Iracema - Repositório Institucional UFC
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morte de Dido, e no c. II, no episódio em que Enéias recorda a noite em que assistiu à<br />
destruição da sua cidade. “No meio de um grandioso e lúgubre apocalipse, parece que não<br />
só os homens, mas até os próprios deuses se apressam a semear morte e destruição sobre<br />
um povo que se sentia vítima injustamente sacrificada” 166 .<br />
1.16 A gesta augustana e a tradição épica encomiástica<br />
O proêmio do c. III das Geórgicas já havia anunciado o projeto virgiliano de<br />
celebrar a missão de uma poesia de conteúdo e de tom mais elevado, na esteira da tradição<br />
épica de Ênio: o poeta quer erguer um templo em honra do novo César, com jogos e<br />
cerimônias triunfais capazes de excederem os Jogos Olímpicos e de Nêmea; sobre as portas<br />
desse templo serão representadas as guerras vitoriosas do Príncipe, cuja efígie ocupará o<br />
centro da composição. O programa iconográfico completar-se-á com estátuas dos heróis<br />
troianos e a punição da Inveja, que será precipitada no Hades. Tal projeto parece ter-se<br />
concretizado no poema épico-histórico Eneida, sobre os feitos de Augusto (as vitórias<br />
solenizadas com o tríplice triunfo que o Príncipe celebrou em 29 a.C.), a partir da<br />
celebração das origens troianas e divinas da dinastia Júlia.<br />
Havia já uma tradição épica celebrativa 167 : as guerras de Alexandre e dos monarcas<br />
helenísticos 168 já haviam sido cantadas por uma vasta produção encomiástica 169 ; os Annales,<br />
de Ênio tinham um evidente caráter encomiástico, patente na celebração da uirtus de<br />
figuras da aristocracia romana, análogas aos heróis homéricos 170 . No entanto, apesar da<br />
166 M. Citroni, E.E.Consolino, M. Labate, E. Narducci, Literatura de Roma Antiga, trad. port. Lisboa,<br />
Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 487,<br />
167 Na segunda metade do séc. V, o poeta grego Quérilo de Samos, em vez de escolher um tema mitológico,<br />
escreveu um poema épico sobre a história das guerras pérsicas.<br />
168 Os poetas helenistas mencionavam habitualmente os seus antepassados míticos, como Héracles, para os<br />
Ptolomeus, a quem remontavam a origem da estirpe.<br />
169 Da cultura helenística perdeu-se uma importante produção épico-histórica, dirigida a Alexandre Magno e<br />
aos soberanos que lhe sucederam.<br />
170 Mau grado a importância das ações de cada herói, nos Annales de Ênio, não aparece no centro do poema<br />
um protagonista como Aquiles ou Ulisses, em Homero, ou como os da épica histórica helenística, mas todo o<br />
povo romano, com a seu ethos e a sua civilização. O famoso verso “moribus antiquis res stat Romana<br />
uirisque” [“Ergue-se o Estado romano com os seus costumes antigos e os seus varões”] (156) expressa bem a<br />
solidez da civilização romana, assente na exemplaridade dos seus costumes e dos seus cidadãos ilustres.<br />
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