Iracema - Repositório Institucional UFC
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2.11 A pintura étnica dos Ameríndios<br />
Constituído maioritariamente por cenas narrativas, com enorme virtualidade<br />
dramática, o romance <strong>Iracema</strong>, no entanto, até pela sua feição fundacional, não deixa de<br />
representar vários ritos culturais dos Ameríndios.<br />
O tabaco é apresentado, no capítulo XII, como a “erva de Tupã” 339 , que o Pajé fuma<br />
como um rito preparatório da celebração do sagrado 340 .<br />
O vinho, por sua vez, ultrapassa a sua função de aplacar a sede corporal 341 para<br />
provocar a excitação emocional necessária ao combate guerreiro 342 , preparado através da<br />
dança do tripúdio 343 .<br />
O rito sagrado da ingestão do licor da jurema é descrito com pormenor no capítulo<br />
XVI. É um rito mistérico, num ambiente noturno da floresta. É preparado com os fogos da<br />
alegria, que exalam nuvens de fumo. Depois das oferendas agrícolas a Tupã, o deus é<br />
invocado três vezes. Só então <strong>Iracema</strong> distribui o vinho da jurema que faz sonhar cada qual<br />
de acordo com as suas preferências: “Todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no<br />
espaço da noite cuidam viver muitas luas. As bocas murmuram; o gesto fala; e o Pajé, que<br />
tudo escuta e vê, colhe o segredo no íntimo d’alma” 344 . <strong>Iracema</strong>, por imposição ritual, sai do<br />
bosque sem assistir aos sonhos dos guerreiros.<br />
A lei sagrada da hospitalidade, comum aos Ameríndios como também aos antigos<br />
Gregos e Romanos, vem contemplada no capítulo III. <strong>Iracema</strong>, depois de acender o “fogo<br />
da hospitalidade” 345 , serve ao estrangeiro “os restos da caça, a farinha-d’água, os frutos<br />
silvestres, os favos de mel, o vinho de caju e ananás” 346 . Depois do rito das abluções 347 , vem<br />
a saudação usual:<br />
339 Cap. XII, p. 37.<br />
340 “O Pajé enchia o cachimbo da erva de Tupã; […] O Pajé traga as baforadas do fumo, que prepara o<br />
mistério do rito sagrado” (Ib.).<br />
341 “Aplaca o vinho a sede do corpo, mas acende outra sede maior na alma feroz” (Cap. XIV, p. 42).<br />
342 “Os guerreiros tabajaras, excitados com as copiosas libações do espumante cauim, se inflamam à voz de<br />
Irapuã que tantas vezes os guiou ao combate, quantas à vitória. […] Rugem vinganças contra o estrangeiro<br />
audaz que afrontando suas armas, ofende o deus de seus pais e o chefe de guerra, o primeiro varão tabajara”<br />
(Ib.).<br />
343 “Lá tripudiam de furor, e arremetem pelas sombras; a luz vermelha do ubiratã, que brilha ao longe, os guia<br />
à cabana de Araquém” (Ib.).<br />
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