Iracema - Repositório Institucional UFC
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1.14 Dido e Enéias<br />
A rainha Dido é a personagem mais trágica da Eneida.<br />
Na sua pátria fenícia, a rainha cartaginesa tinha deixado um mundo de violência e<br />
luto (um irmão usurpador, um esposo caríssimo assassinado) e, desterrada, na África,<br />
encontrara uma nova terra para o seu povo. A cidade então fundada parecia destinada a um<br />
futuro melhor, até que a chegada de um fugitivo de uma cidade destruída vem novamente<br />
perturbar a vida de Dido. A rainha acolhe-o generosamente e, a seu lado, assume o papel de<br />
mulher que sacrifica à força esmagadora do amor os seus deveres de realeza e a fidelidade<br />
prometida à memória de Siqueu, seu marido. “As torres começadas não mais se elevam; a<br />
juventude não mais se exercita nas armas; o porto e as muralhas de defesa militar<br />
estacionam; os trabalhos interrompidos estão suspensos: muros que se alteavam<br />
ameaçadores, máquinas que se elevavam até o céu.” 159 .<br />
Mas o Destino não favorece este amor. Enéias não podia permanecer na África.<br />
Tinha de partir para, no Lácio, erguer os fundamentos de uma cidade que se havia de impor<br />
ao mundo, inclusivamente à custa de um feroz conflito com a própria Cartago (guerras<br />
púnicas: de 264-146 a.C.), “ele deveria, a crer no destino, reinar sobre a Itália, cheia de<br />
poderosos reinos e fremente de guerras; perpetuar a raça nascida do nobre sangue de<br />
Teucro, submeter todo o universo a suas leis.” 160<br />
Dido ocupa, assim, o lugar de uma personagem feminina bastante familiar na<br />
literatura greco-romana (desde Eurípides até à poesia helenística e neotérica): a mulher que,<br />
como Medéia e Ariadne, tudo sacrifica generosamente pelo homem que ama e acaba por<br />
ser traída e abandonada a um trágico destino.<br />
159 Aen., IV, 94-97<br />
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