Iracema - Repositório Institucional UFC

A personagem Dido, na Eneida, é configurada com as características fundamentais de
uma heroína trágica. Iracema, por sua vez, pela postura de entrega sacrificial ao Amor e
suas consequências dramáticas, mais do que uma heroína épica, comprovada na sua
participação na guerra do seu povo, juntamente com seu irmão Caubi, marca o leitor com a
dignidade e a sublimidade dessa entrega.
Com efeito, o seu pathos silencioso e devotado faz desta heroína trágica um símbolo de
epílogo do domínio ameríndio e um prólogo de uma nova nação, resultante da
miscigenação de dois povos geograficamente distantes, mas politicamente convergentes.
O amor devotado de Iracema constitui, por sua vez, o ingrediente mágico de tal
miscigenação. É este amor (eros) que, abraçado à morte (thânatos), consuma o ato trágico
necessário ao triunfo do nascimento de uma nova nação, liderada por Moacir, o filho de
Iracema e Martim.
2.5 Para uma aproximação com Iracema
Iracema começa pelo processo in medias res: somente no capítulo II se inicia o
enredo. Martim Soares Moreno, personagem histórico, responsável pela colonização do
Ceará, perde-se dos companheiros pitiguaras e pôs-se a caminhar sem rumo durante três
dias nas matas nordestinas. Perdido e sem rumo, encontra-se com a bela índia Iracema,
filha do pajé Araquém, da tribo dos Tabajaras, os senhores das montanhas. Neste encontro,
a virgem Iracema, num impulso de defesa por estar surpresa e amedrontada, fere-o na face
com uma flechada: “gotas de sangue borbulharam na face do desconhecido” 184 . Ele não
reage e a jovem índia logo se arrepende, socorrendo o desconhecido, ao perceber que ele
não pisa os campos Tabajaras como inimigo, quebrando com ele a flecha da paz . “A mão
que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava” 185 . Iracema
leva Martim para a cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o
hóspede é sagrado.
184 Cap. II, p.15.
185 Ibid, p.16
67