ACERVO - Arquivo Nacional
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A C E<br />
Portugal sob a alegação de<br />
licenciosidade: estava contaminado<br />
pelas idéias de Molinos, heresiarca para<br />
quem o demônio podia atuar<br />
violentamente sobre os corpos, levando<br />
almas perfeitas a cometer pecados,<br />
inclusive carnais, sem que esses<br />
pudessem ser considerados como tais,<br />
pois seriam contra a vontade das<br />
pessoas que os praticavam 58.<br />
Na posse desses livros, contudo, longe<br />
de vermos a erupção de uma suposta<br />
voluptuosidade oculta do prelado,<br />
temos apenas a manifestação de seu<br />
anacronismo, sendo sua ação pastoral<br />
a mais perfeita prova deste<br />
descompasso com o tempo e, ainda, de<br />
sua fidelidade aos ensinamentos da<br />
Igreja. Em seu governo diocesano, o<br />
bispo Cruz foi um intrépido tridentino,<br />
tomando iniciativas disciplinadoras e<br />
aculturadoras: visitas pastorais,<br />
medidas contra as ilicitudes dos<br />
eclesiásticos, habilitação de sacerdotes<br />
segundo as normas de "pureza de<br />
costumes e de sangue", fundação do<br />
Seminário de Mariana, instrução dos<br />
fiéis e dos clérigos, e introdução de<br />
novos cultos (ao Coração de Jesus, por<br />
exemplo) e da oração mental 59, nada de<br />
'licencioso' maculou sua gestão, repleta<br />
de muitos dissabores: conflitos de<br />
jurisdição com a justiça laica e com o<br />
bispo do Rio de Janeiro, atritos com os<br />
cónegos, verdadeiras pestes que o<br />
infernizaram assim como a seus<br />
sucessores imediatos, a expulsão dos<br />
jesuítas por dom José 1, a punição do<br />
pag.52, jan/dez 1995<br />
amigo inaciano Qabriel Malagrida... 40 E,<br />
por fim, a vivência cotidiana num<br />
território que sobrepujava, segundo<br />
palavras do próprio antístite, "às<br />
maiores cidades do orbe na torpeza<br />
diversificada dos vícios", somando, à<br />
ganância do ouro, a ambição, a vaidade,<br />
a soberba e os "falazes prazeres<br />
carnais"* 1. Era dom frei Manuel a<br />
amargar a nostalgia de um mundo que<br />
nunca existiu (afinal, as Minas nasceram<br />
com o ouro); a utilizar topos literários<br />
que vinham da Roma da Antigüidade<br />
Clássica 42 para expressar o que sentia<br />
em Mariana, sua Altera Roma; e a<br />
denunciar sua mácula e a de sua livraria:<br />
nostalgia, nada além da nostalgia em<br />
relação a um mundo que nunca existiu;<br />
nada além de resquícios de um mundo<br />
que ruía, mas que, para o<br />
Reverendíssimo bispo, eram a razão de<br />
sua vida, nada tendo de perdição. Seu<br />
mal talvez fosse - como afirma Luiz Mott,<br />
ao referir-se ao suplício que impôs a<br />
negra Rosa Egípciaca - agir às vezes<br />
"mais com humor viperino do que<br />
pombalino" 45. Ele era apenas prisioneiro<br />
do pré-pombalismo!<br />
Dom Pontevel, nomeado bispo de<br />
Mariana em 1777 4 4, ao contrário de dom<br />
frei Manuel, era atingido pelo espírito<br />
do século. Em sua biblioteca<br />
encontravam-se dois autores ilustrados:<br />
Qenuensis, iluminista oficial 45, proibido<br />
por Roma 4 6, e Robertson, historiador<br />
escocês que denunciava as mazelas da<br />
colonização 47. A composição da seção<br />
de história parece indicar que o bispo