Iracema - Repositório Institucional UFC
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traz o semblante toldado pelos sinais da tristeza 243 , suscitando a técnica narrativa do<br />
suspense, que só será desvendado no desfecho: “Que deixara ele na terra do exílio?” 244 .<br />
Após esta apresentação sumária, de interesse interrogativo, a personagem é filtrada<br />
não já pela óptica do narrador onisciente, mas pelo olhar curioso de <strong>Iracema</strong> perante o<br />
desconhecido que a contempla 245 . Numa reação instintivamente defensiva, a jovem<br />
guerreira fere rapidamente o estrangeiro 246 , arrependendo-se logo de tal gesto 247 . O sorriso<br />
indulgente do ferido no corpo e na alma contrasta, todavia, com a cultura em presença, já<br />
que a mulher européia é tradicionalmente apresentada como “símbolo de ternura e amor” 248<br />
e não como uma amazona.<br />
O simbolismo cultural do quebrar a flecha da paz, presente no primeiro diálogo<br />
entre a virgem autóctone e o estrangeiro que vem de longe, sela a relação amistosa entre<br />
ambos, após um primário embate inicial 249 . Como sempre, a inquirição sobre a identidade<br />
própria permite o conhecimento imprescindível ao entendimento mútuo 250 , representado no<br />
gesto acolhedor das boas-vindas 251 .<br />
Acolhido como enviado de Tupã 252 , Martim apresenta com ousada sinceridade o seu<br />
nome, cuja origem etimológica deriva de Marte, deus romano da guerra 253 , a sua origem<br />
243 “O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o<br />
olhar empanado por ténue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de<br />
seu infortúnio. Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro sorriso” (Ib., p.12).<br />
244 Ib.<br />
245 “Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da<br />
floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas.<br />
Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo” (Cap. II, p. 15).<br />
246 “Foi rápido, como o olhar, o gesto de <strong>Iracema</strong>. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue<br />
borbulham na face do desconhecido” (Ib.).<br />
247 “Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara”<br />
(Ib.).<br />
248 “De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu<br />
na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida” (Ib.)..<br />
249 “A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois <strong>Iracema</strong><br />
quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada” (Ib., p. 16).<br />
250 “O guerreiro falou:<br />
-Quebras comigo a seta da paz?<br />
-Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca<br />
viram outro guerreiro como tu?<br />
-Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus”<br />
(Ib.,).<br />
251 “-Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai<br />
de <strong>Iracema</strong>” (Ib.).<br />
252 “É Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém” (Cap. III, p. 17).<br />
253 “Meu nome é Martim, que na tua língua quer dizer filho de guerreiro” (Ib., p. 18).<br />
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