24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Se um trabalho sobre o trágico ajuda a entender parte <strong>do</strong> que podem significar<br />

alguns textos, também leva o investiga<strong>do</strong>r a aperceber-se das implicações éticas das suas<br />

interpretações <strong>do</strong> trágico. Os oprimi<strong>do</strong>s, os dana<strong>do</strong>s, os despossuí<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s romances e<br />

peças <strong>do</strong> meu corpus, não são afinal muito diferentes <strong>do</strong>s seus equivalentes nas obras de<br />

autores oriun<strong>do</strong>s de outros continentes. Encarar o trágico, procurá-lo em textos das<br />

Américas, das Áfricas, das Europas talvez possa ajudar-nos a compreender o que<br />

parcialmente lhes é comum: a <strong>do</strong>minação de muitos por uma superstrutura na qual se<br />

origina a sua desgraça. Nisso o trágico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> não é intrínseco ao Sul<br />

global, pois também se encontra em textos <strong>do</strong> Norte. Assim, uma das obras policiais<br />

emblemáticas <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> século XX em França, a de Jean-Claude Izzo, representa filhos de<br />

migrantes oriun<strong>do</strong>s de ex-colónias francesas <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> <strong>do</strong><br />

Norte. Em Solea (1998) será a polícia francesa a origem <strong>do</strong> seu sofrimento, uma polícia<br />

explicitamente representada como sen<strong>do</strong> filha das práticas racistas em vigor durante o<br />

perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>. Acrescento rapidamente que o mesmo romance evidencia também fortes<br />

efeitos de «fronteira», nomeadamente no que tem a ver com a fronteira social suscitada pela<br />

globalização (Izzo, 1998: 238).<br />

A alusão a Izzo permite voltar a uma das pistas mais promissoras para o futuro da<br />

minha pesquisa, a da narrativa policial. Como vimos com a série Jaime Bunda de Pepetela,<br />

o género tem-se globaliza<strong>do</strong> e, enquanto prática global, tem representa<strong>do</strong> os dana<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. É notável a presença da narrativa policial ao longo da costa Atlântica, de Driss<br />

Chraïbi (Marrocos) a Pepetela passan<strong>do</strong> por Abasse Ndione (Senegal), Mongo Beti<br />

(Camarões), Achille Ngoye (RDC), Deon Meyer (África <strong>do</strong> Sul), aos quais poderemos<br />

juntar Moussa Konaté (Mali) e Yasmina Khadra (Argélia), entre outros. Estudar a narrativa<br />

policial neste contexto permitiria voltar à questão das «fronteiras», pois trata-se de uma<br />

prática que evidencia ao mesmo tempo elementos recorrentes, «transfronteiriços» (as<br />

personagens <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> criminoso, por exemplo, o carácter duplo da narração),<br />

que favorecem o trabalho comparatista, mas, numa relação de tensão mais uma vez, uma<br />

prática que remete igualmente, por um la<strong>do</strong>, para um tratamento particular <strong>do</strong> género em<br />

cada autor e, por outro la<strong>do</strong>, para um contexto de referência particular: o Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong> e as suas características próprias.<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, interpretar a narrativa policial como sen<strong>do</strong> uma prática literária<br />

«fronteiriça» remete o leitor para um conceito familiar, o de Atlântico negro, o adjetivo aqui<br />

sen<strong>do</strong> particularmente adapta<strong>do</strong> pois designa também uma das variantes existentes na<br />

362

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!