br />

among the latter Laborde himself. The British had two<br />

lieutenant-colonels and nearly five hundred men killed,<br />

taken or wounded, and as not more than four thousand<br />

men were actually engaged, this fight was very<br />

honourable to both sides” 10 .<br />

Há autores que apontam para outros números de<br />

baixas, como é o caso do marquês de Londonderry<br />

que aponta para 1000 baixas nos franceses e 2000 nos<br />

ingleses 11 .<br />

Batalha do Vimeiro<br />

(21 de Agosto de 1808)<br />

Depois do vigoroso combate que acabámos de<br />

descrever, com elevado número de baixas para ambos<br />

os lados, “Sir Arthur [...] repelliu os francezes da sua<br />

posição, e emquanto estes retiravam na direcção de<br />

Torres Vedras, avançou elle para o Vimeiro, na direcção<br />

do mar, afim de estabelecer as comunicações com a<br />

esquadra, e proteger o desembarque de reforços. No<br />

dia 20, uma brigada de 4:000 homens proximamente,<br />

commandados pelo general Anstruther, approximouse<br />

da costa e desmbarcou a salvo; e tendo-se reunido<br />

provisões para doze dias, foi ordenado um immediato<br />

movimento sobre Torres Vedras. Sir John Moore<br />

estava a este tempo proximo da foz do Mondego,<br />

sendo o plano de Sir Arthur Wellesley que elle<br />

desembarcasse ali, e que, marchando depois sobre<br />

Oficial do corpo de voluntarios<br />

reais de milicias a cavalo 1807<br />

(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />

Soldado de milicias reg. de Penafiel<br />

divisão do Norte 1806<br />

(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)


Santarem, ameaçasse cortar as comunicações dos<br />

francezes com Elvas, emquanto elle (Sir Arthur)<br />

tentava chegar a Lisboa” 12 .<br />

O plano de Wellesley era contornar Torres Vedras<br />

pelo lado da costa e chegar a Mafra, barrando o<br />

caminho a Junot no sentido de Lisboa. Não foi<br />

realizado este projecto.<br />

Vamos então verificar o que aconteceu poucos<br />

dias depois do combate da Roliça, que tão bom<br />

augúrio havia dado às tropas aliadas. As tropas<br />

inglesas recebiam reforços, enquanto os soldados<br />

portugueses ganhavam ainda mais ânimo para combater<br />

e expulsar os franceses, constantando-se que<br />

grande parte deles fugia do jugo francês para se<br />

juntar aos seus e engrossar as tropas aliadas.<br />

7 CHABY, Claudio de - Excertos Historicos e Collecção<br />

de Documentos..., pp. 70-72.<br />

8 Vd. Comunicação de Junot aos Habitantes de Lisboa<br />

(16 de Agosto de 1808), in Collecção dos Decretos, Avisos,<br />

Ordens, Editaes etc. que foram Impressos e Expedidos a<br />

Diversas Repartições do Reino de Portugal desde 22 de<br />

Outubro de 1807, até 16 de Outubro de 1808, em que<br />

existio o Governo Intruso dos Francezes. Lisboa: Impressão<br />

Regia, 1808.<br />

9 CESAR, J. Victoriano – Estudos de Historia Militar:<br />

Breve estudo sobre a Invasão Franco-Hespanhola de 1807<br />

Gravura: Salvador Ferreira<br />

Junot deixou Lisboa à guarda de Travot com 3500<br />

homens e foi em socorro de De Laborde, que caminhava<br />

sobre Torres Vedras, sob observação dos<br />

aliados.<br />

Tal como no combate da Roliça, transcrevemos a<br />

Batalha do Vimeiro pelo Capitão Cláudio de Chaby:<br />

“No dia 18 de agosto, Junot, De Laborde, e<br />

Loison, estavam reunidos n'aquella villa 13 . Tendo o<br />

general Bernardim desaffrontado de inimigos o flanco<br />

esquerdo, saiu da cidade de Leiria, e chegou a Obidos<br />

no dia 20, onde fez alto de accordo com o general<br />

britânnico.<br />

Pela noticia de approximação á costa, dos navios<br />

inglezes, que a seu bordo transpotavam as brigadas<br />

Anstruther e Ackland, Wellesley fez uma conversão<br />

em Portugal e operações realizadas até á Convenção de<br />

Sintra. Lisboa: Typ. da Cooperativa Militar, 1903, p. 105.<br />

10 NAPIER, W. F. P. - History of the War in the Peninsula<br />

and in the South of France: From the year 1807 to the<br />

Year 1814. London: Frederick Warne And Co., [s. d.], Vol.<br />

I, p. 131.<br />

11 CESAR, Victoriano J. - Ob. cit., p. 105.<br />

12 ROBINSON, C. W. – A Guerra da Península: 1808-<br />

1814. Lisboa: Typographia de Mattos Moreira & Cardosos,<br />

1883, p. 41.<br />

13 Torres Vedras.<br />

21


22<br />

para a Lourinhã, dirigindo-se depois para o Vimeiro,<br />

onde se localisou, tambem no dia 20, no qual, pisou<br />

as nossas praias a brigada ingleza de Anstruther, na<br />

força de dois mil e quatrocentos homens.<br />

Pensava Wellesley seguir pela estrada de Mafra<br />

os francezes, na retirada que sobre Lisboa suppunha<br />

effeituariam com promptidão pelo caminho de<br />

TorresVedras, e, n'esta hypothese, tinha dado instruções<br />

ao General Bernardim, para que os fosse observando<br />

pela esquerda, quando soube que Junot longe<br />

de retirar-se, se propunha offerecer-lhe batalha. [...].<br />

Em quanto Junot assim procedia, Wellesley, certo<br />

já do seu intento, dispunha-se a recebe-lo por<br />

condigno modo. Algumas brigadas, com oito peças<br />

de artilheria, foram estabelecidas em uma elevação<br />

para a rectaguarda, e nordeste do Vimeiro; a brigada<br />

Hill estava á direita, e a de Ferguson á esquerda. As<br />

outras tropas tomaram posições dominantes do<br />

campo, em quanto a cavallaria e artilheria de reserva<br />

foram postadas no valle.<br />

Pelas oito horas da manhã do dia 21, em frente<br />

dos alliados, apresentaram-se os francezes,<br />

mostrando em apparato a cavallaria, e coroando as<br />

alturas por onde passa o caminho da Lourinhã,<br />

manifestamente determinados a atacar pela esquerda<br />

as tropas de Wellesley.<br />

Percebendo o britannico, o designio dos<br />

contrarios, ordenou uma conversão sobre aquelle<br />

flanco, dispondo a brigada de Ferguson como<br />

primeira linha, e a de Nigthingale como segunda. Na<br />

rectaguarda estavam formadas em columnas as<br />

brigadas de Bowes, e de Ackland, que acabavam de<br />

desembarcar.<br />

Ordenadas as tropas nas montanhas, tendo no<br />

flanco direito o valle que conduz ao Vimeiro, e pelo<br />

esquerdo a quebrada que da cordilheira separa estas<br />

alturas, viam-se os portuguezes nas pequenas<br />

elevações da baixa, junto ao Vimeiro. Deram os<br />

francezes principio ao ataque arrojando algumas<br />

columnas contra a vanguarda dos alliados, nas<br />

alturas do sul; avançaram contra a esquerda, atravez<br />

do vivo fogo dos atiradores, chegando a encontrarse<br />

com regimento inglez 50, que os recebeu, com<br />

firmeza e valentia nas pontas das bayonetas. No<br />

caminho que vae para o Vimeiro, lutaram corpo a<br />

corpo com os francezes, a quem repelliram, os<br />

soldados do regimento 43; e na direita, o regimento<br />

92, e o segundo batalhão do 52, inutilisaram todo o<br />

ardor dos agressores, que, investidos de flanco pela<br />

brigada Ackland, e padecendo grandes perdas, em<br />

consequencia do fogo de artilheria, cederam a victoria<br />

aos alliados, retirando-se desordenadamente,<br />

deixando no campo muitos prisioneiros, sete peças<br />

de artilheria e consideravel numero de mortos e<br />

feridos.<br />

Gravura de Carvalho, Lisboa: Lithographia da Imprensa Nacional<br />

Principiou o ataque sobre as alturas que acompanham<br />

o caminho da Lourinhã, quasi ao mesmo tempo,<br />

com muita energia, e apoiado por cavallaria<br />

numerosa. Os regimentos britannicos 36, 40 e 71,<br />

que formavam a brigada Ferguson, carregaram<br />

intrepidamente os francezes, e os obrigaram a retirar,<br />

em quanto as tropas portuguezas, com arrogante<br />

decisão, avançavam em duas linhas ao longo das<br />

alturas da esquerda. Em breve tempo, depois de<br />

violentos choques, retirava o inimigo, com perda de<br />

mais seis bocas de fogo e de abundante numero de<br />

mortos, feridos e prisioneiros. Quizeram ainda os<br />

imperiaes tentar algumas diligencias para rehaver<br />

parte da perdida artilheria, investindo em um valle,<br />

onde ella estava, os regimentos 71 e 82, os quais<br />

souberam inutilisar-lhes a tentativa, forçando-os á<br />

retirada, que effeituaram com augmento de<br />

consideravel perda em mortos e feridos” 14 .<br />

Os franceses iriam agora abandonar o combate e<br />

empreender um movimento em retrocesso até Torres<br />

Vedras, sem perseguição da cavalaria portuguesa<br />

ou inglesa, que se encontrava reduzida. As tropas<br />

aliadas ficavam nas suas posições, no Vimeiro.<br />

Segundo Victoriano J. Cesar, Thiébault descreve<br />

nas suas Memorias 15 o seguinte: “Logo que<br />

terminou a batalha do Vimeiro, o duque d'Abrantes


Soldado do 4.º Batalhão de Caçadores<br />

(Beira) 1808<br />

(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />

Soldado do Regimento de Artilharia<br />

n.º 2 divisão do Sul 1806<br />

(Colecção de aguarelas do Coronel Ribeiro Arthur)<br />

reuniu os generais Delaborde, Loison, Kellermann e<br />

Thiébault, pedindo-lhes que emitissem a sua opinião<br />

sobre as três questões seguintes: “O exército deve<br />

ainda tentar a sorte das armas? No caso afirmativo,<br />

qual o plano a seguir? Não podendo tentar tal cousa,<br />

que partido há a tomar? Conclui-se que o exército<br />

não estava em estado de aceitar uma batalha e que<br />

se devia retirar sobre Lisboa, que era o único ponto<br />

onde se podia reunir o exercito. Depois desta<br />

conferência assentou-se desde logo em fazer retirar<br />

o exercito para Torres Vedras”” 16 .<br />

Antes de abandonar o campo de batalha, Junot<br />

escreveu uma carta a Travot, onde descrevia, de<br />

modo sumário, os acontecimentos como lhe<br />

convinha. Dessa carta, transcrevemos um excerto a<br />

que tivemos acesso: “Campo de Batalha 21 de<br />

Agosto ás 4 horas da tarde. O Inimigo foi atacado<br />

esta manhã ás 9 horas na posição fortificada que elle<br />

occupava: em hum instante foi desalojado de todas<br />

as suas posições avançadas” 17 .<br />

Para além da perdas acima mencionadas, o<br />

exército de Junot abandonou no campo de batalha<br />

uma vintena de carros de munições. Napier descreve<br />

assim as perdas das tropas imperiais francesas:<br />

“One general, thirteen guns, and several hundred<br />

prisoners, fell into the hands of the victors, and the<br />

total loss of the French was estimated at three<br />

thousand men; an exaggeration no doubt, yet it was<br />

certanly above two thousand, for their closed<br />

columns were exposed for more than half an hour to<br />

sweeping discharges of grape and musketry, and<br />

the dead lay thickly together. Thiebault reduces the<br />

number to eighteen hundred, and says the whole<br />

French army did not much exceed twelve thousand<br />

men; from which he deducts nearly three thousand<br />

for sick, stragglers, and those other petty drains<br />

which torment a general-in-chief” 18 .<br />

Muito ficará por contar destas operações<br />

militares, tão decisivas para a expulsão dos invasores,<br />

nesta primeira Invasão Francesa. Apesar do desaire,<br />

Junot ainda comunicou para Lisboa que tinha obtido<br />

uma vitória, talvez para acalmar os ânimos dos<br />

portugueses que já se encontravam bastante<br />

exaltados. Ao invés, a derrota foi de tal ordem que o<br />

duque de Abrantes enviou Kellerman ao quartelgeneral<br />

britânico para negociar a paz: “Quando<br />

Kellermann chegou aos postos-avançados inglêses,<br />

14 CHABY, Claudio de - Excertos Historicos e Collecção<br />

de Documentos..., pp. 72-74.<br />

15 CESAR, J. Victoriano - Ob. cit., p. 138.<br />

16 CESAR J. Victoriano - Ob. cit., p. 138.<br />

17 "Noticias do Exercito, Junot, 21 de Agosto de 1808",<br />

in Collecção dos Decretos, Avisos, Ordens, Editaes...<br />

18 NAPIER, W. F. P. - Ob. cit., p. 140.<br />

acompanhado d'um clarim e um esquadrão de<br />

cavallaria, houve um verdadeiro sobressalto, pois<br />

se julgou que um reconhecimento se ia effectuar e<br />

que os francêses, tendo recebido reforços, iam<br />

recomeçar a lucta. Mas logo que se reconheceu que<br />

era dum parlamentario que se tratava, tudo voltou<br />

ao seu estado normal e Kellermann foi conferenciar<br />

com Wellesley” 19 .<br />

Depois de conferenciarem, concordaram que<br />

deveria haver uma convenção entre os beligerantes,<br />

com a excepção dos portugueses. Com a Convenção<br />

de Sintra 20 , Portugal ficava na posse efectiva dos<br />

ingleses. O modo como foi elaborada e o conteúdo<br />

das suas cláusulas, “Excitou ella por esse tempo uma<br />

tempestade de indignação em Inglaterra, levantandose<br />

um clamor ainda mais injustificável por não terem<br />

obrigado Junot a entregar-se sem condições, em<br />

logar de lhe permittirem que retirasse com o seu<br />

exercito. Mas posto que alguns dos menores<br />

detalhes da convenção não fossem talvez<br />

convenientes, no todo era, comtudo, vantajosa para<br />

a causa dos inglezes” 21 .<br />

Para os portugueses trouxe a vantagem de se<br />

verem livre dos invasores, mas foi, de facto, uma<br />

posição humilhante! Os franceses derrotados<br />

deixavam Portugal levando armas, bagagens e o<br />

saque acumulado durante o período em que cá<br />

estiveram.<br />

A indignação não se fez só sentir em Portugal.<br />

“Comtudo, em virtude dos clamores que se<br />

levantaram em Inglaterra, Sir Arthur Wellesley, Sir<br />

Harry Burrard, e Sir Hew Dalrymple, foram<br />

mandados regressar ao seu paiz afim de responderem<br />

perante um conselho de investigação.<br />

Absolveu-os esta da culpa de que eram accusados,<br />

devendo nós aqui mencionar a opinião do proprio<br />

Napoleão, que dizia ter sido a convenção, que pôz<br />

termo a esta campanha, de uma evidente vantagem<br />

para os inglezes, constituindo um erro praticado<br />

por Junot. “Tratava eu de levar Junot perante um<br />

conselho de guerra (diz elle) quando, felizmente, os<br />

inglezes metteram em processo os seus generaes,<br />

poupando-me por esta forma o pezar de ter de<br />

castigar um velho amigo”” 22 .<br />

Esta convenção foi motivo de elevada<br />

polémica, tanto em Portugal e no Brasil, bem como<br />

em Inglaterra e até em França.<br />

19 CESAR, Victoriano J. - Ob. cit., p. 139.<br />

20 Ficou assim conhecida para a História por ter sido<br />

assinada naquela vila, no palácio dos Seteais, no dia 30 de<br />

Agosto de 1808. (Vd. CHAGAS, M. P. - Historia de Portugal,<br />

p. 550).<br />

21 ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 46.<br />

22 IDEM, Ibidem, p. 47.<br />

23


24<br />

Convenção para a Suspensão<br />

de Armas entre os <strong>Exército</strong>s<br />

Inglês e Francês estacionados<br />

em Portugal (1808)<br />

A suspensão das hostilidades concordada entre<br />

Arthur Wellesley, Tenente-General, cavaleiro da Ordem<br />

do Banho, de uma parte, e o General de Divisão<br />

Kellermann, Grande Oficial da Legião de Honra,<br />

comendador da Ordem da Coroa de Ferro, grâ-cruz da<br />

Ordem do Leão de Baviera, da outra parte, ambos<br />

munidos dos poderes dos respectivos generais<br />

francês e inglês:<br />

A convenção definitiva para a evacuação de Portugal<br />

23 pelo exército francês seria concluída poucos<br />

dias mais tarde, a 30 de Agosto, entre os dois generais<br />

comandantes-em-chefe dos exércitos francês e<br />

britânico em Portugal, Junot e Dalrymple, respectivamente,<br />

tendo como base o acordo que se estabeleceu<br />

a 22 de Agosto, que pôs termo às hostilidades. O<br />

embarque dos franceses ocorreu entre os dias 10 e 15<br />

de Setembro, em navios ingleses, tal como estava<br />

previsto: “No dia 15 embarcou Junot no Caes do Sodré,<br />

com a sua comitiva, senhoras, empregados, etc.,<br />

e com parte das suas tropas, no meio de grande concurso<br />

de povo, que estava gosando aquelle espectaculo,<br />

que lhe annunciava o vêr-se livre dos invasores.<br />

O duque de Abrantes embarcou na fragata ingleza<br />

The nymph, commandante Pery, que o conduziu ao<br />

porto de La Rochelle, onde desembarcou. Ahi lhe<br />

veiu ao encontro sua esposa a duqueza de Abrantes 24 .<br />

Parte do exercito francez, que retirou de Portugal,<br />

desembarcou na Rochelle, o resto foi desembarcar<br />

em Quiberon” 25 .<br />

Há episódios da História de Portugal que põem<br />

em evidência o patriotismo do povo português. Eis o<br />

que se passou. Depois dos franceses abandonarem<br />

as fortalezas do Tejo aos ingleses, estes içaram a sua<br />

bandeira, inclusivé no castelo de S. Jorge. Só mais<br />

tarde é que a bandeira inglesa foi substituída pela<br />

bandeira portuguesa. Com este acto os ingleses<br />

queriam transmitir aos portugueses que a libertação<br />

do jugo francês lhes era devida.<br />

Mas esta atitude da parte inglesa irritou muitos<br />

portugueses, tal como a não inclusão de Portugal na<br />

assinatura da Convenção de Sintra. Dos indivíduos<br />

mais indignados destacam-se os generais Bernardim<br />

Freire de Andrade e Manuel Pinto Bacelar. O General<br />

Bernardim Freire de Andrade elaborou um protesto 26<br />

contra a Convenção de Sintra, mostrando a sua indignação<br />

“por tudo o que póde ser contrario á honra,<br />

segurança e interesses da nação, [...]” datado de 4 de<br />

Setembro de 1808, no Quartel-General da Encarnação 27 .<br />

Como corolário desta primeira Invasão Francesa<br />

podemos dizer, tal como o fez Francisco da Fonseca<br />

Benevides: “A convenção de Cintra foi criticada, e<br />

mal recebida, em França, em Inglaterra, em Portugal e<br />

no Brazil! Todos perderam e todos ganharam” 28 .<br />

A grande vantagem de Portugal e de Inglaterra<br />

obtida nesta fase foi extraordinária, sob o ponto de<br />

vista estratégico, dado que Portugal ficava novamente<br />

liberto e com a sua fronteira terrestre com Espanha<br />

novamente definida e na sua posse, com excepção de<br />

Olivença, e “com os seus portos abertos ao mar” 29 . O<br />

território iria constituir-se numa “mui excellente base<br />

onde apoiar as operações contra os francezes” 30 . Os<br />

ingleses tinham à disposição este território e a<br />

colaboração dos portugueses.<br />

A França não perdeu tudo, recebendo ainda os<br />

milhares de soldados que Junot conseguiu poupar,<br />

assim como armas e bagagens transportados por<br />

navios ingleses até aos seus portos. Junot não<br />

conseguiu ser, como ambicionava, rei de Portugal e a<br />

França não manteve a ocupação de Portugal.<br />

Reinava a confusão no período em que o exército<br />

francês embarcava nos navios ingleses entre 10 e 15<br />

de Setembro. “O povo inundava as ruas, e onde<br />

apparecia hum Francez, levantava-se hum tumulto.<br />

Graças á vigilância, e actividade das tropas Inglezas,<br />

a que os portuguezes conservavão o respeito, que a<br />

gratidão dictava: evitou-se maior effusão de sangue,<br />

parando toda a tempestade em muita gritaria, algumas<br />

pedradas, contuõses 31 , e cabeças quebradas” 32 .<br />

O Tenente General João Hope, comandante das<br />

tropas inglesas destinadas a garantir a segurança e a<br />

ordem na capital, fez afixar uma proclamação 33 , ao<br />

mesmo tempo que os franceses embarcavam.JE<br />

* In Geraldo, José - As Invasões Francesas e as Linhas de<br />

Torres: Defesa de um Património. Dissertação de Mestrado<br />

23 Vd. "Convenção de Sintra", in Brandão, Raul - Eldefendida<br />

Rei Junot. a Porto: 29Fev08, Livraria na Academia Brazileira, Militar, 1912, pp. 59-68.<br />

317-320.<br />

24 Junot fazia-se acompanhar de muitos tesouros, entre<br />

eles a Bíblia dos Jerónimos.<br />

25 BENEVIDES, Francisco da Fonseca - Ob. cit., pp.<br />

281-282.<br />

26 BRANDÃO, Raul – El-Rei Junot. Lisboa: Livraria<br />

Brazileira, 1912, p. 321.<br />

27 Vd. Convenção de Sintra e Artigos Addicionais à<br />

Convenção, de 30 de Agosto.<br />

28 IDEM, Ibidem, p. 283.<br />

29 ROBINSON, C. W. - Ob. cit., p. 47.<br />

30 IDEM, ibidem, p. 48.<br />

31 Pretenderia o autor dizer “contusões”.<br />

32 NEVES, José Accursio das – Historia Geral da Invasão<br />

dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino.<br />

Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1810, Tomo<br />

V.p. 270.<br />

33 Vd. “Proclamação do Tenente-General João Hope<br />

aos Habitantes de Lisboa”.


O<br />

Instituto de Defesa Nacional, com o apoio da<br />

Comissão Coordenadora do <strong>Exército</strong> para as Comemorações<br />

dos 200 anos da Guerra Peninsular, evocou, no<br />

passado dia 7 de Junho, o primeiro pronunciamento militar<br />

contra o ocupante estrangeiro, protagonizado pela guarnição<br />

do Castelo de S. João da Foz, no Porto, em 1808.<br />

200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />

PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />

O primeiro grito da revolta contra a ocupação napoleónica<br />

No âmbito destas comemorações, em 6 de Junho, a<br />

Universidade Católica promoveu um seminário subordinado<br />

ao tema “As Forças Armadas e a Nação”, onde, sob a<br />

moderação do Professor Doutor Armando Teixeira Carneiro,<br />

um vasto e interessado público seguiu atentamente as<br />

intervenções do Professor Doutor Adriano Moreira, do Eng.<br />

Luís Braga da Cruz, do General Luís Valença Pinto, Chefe do<br />

Estado-Maior General das Forças Armadas, do General<br />

Gabriel Espírito Santo e do Professor Doutor Carvalho<br />

Rodrigues. As sessões de abertura e de encerramento foram<br />

presididas, respectivamente, pelo Ministro da Defesa<br />

Nacional, Professor Doutor Severiano Teixeira, e pelo Director<br />

do Instituto de Defesa Nacional, Professor Doutor<br />

António José Telo.<br />

No dia 7 de Junho, o Tenente-General Lima Pinto,<br />

Ajudante-General do <strong>Exército</strong>, em representação do General<br />

Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>, presidiu à Cerimónia<br />

Militar comemorativa do Primeiro Grito de Revolta Contra a<br />

Ocupação Napoleónica, que teve lugar no interior do Castelo.<br />

O Coronel António Feijó, Chefe da Delegação Norte do<br />

Instituto de Defesa Nacional e actual responsável por aquela<br />

fortaleza, apresentou o Oficial e historiador, Coronel Américo<br />

José Guimarães Henriques, que descreveu, perante a atenta<br />

plateia, as circunstâncias dramáticas que levaram aquela<br />

guarnição, há duzentos anos atrás, a iniciar uma revolta. O<br />

termo desta revolta, escrito em 1808, pelo Capelão da<br />

Fortaleza, e assinado por todos os militares da guarnição,<br />

foi posteriormente lido pelo Tenente-Coronel Morais da<br />

Silva, ao que imediatamente se seguiu o hastear das<br />

Bandeiras Nacionais – a da época e a actual – e uma salva de<br />

21 tiros, executada por uma Bateria de Artilharia do<br />

Regimento de Artilharia n.º 5, da Serra do Pilar. Depois, nas<br />

ruínas da igreja da fortaleza, o pároco da Foz celebrou uma<br />

eucaristia evocativa da memória dos militares revoltosos e<br />

dos demais que tombaram pela Pátria, solenemente<br />

acompanhado pelo Orfeão da Madalena.<br />

As comemorações foram encerradas na noite<br />

do dia 7 de Junho, ainda no interior do Castelo de<br />

S. João da Foz, com uma moldura restante que<br />

ultrapassava o milhar de almas, a quem foi dado<br />

apreciar a arte da Banda Militar do Norte, sob a<br />

batuta do Major Lemos Botelho e dos coros do<br />

Orfeão da Madalena, da AXA Seguros de Portugal,<br />

da Cerâmica de Valadares e da Associação<br />

Académica de Ermesinde, sob a direcção da<br />

Maestrina Lígia Castro.<br />

Estas evocações faziam também parte do<br />

programa comemorativo dos 200 anos das<br />

Invasões Francesas elaborado pela Junta<br />

Metropolitana do Porto. A colaboração desta Junta<br />

contribuiu decisivamente para o sucesso das<br />

cerimónias, tendo sido de sua iniciativa a<br />

participação de meia centena de elementos da<br />

Associação Napoleónica Portuguesa que, envergando os<br />

uniformes militares da época, reconstituíram as noites de 6 e<br />

7 de Junho de 1808, com demonstrações de ordem unida e<br />

manobras tácticas, recorrendo a quatro réplicas de bocas de<br />

fogo que equipavam a artilharia daqueles tempos.<br />

O Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos<br />

Livres dos Trabalhadores, o INATEL e a Câmara Municipal<br />

do Porto, pelo apoio prestado, pela disponibilidade e<br />

pela contribuição técnica e logística, foram, igualmente,<br />

parceiros indispensáveis nesta actividade, tendo nela<br />

desempenhado um papel fundamental.<br />

Texto (adaptado) da autoria<br />

do Coronel António Feijó<br />

25


26<br />

200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />

PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />

Bicentenário da Batalha da Roliça<br />

Bispo do Porto falou da Igreja no tempo das Invasões Francesas<br />

D<br />

Manuel Clemente, Bispo do Porto, deslocou-se na<br />

. quarta-feira, dia 13 de Agosto, ao Bombarral para<br />

falar sobre o “Papel da Igreja no tempo das Invasões<br />

Francesas”.<br />

A sessão teve lugar no Auditório Municipal do Bombarral<br />

e integrou o programa das Comemorações do Bicentenário<br />

da Batalha da Roliça, que terminaram no domingo, dia 17 de<br />

Agosto.<br />

Perante uma plateia composta por cerca de uma centena<br />

de pessoas, D. Manuel Clemente falou sobre a posição<br />

tomada pela Igreja desde que o <strong>Exército</strong> Francês entrou em<br />

Portugal até à revolta da Nação Portuguesa.<br />

Após esta interessante intervenção, o público presente<br />

teve ainda oportunidade de colocar algumas questões ao<br />

Bispo do Porto, momento que veio enriquecer ainda mais<br />

esta sessão.<br />

Cardeal Patriarca esteve no Bombarral<br />

O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, deslocouse<br />

ao Bombarral na sexta-feira, 15 de Agosto, para presidir a<br />

uma missa em honra de Nossa Senhora da Assunção, evocada<br />

liturgicamente nesse dia.<br />

O troar dos canhões voltou a fazer-se ouvir no Picoto<br />

Perto de duas mil pessoas deslocaram-se na manhã de<br />

sábado, dia 16 de Agosto, à localidade da Columbeira, para<br />

assistirem àquele que foi um dos pontos altos das<br />

Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça: a sua<br />

recriação histórica.<br />

Cerca de duzentos figurantes, oriundos de Portugal, de<br />

França, Espanha, Inglaterra e Holanda, recriaram, numa orga-<br />

A cerimónia religiosa teve a presença da imagem peregrina<br />

de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Padroeira de<br />

Portugal, chegada na véspera à igreja paroquial da Roliça, onde<br />

foi recebida por um significativo número de fiéis e onde foram<br />

celebradas missa e vigília.<br />

Todas as referidas cerimónias religiosas tiveram lugar no<br />

âmbito das Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça<br />

que, a de 15 de Agosto, reuniram no alto da Serra do Picoto<br />

cerca de cinco centenas de pessoas.<br />

Após a celebração da Eucaristia, iniciou-se a procissão da<br />

imagem de Nossa Senhora da Conceição até à capela de Nossa<br />

Senhora da Oliveira de Azambujeira dos Carros, tendo aquela<br />

imagem sido transportada numa viatura dos Bombeiros<br />

Voluntários do Bombarral. A celebração culminou com um<br />

espectáculo de fogo-de-artifício.<br />

Nossa Senhora da Conceição foi proclamada Padroeira de<br />

Portugal em 25 de Março de 1646, e o rei de Portugal, D. João IV,<br />

entregou a coroa do reino à respectiva imagem de Vila Viçosa,<br />

em reconhecimento pela Restauração da nossa Independência.<br />

A partir de então, os monarcas portugueses da Dinastia de<br />

Bragança nunca mais voltaram a colocá-la na cabeça.<br />

nização da Câmara Municipal do Bombarral e em conjunto<br />

com a Associação Napoleónica Portuguesa, a batalha<br />

travada entre os exércitos anglo-luso e francês no dia 17<br />

de Agosto de 1808.<br />

O troar dos canhões voltou a fazer-se ecoar, dois séculos<br />

depois, por terras da freguesia da Roliça, num momento que<br />

deixou maravilhados todos aqueles que se deslocaram ao campo


da batalha, conforme provou o forte aplauso com que brindaram<br />

os figurantes no final do “combate”.<br />

A recriação histórica foi levada a cabo a partir do sopé da<br />

Serra do Picoto, junto à Capela de Santana, local que, também<br />

em 1808, foi palco de confrontos entre os exércitos comandados<br />

pelo Tenente-General Arthur Wellesley e pelo General Henri<br />

Delaborde.<br />

A “vitória” foi de seguida comemorada com um almoço<br />

organizado pela Comissão de Melhoramentos da Columbeira e<br />

pelo Clube Recreativo e Desportivo Columbeirense, num<br />

convívio bastante apreciado por todos os figurantes, autarcas<br />

locais, membros da organização e convidados.<br />

Para além daqueles, o almoço contou com a presença de<br />

alguns descendentes do General Henri Delaborde, tendo os<br />

200 anos da Batalha da Roliça servido de mote para este reencontro<br />

familiar. No Bombarral estiveram apenas os descendentes<br />

radicados na Argentina e Inglaterra, embora o General<br />

francês tenha também deixado familiares em França e na Suíça.<br />

A presença dos familiares de Henri Delaborde foi<br />

surpreendente para a organização, mas também para eles<br />

próprios, uma vez que não estavam à espera de encontrar o<br />

ambiente festivo, no qual acabaram por ser envolvidos. Na<br />

hora da despedida, fizeram questão de demonstrar a sua gratidão<br />

pela forma como foram recebidos.<br />

Também presentes na recriação e no almoço estiveram ainda<br />

alguns dirigentes da associação Les Amis du Patrimoine<br />

Soldados que perderam a vida em combate foram recordados<br />

As Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça<br />

terminaram no domingo, dia 17 de Agosto, com um momento<br />

solene de homenagem a todos os soldados que perderam a<br />

vida nas guerras.<br />

Com a presença da comitiva, provinda dos Paços do<br />

Município, e de bastante público, a cerimónia teve lugar junto<br />

ao túmulo do Tenente-Coronel George Lake, na Serra do Picoto,<br />

e contou com a participação do <strong>Exército</strong> Português.<br />

Acabado de restaurar, o túmulo foi erigido em memória do<br />

Tenente-Coronel Lake pelos seus camaradas oficiais do 29.º<br />

Regimento de Worcestershire, datando de 1903 a anterior<br />

restauração, efectuada pelo mesmo Regimento.<br />

De seguida, os presentes rumaram ao alto do Picoto para<br />

proceder ao descerramento de uma placa evocativa das<br />

Comemorações do Bicentenário da Batalha da Roliça, colocada<br />

junto ao cruzeiro existente no local.<br />

Nos Claustros do Palácio Gorjão, no Bombarral, realizouse,<br />

posteriormente, a Sessão Solene comemorativa do<br />

Bicentenário, que abriu com as actuações do grupo coral In<br />

Vita a Música e da banda do Círculo de Cultura Musical<br />

Bombarralense.<br />

A banda bombarralense foi, aliás, protagonista de um dos<br />

pontos mais altos da sessão, ao interpretar de forma brilhante a<br />

obra musical “Abertura 1812”, do compositor russo<br />

Tchaikovsky, tema que os músicos ensaiaram durante vários<br />

meses para estrear neste evento.<br />

Usaram, de seguida, da palavra o Major-General Maia de<br />

Mascarenhas, o Coronel Rocha da Fonseca e o Presidente da<br />

200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />

PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />

Napoleonien (Os Amigos do Património Napoleónico), que se<br />

deslocaram propositadamente a Portugal para assistir às<br />

comemorações.<br />

Outro dos momentos marcantes do dia, que alguns<br />

elementos da organização tiveram oportunidade de presenciar,<br />

foi a homenagem espontânea, por parte dos figurantes, ao<br />

Tenente-Coronel Lake, junto do túmulo erigido em sua memória.<br />

Tratou-se de um momento repleto de emoção, vivido debaixo<br />

de chuva intensa.<br />

Câmara Municipal do Bombarral, Dr. Luís Camilo Duarte, a quem<br />

coube o discurso de encerramento das Comemorações. O<br />

Major-General Maia de Mascarenhas fez um enquadramento<br />

histórico das três Invasões Francesas, enquanto o Coronel<br />

Rocha da Fonseca “dissecou” ao pormenor as várias fases da<br />

Batalha da Roliça.<br />

Fotos: Câmara Municipal do Bombarral<br />

Textos do Gabinete de Informação, Relações Públicas<br />

e Turismo da Câmara Municipal do Bombarral<br />

27


28<br />

200 ANOS DA GUERRA PENINSULAR<br />

PROGRAMA DO EXÉRCITO<br />

A Batalha do Vimeiro<br />

Situada no extremo sul do concelho da<br />

Lourinhã, perto do mar e com águas<br />

termais, a freguesia do Vimeiro é hoje um ponto de<br />

elevado interesse turístico e cultural da região<br />

Oeste portuguesa.<br />

Com cerca de 375 anos de existência – embora<br />

alguns documentos aludam a uma carta de foral<br />

do século XII onde o Vimeiro é referido –, esta<br />

freguesia saltou para a ribalta da História de Portugal<br />

em 1808, quando ali se travou uma célebre<br />

batalha, no decorrer das Guerras Peninsulares,<br />

onde se defrontaram soldados portugueses e<br />

britânicos com as numerosas tropas napoleónicas.<br />

D. Manuel II, 100 anos volvidos depois daquela<br />

efeméride, mandou que ali se construísse um<br />

obelisco evocativo da Batalha, que se tornou um<br />

incontornável local de visita para quem passa pelo Vimeiro e<br />

que, em 1982, foi classificado de interesse público.<br />

A Batalha do Vimeiro fez estremecer, sob a marcha dos<br />

soldados e o ribombar dos canhões, o dia 21 de Agosto de<br />

1808, opondo as tropas de Junot – cerca de 12.000<br />

combatentes – aos soldados luso-britânicos, comandados<br />

pelo General Arthur Wellesley que, dois dias antes, na Roliça<br />

e com o mesmo contingente, tinha derrotado Delaborde.<br />

Àquele efectivo, que já somava perto de 14.000 homens,<br />

juntaram-se mais 4.000 ingleses recentemente desembarcados<br />

em Porto Novo e, seguindo o futuro Duque de Wellington,<br />

caminharam rumo a Lisboa. Perto de Torres Vedras,<br />

nos campos verdejantes do Vimeiro, colidiram os dois<br />

exércitos em sangrento aparato, mas com desfecho favorável,<br />

mais uma vez, aos lusitanos e aos seus aliados.<br />

No rescaldo da Batalha do Vimeiro foram abertos os<br />

caminhos para as negociações e para a Convenção de Sintra,<br />

que determinou a retirada das forças napoleónicas da<br />

Península Ibérica, derrotadas, mas abastadas.<br />

Do programa comemorativo que marcou os 200 anos<br />

deste acontecimento, ganha amplo relevo a inauguração do<br />

Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro que, vizinho<br />

do Monumento Comemorativo da mesma Batalha, dota a<br />

freguesia com um núcleo de interesse histórico, cultural e<br />

turístico insubstituível. O Centro de Interpretação constituirá<br />

não só uma fonte de conhecimento sobre esta Batalha em<br />

particular, mas também reunirá, entre peças museológicas,<br />

documentos históricos e conteúdos virtuais, a vasta herança<br />

cultural legada por todo o período em que decorreram as<br />

Guerras Peninsulares. Projectado pelo arquitecto Augusto<br />

Silva, o Centro de Interpretação, além da vista privilegiada<br />

sobre o palco de Batalha, oferece salas de exposições, uma<br />

sala de estudos e um auditório.<br />

A inauguração do Centro, em 21 de Agosto de 2008,<br />

protagonizada pelo Doutor Mário Lino, Ministro das Obras<br />

Públicas, Transportes e Comunicações, contou também com a<br />

presença do Presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, o<br />

Dr. José Manuel Custódio, do Vice-Chefe do Estado-Maior do<br />

<strong>Exército</strong>, o Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso, e de<br />

inúmeras entidades civis e militares associadas ao evento.<br />

Da Sessão Solene que logo se seguiu, destaca-se a<br />

intervenção do Tenente-Coronel de Infantaria Nuno Correia<br />

Barrento de Lemos Pires, versando, também, sobre os “200<br />

anos da Batalha do Vimeiro” e que, pela sua originalidade e<br />

dinâmica, manteve cativa a atenção de uma considerável<br />

plateia, de onde surgiram, no fim, rasgados elogios.<br />

Também no âmbito das comemorações do bicentenário<br />

das Guerras Peninsulares, e para os amantes da História e<br />

das caminhadas, o município da Lourinhã criou alguns<br />

percursos pedestres que proporcionam aos visitantes, mais<br />

do que um tranquilo passeio pelo campo, uma verdadeira<br />

incursão pelo passado da região, pelos pontos de interesse<br />

do campo da Batalha e pelo quotidiano das gentes que ali<br />

vivem. Refira-se, neste sentido, o PR 3, cujo início e fim se<br />

situam junto ao Monumento Comemorativo da Batalha do<br />

Vimeiro e que, atravessando vários aglomerados populacionais,<br />

dá a conhecer os cenários e os bastidores dos<br />

combates ali travados e aos quais ficámos a dever, em grande<br />

parte, a independência de Portugal.<br />

Tenente RC Paulo Moreira


Texto e Fotos do Tenente RC Paulo Moreira<br />

Por volta de 1299 a.C., quando era rei do<br />

Egipto Ramsés II, ou Ramsés, o Grande,<br />

como ficou também conhecido, foi travada a mais<br />

bem documentada batalha do mundo antigo - a<br />

Batalha de Kadesh. Kadesh foi uma antiga cidade<br />

da Síria, implantada nas margens do rio Oronte, a<br />

cerca de 25 km para sudoeste da contemporânea<br />

Homs. Ramsés II, rei egípcio, e Muwattalis, soberano<br />

dos Hititas, confrontaram os seus exércitos pela<br />

posse daquela cidade que, depois de mais de um<br />

século de submissão aos faraós, se entregou ao<br />

governo hitita, transformando-se em território<br />

contestado nos limites dos dois impérios. Ramsés,<br />

jovem, destemido e arrogante, lança uma ofensiva<br />

impetuosa pela conquista de Kadesh que, por<br />

pouco, não lhe custou a vida com um exército<br />

numericamente inferior, mas com maior mobilidade e<br />

disciplina. A peleja terminou com um empate técnico<br />

status quo ante bellum com ambas as potências<br />

a reconhecerem as suas forças equivalentes. Na<br />

prática, Muwattalis, embora derrotado em combate,<br />

conseguiu conter o avanço egípcio no vale dos<br />

Orontes, e Ramsés II, ainda que clamando uma grande<br />

vitória, não voltou a insistir na expansão dos seus<br />

territórios asiáticos.<br />

Nesta batalha, apesar dos numerosos carros<br />

puxados por cavalos, onde o próprio Ramsés<br />

combateu, os soldados apeados constituíram,<br />

inevitavelmente, a grande massa dos exércitos. É de<br />

senso comum pensar e acreditar que foi de pé e corpoa-corpo,<br />

com armas e técnicas rudimentares, que<br />

combateram entre si os primeiros homens, sendo,<br />

assim, fácil de compreender que a Infantaria se defina<br />

como a principal e a mais antiga arma dos exércitos.


Uma das poucas e, por isso, notáveis excepções a<br />

este retrato foram os povos nómadas, entre eles os<br />

Hunos e os Mongóis, que lutavam montados, sendo<br />

esta prática parte do seu estilo de vida. Desde tenra<br />

idade até cerca dos sessenta anos, todos os homens<br />

saudáveis deveriam ser capazes de montar, caçar e<br />

guerrear.<br />

Os primeiros dias de glória da Infantaria<br />

amanheceram ainda durante a Antiguidade Clássica,<br />

na Grécia e em Roma. As cidades-estado gregas, ou<br />

de inspiração grega, desenvolveram tácticas de<br />

combate para pequenos grupos apeados de Hoplitas.<br />

O Hoplita era o cidadão-combatente, assim designado<br />

devido ao grande escudo que levava para as batalhas,<br />

o hoplon. Defendido por um elmo, uma couraça e o<br />

escudo, armado com uma lança e uma espada, este<br />

era o soldado da Infantaria Pesada daquele tempo,<br />

que combatia integrado numa Falange. A formação<br />

rectangular e compacta das Falanges avançava sobre<br />

o inimigo como uma parede de escudos, golpeando-o<br />

com as lanças compridas, que podiam medir até 5 m,<br />

emergentes das primeiras linhas. As primeiras<br />

referências às Falanges datam de meados do terceiro<br />

milénio a.C., entre os sumérios, e dominaram os campos<br />

de guerra durante milhares de anos, vindo a conhecer<br />

o seu auge com Filipe II da Macedónia ou com os<br />

exércitos de Alexandre, o Grande. Praticamente<br />

invencíveis num ataque frontal, quando constituídas<br />

por soldados bem treinados e disciplinados, as<br />

Falanges eram, no entanto, demasiado lentas na<br />

progressão e vulneráveis a investidas pelos flancos,<br />

visto que as armas estavam orientadas para a frente e,<br />

normalmente, presas naquela posição entre os<br />

restantes homens e os escudos. Este ouriço viria ainda<br />

a ser repetido, em finais da Idade Média, pelos famosos<br />

Quadrados Suíços.<br />

O soldado de Infantaria que granjeia de maior fama<br />

é, talvez, o Legionário Romano. Foi esta formação<br />

a Legião que mais directamente evidenciou a<br />

fraqueza das Falanges e que mais contribuiu para o<br />

seu gradual abandono. A organização romana marcou<br />

de tal forma a estrutura da Infantaria que a sua<br />

influência ainda é visível nos exércitos actuais. A<br />

Legião dividia-se em dez Coortes que, por sua vez,


A mais bem documentada batalha do mundo antigo a<br />

Batalha de Kadesh<br />

eram constituídas por, normalmente, seis Centúrias,<br />

cada uma com 80 homens. Ao longo da História,<br />

variando conforme as circunstâncias, a Legião<br />

continha entre 3 a 6 mil soldados. Equipado com o<br />

célebre gládio, um dardo e um punhal, e protegido<br />

por um elmo, uma couraça, uma cota de malha e um<br />

escudo, este soldado foi senhor dos campos de<br />

batalha durante mais de mil anos, chegando a marchar<br />

cerca de 30 km por dia, com 30 kg de equipamento e<br />

servindo um mínimo de 20 anos nas fileiras.<br />

Curiosamente, ou não, a queda do Império<br />

Romano do Ocidente, onde o soldado Infante<br />

conheceu o seu apogeu, coincidiu com o ocaso da<br />

Infantaria. Sem as estruturas de base sustentadas pelo<br />

Império, nenhuma outra nação reunia as condições<br />

necessárias para treinar, manter e equipar um exército<br />

permanente com aquelas dimensões e organização.<br />

Este facto, associado à invenção do estribo, mudou<br />

radicalmente a face dos exércitos ocidentais. Crê-se<br />

que este artigo tenha sido inventado na Ásia Central,<br />

há cerca de 2600 anos, mas a sua chegada à Prússia,<br />

por exemplo, data de há 1200 anos, e a sua introdução<br />

no quotidiano foi lenta, tendo em conta que, na Europa<br />

da altura, o cavalo era, principalmente, um animal de<br />

tracção e de carga. No entanto, a adesão do estribo e<br />

a sua utilização eficaz, permitiu uma maior ligação entre<br />

o cavaleiro e o animal, uma maior segurança no<br />

A Infantaria de carácter permanente, além de depreciada,<br />

quase se apaga na Europa, sendo suplantada por pequenos<br />

núcleos de Cavaleiros


cavalgar e no manejo de armas enquanto montado,<br />

razões que conduziram à ascensão da Cavalaria durante<br />

o período da Idade Média.<br />

Assim, a Infantaria de carácter permanente, além<br />

de depreciada, quase se apaga na Europa, sendo<br />

suplantada por pequenos núcleos de Cavaleiros que,<br />

mais solidários com a sua montada e capazes de um<br />

enorme poder de choque, são superiormente desproporcionais<br />

ao soldado apeado. Durante este longo<br />

período, a Cavalaria, cujos membros eram oriundos<br />

da nobresa, vê as suas tácticas e armas, quer de defesa<br />

quer de ataque, substancialmente aperfeiçoadas. Ao<br />

mesmo tempo, o investimento na Infantaria era bem<br />

menor e, com frequência, em tempo de necessidade,<br />

um grande número de soldados era literalmente<br />

arrebanhado entre as pessoas comuns e preparado<br />

para o combate de forma rudimentar.<br />

Mas esta relativa supremacia acabaria por se<br />

esbater com o passar do tempo. Logo nos séculos XI<br />

e XII, e um pouco por toda a Europa, foram aparecendo<br />

soluções que, contornando a fragilidade da Infantaria<br />

no confronto directo com os cavaleiros, devolveram<br />

à primeira algumas vantagens no terreno. A preparação<br />

cuidada e táctica do campo de batalha, com estacas,<br />

fossos, paliçadas e abatises veio anular algumas das<br />

mais eficientes armas da Cavalaria, como a velocidade<br />

e o alcance. O desenvolvimento das armas de projecção,<br />

como o arco longo ou a besta, e, já nos finais<br />

da Idade Média, o surgimento das armas de fogo<br />

arcabuzes e mosquetes , significaram o volte-face na<br />

História da Guerra. A Infantaria podia agora parar ou<br />

abrandar significativamente o inimigo e combatê-lo a<br />

uma certa distância. No entanto, sendo a cadência de<br />

tiro destas primeiras armas muito lenta, os atiradores<br />

eram ainda apoiados por uma massa de tropas munida<br />

de lanças e outro equipamento adequado ao combate<br />

corpo-a-corpo. Apesar de tudo, as mudanças foram<br />

de tal ordem que, ao longo do século XIV, os próprios<br />

cavaleiros, normalmente bem protegidos por<br />

elaboradas e sofisticadas armaduras e escudos<br />

resistentes preparados para o embate com os seus<br />

congéneres desceram da sua montada, onde ficavam<br />

mais vulneráveis aos ataques dos arqueiros e<br />

atiradores, tornando-se na Infantaria Pesada da altura.<br />

Até ao século XIX, e enquanto a espingarda de<br />

cano estriado não foi generalizada, o soldado de<br />

Infantaria manteve a formação cerrada em combate,<br />

primeiro por uma questão de unidade de comando,<br />

porque os comandantes podiam, assim, mais<br />

facilmente orientar as grandes massas sob as suas<br />

ordens, e, depois, por uma questão de eficácia, tendo<br />

em conta a pouca justeza no tiro das armas,<br />

reconhecia-se a grande vantagem do efeito de<br />

“cortina de fogo” propiciado por aquela disposição.<br />

O progressivo desenvolvimento da artilharia,<br />

conferindo às armas mais precisão, maior alcance e<br />

uma mais rápida cadência, alterou novamente o<br />

cenário das campanhas. Na Guerra da Secessão, na<br />

Guerra do Paraguai ou na Guerra Franco-Prussiana,<br />

o soldado apeado abandona a formação compacta e<br />

em linha e passa a combater ao abrigo de trincheiras,<br />

protegendo-se dos projécteis cada vez mais certeiros<br />

do inimigo. A Primeira Guerra Mundial, também<br />

conhecida como “Guerra das Trincheiras”, foi, neste<br />

aspecto, sintomática: a evolução das armas e a<br />

introdução da metralhadora transformaram os<br />

confrontos da Infantaria em campo aberto em vastos<br />

cemitérios. A solução foi o combate entre trincheiras,<br />

deixando o espaço entre as linhas inimigas como a<br />

“terra de ninguém”, onde a morte era quase certa.<br />

Apareceu, então, pelas mãos dos britânicos, o<br />

blindado. Rapidamente esta invenção foi adoptada<br />

pelos exércitos de todo o mundo e, na maior parte<br />

dos casos, apropriada pela Cavalaria. Convém dizer<br />

que Infantaria e Cavalaria nunca foram, na verdade,<br />

rivais. Se tanto, terão competido entre si pelo<br />

protagonismo no campo de batalha, obrigando-se<br />

mutuamente a constantes reinvenções e evoluções,<br />

que só as beneficiaram, sempre motivadas pelo<br />

progresso tecnológico e pelo desenvolvimento<br />

táctico e técnico das artes militares. O blindado, no<br />

entanto, não veio mudar radicalmente o estado das<br />

coisas: a infantaria permaneceu a mais numerosa das<br />

armas, podendo agora ser transportada com maior<br />

segurança e rapidez para os pontos fulcrais dos<br />

teatros de guerra, transformando-se em Infantaria<br />

Mecanizada ou Motorizada; a Cavalaria, munida com<br />

grandes e pesados carros de combate, protegida sob<br />

robustas couraças, continuou a desempenhar o seu<br />

papel nas grandes ofensivas. Ambas constituem, por<br />

definição, as armas da manobra de qualquer <strong>Exército</strong><br />

e, conforme as épocas, a tecnologia e as<br />

particularidades do terreno ou do conflito,<br />

combateram sempre lado a lado, equilibrando os<br />

pontos fortes e frágeis uma da outra.<br />

Hoje, não fazendo sentido falar da Infantaria<br />

ou da Cavalaria de forma isolada, sendo cada vez<br />

mais comuns as unidades “mistas”, com subagrupamentos<br />

e agrupamentos constituídos por<br />

atiradores e carros, resta um facto imutável: o<br />

soldado apeado, seja ele, efectivamente, infante<br />

ou cavaleiro, artilheiro ou engenheiro, é a<br />

materialização da conquista de um objectivo; o<br />

controlo efectivo de uma determinada área ou parte<br />

de uma cidade, em contexto de conflito, é<br />

confirmado pela presença, naquele local, de<br />

homens desmontados. É desta forma que, um tanto<br />

romanescamente e fora da terminologia estritamente<br />

militar, no fundo, sempre que a situação o<br />

exige, somos todos Infantes.


No dia 14 de Agosto de 2008, sob os olhares<br />

antigos da tradição e junto à frontaria do Convento<br />

de Mafra, onde, desde 1809, nas preparações para o<br />

confronto com a 3.ª Invasão Francesa, se abrigam<br />

soldados de Infantaria, tiveram lugar as Cerimónias<br />

de Comemoração do Dia da Arma de Infantaria e da<br />

sua Escola Prática.<br />

Na parada improvisada, debaixo do comando do<br />

Tenente-Coronel Jorge Saramago, 2.º Comandante<br />

da Escola Prática de Infantaria (EPI), integraram: a<br />

Banda e Fanfarra do <strong>Exército</strong>, o Bloco de Estandartes<br />

Representativos das Unidades de Infantaria, um<br />

Batalhão de Formação da EPI a duas companhias, o<br />

Batalhão de Formação Militar Geral, também da EPI e<br />

um Batalhão a três companhias (uma, da Brigada<br />

Mecanizada, outra da Brigada de Intervenção, e a<br />

última, da Brigada de Reacção Rápida).<br />

Presididas pelo Chefe do Estado-Maior do<br />

<strong>Exército</strong>, General Pinto Ramalho, estas comemorações<br />

contaram ainda com a presença do General<br />

Altino de Magalhães, acompanhado pelo General<br />

Cerqueira Rocha e distintos Tenentes-Generais na<br />

situação de Reserva e de Reforma. Estiveram também<br />

presentes o Tenente-General Mário de Oliveira<br />

Cardoso, Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong> e<br />

Director Honorário da Arma de Infantaria, o Tenente-<br />

General Cunha Lopes, Inspector-Geral do <strong>Exército</strong>, o<br />

Tenente-General Paiva Monteiro, o Tenente-General<br />

Vaz Antunes, o Tenente-General Pires Tavares e o<br />

Tenente-General Mourato Cabrita. Abrilhantaram,<br />

também, a moldura humana da celebração o<br />

Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Eng.º José<br />

Maria Ministro dos Santos, e o Deputado à<br />

Assembleia da República, Coronel Marques Júnior.<br />

Dos actos cerimoniais, pelo seu simbolismo e<br />

carga emocional, salientaram-se a integração do<br />

Estandarte Nacional nas Forças em Parada,<br />

acompanhado pelo entoar do Hino Nacional,<br />

cantado por todos os presentes, civis e militares; e a<br />

Cerimónia de Homenagem aos Infantes Mortos ao<br />

Serviço da Pátria, soldados que, “de S. Mamede e<br />

Ourique a Aljubarrota, do Buçaco a La Lys, às<br />

bolanhas da Guiné, às chanas de Angola e matas de<br />

Moçambique, das planuras da Índia às montanhas<br />

dos Balcãs, Timor e Afeganistão”, sacrificaram a<br />

própria vida pela honra e independência de Portugal.<br />

Um silêncio de solenidade caiu sobre o momento,<br />

enquanto o General Chefe do Estado-Maior do<br />

<strong>Exército</strong> depunha uma coroa de flores, acompanhado<br />

pelos Tenentes-Generais Oliveira Cardoso e Vaz<br />

As comemorações foram presididas pelo General Pinto<br />

Ramalho, Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong><br />

Antunes, o Major-General Piriquito e o Coronel<br />

Guerra Pereira, Comandante da EPI.<br />

Fazendo uso da palavra, o Coronel Guerra Pereira,<br />

a poucos dias de ser rendido no posto, deixou uma<br />

mensagem de boas-vindas ao novo Comandante da<br />

EPI:<br />

“Concluindo nos próximos dias o exercício das<br />

minhas funções, passo o testemunho com os mais<br />

sinceros e profundos votos de sucesso ao nosso novo<br />

Comandante, Coronel Ormonde Mendes.”<br />

Não terminando sem um comovido agradecimento<br />

àqueles que serviram sob a sua autoridade:<br />

“Tudo se poderia resumir numa frase simples, mas<br />

plena de significado: o que fizeram foi SERVIR A<br />

INFANTARIA, O EXÉRCITO E PORTUGAL.<br />

Mas, permitam-me que, publicamente, testemunhe<br />

que têm fundadas, justificadas e visíveis razões para<br />

afirmar que cumpriram a missão. Em vós está patente<br />

a prova de que os recursos humanos não são<br />

contabilizados de forma puramente numérica ou<br />

matemática, mas sim de forma subjectiva, onde a<br />

motivação, o sentido do dever, a coesão, a<br />

disponibilidade, empenhamento e competência<br />

técnico-profissional, e, atrevo-me a dizer, o vosso<br />

apaixonado e abnegado apego pela nossa Escola,<br />

são factores multiplicadores para as realizações de<br />

sucesso, do saber fazer bem.


Coronel Guerra Pereira, Comandante da EPI<br />

Tenente-General Oliveira Cardoso, Vice-Chefe do Estado-<br />

Maior do <strong>Exército</strong><br />

Ser Comandante de tal gente, que tudo dá, foi<br />

um privilégio e uma subida honra.”<br />

O Vice-Chefe do Estado-Maior do <strong>Exército</strong>,<br />

Tenente-General Oliveira Cardoso, enquanto Director<br />

Honorário da Arma de Infantaria, quis, também, com<br />

algumas palavras, contribuir para a memória colectiva<br />

daquele dia:<br />

“Nesta singela homenagem aos presentes, e<br />

também àqueles que, noutras paragens de Portugal,<br />

albergam Unidades da nossa Infantaria, vai o nosso<br />

reconhecimento e expressão de quanto o nosso<br />

carinho nos conforta. Para os nossos camaradas em<br />

terras longínquas, em cumprimento de missões que<br />

Portugal lhes confiou, vai a nossa solidariedade e a<br />

nossa confiança.<br />

Faz, para o Director da Arma de Infantaria,<br />

sentido, ao invocar, hoje, a figura ímpar de Português<br />

que foi D. Nuno, e o dia longínquo de 1385, em<br />

Aljubarrota, onde se confirmou, de forma inequívoca,<br />

a nossa unidade como Nação, não o fazer reflectindo<br />

só sobre o acto a Batalha dita de real , mas também<br />

nas circunstâncias que a antecederam e naquelas<br />

que foram consequências da mesma. (…)<br />

D. Nuno, o nosso Patrono, é hoje um Comandante<br />

Militar a merecer revisitar nos seus conceitos.<br />

Isto porque, [o] mundo onde nós, Portugueses,<br />

estamos envolvidos com forças militares, no cumprimento<br />

de deveres decorrentes da nossa consciência<br />

colectiva, não é moldável, para surpresa de<br />

alguns, ao poder da tecnologia e à capacidade de<br />

destruição das armas dos exércitos poderosos. (…)<br />

Os soldados estarão misturados com civis; terão<br />

de fazer face a organizações variadas e sem estruturas<br />

políticas reconhecidas, sem território delimitado, num<br />

caldeirão de culturas onde será difícil materializar<br />

fisicamente o objectivo a atingir. (…)<br />

De acordo com credenciados historiadores, o<br />

êxito de D. Nuno Álvares Pereira baseou-se também<br />

na inovação e na compreensão e adaptação a uma<br />

nova realidade. Por isso, ele foi pioneiro, entre nós,<br />

na disciplina das marchas; no judicioso dispositivo<br />

das tropas, fruto do reconhecimento da força<br />

adversária, do terreno e do juízo das suas<br />

capacidades; no aumento da capacidade de<br />

protecção, fruto da exploração das características<br />

do terreno e das armas, mesmo que isso contrariasse<br />

as doutrinas vigentes; (…); na capacidade de motivar,<br />

incentivando e constituindo-se como exemplo; (…).<br />

Tão longe que estamos de Aljubarrota e do que<br />

foi o Condestável D. Nuno Álvares Pereira; tão perto<br />

que estamos da compreensão do seu êxito, que foi,<br />

tão só, saber utilizar o homem, as suas capacidades,<br />

a sua inteligência e a razão porque se luta.<br />

Tão evidente nos parece, hoje, a modernidade<br />

da Infantaria.”<br />

Na ocasião, que era de festa, foram galardoados<br />

alguns militares e civis que prestam ou prestaram<br />

serviço na Escola Prática de Infantaria, com a Medalha<br />

de Serviços Distintos, grau Prata e Cobre, com a<br />

Medalha de Mérito Militar, 1.ª e 4.ª Classes, com a<br />

Medalha de D. Afonso Henriques, 2.ª, 3.ª e 4.ª<br />

Classes, e com a Medalha de Comportamento Exemplar,<br />

grau Ouro, Prata e Cobre. No total, foram agraciadas<br />

18 pessoas, entre elas, três funcionários civis.<br />

Por determinação do General Chefe do Estado-<br />

Maior do <strong>Exército</strong>, foi ainda condecorado, a título<br />

póstumo, o Tenente-General Valdemar José Moura<br />

da Fonte, com a Grã-Cruz de Mérito Militar, pelas<br />

“excepcionais qualidades e virtudes militares, pela<br />

afirmação constante de elevados dotes de carácter,


lealdade, abnegação, espírito de sacrifício, de<br />

obediência e de competência profissional.” A Sra.<br />

Dr.ª Leonor Fonte, viúva do Tenente-General Moura<br />

da Fonte, acompanhada pelas suas duas filhas,<br />

recebeu a condecoração entregue pelas mãos do<br />

General Pinto Ramalho.<br />

Foram entregues, também, os prémios<br />

correspondentes aos três primeiros lugares da prova<br />

da Patrulha D. Nuno Álvares Pereira, que se realizou<br />

em 12 de Agosto. Tendo participado 12 patrulhas,<br />

em representação das unidades de Infantaria do<br />

<strong>Exército</strong>, do Regimento de Infantaria da Guarda<br />

Nacional Republicana e do Corpo de Fuzileiros,<br />

classificaram-se, em terceiro lugar, a Patrulha do<br />

Centro de Tropas de Operações Especiais, em<br />

segundo lugar, a Patrulha da Escola Prática de<br />

Infantaria e, em primeiro lugar, a Patrulha da Guarda<br />

Nacional Republicana.<br />

Depois do desfile das Forças em Parada, em<br />

continência perante o Chefe do Estado-Maior do<br />

<strong>Exército</strong>, foram dadas por terminadas as Cerimónias<br />

Militares comemorativas do Dia da Arma de<br />

Infantaria.<br />

No interior do Convento, para além das<br />

exposições permanentes patrocinadas pela Escola<br />

Prática de Infantaria, esteve ainda patente, durante<br />

o mês de Agosto e até finais de Setembro, uma<br />

exposição de fotografia intitulada “Um Quartel no<br />

Convento”, fruto de uma reportagem realizada<br />

naquele espaço, da autoria de António Pedro<br />

Santos (fotojornalista e colaborador permanente do<br />

semanário Sol).<br />

Foram galardoados alguns militares e civis que prestam ou<br />

prestaram serviço na Escola Prática de Infantaria


O<br />

Regimento de Engenharia n.º1 (RE1) é a<br />

unidade de Engenharia mais antiga do País,<br />

sendo originária do Batalhão de Artífices Engenheiros<br />

criado em 24 de Outubro de 1812, e é herdeiro das<br />

tradições históricas do extinto Batalhão de Sapadores<br />

de Caminhos-de-ferro. Após várias evoluções obteve,<br />

em 1947, a actual designação de “Regimento de<br />

Engenharia n.º1”. Distinguiu-se pelos seus feitos na<br />

Guerra Peninsular (1813), em Moçambique (1881-85),<br />

na 1.ª Guerra Mundial e no Ultramar (1961-74), para<br />

onde mobilizou várias Companhias.<br />

No 25 de Abril de 1974, foi o Posto de Comando<br />

do Movimento das Forças Armadas.<br />

Mais recentemente, tem participado em várias<br />

missões de apoio a Forças Nacionais Destacadas,<br />

nomeadamente nos Balcãs, Timor-leste, Afeganistão<br />

e Líbano.<br />

Missão da Engenharia<br />

De acordo com o disposto no n.º 2, do Art.º 1 do<br />

Dec.-Lei n.º 61/06, compete ao <strong>Exército</strong> satisfazer<br />

missões de interesse público que especificamente lhe<br />

forem consignadas. No quadro da missão geral do<br />

<strong>Exército</strong>, compete à Engenharia Militar participar na<br />

actividade operacional do exército através dos<br />

encargos operacionais que lhe forem fixados:<br />

organizar-se para actuar em apoio a entidades militares<br />

e civis em situações declaradas de catástrofe, de<br />

acordo com directivas superiores; colaborar no apoio<br />

às U/E/O na melhoria das suas infra-estruturas pela<br />

realização de trabalhos de Engenharia no âmbito das<br />

construções verticais e/ou horizontais, de acordo com<br />

o plano de actividade operacional aprovado; colaborar<br />

no apoio à melhoria das condições de vida e bemestar<br />

das populações, sem prejuízo das tarefas<br />

essencialmente militares, através da realização de<br />

trabalhos gerais de Engenharia, preferencialmente no<br />

âmbito das vias de comunicação.<br />

Pela sua primazia, a participação na actividade<br />

operacional do exército, através dos encargos<br />

operacionais do RE 1, será tratada em texto próprio.<br />

O duplo uso da Engenharia<br />

Das missões da Engenharia Militar atrás referidas,<br />

verifica-se o seu desenvolvimento na área militar<br />

e no apoio civil.<br />

No âmbito civil, as missões da Engenharia são,<br />

37


Quadro 1<br />

Entidade<br />

Apoiada<br />

Município de<br />

Palmela<br />

Município de<br />

Monsaraz<br />

Município de<br />

Monsaraz<br />

Entidade<br />

Apoiada<br />

Municipio<br />

Estremoz<br />

Municipio<br />

Óbidos<br />

Municipio<br />

Cadaval<br />

*<br />

VTL - Viatura Táctica Ligeira.<br />

VB - Viatura Basculante<br />

AT - Auto-tanque<br />

DP - Dumper<br />

TL - Tractor de Lagartas<br />

de apoio à Autoridade Nacional de Protecção Civil,<br />

desenvolvendo trabalhos em apoio das entidades<br />

civis, visando colaborar na melhoria da qualidade de<br />

vida e bem-estar das populações, prioritariamente no<br />

âmbito da rede viária rural e das infra-estruturas ligadas<br />

ao desenvolvimento económico das regiões,<br />

englobando desmatações, trabalhos de terraplanagem,<br />

compactações mecânicas e pequenas obras<br />

de drenagem.<br />

O <strong>Exército</strong>, através do estabelecido em Protocolo<br />

entre a Presidência do Conselho de Ministros, o<br />

Ministério da Defesa Nacional e o Ministério do<br />

Ambiente, do Ordenamento do Território e do<br />

Desenvolvimento Regional, expressa a sua colaboração<br />

no apoio à satisfação das necessidades básicas<br />

das populações.<br />

Nesse sentido, com o objectivo de empregar a<br />

Engenharia Militar no quadro das missões de interesse<br />

público, tendo em vista a melhoria da qualidade de<br />

vida das populações, o <strong>Exército</strong> Português elabora o<br />

Plano de Actividade Operacional Civil (PAOC),<br />

cabendo ao Regimento de Engenharia n.º 1 executá-lo<br />

ANO 2007<br />

Actividade Data início Data fim<br />

Beneficiação de itinerários 27FEV07 24ABR07<br />

Melhoramento de caminhos de acesso<br />

às muralhas de Monsaraz<br />

02JUL07 31AGO07<br />

Melhoramento de itinerários 01SET07 11OUT07<br />

ANO 2008<br />

Actividade Data início Data fim<br />

Meios<br />

humanos<br />

2 Sar<br />

6 Praças<br />

1 Sar<br />

6 Praças<br />

1 Sar<br />

6 Praças<br />

Homens.<br />

Dia<br />

Melhoramento de itinerários 14JAN08 14AGO08 671<br />

Melhoramento e abertura de itinerários.<br />

Limpeza de linha de água<br />

Melhoramento e abertura de itinerários .<br />

Limpeza de linha de água<br />

21JUL08<br />

08set08<br />

A<br />

DECORRER<br />

A<br />

DECORRER<br />

---<br />

---<br />

GL - Giratória de Lagartas<br />

NV - Motoniveladora<br />

CR - Pá carregadora de rodas<br />

CL - Pá Carregadora de Lagartas<br />

CW - Cilindro<br />

MC - Compressor<br />

Equip.<br />

Viaturas*<br />

1CL 1GL<br />

1AT 1NV<br />

1TL 1PC<br />

1PC 1NV<br />

2AT<br />

1CL 1TL<br />

1GIR<br />

1CL 1GL<br />

2DP<br />

1AT 1NV<br />

1TL 1PC<br />

Equip.<br />

Viaturas*<br />

1VTL 1VB<br />

1NV 1CW<br />

1CR 1MC<br />

2VTL 2VB<br />

1NV 1CW<br />

1CR 1MC<br />

1GL<br />

1NV 1CW<br />

1CR 1MC<br />

na sua zona de acção ou área de actividade. No que<br />

concerne ao apoio do RE1 em missões de interesse<br />

público, este estende-se às áreas dos Centros de<br />

Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)<br />

de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, pertencentes<br />

à estrutura civil de Ordenamento do Território.<br />

São apresentados no Quadro 1 os trabalhos<br />

efectuados por este Regimento, nos últimos dois anos,<br />

no âmbito do PAOC.<br />

Na área militar, apoia as U/E/O da Estrutura Base<br />

do <strong>Exército</strong> no âmbito logístico, salientando-se a<br />

construção, remodelação e manutenção de instalações,<br />

fortificações e vias de comunicação.<br />

O apoio às U/E/O inicia-se anualmente com o<br />

necessário processo burocrático de planeamento dos<br />

trabalhos, com base nos diversos pedidos e<br />

estabelecimento de prioridades que, por último, se<br />

traduz no Plano de Actividade Operacional Militar<br />

para cada ano.<br />

São apresentados no Quadro 2 apenas alguns<br />

exemplos de trabalhos efectuados por este Regimento,<br />

no âmbito da actividade operacional militar.<br />

km<br />

Horas<br />

4,808 341<br />

18,525 671<br />

11,040 728<br />

m<br />

Horas<br />

26,665 2180<br />

10,194 560<br />

--- ----


Quadro 2<br />

Unidade<br />

Apoiada<br />

CM<br />

RI1<br />

Cmd Op<br />

Entrevista ao Coronel de Engenharia<br />

António José dos Santos Matias<br />

Qual a missão do Regimento de Engenharia<br />

n.º 1?<br />

O RE1 tem a missão de aprontar uma<br />

Companhia de Engenharia, assegurar o apoio de<br />

Engenharia às Zonas Militares dos Açores e da<br />

Madeira e à Autoridade Nacional de Protecção<br />

Civil e, à ordem, aprontar uma Companhia Geral<br />

CIMIC. Colabora também em acções no âmbito de<br />

outras missões de interesse público, conforme lhe<br />

for determinado.<br />

O RE1 está sob a dependência do Comando<br />

Operacional e actua conforme as determinações<br />

daquele OCAD.<br />

O RE1 responde às solicitações, com especial<br />

enfoque para o Plano de Actividade Operacional<br />

Actividade Data início Data fim<br />

TRABALHOS DE PROTECÇÃO DO MURO<br />

DO COLÉGIO MILITAR<br />

REABILITAÇÃO DE PARTE DO PM 07<br />

(TAVIRA)<br />

DESMATAÇÃO DA ÁREA DO FORTE DE S.<br />

GONÇALO (OEIRAS)<br />

Homens<br />

Dia<br />

08MAI08 15AGO08 12<br />

Equip.<br />

viaturas<br />

1VTM 1VTL<br />

1GL 1CD<br />

1DP<br />

04MAR08 16SET08 20 1TP 1VTG<br />

31MAR08 21ABR08 5<br />

1VTM 1VTL<br />

1GL 1CD<br />

1DP<br />

Militar, a desenvolver em proveito das Unidades<br />

Militares que o solicitem nos termos das directivas<br />

emanadas pelo escalão superior, designadamente<br />

a Norma de Execução Permanente 03.03.08.04/EME,<br />

que estabelece a doutrina de emprego da<br />

Engenharia Militar nas actividades de apoio a<br />

Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do <strong>Exército</strong><br />

e Entidades Civis, bem como para o Plano de<br />

Actividade Operacional Civil, que permitirá o<br />

emprego de meios de Engenharia em proveito das<br />

autarquias locais, maioritariamente ao nível das<br />

Construções Horizontais (apropriação de<br />

itinerários, limpeza de linhas de água ou aterros/<br />

desaterros para infra-estruturas) e assim colaborar<br />

no desenvolvimento regional do País, podendo<br />

ainda actuar em situações de calamidade ou<br />

catástrofe pública.<br />

No âmbito civil, aponto os exemplos ainda<br />

recentes do apoio inopinado do RE1 ao Município<br />

de Loures, na montagem de tendas na Quinta da<br />

Fonte, concretizado em muito curto espaço de<br />

tempo, tendo mobilizado um efectivo significativo<br />

de pessoal e meios, e o apoio à Autarquia de<br />

Odivelas na sequência das cheias ocorridas em<br />

Fevereiro deste ano.<br />

Como inopinado militar, pela sua especificidade<br />

técnica, considero que merece especial relevância<br />

o apoio prestado ao Colégio Militar na reposição<br />

das condições de estabilidade do muro contíguo<br />

à Estrada da Luz.<br />

No que respeita ao contributo do RE1 para a<br />

FOPE, merecem realce as iniciativas tendo em vista<br />

o desenvolvimento da capacidade CIMIC no<br />

<strong>Exército</strong>, que fez com que a primeira concentração<br />

de todo o efectivo da Companhia, incluindo<br />

militares dos três ramos das Forças Armadas em


40<br />

Ordem de Batalha, se realizasse nas instalações<br />

do RE1. O aprontamento de uma Companhia Geral<br />

CIMIC acarreta um elevado esforço para o RE1,<br />

devido à dispersão dos recursos materiais, de<br />

acordo com a atribuição de responsabilidades no<br />

que respeita ao Quadro Orgânico de Material, bem<br />

como devido à dispersão dos recursos humanos,<br />

de que fazem parte militares dos três Ramos.<br />

Nas tarefas regulares do Regimento estão<br />

ainda incluídas a montagem das Tribunas Militares,<br />

sob a égide do Comando Operacional e à responsabilidade<br />

do RE1, tendo sido realizadas 14 já em<br />

2008, estando planeadas mais 5 no mês de<br />

Setembro, e a montagem da Torre Multi-actividades,<br />

sob a égide da Direcção de Obtenção de<br />

Recursos Humanos, já erguida 6 vezes desde o<br />

início do ano, no âmbito de divulgação das<br />

actividades do <strong>Exército</strong> com vista à obtenção de<br />

Recursos Humanos.<br />

Como se estrutura e desenvolve a formação<br />

na Engenharia?<br />

Para os Oficiais do QP a Academia Militar tem<br />

primordial importância na formação académica dos<br />

Oficiais de Engenharia. Fruto da qualidade técnica<br />

da formação ministrada, o reconhecimento dos<br />

Engenheiros Militares pela Ordem dos Engenheiros<br />

está consolidado, de uma maneira geral, por toda a<br />

sociedade, sendo realmente uma referência no<br />

ensino universitário português e na Engenharia.<br />

Actualmente, ao longo dos 7 anos de formação<br />

académica de um Engenheiro Militar, é importante<br />

realçar a formação militar ministrada na Academia<br />

Militar, a formação técnica ministrada no Instituto<br />

Superior Técnico e a formação complementar com<br />

o Tirocínio para Oficial de Engenharia ministrada<br />

na Escola Pratica de Engenharia.<br />

Relativamente aos Sargentos do QP, para além<br />

do Curso de Formação de Sargentos, formação<br />

ministrada na Escola de Sargentos do <strong>Exército</strong> e na<br />

Escola Prática de Engenharia, a formação contínua<br />

em ambiente de trabalho e a formação complementar<br />

ministrada na Escola Prática de Engenharia, com os<br />

Cursos de Vias de Comunicação, Curso de Construções<br />

e Instalações e, no Regimento de Manutenção,<br />

com o Curso de Mecânico de Equipamento<br />

de Engenharia, são garantia da qualidade destes<br />

militares.<br />

Sendo a formação base de Sapador comum aos<br />

militares do Quadro Permanente, ao nível da<br />

formação complementar são exemplos o Curso de<br />

Explosivos, Destruições, Minas e Armadilhas<br />

(CEDMA), o Curso de Defesa NBQ, o Curso de<br />

Contra-vigilância, a formação em Pontes e, mais<br />

recentemente, o Curso EOD, para além da formação<br />

na área Ambiental e na área CIMIC.<br />

Os Oficiais e Sargentos em Regime de Contrato<br />

recebem a formação complementar, ministrada na


Escola Prática de Engenharia, nas vertentes de<br />

Sapadores e de Construções.<br />

Ao nível de Praças, existem duas vertentes na<br />

formação: a básica inicial do Sapador de Engenharia<br />

que, através da experiência em ambiente de trabalho,<br />

poderá ser complementada com o desenvolvimento<br />

de competências profissionais nas áreas da<br />

Construção Civil (Pedreiros, Canalizadores,<br />

Pintores, etc.) e outra vertente técnica, com os<br />

cursos de Operador de Equipamento Pesado de<br />

Engenharia e de Mecânico de Equipamento de<br />

Engenharia, ambos ministrados pelo Regimento de<br />

Engenharia n.º 3.<br />

Relativamente aos ofícios do âmbito das<br />

construções verticais, nota-se actualmente a falta<br />

de carpinteiros de construção, decorrente das<br />

dificuldades inerentes aos tempos de aprendizagem<br />

requeridos, a que acresce a falta de “mestres”<br />

carpinteiros do QPCE nas Unidades, que proporcionariam<br />

condições para a aprendizagem em<br />

ambiente de trabalho, e pelo reduzido tempo que<br />

os militares passam nas fileiras, uma vez que a<br />

formação de um carpinteiro é extremamente<br />

demorada e exigente.<br />

Qual é o ponto de situação a nível de recursos<br />

humanos e materiais?<br />

Neste momento, o Regimento de Engenharia<br />

n.º 1 encontra-se a 80% em oficiais, 95% em<br />

Sargentos e 85 % em Praças, relativamente ao<br />

efectivo autorizado.<br />

A família do RE1 é constituída por cerca de 270<br />

militares e civis.<br />

O futuro aprontamento da Força Nacional<br />

Destacada UNENG6/UNIFIL na Operação Militar<br />

no Líbano irá traduzir-se numa diminuição<br />

significativa do efectivo do Regimento, mas,<br />

apesar disso, a Unidade continuará a desenvolver<br />

a sua intensa actividade operacional, tanto no<br />

âmbito militar como no âmbito civil, à semelhança<br />

do ano de 2007, durante a projecção da UNENG2/<br />

UNIFIL.<br />

Ao nível de recursos materiais, o RE1 cedeu<br />

alguns dos seus equipamentos às Unidades de<br />

Engenharia que permanecem no Líbano ao serviço<br />

da UNIFIL. Com os restantes recursos temos<br />

conseguido cumprir a nossa missão, fruto dos<br />

excelentes mecânicos que asseguram a manutenção<br />

dos equipamentos e da disponibilidade para o<br />

serviço dos nossos militares e civis.<br />

Qual o ponto de situação relativo a missões<br />

no estrangeiro?<br />

Para a satisfação dos compromissos internacionais,<br />

o RE1 tem contribuído com militares e<br />

equipamentos para as Forças Nacionais Destacadas,<br />

das quais se destaca a UNIFIL.<br />

Em 1 de Fevereiro de 2007 teve início o<br />

aprontamento da UNENG2/FND/UNIFIL/LIBANO,<br />

com 2 Oficiais, 19 Sargentos e 57 Praças deste<br />

Regimento, que embarcaram para o Líbano em 25<br />

de Maio do mesmo ano e que tiveram a responsabilidade<br />

de render a UNENG1 na Operação Militar<br />

no Líbano, tendo sido extremamente positivo o seu<br />

trabalho.<br />

Já é com grande expectativa que aguardamos,<br />

também, o aprontamento da Força Nacional Destacada<br />

UNENG6 neste Regimento, com início em<br />

Novembro do corrente ano, e que terá a responsabilidade<br />

de render a UNENG5/UNIFIL na<br />

Operação Militar no Líbano.<br />

São conhecidas as inúmeras obras levadas a<br />

cabo pela Engenharia, quer no <strong>Exército</strong>, quer<br />

em apoio às autarquias. Existem algumas<br />

parcerias com municípios ou entidades civis?<br />

Anualmente é definido o Plano de Actividade<br />

Operacional Civil, onde são referidos os apoios a<br />

efectuar às autarquias no respectivo ano, que se<br />

concretiza através da assinatura de protocolos para<br />

a execução dos trabalhos.<br />

Por exemplo, desde Fevereiro de 2007 já<br />

apoiamos o Município de Palmela, Reguengos de<br />

Monsaraz, Estremoz, Óbidos e Cadaval. O trabalho<br />

efectuado em prol dos Municípios é, de uma forma<br />

41


42<br />

geral, ao nível das construções horizontais,<br />

nomeadamente, abertura e melhoria de itinerários,<br />

escavações e aterros, terraplanagens e limpeza de<br />

linhas de água.<br />

Surgem, também neste âmbito, pedidos de apoio<br />

inopinados e urgentes, como por exemplo o último<br />

que recebemos da Associação dos Bombeiros<br />

Voluntários de Barrancos, a solicitar apoio na<br />

terraplanagem para a construção de um novo<br />

quartel.<br />

Uma parceria importante, pelo seu significado e<br />

simbolismo, é o Protocolo com a Câmara Municipal<br />

de Odivelas, destinado a dinamizar a utilização do<br />

Edifício onde esteve instalado o Posto de Comando<br />

do 25 Abril de 1974, no RE 1, que recebe várias<br />

visitas ao longo do ano.<br />

Realço também o Protocolo com a Direcção<br />

Geral dos Recursos Florestais para a beneficiação<br />

de infra-estruturas numa extensão de 30 km de<br />

itinerário, para reparação de caminhos e limpeza de<br />

aceiros, a fim de diminuir os riscos de incêndios<br />

florestais, preveni-los e facilitar o seu combate.<br />

No decurso deste período de dois anos<br />

apoiámos a Autoridade Nacional de Protecção Civil<br />

através dos planos LIRA e ALUVIÃO. No âmbito<br />

do plano ALUVIÃO, o RE1 colabora, em caso de<br />

eventuais situações de cheias, na garantia de<br />

mobilidade das populações e no apoio logístico<br />

aos vários agentes de Protecção Civil, nomeadamente<br />

com acções de busca e salvamento. No<br />

âmbito do plano LIRA, o RE1 colaborou com a<br />

estrutura de Protecção Civil em acções tendentes<br />

a minimizar os efeitos dos incêndios florestais e<br />

também relacionadas com a satisfação de<br />

necessidades básicas para a melhoria da qualidade<br />

de vida das populações, nomeadamente em<br />

acções de rescaldo, vigilância activa, pós-rescaldo<br />

e apoio logístico às cooperações de bombeiros,<br />

serviços florestais e outros serviços de protecção<br />

civil.<br />

O Coronel António José dos Santos Matias<br />

está prestes a concluir o seu Comando no<br />

Regimento de Engenharia n.º 1. Que retrospectiva<br />

faz deste período?<br />

Comandar o RE1 foi para mim uma experiência<br />

muito gratificante, especialmente por duas<br />

razões.<br />

Porque o Comando proporcionou-me o privilégio<br />

de trabalhar com subordinados/colaboradores,<br />

de alto nível, tanto no campo profissional<br />

como na dimensão humana. Ao longo destes quase<br />

dois anos de Comando senti-me sempre muito<br />

confortável e com determinação para cumprir todas<br />

as missões que o <strong>Exército</strong> veio atribuindo ao<br />

Regimento, e isto devo-o, sem dúvida alguma, aos<br />

militares e civis desta casa.<br />

A segunda razão, que não é mais que o<br />

corolário da anterior, resulta do facto de o Regimento,<br />

neste período, ter sido confrontado com<br />

desafios estimulantes que exigiram empenhamento,<br />

dedicação e saber de todos nós. Desde<br />

logo, a organização e os aprontamentos da<br />

UNENG2 e da Companhia Geral CIMIC e a<br />

execução de trabalhos no âmbito das construções<br />

horizontais e verticais.<br />

É importante referir que neste período de cerca<br />

de dois anos em que tivemos fora da unidade cerca<br />

de um terço do total do efectivo, empenhado durante<br />

um ano na UNENG2, no Líbano, ao serviço<br />

das Nações Unidas, apoiámos 41 Unidades,<br />

Estabelecimentos e Órgãos do <strong>Exército</strong> e 10<br />

Autarquias e executámos um significativo volume<br />

de trabalhos na nossa Unidade, que vieram melhorar<br />

as condições de vida e de trabalho de todos os que<br />

aqui servem.<br />

Por tudo isto, e porque sei que deixo a Unidade<br />

com gente motivada e muito profissional, bem<br />

equipada, quer em materiais e equipamentos, quer<br />

em relação às suas infra-estruturas, sinto-me<br />

realizado como Comandante.JE<br />

JE JE JE JE<br />

Coordenação do Tenente<br />

Rico dos Santos


44<br />

Tenente-Coronel de Infantaria<br />

Nuno Miguel Pereira da Silva<br />

A<br />

designação da Política Europeia de<br />

Segurança e Defesa (PESD) é, no Tratado<br />

de Lisboa (TL), substituída pela Política Comum de<br />

Segurança e Defesa (PCSD). Esta mudança de<br />

designação poderá ser significativa, pois, etimologicamente,<br />

expressa um sentido de comunhão, que é<br />

necessário aprofundar cada vez mais entre os Estados<br />

Membros da União Europeia (UE).<br />

Após a ratificação do TL pela Assembleia da<br />

República de Portugal e antes da sua entrada em<br />

vigor na UE, em princípio em 20091 , parece-nos ser<br />

curial analisar algumas partes do tratado em termos<br />

de política de defesa e segurança, para verificarmos<br />

o que irá mudar após a sua entrada em vigor, bem<br />

como reflectir sobre as oportunidades para Portugal<br />

em termos militares.<br />

Como sabemos, sempre que existe um Tratado,<br />

ou um novo Conceito Estratégico (caso da NATO),<br />

há uma quantidade de alterações que têm<br />

obrigatoriamente que se realizar em termos<br />

estruturais nas Organizações, para as adequar aos<br />

instrumentos necessários à concretização do<br />

consignado.<br />

O TL, como qualquer lei, necessita ser<br />

regulamentada, implicando transformações<br />

profundas na estrutura da Organização. A entrada<br />

em vigor do Tratado, que irá ocorrer em princípio<br />

em meados de 2009 2 , tem implicado, por parte das<br />

nossas organizações nacionais em Bruxelas, um<br />

esforço titânico no sentido preparar as decisões<br />

do Conselho, referentes às mudanças que irão<br />

ocorrer estruturalmente na Organização, mudanças<br />

essas que vamos referir neste trabalho com alguma<br />

profundidade.<br />

Pretendemos com este artigo dar uma visão<br />

prospectiva da PCSD, em especial das mudanças


estruturais que a Organização irá sofrer, e de outras<br />

que, como veremos, já sofreu, como consequência<br />

da ratificação do Tratado.<br />

Não é do âmbito deste trabalho referirmo-nos às<br />

relações NATO/UE nem analisar em profundidade<br />

os problemas políticos inerentes à eventual “criação”<br />

de uma defesa colectiva na UE; no entanto, não é<br />

possível falar sobre a PCSD sem nos referirmos, ainda<br />

que de uma forma breve, a este assunto.<br />

Generalidades<br />

O TL é constituído por duas partes distintas: o<br />

Tratado da UE e o Tratado sobre o funcionamento<br />

da UE, ao que se juntam trinta e sete Protocolos que<br />

têm a mesma força jurídica que os primeiros.<br />

No Tratado da UE, em termos de PCSD, é de<br />

realçar, pela sua importância, o Título V “Disposições<br />

Gerais relativas à acção externa da União e<br />

disposições específicas relativas à política externa e<br />

de segurança comum”. No Tratado sobre o<br />

funcionamento da UE, a parte V é a mais importante,<br />

pois é referente à acção externa da UE, sendo de<br />

realçar os Títulos VII (Cláusula de solidariedade) e a<br />

parte VI Título III, que se refere às Cooperações<br />

Reforçadas. Nos protocolos adicionais é de realçar<br />

o Protocolo n.º 10, relativo à cooperação estruturada<br />

permanente, estabelecida no art.º 42 do Tratado da<br />

União Europeia.<br />

O TL possui algumas inovações em termos de<br />

PCSD, como iremos verificar ao longo deste trabalho;<br />

no entanto, na sua essência, plasma o que foi<br />

realizado desde o Tratado de Nice até aos dias de<br />

hoje, legitimando-o. É de realçar neste domínio: o<br />

ISS, por muitos considerado o Conceito Estratégico<br />

da UE; os trabalhos referentes ao desenvolvimento<br />

do HHG 2003 e posteriormente ao HG 2010, muito em<br />

especial no referente à construção dos cenários para<br />

o desenvolvimento de capacidades militares que já<br />

consignam algumas das novas missões da UE; os<br />

resultados do “Progress Catalogue” que expressam<br />

as lacunas; e, por último, mas não menos importante,<br />

a constituição dos “Battle Groups” (BG) e a<br />

constituição da Agência de Defesa Europeia (EDA).<br />

Como afirmou o deputado José Lamego, em<br />

conferência sobre o TL ocorrida no Instituto de<br />

Defesa Nacional, não é “pecado” que se vertam para<br />

o Tratado as mudanças ocorridas nos períodos<br />

decorrentes entre os Tratados, uma vez que estes<br />

têm obrigação de englobar essas transformações.<br />

Novas entidades e estruturas<br />

da UE relacionadas<br />

com a PESC<br />

Nesta parte vou referir-me unicamente a algumas<br />

alterações importantes no âmbito da UE e da PESC,<br />

que foram introduzidas com o TL, sem as dissecar.<br />

Destas alterações da PESC referir-me-ei somente<br />

àquela que, pensamos, poderá ter algumas<br />

1 Após o resultado negativo do referendo, resultado<br />

igual ao que já tinha acontecido aquando da ratificação do<br />

Tratado de Nice, a Irlanda vai ter novamente de resolver o<br />

seu problema internamente.<br />

Caso todos os outros Estados Membros da UE, conforme<br />

acordado em Lisboa, ratificarem o Tratado, a Irlanda fica<br />

isolada; nesse caso, ou repete o referendo, como fez aquando<br />

do Tratado de Nice, negociando algumas cláusulas especiais<br />

de adesão, ou fica fora deste Tratado, continuando na UE,<br />

não se lhe aplicando o mesmo.<br />

2 Após a resolução do problema irlandês.<br />

45


implicações estruturais no EUMS, nomeadamente<br />

a referente à criação do novo Serviço Europeu de<br />

Acção Externa (SEAE).<br />

Com o TL, a UE passa a ter personalidade jurídica;<br />

o Presidente do Conselho da UE deixa de ser um<br />

cargo rotativo, por seis meses, exercido pelo Estado<br />

Membro que exerce a Presidência, para passar a ser<br />

um cargo eleito por três anos; o Comissário dos<br />

Negócios Estrangeiros passa a ser simultaneamente<br />

o “Secretário-geral do Conselho e o “High Representative”<br />

(SG HR) para a PCSD; e é criado o SEAE<br />

dependente do SG HR.<br />

O Serviço Europeu<br />

de Acção Externa<br />

O Artigo 27.º, n.º 3, do Tratado de Lisboa diz que<br />

o SEAE é um serviço que terá a finalidade de coadjuvar<br />

o Alto Representante da União para os Negócios<br />

Estrangeiros e a Política de Segurança nas suas<br />

funções, incluindo a de vice-presidente da Comissão,<br />

e deverá ser composto por funcionários provenientes<br />

do Secretariado-Geral do Conselho, da Comissão e<br />

por Diplomatas oriundos dos Estados-Membros”.<br />

A definição do novo SEAE tem estado na Ordem<br />

do Dia nas reuniões do COREPER II, em Bruxelas,<br />

porque, dependendo da sua futura constituição, a<br />

criação deste serviço poderá fazer “perigar” o<br />

Secretariado-Geral do Conselho, como ele<br />

actualmente existe, pois este corre o risco de se<br />

esvaziar, como consequência da migração de alguns<br />

dos seus órgãos, missões e serviços para este novo<br />

serviço, ficando o Conselho reduzido a temáticas<br />

muito específicas.<br />

Uma das discussões a ter lugar no COREPER II<br />

tem a ver com a integração, ou não, do Estado-Maior<br />

Militar da UE (EUMS) e do CPCC (gestão civil de<br />

crises) no SEAE.<br />

Actualmente, o EUMS é um órgão que, embora<br />

pertença ao Secretariado do Conselho, em termos<br />

orgânicos, tem respondido quase sempre em<br />

exclusivo para o Comité Militar (MC) dele<br />

dependendo funcionalmente<br />

46<br />

3 .<br />

Em nossa opinião, o EUMS, actualmente, é<br />

grande demais para ser exclusivamente um órgão<br />

para efectuar o secretariado do MC e, consequentemente,<br />

das suas reuniões, e é pequeno demais para<br />

executar as missões que um Estado-Maior deve<br />

executar, ou seja, de planeamento e conduta de<br />

Operações, muito por culpa do UK e dos Estados<br />

Membros mais “atlantistas”, corrente na qual<br />

geralmente Portugal se insere, que nunca quiseram<br />

desenvolver no EUMS as capacidades de conduzir<br />

operações, com receio de que este se viesse a<br />

converter num Quartel-General de Operacões da UE,<br />

Com o TL, a UE passa a ter personalidade jurídica<br />

podendo, nesse caso, eventualmente ser concorrente<br />

do SHAPE.<br />

Em nossa opinião, se não se avançar para um<br />

aprofundamento e alargamento do EUMS 4 , este com<br />

as capacidades e dimensão que actualmente possui,<br />

poderá, sem problemas de maior, integrar o SEAE,<br />

dependendo directamente do SG HR, facto que só<br />

lhe traria acrescida importância e prestígio,<br />

contribuindo cabalmente para o cumprimento da<br />

missão de aconselhamento político e estratégico ao<br />

mais alto nível na UE, muito embora esta “migração”<br />

não nos agrade, se analisada em termos<br />

exclusivamente militares.<br />

Caso o EUMS venha a integrar o SEAE, será<br />

mais difícil no futuro atribuir-lhe capacidades para<br />

que este possa conduzir operações reais,<br />

transformando-se assim num QG de Operacões<br />

(OHQ), razão principal pela qual alguns Estados<br />

Membros parecem não querer aceitar a migração do<br />

EUMS para este novo Serviço.<br />

O Comité Militar (MC), caso o EUMS migre para<br />

o SEAE, perderia alguma da sua influência, facto<br />

que poderá ser dirimido, caso o seu Chairman<br />

tivesse assento neste novo Serviço. Os generais<br />

MILREPS poderiam também facilmente ser<br />

integrados no SEAE devendo, para isso, ser<br />

equiparados ao pessoal destacado dos serviços<br />

diplomáticos nacionais.<br />

Portugal, em nossa opinião, para ser coerente<br />

com as suas posições “atlantistas”, deverá ter uma<br />

posição consentânea com a “migração” do EUMS<br />

para o Serviço de Acção Externa, pois assim mais


facilmente evitará que se constitua um OHQ da UE.<br />

A opinião de alguns Estados Membros, que se<br />

opõem à opinião por nós veiculada, é a de que no<br />

SEAE fiquem apenas algumas estruturas do<br />

Conselho e da Comissão que tratem de assuntos<br />

exclusivamente políticos, devendo as que executam<br />

o planeamento e conduta de missões civis e<br />

operações militares, nomeadamente o CPCC e o<br />

EUMS, permanecer na dependência do PSC e do<br />

SG HR.<br />

Pensamos não ser necessário, por causa da ratificação do<br />

TL, estabelecer um novo objectivo a ser atingido pela UE<br />

em termos de Capacidades Militares, muito embora o<br />

espectro das Missões tenha alargado no novo Tratado<br />

Novas Missões<br />

A Missões de Peteresberg, até agora consignadas<br />

no Tratado da UE no seu art.º 17, eram as<br />

missões humanitárias ou de evacuação dos<br />

cidadãos nacionais; as missões de manutenção da<br />

paz; e as missões de forças de combate para a gestão<br />

das crises, incluindo operações de restabelecimento<br />

da paz.<br />

As Missões consignadas no art.º 43 do TL são<br />

as “Acções conjuntas em termos de desarmamento,<br />

as Missões Humanitárias e de Evacuação, as<br />

missões de aconselhamento e assistência em matéria<br />

militar, as missões de prevenção de conflitos e de<br />

manutenção de paz, as missões de forças de<br />

combate para a gestão de crises, incluindo as<br />

missões de restabelecimento de paz e as operações<br />

de estabilização no termo dos conflitos”.<br />

Comparando as missões que estavam consignadas<br />

no anterior Tratado da UE com as consignadas<br />

no TL, verificamos que são acrescentadas as acções<br />

conjuntas em termos de desarmamento, as missões<br />

de aconselhamento e assistência em matéria militar,<br />

e, nas missões de forças de combate para a gestão<br />

de crises, são incluídas as operações de estabilização<br />

no termo dos conflitos.<br />

É ainda referido que todas estas missões podem<br />

contribuir para a luta contra o terrorismo, inclusive<br />

mediante o apoio prestado a países terceiros para<br />

combater o terrorismo no respectivo território.<br />

Embora no tratado da UE, ainda em vigor, só<br />

estivessem consignadas as missões de Peteresberg,<br />

em termos do processo de desenvolvimento de<br />

capacidades militares 5 , no Requirements Catalogue<br />

03, já foram considerados os cenários da Separação<br />

de Partes pela Força, a Prevenção de Conflitos, a<br />

Evacuação de Cidadãos, a Ajuda Humanitária e o<br />

Auxílio à Reconstrução de Estados Falhados. Em<br />

todos estes cenários foi considerado que existia o<br />

perigo de ocorrência de um ataque terrorista à força<br />

da UE, facto que fez aumentar a lacuna qualitativa<br />

existente na organização em termos de protecção.<br />

O terrorismo em si só e a sua luta não foram<br />

considerados missões essencialmente militares, mas<br />

sim missões policiais.<br />

Actualmente, na República Democrática do<br />

Congo (RDC), está a ser levada a cabo uma missão<br />

de desarmamento. Para além da RDC, várias<br />

missões de aconselhamento militar, vulgo de<br />

cooperação civil e militar, têm sido efectuadas,<br />

tendo a última sido lançada, no corrente ano, na<br />

República da Guiné-Bissau.<br />

Pensamos não ser necessário, por causa da<br />

ratificação do TL, estabelecer um novo objectivo<br />

(Headline Goal) a ser atingido pela UE em termos<br />

de Capacidades Militares, muito embora o espectro<br />

das Missões tenha alargado no novo Tratado,<br />

incluindo explicitamente no tocante à prestação de<br />

apoio a países terceiros para combater o terrorismo<br />

no respectivo território 6 .<br />

Em nossa opinião, poderá vir a ser estabelecido<br />

um novo Objectivo de Força após 2010, não devido<br />

ao facto de existirem novas missões explícitas no<br />

TL – uma vez que a maior parte delas já foi<br />

considerada no desenvolvimento das Capacidades<br />

em curso a atingir em 2010 – mas sim devido a<br />

ambições políticas da União.<br />

3 Este tem sido o entendimento tácito dos sucessivos<br />

Directores Gerais do EUMS, até à presente data.<br />

4 Para que este se transforme num Estado-Maior com<br />

as capacidades necessárias para efectuar o planeamento e<br />

comando ao nível operacional (equivalente ao nível<br />

estratégico na NATO).<br />

5 Uma capacidade militar engloba um conjunto de meios<br />

materiais e humanos, conceitos, doutrina e treino.<br />

6 A UE parece ter capacidades militares suficientes no<br />

Catálogo de Forças 03, em termos de Forças de Operações<br />

Especiais, e Forças Especiais para fazer face a Guerras<br />

Assimétricas.<br />

47


Defesa Colectiva na UE<br />

O Artigo 42.º, alínea 7, do Tratado da UE (TL)<br />

refere que se um Estado Membro for alvo de uma<br />

agressão armada, os outros Estados Membros<br />

deverão prestar-lhe auxílio e assistência por todos<br />

os meios ao seu alcance, tendo, no entanto, em<br />

conta as suas especificidades, bem como as relações<br />

que possuam com a NATO, que continua a ser o<br />

fundamento da defesa colectiva da maior parte dos<br />

Estados Membros da UE.<br />

O enunciado do art.º 42 versa sobre um assunto<br />

eminentemente político e, como tal, não gostaríamos<br />

de nos pronunciar sobre ele, por não ser o objecto<br />

deste trabalho 7 .<br />

Gostaríamos, no entanto, de referir que o último<br />

parágrafo da alínea 7 do TL, referente às relações<br />

com a NATO, em nosso entender, mata à nascença<br />

a possibilidade da UE poder eventualmente pensar<br />

em estabelecer uma defesa colectiva.<br />

O artigo 222.º do Tratado sobre o Funcionamento<br />

da União Europeia estabelece a Cláusula<br />

de solidariedade, ou seja, o dever de prestar auxílio<br />

a um Estado Membro no caso deste ser “vítima de<br />

um ataque terrorista, ou vítima de uma catástrofe<br />

natural, ou de origem humana...”. Este artigo relança<br />

o problema do terrorismo que, sendo um problema<br />

de Segurança, não é um problema de Defesa, razão<br />

pela qual não nos vamos alongar mais sobre este<br />

assunto por não ser do âmbito deste trabalho.<br />

A Cooperação Estruturada<br />

Permanente<br />

A cooperação estruturada permanente (CEP)<br />

vem referida no TL, no seu artigo 46.º, e no Protocolo<br />

Adicional n.º 10<br />

48<br />

8 .<br />

A CEP é uma das novidades deste Tratado, em<br />

termos de PCSD, e a mais importante pelas exigências<br />

para dela se fazer parte desde a primeira hora, e para<br />

os outros Estados Membros, pelas exigências e<br />

critérios que terão de passar, para a posteriori a<br />

integrarem.<br />

Há um certo receio, por parte do poder político,<br />

de que com a CEP se tenha aberto uma “caixa de<br />

Pandora” que vá permitir que a PCSD caminhe a<br />

duas velocidades diferentes. De acordo com a<br />

opinião do Eurodeputado Carlos Coelho, em<br />

Conferência na Faculdade de Economia em Coimbra,<br />

a CEP está inserida no Tratado, por ser preferível<br />

que esta o integre, tendo em vista evitar que esta<br />

forma de cooperação se concretizasse na mesma à<br />

margem do Tratado, facto que, na sua opinião, seria<br />

muito mais prejudicial para o futuro da União.<br />

A EDA, em termos de desenvolvimento de Capacidades,<br />

passa a ter, em nossa opinião, responsabilidades muito<br />

semelhantes ao Internacional Staff da NATO<br />

Na prática, os cinco maiores Estados Membros<br />

da União já determinam o que se pode ou não fazer<br />

em termos de PCSD, e a maioria dos restantes<br />

Estados Membros vão um pouco a reboque.<br />

Como vimos a propósito do SEAE, também em<br />

relação à CEP estão a ser definidos, no nível<br />

político, os critérios/parâmetros para que os<br />

Estados Membros a possam integrar desde a<br />

primeira hora, baseados no artigo 2.º do Protocolo<br />

adicional n.º 10.<br />

A Agência Europeia de Defesa<br />

A criação da Agência Europeia de Defesa (EDA)<br />

é estabelecida nos artigos 42.º e 45.º e no art.º 3.º do<br />

protocolo adicional n.º 10.<br />

O papel da EDA sai reforçadíssimo com o TL,<br />

pois este dá-lhe muitas mais missões do que as que<br />

tinha até ao momento, tendo-lhe inclusivamente<br />

sido dada a responsabilidade de informar se<br />

determinado Estado Membro se encontra ou não<br />

apto a integrar ou de continuar a pertencer ao Clube<br />

da CEP.<br />

A EDA é também responsável pela investigação<br />

e pelo estabelecimento de programas de desenvolvimento<br />

de projectos, bem como pelo seu financiamento,<br />

factos que são bastante importantes no<br />

desenvolvimento e aprofundamento da PCSD e no<br />

futuro estabelecimento de critérios de admissão dos<br />

Estados Membros à CEP, pois um dos critérios a


estabelecer deverá ser o da participação em<br />

projectos multinacionais.<br />

A EDA, em termos de desenvolvimento de<br />

Capacidades, passa a ter, em nossa opinião, responsabilidades<br />

muito semelhantes ao Internacional<br />

Staff da NATO, ficando com responsabilidades<br />

no desenvolvimento de Capacidades<br />

a Médio/Longo Prazo, facto que condicionará o<br />

estabelecimento de novos objectivos (GoAls) a<br />

atingir pela União.<br />

Os resultados do Capabilities Development<br />

Process a ser entregues no final do primeiro<br />

Semestre de 2008, trabalho coordenado pela EDA,<br />

vão ser determinantes para o futuro desta nova<br />

agência.<br />

A EDA não deve estabelecer conceitos ao nível<br />

estratégico, sendo tal responsabilidade do MC,<br />

enquanto Órgão do Conselho. Por vezes, a Agência<br />

necessita de alguns conceitos específicos 9 para<br />

poder planear o desenvolvimento de Capacidades<br />

a Longo Prazo, tendo, para o efeito, estabelecido<br />

uma entente cordiale com o MC no sentido de os<br />

poder desenvolver, caso este órgão não tenha<br />

capacidades para o fazer em tempo.<br />

A EDA vai ser o elo de ligação que faltava entre<br />

o mundo político, académico e empresarial, facilitando<br />

assim a constituição efectiva de uma<br />

indústria de Defesa da União.<br />

O Agrupamento de Batalha<br />

Os Agrupamentos de Batalha (BG) são<br />

elementos de reacção rápida necessários para que<br />

a UE responda aos desafios que lhe são lançados.<br />

O BG, como sabemos, é uma força de cerca de<br />

1500 homens, com as capacidades logísticas para<br />

sobreviver num TO por um período de trinta dias<br />

sem ser reabastecido, podendo este período ser<br />

prorrogável até 120 dias. O BG deve estar<br />

preparado para ser projectado para um TO num<br />

prazo compreendido entre 5 a 30 dias. Conjuntamente<br />

com a força, deve ser projectado um Quartel-<br />

7 As relações NATO/UE já foram alvo de alguns artigos<br />

escritos por nós, na Revista Militar, no ano transacto.<br />

8 As Cooperações reforçadas – outro assunto de que se<br />

trata neste Tratado – não são novas, já existindo na Europa<br />

ainda antes da PESD fazer parte da UE. Forças como o<br />

EUROCORPO, a EUROFOR de entre outras cerca de<br />

trezentas forças multinacionais constituídas, algumas<br />

integradas já no Catálogo de Forças da UE<br />

9 Há conceitos que são necessários ao desenvolvimento<br />

de Capacidades. Alvin Toffler diz que se devem estabelecer<br />

os conceitos mesmo que não se disponham de determinados<br />

meios na actualidade, pois a tecnologia tem capacidades<br />

General de Força (FHQ) capaz de comandar a força<br />

e lidar com um Quartel-General de Operacões<br />

(OHQ) a cerca de 10 mil Km de distância.<br />

Desafios para Portugal<br />

Desde que se começou a falar no TL que se<br />

ouve repetir incessantemente, desde o nível<br />

político até aos estudantes das faculdades, o lema<br />

de que “Portugal tem que ficar na linha da frente<br />

da CEP e, consequentemente, na linha da frente<br />

da Defesa Europeia”, ou seja, à semelhança do<br />

que fez aquando da entrada em vigor do EURO,<br />

Portugal deve agora também fazer um esforço para<br />

apanhar o “comboio” da CEP.<br />

A entrada no “Clube” da CEP, como definida<br />

no TL, parece ser muito condicionada. No entanto,<br />

como já referimos, estão-se actualmente a definir<br />

os critérios objectivos para que os Estados<br />

Membros possam entrar no “Clube”, devendo Portugal<br />

tentar, como sabemos que o está a fazer, que<br />

estes se adaptem à nossa condição.<br />

Um BG, ou a participação numa força multinacional<br />

com uma unidade de escalão batalhão 10 para<br />

formar um BG, parece ser o mínimo exigível de que<br />

o País deve dispor para poder pertencer ao<br />

“Clube” 11 .<br />

A Directiva do General CEME, aquando da sua<br />

tomada de posse, define, como prioridade, o<br />

levantamento de um BG, pelo que, se o <strong>Exército</strong><br />

atingir esse objectivo, que é perfeitamente<br />

plausível e exequível, Portugal deverá negociar<br />

com outros Estados Membros para que estes<br />

providenciem os “enablers”, ou seja, neste caso<br />

os meios para fazer a projecção da força e a sua<br />

consequente sustentação logística, uma vez que<br />

a nação não possui organicamente esses meios 12 .<br />

Para não perdermos o comboio da Cooperação<br />

Estruturada Permanente, em nossa opinião, Portugal<br />

precisa de:<br />

Continuar a investir na área da Defesa, muito<br />

em especial nas áreas de Capacidades onde existem<br />

para subsequentemente os desenvolver.<br />

10 Critério que está a ser discutido em Bruxelas como o<br />

mínimo de que um Estado Membro deve dispor para integrar<br />

a CEP.<br />

11 Até à data, a nossa participação nos BG tem sido feita<br />

a nível de companhia, facto que nos parece manifestamente<br />

insuficiente para as actuais ambições nacionais de pertencer<br />

ao pelotão da frente da UE. A mínima participação nacional<br />

deverá ser de um batalhão.<br />

12 Os meios para a projecção poderão também ser<br />

contratados recorrendo a meios civis e militares,<br />

nomeadamente ao SALIS.<br />

49


50<br />

lacunas na UE 13 . Para isso é necessário que os<br />

futuros orçamentos nacionais reflictam efectivamente<br />

este desiderato, facto que, como sabemos,<br />

na conjuntura actual é muito difícil que venha a<br />

acontecer;<br />

Ter acesso privilegiado à informação, bem como<br />

capacidade para influenciar as decisões na altura<br />

da elaboração dos documentos nas diversas<br />

estruturas da PCSD, devendo, para isso, participar<br />

com pessoal em todas as estruturas do conselho e<br />

agências 14 ;<br />

Participar efectiva e activamente em todas as<br />

reuniões 15 , e em todos os níveis, desde o técnico<br />

ao político, no âmbito do Conselho e da EDA,<br />

relacionadas com a PCSD;<br />

Participar efectivamente nas operações militares<br />

sob a égide da UE. Não podemos não participar ou<br />

participar com um mínimo possível de pessoal nas<br />

operações. Ultimamente, em termos de forças<br />

terrestres, Portugal tem participado somente com<br />

um ou dois oficiais de Estado-Maior dos Quartéis-<br />

Generais. No TO da Bósnia, quando a operação<br />

transitou da NATO para a UE, Portugal retirou<br />

imediatamente o seu contingente, facto que foi<br />

muito criticado por alguns Estados Membros;<br />

Continuar a disponibilizar Forças para o<br />

Catálogo de Forças da UE. As forças<br />

disponibilizadas para a NATO deveriam também ser<br />

disponibilizadas para a UE 16 ;<br />

Adequar o Planeamento de Forças Nacional<br />

também aos requisitos da UE e não responder exclusivamente<br />

aos ciclos de planeamento da NATO;<br />

Utilizar a EDA como uma possibilidade de<br />

13 As lacunas na UE estão listadas no Catálogo de<br />

Progresso finalizado durante a Presidência Portuguesa da<br />

Organização.<br />

O investimento nacional recentemente efectuado na<br />

área da “Protecção” da Força, que resultou no<br />

reequipamento das Forças do <strong>Exército</strong> com as novas<br />

viaturas PANDUR, associado ao reequipamento com os<br />

rádios da família 500, que permitem comunicação por<br />

fonia e por dados, vão ser uma grande mais-valia para o<br />

desenvolvimento tecnológico do <strong>Exército</strong> Português e<br />

respondem a algumas das lacunas identificadas no Catálogo<br />

de Progresso.<br />

14 Facto do pessoal destas estruturas muitas vezes<br />

continuar a ser pago pelas estruturas nacionais, em cargos<br />

designados por “seconded”, tem feito com que Portugal,<br />

por dificuldades orçamentais, não tenha colocado<br />

elementos em número significativo nas estruturas da PCSD,<br />

o que em nosso entender nos leva a ter um “deficit” de<br />

informação e um reduzido poder de influência.<br />

Como afirmou o EURODEPUTADO Carlos Encarnação<br />

em Conferência na Faculdade de Economia de<br />

Coimbra, “não parece ser possível não termos influência<br />

nas estruturas da PESD por falta de verbas. Este facto só<br />

acesso à informação, à tecnologia e aos desenvolvimentos<br />

das Indústrias de Defesa;<br />

Promover a criação de Centros de Excelência<br />

em Portugal, nas áreas em que temos melhores<br />

capacidades, nomeadamente na área de Operações<br />

Especiais.<br />

As maiores dificuldades que se põem a Portugal,<br />

actualmente, estão nas restrições orçamentais que<br />

estamos vivendo, onde, com um orçamento cada<br />

vez mais reduzido, temos de fazer face às novas<br />

exigências de Segurança e Defesa.<br />

A opção pela especialização em determinadas<br />

áreas e Capacidades, ao invés da generalização<br />

conforme explicitado no TL, pode ser perigosa, pois<br />

esta só se poderá eventualmente concretizar quando<br />

existir uma verdadeira Defesa Colectiva Europeia 17 .<br />

Conclusões<br />

Com a entrada em vigor do TL, algumas<br />

alterações vão ser efectuadas na estrutura,<br />

organização e composição do Conselho e alguns<br />

dos actuais órgãos irão migrar para o novo Serviço<br />

Europeu de Acção Externa. O Estado-Maior da União<br />

Europeia é um dos órgãos do Conselho que,<br />

provavelmente, passará para a alçada deste novo<br />

serviço, malgrado a opinião divergente de alguns<br />

Estados Membros.<br />

O TL atribui novas missões à PCSD, para além<br />

das missões de Peteresberg, algumas dessas missões<br />

já estavam tipificadas nos cenários de Desenvolvimento<br />

de Capacidades constantes no Headline Goal<br />

Catalogue para se atingir o HG 2010, pelo que, por<br />

demonstra uma grande falta de visão estratégica nacional”<br />

15 Em muitas reuniões do Conselho e da EDA, Portugal<br />

não participa por falta de orçamento.<br />

16 O facto de se disponibilizarem forças para o Catálogo<br />

de Forças da UE, em termos de planeamento, não<br />

compromete Portugal a disponibilizar as mesmas forças<br />

para uma Operação. Antecedendo uma Operação Militar<br />

há sempre uma Conferência de Geração de Forças onde<br />

cada Estado Membro disponibiliza as Forças que entende,<br />

independentemente de as ter disponibilizado anteriormente<br />

para o Catálogo de Forças.<br />

17 Em relação à NATO, o nosso Conceito Estratégico<br />

de Defesa Nacional já prevê que, sendo esta a Organização<br />

de Defesa Colectiva da Europa, algumas Capacidades<br />

necessárias à Defesa Nacional poderão ser “descuradas”,<br />

podendo por esse facto Portugal especializar-se nalgumas<br />

Capacidades em detrimento de outras.<br />

Recordamos que, após a Cimeira de Praga da NATO,<br />

vários documentos circularam, tendo em vista que as nações<br />

conseguissem dar passos significativos no caminho da<br />

especialização, tendo no primeiro documento aparecido a<br />

palavra “must”, na primeira revisão do documento a<br />

palavra “should” e na terceira revisão a palavra “could”.


esta razão, não nos parece ser necessário estabelecer<br />

um novo objectivo para a UE.<br />

Em relação à Defesa Colectiva da UE, gostaríamos<br />

de referir que o último parágrafo da alínea 7 do TL<br />

alusivo às relações com a NATO, em nosso entender,<br />

mata à nascença a possibilidade da UE poder pensar<br />

em estabelecer uma Defesa Colectiva<br />

A CEP (protocolo adicional n.º10) atribui uma<br />

acrescida importância à já existente EDA, em termos<br />

de avaliação regular dos critérios de integração e de<br />

manutenção dos Estados Membros neste “Clube”<br />

restrito.<br />

A contribuição, quer a título nacional, quer<br />

integrando uma força multinacional, para um BG,<br />

passa a ser um dos critérios mais relevantes para os<br />

Estados Membros serem admitidos na CEP.<br />

www.exercito.pt www.exercito.pt<br />

Muitos desafios ora se põem a Portugal para<br />

que possa integrar o pelotão da frente da PCSD,<br />

todos eles relacionados com um maior investimento<br />

financeiro e com uma participação efectiva nas<br />

reuniões da UE, bem como com uma participação<br />

proporcional às nossas ambições nas operações<br />

militares no âmbito da PCSD.<br />

Muito embora as Forças Nacionais Destacadas<br />

nos diversos TO, até à presente data, sejam alvo de<br />

rasgados elogios internacionais, estas não têm<br />

participado em operações sob a égide da UE.<br />

As maiores dificuldades que se põem a Portugal<br />

estão relacionadas com as actuais restrições<br />

orçamentais, facto que é incontornável.JE<br />

Fotos: arquivo JE<br />

51


52<br />

Coronel José A. R. do Carmo<br />

Na década de 80, quando o poder da URSS<br />

parecia formidável, eu, então jovem<br />

Tenente, frequentei no Regimento de Comandos<br />

um curso de Patrulhas de Reconhecimento de<br />

Longo Raio de Acção. Tratava-se de um curso<br />

alemão, cujo racional era simples:<br />

Na eventualidade de uma cavalgada blindada<br />

do Pacto de Varsóvia em direcção a Ocidente,<br />

assumia-se que não era possível, face ao potencial<br />

relativo de combate, conduzir, com sucesso, uma<br />

defesa avançada, optando-se por ceder terreno e<br />

defender em profundidade, numa malha de pontos<br />

fortes (povoações e zonas defensáveis) que<br />

canalizassem e abrandassem as colunas blindadas,<br />

desgastando-as e obrigando-as a desenvolver de<br />

forma a possibilitar contra-ataques pela manobra e<br />

pelos fogos.<br />

Para trás das linhas inimigas, escondidas em<br />

shelters subterrâneos, ficariam numerosas equipas<br />

de quatro ou cinco homens, cuja missão principal<br />

era observar e reportar os movimentos soviéticos,<br />

podendo também conduzir acções directas à ordem<br />

ou em alvos de oportunidade que não pusessem<br />

em causa a missão principal.<br />

O curso era ministrado a tropas especiais alemãs<br />

e da NATO, e incidia essencialmente na capacidade<br />

de sobrevivência (as equipas estavam entregues a<br />

Na eventualidade de uma cavalgada blindada do Pacto de<br />

Varsóvia em direcção a Ocidente, assumia-se que não era<br />

possível, conduzir, com sucesso, uma defesa avançada<br />

si mesmas, fora do alcance da cadeia logística),<br />

na camuflagem, no apurado reconhecimento visual<br />

de todo o equipamento do Pacto de Varsóvia e,<br />

acima de tudo, na capacidade de agir sem ordens<br />

específicas, face a situações inopinadas, mas dentro<br />

do conceito geral de operação.


A doutrina militar soviética (e de todos os exércitos<br />

que a copiavam) assentava no princípio da massa, e<br />

o “calcanhar de Aquiles” da sua máquina militar era a<br />

rígida organização vertical, que retirava toda a iniciativa<br />

aos baixos escalões e exigia a constante injecção de<br />

ordens vindas dos centros de decisão. Este sistema<br />

assegurava a obediência total das tropas e o<br />

cumprimento rígido dos planos de operações, mas<br />

impedia a flexibilidade necessária para reagir<br />

imediatamente a quaisquer alterações no campo de<br />

batalha, porque a maioria dos combatentes não tinha<br />

uma ideia do conceito da manobra e nem sequer<br />

saberia onde estava a combater. Não era um assunto<br />

de somenos, embora parecesse. Na realidade, era ele<br />

que marcava a diferença entre ganhar ou perder.<br />

Na Guerra do Yon Kippur, foi a capacidade de<br />

comandar à frente e tomar iniciativas mais depressa<br />

que o adversário que salvou Israel de uma derrota<br />

que parecia certa e iminente.<br />

Nos Montes Golan, os sírios, organizados<br />

segundo o sistema soviético, atacaram massivamente,<br />

em Outubro de 1973, com 1400 carros de combate,<br />

apoiados por fogos de aviação e de mais de 1000<br />

peças de Artilharia, ao longo de uma frente de menos<br />

de 50 km. À sua frente, apenas duas brigadas com 170<br />

carros de combate, apoiadas por menos de 100 peças<br />

de artilharia. Ao fim de 3 dias de combates, as forças<br />

israelitas estavam reduzidas a cacos e a derrota parecia<br />

inevitável, mas enquanto os sírios paravam para<br />

reagrupar e reorganizar, remanescentes de unidades<br />

israelitas lançavam, por iniciativa própria, contraataques<br />

localizados e montavam letais emboscadas<br />

anticarro que destruíram dezenas de carros sírios. Eram<br />

manobras tácticas de pequeno alcance, mas as forças<br />

sírias no terreno não percebiam o que se estava a<br />

passar, não tinham ordens adequadas à situação e<br />

não tinham iniciativa para reagir de forma adequada.<br />

Quando as informações, tardias e filtradas pelo canal<br />

hierárquico, chegavam ao Estado-Maior sírio, eram<br />

interpretadas como alteração dos pressupostos do<br />

plano o que obrigava à emissão de ordens cujo efeito<br />

foi um progressivo abrandamento da ofensiva que<br />

acabou por deter-se e converter-se em retirada geral,<br />

face à chegada de reforços acabados de mobilizar.<br />

Na frente sul, a Divisão comandada por Ariel<br />

Sharon, agindo muitas vezes por iniciativa própria,<br />

logrou atravessar o Canal do Suez, cercar o 3.º <strong>Exército</strong><br />

Egípcio, e só não entrou na cidade de Ismaília porque<br />

o cessar-fogo o impediu. Sharon acabou por ser<br />

destituído do cargo, mas a verdade é que a iniciativa<br />

local, se bem que tenda a ser sempre contrariada no<br />

seio de organizações rigidamente hierarquizadas,<br />

demonstrou virtualidades que foram cabalmente<br />

compreendidas pelo <strong>Exército</strong> Americano, cuja doutrina<br />

53


54<br />

Na Guerra do Yon Kippur, foi a capacidade de comandar à frente e tomar iniciativas mais depressa que o adversário que<br />

salvou Israel de uma derrota que parecia certa e iminente<br />

evoluiu no sentido de a incluir em todas as operações.<br />

As próprias ordens de operações passaram a incluir o<br />

conceito de operação do comandante e a intenção da<br />

operação, e a ser menos pormenorizadas nas missões<br />

específicas e nas instruções de coordenação. Diz-se<br />

o que fazer e nunca como se deve fazer.<br />

Na verdade, a flexibilidade táctica foi sempre a<br />

melhor arma dos israelitas face à obesidade burocrática<br />

dos exércitos árabes.<br />

Porém, em 2006, no Líbano, este paradigma<br />

parece ter mudado e o Hezbolah combateu Israel<br />

utilizando conceitos que raramente haviam sido<br />

vistos em organizações militares árabes. A guerra<br />

começou com um ataque cuidadosamente planeado<br />

a uma patrulha israelita, com o objectivo de capturar<br />

soldados para utilizar como moeda de troca. A<br />

reacção israelita não foi a que o Hezbolah esperava,<br />

mas os 33 dias que se seguiram mostraram um<br />

Hezbolah muito bem preparado, agarrado a pontos<br />

fortes estabelecidos nas povoações, com unidades<br />

actuado sem ordens especificas, e com shelters<br />

profundos, dissimulados e disseminados pelo<br />

terreno de onde emergiam pequenos grupos de<br />

homens e de onde eram lançados foguetes sobre<br />

Israel, mesmo depois da Infantaria israelita os ter<br />

ultrapassado. Um tipo de guerra que remete<br />

irresistivelmente para o plano alemão dos anos 80.<br />

O terreno não é obviamente igual às grandes<br />

planícies alemãs. Na zona a sul do Rio Litani é<br />

enrugado, rochoso, cortado por numerosas linhas de<br />

água e com abundante vegetação arbustiva, uma<br />

espécie de maquis que dificulta a progressão e facilita<br />

a ocultação. Um terreno parecido ao que podemos<br />

ver em largas partes do nosso território. A maioria da<br />

população é shiita e vive numa densa malha de<br />

pequenas povoações encavalitadas nas colinas. Este<br />

tipo de terreno permite as progressões apeadas, mas<br />

dificulta as grandes manobras blindadas e<br />

mecanizadas, canalizando as viaturas para óbvios e<br />

estreitos eixos de aproximação que o Hezbolah minou<br />

intensivamente. Um bom terreno para defender, um<br />

bom terreno para Infantaria que o Hezbolah, entre<br />

2000 e 2006, preparou minuciosamente, construindo<br />

posições de combate fortificadas e complexas, aptas<br />

a aguentar-se durante semanas. Israel sabia que havia<br />

bunkers espalhados pelo terreno, mas não tinha uma<br />

ideia precisa da sua localização, sofisticação e<br />

dimensão.<br />

O facto de o Hezbolah ter usado as povoações<br />

como pontos fortes, motivou os israelitas a abandonar<br />

a manobra blindada, e a desmontar para atacar,<br />

perdendo as vantagens do movimento, do choque,


da protecção e diminuindo a décalage tecnológica.<br />

Prevendo a impossibilidade de reabastecimentos<br />

devido à supremacia aérea israelita, o Hezbolah<br />

disseminou pelo terreno centenas de paióis e paiolins,<br />

e estabeleceu sistemas telefónicos fechados e<br />

seguros.<br />

Numa guerra com uma vertente psicológica muito<br />

apurada, o Hezbolah não poderia apenas defender,<br />

Qualquer pessoa pode aprender a disparar uma espingarda<br />

em poucos minutos, mas o mesmo não acontece com<br />

Artilharia, morteiros e mísseis anticarro, por exemplo<br />

até porque os israelitas talvez nem sequer se dessem<br />

ao trabalho de atacar directamente as posições<br />

defensivas. Tinha de ter capacidade ofensiva que<br />

obrigasse os israelitas a ir ao terreno. Preparou, por<br />

isso, centenas de abrigos para os seus mísseis que,<br />

ao longo do conflito, foi disparando a uma taxa regular,<br />

procurando passar a ideia de que a acção israelita<br />

não estava a obter qualquer resultado.<br />

Para além de milhares de milicianos, o Hezbolah<br />

tem um núcleo duro de soldados profissionais,<br />

bastante bem treinados e aptos a manusear armas<br />

avançadas. Organizam-se, geralmente, em pequenas<br />

unidades de cinco a dez elementos, capazes de operar<br />

de forma independente por razoáveis períodos de<br />

tempo, mas em contacto com os decisores, através de<br />

um elaborado sistema de comunicações filares e TSF.<br />

O sistema filar está agora a ser estendido à escala<br />

nacional e é tão importante para o Hezbolah que foi,<br />

justamente, uma das causas das confrontações que<br />

varreram o Líbano em 2008, quando o Primeiro-Ministro<br />

o quis controlar.<br />

Os aspectos mais significativos desta organização<br />

são a elevada autonomia dos comandantes nos baixos<br />

escalões e a inexistência de uma pesada cadeia<br />

logística durante as operações. Ou seja, exactamente<br />

o contrário daquilo que sempre caracterizou os<br />

exércitos árabes, e a demonstração cabal de que o<br />

Hezbolah estudou as doutrinas tácticas ocidentais e<br />

de Israel.<br />

Foram estas características novas que surpreenderam<br />

os israelitas em 2006.Em termos de<br />

armamento, um dos tradicionais handicaps das<br />

milícias ou de exércitos improvisados, é a<br />

incapacidade para obter o rendimento óptimo de<br />

sistemas de armas mais avançados. Qualquer pessoa<br />

pode aprender a disparar uma espingarda em poucos<br />

minutos, (embora para a usar com eficácia sejam<br />

necessárias algumas horas), mas o mesmo não<br />

acontece com Artilharia, morteiros e mísseis anticarro,<br />

por exemplo. Os dois primeiros necessitam de<br />

guarnições treinadas e aptas a fazer cálculos de<br />

trajectórias e os mísseis guiados exigem uma prática<br />

aturada, uma vez que não basta carregar no gatilho.<br />

Para além disso, municiar estas armas é uma tarefa<br />

logística complexa dada a dimensão, o peso e a<br />

periculosidade dos projécteis.<br />

O Hezbolah mostrou possuir e saber usar com<br />

eficácia um abundante e sofisticado arsenal, desde a<br />

clássica Kalashnikov ao míssil anticarro russo AT-14<br />

Kornet, passando por vários tipos de mísseis e<br />

foguetes balísticos, SS e SM com alcances entre os 20<br />

e os 200 km. A descrição que um oficial israelita fez do<br />

Hezbolah como “uma Divisão de Comandos iraniana”,<br />

não peca por exagero.<br />

Face à inesperada reacção israelita, cujos<br />

objectivos foram claramente expostos (destruir o<br />

Hezbolah, impedir o lançamento de foguetes e libertar<br />

os soldados capturados), o Hezbolah reajustou a sua<br />

missão com bastante rapidez, definindo os<br />

pressupostos de “vitória”: negar aos israelitas os seus<br />

objectivos. Para isso era necessário sobreviver, causar<br />

o maior número possível de baixas pela usura e manter<br />

o lançamento de mísseis sobre Israel. O ataque israelita<br />

partiu de um conceito claro que recusa a lógica dos<br />

proxies, isto é, um ataque a partir de um Estado<br />

soberano, por grupos que nele têm guarida, é um acto<br />

de guerra. Assim sendo, a reacção israelita alcançou<br />

todo o Líbano, o que terá chocado o próprio Nasralah,<br />

que admitiu que se soubesse que Israel iria reagir<br />

assim, teria pensado duas vezes.<br />

Em termos estratégicos, a reacção israelita foi bem<br />

urdida porque logrou surpreender o Hezbolah. Mas,<br />

em termos tácticos, a história foi outra e as unidades<br />

israelitas agiram com a lentidão que convinha ao<br />

Hezbolah. O comando israelita, ignorando ainda o grau<br />

de fortificação do inimigo, acreditava que a força aérea<br />

seria suficiente para destruir o Hezbolah, mas os cinco<br />

dias que passaram até os soldados meterem as botas<br />

no chão permitiram ao Hezbolah recuperar da surpresa,<br />

adaptar os seus próprios planos e organizar a defesa<br />

55


56<br />

a partir dos pontos fortes nas povoações.<br />

Israel, em vez de avançar impetuosamente para o<br />

Rio Litani, ultrapassando as defesas ainda mal<br />

estabelecidas e deixando-as para trás, agiu como um<br />

meticuloso burocrata, tratando de conquistar<br />

laboriosamente cada uma das posições fortificadas.<br />

Exactamente o contrário do que os panzers alemães<br />

fizeram na França, Sharon no Sinai e os americanos<br />

no Iraque. Mesmo no fim da guerra, uma unidade<br />

blindada israelita perdeu vários carros de combate<br />

porque recebeu ordens para voltar para trás e<br />

quando, algumas horas depois, a mandaram avançar<br />

novamente, já o Hezbolah tinha montado no percurso<br />

uma gigantesca emboscada anticarro com dezenas<br />

de Kornets.<br />

Prender o exército israelita a miríades de pequenas<br />

batalhas por vilórias sem importância, era<br />

exactamente o que convinha ao Hezbolah. Tanto os<br />

israelitas como os soldados do Hezbolah combateram<br />

bem, mas isto foi uma novidade para os israelitas<br />

cuja Infantaria, nos últimos anos, não tinha efectuado<br />

treinos para este tipo de inimigo e neste tipo de<br />

terreno.<br />

Claro que a organização descentralizada não tem<br />

só vantagens. O apoio mútuo é precário, a defesa<br />

tende a tornar-se estática, e um adversário bem<br />

treinado pode explorar isto em seu benefício. A força<br />

combate de forma óptima durante um determinado<br />

período de tempo, mas é incapaz de sustentar o<br />

esforço para além de um limite, o que ajuda a explicar<br />

a ansiedade com que o Hezbolah e os seus patronos<br />

exigiram o cessar-fogo.<br />

O uso intensivo de foguetes contra áreas<br />

edificadas foi um sucesso psicológico, mas de<br />

duvidoso valor estratégico, porque não logrou o<br />

objectivo de quebrar a moral da população israelita.<br />

Isto, acrescido ao facto de o Hezbolah não ter<br />

conseguido que um único míssil de alcance<br />

intermédio atingisse Israel (dezenas de lançadores<br />

de Fajr e Zelzal foram destruídos em apenas meia<br />

hora pela força aérea israelita) terá sido<br />

devidamente anotado pelo Irão e pela Síria, que<br />

dependem exclusivamente destes sistemas para<br />

confrontarem Israel. Em suma, o Hezbolah<br />

sobreviveu e tem toda a legitimidade para se ufanar<br />

do desfecho da guerra. Os israelitas tiraram ilações<br />

muito importantes e certamente que, conhecida a<br />

forma como são capazes de estar um passo à frente,<br />

estão já a preparar as tácticas e as estratégias que<br />

lhe permitirão derrotar e vencer um inimigo que é<br />

agora minuciosamente conhecido e tende a ser<br />

imitado pelo Hamas.<br />

O Hezbolah consolidou tácticas. Nos últimos<br />

meses há notícias de intensos trabalhos de<br />

organização das povoações (zonas que a ONU não<br />

A solução está na velocidade, na iniciativa, nas manobras<br />

indirectas, as protecções activas anticarro e um sistema que<br />

neutralize o impacto psicológico da chuva de foguetes<br />

tem mandato para inspeccionar) e é facto assente<br />

que novas linhas de bunkers estarão a ser<br />

escavadas e apetrechadas com abrigos profundos<br />

para homens e armas.<br />

Não é difícil prever que o Hezbolah irá enterrar<br />

também os lançadores de mísseis de alcance<br />

intermédio, apostar na massificação dos mísseis<br />

anticarro e tudo fará para limitar a supremacia aérea<br />

israelita, com a aquisição e distribuição de mísseis<br />

antiaéreos de fabrico russo. Será um adversário<br />

temível, se Israel lhe der combate nos termos que ele<br />

pretende. A solução está, como sempre, desde os<br />

tempos de Belisário, na velocidade, na iniciativa, nas<br />

manobras indirectas, sem esquecer a inovação<br />

tecnológica, as protecções activas anticarro e um<br />

sistema que neutralize o impacto psicológico da<br />

chuva de foguetes (Sistema Iron Dome).JE<br />

Fotos: arquivo JE<br />

Biografia:<br />

O Coronel, na situação de Reforma, José António<br />

Rodrigues do Carmo concluiu a Licenciatura em Ciências<br />

Militares na Academia Militar, em 1982.<br />

Possui o Mestrado em Ciências e Sistemas de<br />

Informação Geográfica e os cursos de Operações<br />

Especiais, Comandos, Patrulhas de Reconhecimento de<br />

Longo Raio de Acção, Pára-quedismo, Operações<br />

Aerotransportadas e Estado-Maior, entre outros.<br />

Em 2001, foi o responsável editorial e redactorial da<br />

revista “Mama Sumae”.<br />

Actualmente, desenvolve, entre outras funções, a de<br />

colunista na Revista Atlântico.


Coronel Henrique Maurício<br />

ENDORFINAS, as drogas audáveis<br />

Muitos de nós, ao praticarmos uma actividade fisíca,<br />

nomeadamente do tipo aeróbico, tal como uma<br />

simples “corridinha”, já experimentámos, uma vez terminado<br />

o esforço, aquela sensação de bem-estar, de felicidade, de<br />

agradável lassidão a qual, avolumada pelo prazer do banho<br />

retemperador que lhe sucede, nos leva a desejar repeti-la,<br />

tão breve quanto possível. Só que uns, após alguns dias de<br />

descanso, esquecem-na por completo, regressando à sua<br />

habitual condição de sedentários, enquanto que outros caem<br />

no extremo oposto, passando a engrossar o pelotão dos<br />

chamados “viciados do fitness”, termo aplicado com toda a<br />

propriedade já que essa verdadeira sensação de prazer se<br />

deve a uma autêntica droga, a endorfina, susceptivel, como<br />

todas as outras, de provocar uma verdadeira dependência,<br />

apenas com uma grande diferença relativamente àquelas que<br />

lhe advém do facto de estar intimamente relacionada com<br />

uma actividade que acarreta evidentes benefícios para a<br />

saúde dos seus praticantes.<br />

Entre os dois extremos há aqueles, cada vez em maior<br />

número, felizmente, que passaram a incluir nas suas rotinas<br />

a prática regular de exercício físico e, com isso, a usufruir de<br />

todos os benefícios que dele advêm. Mas, afinal, o que são<br />

as endorfinas? Kans Kosterlits e John Hughes foram os<br />

primeiros, em 1970, a observá-las no cérebro do porco, tendo<br />

posteriormente, no decurso das suas investigações, chegado<br />

à conclusão que tais substâncias eram comuns a todos os<br />

mamíferos, incluindo o organismo humano, onde foram<br />

detectadas em vários tecidos, nomeadamente ao nível do<br />

sistema digestivo, da medula espinal e do cérebro, e que<br />

elas não mais eram do que polipépticlos isolados que uma<br />

vez fixados nos receptores de certos neurônios, por um<br />

mecanismo semelhante ao dos opiáceos, como, por exemplo,<br />

a morfina, apresentavam propriedades analgésicas de longa<br />

duração e que poderiam, inclusive, dar origem a sensações<br />

de prazer.<br />

Trata-se, no fundo, de hormonas produzidas nas<br />

glândulas hipófise e hipotálamo que actuam sobre<br />

determinadas zonas do cérebro associadas à percepção da<br />

dor, e que são segregadas em determinadas circunstâncias,<br />

fisiológicas e psicológicas, tais como o stress intenso ou o<br />

exercício físico praticado de acordo com características de<br />

intensidade e duração específicas.<br />

No que concerne à actividade física, os seus efeitos<br />

podem ser vários, sendo o mais conhecido (e sentido) o<br />

efeito anestesiante que intervem para limitar as sensações<br />

dolorosas associadas ao esforço, nomeadamente quando<br />

se ultrapassam determinados limites − aquilo a que na gíria<br />

os atletas, em especial os corredores de fundo, chamam<br />

DESPORTO<br />

Actividade Física, Condição Física e Saúde<br />

Algumas (boas) razões para a prática regular do exercício físico<br />

runner’s higt e que não é mais do que uma impressão que<br />

varia entre o simples prazer e a euforia a qual permanece<br />

após um esforço do tipo de corrida contínua com uma<br />

duração mínima de meia hora. Trata-se, aliás, de um fenómeno<br />

semelhante ao experimentado com a massagem, actuando<br />

de uma forma intensa e profunda ao nível dos neurónios e<br />

seus receptores.<br />

De notar que durante uma actividade do tipo da referida<br />

(corrida contínua), o organismo não se limita a segregar<br />

aquelas hormonas do prazer mas, simultâneamente, vai<br />

eliminando as hormonas do stress, tais como a adrenalina.<br />

De salientar, também, que a taxa de produção das<br />

endorfinas está directamente ligada não só à intensidade e<br />

duração do exercício como à sua natureza. Assim, nas<br />

actividades de endurance, tais como o jogging, a sua<br />

produção é das mais elevadas podendo atingir valores cinco<br />

vezes superiores aos do repouso, no período de 30 a 40<br />

minutos seguintes ao termo do esforço. De igual modo,<br />

desportos como o ciclismo, a natação e a generalidade dos<br />

desportos de salão (voleibol, andebol, futsal, etc) ou as<br />

actividades de ginásio como o cardio-fitness (passadeira,<br />

remo, bicicleta ergométrica), o step, a aeróbica, etc, dão<br />

também origem a produções elevadas de endorfinas.<br />

Contudo, convém referir que para se experimentar, na<br />

sua plenitude, o tal efeito de bem-estar dessas hormonas,<br />

57


58<br />

DESPORTO<br />

torna-se necessário que o exercício, para além de<br />

características de endurance, ou seja, com uma intensidade<br />

a que correspondem 65 a 79% da Frequência Cardíaca Máxima<br />

(FCM), tenha uma duração mínima, repetimos, de 30 minutos.<br />

Outro aspecto importante das endorfinas diz respeito ao<br />

seu efeito ansiolítico o qual fundamenta a prescrição de<br />

actividades do tipo das referidas a pessoas stressadas e<br />

deprimidas, com uma pequena diferença que reside no facto<br />

de, nestes casos, o esforço terá de ser de uma intensidade<br />

ligeiramente superior, logo, de menor duração por norma um<br />

mínimo de 20 minutos, para que assim se possam obter efeitos<br />

mais duradouros no organismo, que poderão prolongar-se<br />

por períodos de duas e seis horas, tudo dependendo da<br />

intensidade e duração do esforço dispendido. Todavia tal<br />

acção antidepressiva não é exclusiva das endorfinas, mas<br />

destas associadas à serotonina, um neuromediador ou<br />

neurotransmissor, ou seja, uma substância que transmite o<br />

influxo nervoso entre os neurónios e entre estes e os<br />

músculos, para além de outras funções não menos<br />

importantes, como sejam a regularização da mobilidade intestinal,<br />

a sua acção na musculatura lisa ou de<br />

vasoconstrição em certos territórios vasculares.<br />

Outro dos efeitos das suprecitadas endorfinas é o<br />

analgésico, assim denominado porque ao fixarem-se a<br />

receptores específicos inibem as dores de origem muscular<br />

e tendinosa possibilitando a manutenção do esforço apesar<br />

da fadiga, fenómeno conhecido na gíria desportiva por<br />

“segundo fôlego”.<br />

Mas, nem tudo são “rosas” quando se fala das endorfinas,<br />

ou, por outras palavras, elas também tem efeitos negativos<br />

que importa ter presentes.<br />

Com efeito, a sua acção analgésica, por atenuar ou<br />

camuflar a dor, leva amiúde os praticantes a cairem em<br />

exageros, o que não é de todo recomendável. Por outro lado,<br />

o seu efeito euforizante pode conduzir-nos a um patamar de<br />

grande excitação, pelo que são desaconselháveis sessões<br />

intensas de treino nocturno dada a influência nefasta que<br />

ela tem na qualidade do sono e no necessário descanso dos<br />

atletas ou simples praticantes.<br />

Outro dos seus efeitos prejudiciais prende-se com a<br />

dependência que atrás referimos, a qual pode levar<br />

determinadas pessoas a tornarem-se demasiado obsecadas<br />

com a sua condição física, o seu peso ou as<br />

suas “perfomances”, transformando-se em<br />

autênticos “escravos do treino”. Com efeito,<br />

tais indivíduos apresentam muitas vezes,<br />

sintomas de uma inquietação e perturbação<br />

permanentes, traduzidas, muitas vezes, em<br />

situações de culpabilidade, angústia e<br />

vergonha, nomeadamente quando têm de<br />

interromper o seu plano de treinos, mesmo<br />

que tal interregno seja devido a situações<br />

incontornáveis, por exemplo, lesões ou<br />

doença.<br />

Como corolário, tais indivíduos têm<br />

tendência a aumentar descontroladamente a<br />

carga de treino nas sessões de retorno, numa<br />

ânsia de voltarem rapidamente à forma<br />

momentâneamente perdida, o resultado é a<br />

queda no chamado “sobretreino” com as<br />

consequências que lhe estão associadas,<br />

como sejam as tendinites, as bursites, as<br />

dores e fadiga crónicas, acompanhadas,<br />

quasi sempre, com um enfraquecimento geral<br />

do sistema imunitário, abrindo-se, assim, as<br />

portas a outras complicações de saúde mais<br />

graves.<br />

Assim, quando tal depêndencia começa<br />

a apoderar-se do praticante, torna-se necessária<br />

uma consulta médica.<br />

A boa notícia é que essa dependência<br />

tem, em relação à das restantes drogas, a<br />

grande vantagem de não exigir um desmame<br />

total sendo mesmo desaconselhavel a<br />

interrupção das sessões. Nestes casos,<br />

torna-se apenas necessária uma alteração do<br />

programa de treinos, recorrendo por isso aos<br />

conselhos de um técnico especializado.JE

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