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Iracema - Repositório Institucional UFC

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Mas uma guerra entre aqueles que seriam membros de um único povo não podia<br />

terminar com o triunfo dos vencedores e a submissão dos vencidos. Era necessária a<br />

conciliação dos contrários e a integração dos vencidos. Na Eneida, os valores do mos<br />

maiorum (a simplicidade, a pobreza, a capacidade de sofrimento, a rudeza dos soldados-<br />

camponeses) passam a ser pertença dos vencedores, numa aculturação exemplar. O<br />

desfecho da ação passa por uma solene cena divina em que (como na ode romana III de<br />

Horácio: “Odi profanum uulgus et arceo” 135 ) Juno aceita reconciliar-se com o Destino (que<br />

preconizava renovar a glória de Tróia na sua herdeira itálica), não sem antes exigir que a<br />

sede principal da nova civilização seja sempre a Itália: “não permitas que os indígenas<br />

Latinos mudem o seu antigo nome, que se tornem Troianos, ou que passem a chamar-se<br />

Teucros, ou mudem a sua língua ou forma de vestir. Que o Lácio, os reis albanos e a<br />

descendência romana sejam poderosos, graças ao valor itálico. Tróia caiu. Deixa que o seu<br />

nome também caia!” (XII, 823 ss). Assim, curiosamente, Enéias e os Troianos são apenas<br />

vencedores militares. Contrariamente ao que geralmente ocorre nas guerras, são os<br />

vencidos que impõem a sua civilização, a sua língua e cultura, os seus costumes. É um<br />

exemplo de subversão dos códigos do domínio colonial ante litteram.<br />

Esta imposição cultural dos vencidos já se nota no campo de Turno, fechado a tudo<br />

o que fosse diferente dos tais valores da austeridade que viriam a constituir apanágio do<br />

mos maiorum dos Romanos. Em IX, 598 ss, Numano Rêmulo desafia os Troianos no seu<br />

acampamento, pondo a ridículo a brandura oriental e o seu luxo.<br />

135 Ao abrir o ciclo das odes romanas, o poeta apresenta-se como sacerdote das Musas, celebrando um rito, em<br />

tom solene, de feição religiosa, e afugentando os profanos desse rito. Dedicadas à celebração das mais altas<br />

virtudes morais e cívicas, estas odes contêm trechos de poesia sublime. Em III, 3, após a apresentação do<br />

homem justo que estoicamente desafia todos os obstáculos, segue-se um longo e pesado discurso de Juno, a<br />

grande inimiga dos Troianos, que intima os Romanos a não fazerem renascer Tróia (símbolo da deslocação do<br />

equilíbrio romano para Oriente). A ode III.4 celebra com enternecedora elevação literária a vocação do poeta,<br />

chamando a atenção para a magna função da poesia como superior conselheira das ações humanas. No<br />

entanto, grande parte da ode consiste em evocar uma grandiosa gesta à qual faltou consilium, ou seja, a mítica<br />

guerra dos Titãs contra os deuses olímpicos – uma espécie de divina guerra civil dos primórdios. A ode III,5<br />

representa uma indignada denúncia da vilania dos soldados romanos derrotados pelos Partos em Carras, em<br />

53 a. C. (uma vergonha que Augusto irá reparar no ano 20 a. C., através da ação diplomática). Contrapõe-se a<br />

essa vilania o vasto quadro, solene e austero, do exemplar heroísmo de Atílio Régulo, que decidiu enfrentar a<br />

morte e a tortura pelo bem da pátria.<br />

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