24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

discursos e as práticas racistas presentes noutros grupos sociais. No entanto, se de facto os<br />

intelectuais desempenhavam para Balibar um papel importante na racionalização e<br />

vulgarização da teoria, a sua demonstração da altura não contemplava os amplifica<strong>do</strong>res de<br />

ideologia que constituem bens culturais populares produzi<strong>do</strong>s pelos campos<br />

cinematográfico e televisivo (já mencionei o racismo e a islamofobia assumida de The Unit e<br />

24 hours). Daí talvez a dificuldade em entender as vias inéditas que usa o neo-racismo para<br />

se expandir e se sedimentar em novos grupos sociais.<br />

Por fim, Balibar verificava, o que na altura era inova<strong>do</strong>r na França, a importância na<br />

emergência <strong>do</strong> neo-racismo de fenómenos como o <strong>colonial</strong>ismo (que nas Antilhas não<br />

desapareceu totalmente) mas também o neo<strong>colonial</strong>ismo (como «realidade maciça») e a<br />

presença de migrantes oriun<strong>do</strong>s das antigas colónias, que «réussissent à concentrer sur eux-<br />

mêmes à la fois la continuation du mépris impérial et le ressentiment éprouvé par les<br />

citoyens d’une puissance déchue […]» (Balibar, 1997: 60).<br />

Balibar notou como o racismo, qualquer que seja a sua denominação<br />

(antissemitismo, islamofobia etc.), constitui não só um conjunto de representações e de<br />

condutas, mas também um sistema estruturante ancora<strong>do</strong> na sociedade, na política, nos<br />

indivíduos: «S’il connaît des fluctuations, des inversions de tendance, il ne disparaît jamais<br />

de la scène, en tout cas des coulisses» (Balibar, 1997: 291). 90<br />

Face a esta estrutura, face ao Texto, existem certamente outras vozes (Mabeko-Tali,<br />

Mamdani, M’Bokolo, Ki-Zerbo, etc.) que propõem narrativas alternativas, mais matizadas,<br />

com todas as garantias de rigor científico, mas a complexidade das suas obras dificilmente<br />

lhes permite competir (e ainda menos desarticular) com o DAS <strong>do</strong> Texto. No entanto, o<br />

Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> continua presente no meu corpus de obras, com as suas coerências e<br />

incoerências, com os seus <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res e os seus <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, com personagens que sofrem<br />

por causa desta superstrutura que vejo como uma força trágica. Como então descrevê-lo<br />

sem recorrer ao Texto, ainda que esteja sempre atento a ele, desconfian<strong>do</strong> sempre <strong>do</strong> que<br />

90 No mesmo livro, Wallerstein também via o racismo como uma espécie de estrutura inerente a muitos seres<br />

humanos. Fala assim de «structures intériorisées de l’ethnicisation» (52). Dos <strong>do</strong>is autores, Wallerstein é quem<br />

recorre mais às noções de superstrutura e de ideologia para explicar a presença <strong>do</strong> racismo nos Esta<strong>do</strong>s póscoloniais<br />

<strong>do</strong> Sul e <strong>do</strong> Norte. Talvez isso explique as aproximações e mesmo algumas imprecisões quan<strong>do</strong> se<br />

aventura no terreno da História. Assim, Wallerstein retoma para o Ruanda a teoria <strong>do</strong>s invasores Tutsi e <strong>do</strong>s<br />

autóctones Hutu (253), os primeiros <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> os segun<strong>do</strong>s, sem notar que esta teoria é sobretu<strong>do</strong> o<br />

resulta<strong>do</strong> de um saber <strong>colonial</strong> incapaz de pensar uma sociedade local muito mais matizada. Retoma<br />

igualmente sem questionar a representação, ela também uma herança <strong>colonial</strong>, <strong>do</strong> Burundi como exata<br />

reprodução sociológica <strong>do</strong> Ruanda (257). Chrétien desconstruiu estas (e outras) representações em várias<br />

contribuições, nomeadamente num artigo clássico: Chrétien, Jean-Pierre (1985) «Hutu et Tutsi au Rwanda et<br />

au Burundi», in Jean-Loup Amselle, Elikia M’Bokolo, Au cœur de l’ethnie: ethnie, tribalisme et État en Afrique. Paris:<br />

La Découverte, 129-165.<br />

100

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!