24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

perfeita de um ponto de vista formal, longe de contribuir para a emancipação <strong>do</strong> sujeito, é<br />

utilizada para ao mesmo tempo defender a suposta pureza da cultura local e rejeitar as<br />

ideias emancipa<strong>do</strong>ras «traduzidas», por serem uma importação <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r.<br />

Outros teóricos da tradução ainda mais empenha<strong>do</strong>s em pensar uma ética <strong>do</strong><br />

traduzir e da tradução insistiram na importância de ter sempre em conta a ambivalência da<br />

operação. Como o advoga Laygues (2006) num artigo de reflexão filosófica sobre o que<br />

traduzir significa num contexto de globalização, 46 se o tradutor pode ser o indivíduo que,<br />

pela escolha livre <strong>do</strong>s textos a traduzir, contribui para o «ser em conjunto» entre<br />

comunidades diversas (o la<strong>do</strong> «angélico» da operação), pode também traduzir ao acaso,<br />

porque é o seu ganha-pão, ou, pior ainda, traduzir ordens potencialmente mortíferas<br />

(Laygues cita o exemplo <strong>do</strong>s tradutores da NATO, o que corresponderia exatamente ao<br />

la<strong>do</strong> «demoníaco» da tradução).<br />

Dito isto, e para voltar às aporias de Gyasi, a celebração da «tradução» como<br />

metáfora leva por vezes certos teóricos a considerar como específico de um determina<strong>do</strong><br />

contexto de tradução o que de facto caracteriza qualquer operação de tradução. Para dizê-<br />

lo noutras palavras, quan<strong>do</strong> deixam a metáfora para voltar ao senti<strong>do</strong> próprio da palavra,<br />

tendem a equivocar-se. Assim Gyasi, mas também Buzelin (2004), descrevem em<br />

determina<strong>do</strong> momento o que acham ser as especificidades de um tradutor pós-<strong>colonial</strong>: por<br />

um la<strong>do</strong>, deveria <strong>do</strong>minar a(s) língua(s) fonte assim como a língua de chegada e, por outro<br />

la<strong>do</strong>, conhecer a literatura local, a sua história (Buzelin, 2004: 740) e o contexto social<br />

representa<strong>do</strong> na obra («Extra-linguistics abilities that consist in analysing and interpreting<br />

the context in which African litrary text is embedded» Gyasi, 2003: 147). Vejo nisso uma<br />

extrapolação ou inflação <strong>do</strong> adjetivo pós-<strong>colonial</strong>, pois trata-se de especificidades da<br />

tradução, pós-<strong>colonial</strong> ou não. Por outro la<strong>do</strong>, cingir-se ao contexto social local perpetua<br />

uma visão nacional(ista) da literatura. Sabe-se hoje que as «fronteiras» <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-nação<br />

fazem cada vez menos senti<strong>do</strong> na abordagem ao fenómeno literário, ultrapassadas há muito<br />

pelo instrumento da língua: os autores vão buscan<strong>do</strong> a sua «comida» ao vasto mun<strong>do</strong> das<br />

literaturas.<br />

46 Depois de Antoine Berman, Alexis Nouss, Anthony Pimm ou Lawrence Venuti, Laygues questiona as<br />

condições de uma ética da tradução, o que pressupõe ainda a noção de responsabilidade <strong>do</strong> tradutor. É<br />

através de Hannah Arendt, Martin Buber ou ainda Gabriel Marcel que o autor pensa a tradução como o<br />

paradigma <strong>do</strong> processo dialógico, como operação que participa na construção de um «être-ensemble» ao nível<br />

global (conceito desenvolvi<strong>do</strong> por Arendt em The Human condition para descrever o processo que favorece a<br />

coesão social numa sociedade democrática).<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!