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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Estes últimos exemplos colocam a questão da possibilidade de uma tragédia<br />

contemporânea, certamente não na sua forma original, mas, para recuperar Omesco, numa<br />

das suas metamorfoses. Um trágico que, como tentei demonstrar com Allen e Pasolini, se<br />

perpetua como “efeito de uma sintaxe”, com etapas e momentos muito próximos <strong>do</strong> texto<br />

das tragédias (Medeia, Oréstia) e, conscientemente ou não, da teoria aristotélica. Como<br />

veremos no capítulo seguinte, as metamorfoses da tragédia e <strong>do</strong> trágico perpassaram as<br />

fronteiras, pois com Césaire, Tansi, Nkashama ou ainda Pepetela atualizaram-se em peças e<br />

narrativas.<br />

Tenho consciência de que esta possibilidade da existência de uma tragédia<br />

contemporânea não é consensual entre a crítica. Um <strong>do</strong>s comenta<strong>do</strong>res mais cita<strong>do</strong>s da<br />

teoria da tragédia e <strong>do</strong> trágico, Georges Steiner, recusou esta possibilidade, falan<strong>do</strong> sem<br />

rodeios de morte da tragédia (1961). A sua conclusão só é possível por não contemplar o<br />

trágico como “efeito de uma sintaxe”, capaz de sobreviver ao género que lhe deu origem.<br />

Em The Death of Tragedy, Steiner, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio de que tragédia só poderia<br />

existir na fase pré-racional da história (Steiner, 1993: 333), declara o seu desaparecimento a<br />

partir de finais <strong>do</strong> século XVII com a morte <strong>do</strong>s mitos e a sua substituição pelo espírito<br />

racional. Embora admita que os mitos se perpetuaram numa certa cultura até tarde no<br />

século XX como ferramenta de distinção escolar e social, afirma que enquanto narrativa<br />

explicativa já não existem. A partir de finais <strong>do</strong> século XVIII teria começa<strong>do</strong> a desaparecer<br />

a mitologia enquanto criação viva, enquanto ordem externa mas intrincada na vivência <strong>do</strong>s<br />

indivíduos, a ideia de uma continuidade entre ordem humana e divina (Steiner, 1993: 188-<br />

189).<br />

O contexto moderno e contemporâneo não teria então si<strong>do</strong> propício ao retorno<br />

<strong>do</strong>s antigos mitos, o que explicaria o suposto fracasso das tentativas de Cocteau,<br />

Girau<strong>do</strong>ux, Anouilh, etc. 187 Na mesma perspectiva, o crítico afirma que as tragédias cristãs<br />

estavam destinadas ao impasse pelo facto de o cristianismo ser anti-trágico: «Le<br />

christianisme promet à l’homme la certitude finale et le repos en Dieu» (Steiner, 1993: 325)<br />

187 Sartre argumenta, pelo contrário, a favor <strong>do</strong> recurso à mitologia no teatro contemporâneo. É o que<br />

defende em vários entrevistas no seu Théâtre de situations: «Je ne pense pas que le théâtre puisse dériver<br />

directement d’événements politiques […]. Le théâtre <strong>do</strong>it prendre tous ces problèmes et les transposer en une<br />

forme mythique. (Sartre, 1992: 172) «C’est ça, le véritable théâtre: il <strong>do</strong>it amener le spectateur à juger le<br />

personnage comme si c’était la première fois qu’on le juge, et en pensant sur le moment que ce jugement est<br />

absolu, quitte à être forcé de le remettre en cause par la suite. Aussi suis-je délibérément pour un théâtre<br />

historique. J’entends par là non seulement qu’une distance temporelle sépare la situation évoquée de celles de<br />

l’auteur et du spectateur, mais surtout que l’œuvre comporte un type d’action, de causalité, de pression<br />

sociale, de construction aussi, qui appelle un certain système de jugement […]. Un tel système est<br />

évidemment lié à l’ensemble politico-éthique, à l’idéologie de l’époque de l’auteur.» (Sartre, 1992: 251).<br />

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