Iracema - Repositório Institucional UFC
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época augustana, a sua escrita inscreve-se nos parâmetros canônicos da simetria, da harmonia e do equilíbrio. José Martiniano de Alencar José Martiniano de Alencar nasceu no dia primeiro de Maio de 1829, na localidade de Messejana, no Ceará. É o fruto de uma união ilícita e particular do pai, o padre José Martiniano de Alencar, então deputado pela província do Ceará, com a prima Ana Josefina de Alencar . O pai, que se destacara na revolução de 1817, era filho da heroína pernambucana Bárbara Alencar. Senador do império, governador do Ceará, o conselheiro José Martiniano de Alencar realizou uma bela carreira política que certamente terminaria por influir na vocação do filho, à hora em que este, já vitorioso nas letras, se voltou para o Ministério e o Parlamento, decidido também a abrir caminho para o seu talento nessa nova direção da vida pública. Nos anos de criança e adolescente, Alencar é tratado dentro da família pelo apelido de Cazuza. Mais tarde, adulto, ficará conhecido nacionalmente como José de Alencar, um dos maiores escritores românticos do Brasil e, quiçá, da língua portuguesa. De sua infância, o pouco que se conhece foi contado em parte pelo próprio romancista, nas ocasiões em que a pena do escritor cedeu ao gosto da reminiscência. Por ele se sabe que, aos nove anos de idade, quando viajou do Ceará para a Bahia, a caminho do Rio de Janeiro, recolheu no trajeto por terra as impressões mais profundas que terminariam por tomar feição literária na sua obra de romancista. As impressões do menino perdurariam na sensibilidade do adulto, que afinal lhes daria a forma adequada nas dimensões da obra de arte. Ele próprio, numa rota ao primeiro capítulo de um de seus últimos romances, O Sertanejo, confirmará a importância do fato, ao aludir aos sertões da terra natal: "Refere-se à viagem que fez o Autor do Ceará à Bahia por terra nos anos de 1838 e 1839. A essa jornada cheia de acidentes e feita aos nove anos, deve o autor as mais vigorosas impressões da natureza americana, e das quais se acham os traços em muitos de seus livros, especialmente O Guarani e Iracema, e agora em O Sertanejo." 166
Transferido para o Rio de Janeiro, matriculou-se José de Alencar no Colégio de Instrução Elementar, dirigido por Januário Mateus Ferreira e situado na Rua do Lavradio no. 17. Dessa fase dirá o escritor, em Como e porque sou Romancista: "Quando me recolho da labutação diária com o espírito mais desprendido das preocupações do presente, e sucede-me ao passar pela Rua do Lavradio pôr olhos na tabuleta do colégio que ainda está lá na sacada do no. 17, mas com diversa designação, transporto-me insensivelmente àquele tempo, em que de fraque e boné, com os livros sobraçados, eu esperava ali na calçada fronteira o toque da sineta que anunciava a abertura das aulas" 633 . Desde cedo, Alencar distinguiu-se como o primeiro da classe. Já por esse tempo, o gosto da aplicação no estudo, que o acompanharia por toda a vida, lhe deu o destaque necessário para que se individualizasse a sua presença. Como na origem de toda a vocação há um exemplo, não haverá exagero em reconhecer que, na origem da vocação literária de José de Alencar, o leitor antecedeu ao escritor. Com o Professor Januário Mateus Ferreira, ele aprimorou o dom da leitura em voz alta, obedecendo às inflexões e entoações adequadas. Graças a isso, coube-lhe "o honroso cargo de ledor" nos serões da sua família. Conta-nos o romancista, a esse propósito: "Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a contragosto de um sono começado ou de um folguedo querido; já naquela idade a reputação é um fardo bem pesado. Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual se desfazia em recriminações contra algum mau personagem ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido" 634 . Na leitura dos romances, feita em voz alta nesses serões, José de Alencar há de ter experimentado a sensação objetiva da reação do público à criação romanesca. Os heróis literários tinham existência real com os seres vivos. Daí a inclinação que nele madrugou de querer criá-los, ponto de partida para a vocação do romancista, que despontaria logo a seguir. Em 1842, ainda no começo da adolescência, essa inclinação matinal levá-lo-ia ao esboço do primeiro romance, que se passava no sertão pernambucano, tendo como personagem central é um de seus amigos, Joaquim Sombra. 633 Como e porque sou romancista/José de Alencar, adaptação ortográfica de Carlos de Aquino Pereira, Campinas, SP: Pontes, 1990. 634 Ibid. 167
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Transferido para o Rio de Janeiro, matriculou-se José de Alencar no Colégio de<br />
Instrução Elementar, dirigido por Januário Mateus Ferreira e situado na Rua do Lavradio<br />
no. 17. Dessa fase dirá o escritor, em Como e porque sou Romancista: "Quando me recolho<br />
da labutação diária com o espírito mais desprendido das preocupações do presente, e<br />
sucede-me ao passar pela Rua do Lavradio pôr olhos na tabuleta do colégio que ainda está<br />
lá na sacada do no. 17, mas com diversa designação, transporto-me insensivelmente àquele<br />
tempo, em que de fraque e boné, com os livros sobraçados, eu esperava ali na calçada<br />
fronteira o toque da sineta que anunciava a abertura das aulas" 633 .<br />
Desde cedo, Alencar distinguiu-se como o primeiro da classe. Já por esse tempo, o<br />
gosto da aplicação no estudo, que o acompanharia por toda a vida, lhe deu o destaque<br />
necessário para que se individualizasse a sua presença. Como na origem de toda a vocação<br />
há um exemplo, não haverá exagero em reconhecer que, na origem da vocação literária de<br />
José de Alencar, o leitor antecedeu ao escritor.<br />
Com o Professor Januário Mateus Ferreira, ele aprimorou o dom da leitura em voz<br />
alta, obedecendo às inflexões e entoações adequadas. Graças a isso, coube-lhe "o honroso<br />
cargo de ledor" nos serões da sua família. Conta-nos o romancista, a esse propósito:<br />
"Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a contragosto de um sono começado<br />
ou de um folguedo querido; já naquela idade a reputação é um fardo bem pesado. Lia-se até<br />
a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição.<br />
Compensavam esse excesso as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual se<br />
desfazia em recriminações contra algum mau personagem ou acompanhava de seus votos e<br />
simpatias o herói perseguido" 634 . Na leitura dos romances, feita em voz alta nesses serões,<br />
José de Alencar há de ter experimentado a sensação objetiva da reação do público à criação<br />
romanesca. Os heróis literários tinham existência real com os seres vivos. Daí a inclinação<br />
que nele madrugou de querer criá-los, ponto de partida para a vocação do romancista, que<br />
despontaria logo a seguir.<br />
Em 1842, ainda no começo da adolescência, essa inclinação matinal levá-lo-ia ao<br />
esboço do primeiro romance, que se passava no sertão pernambucano, tendo como<br />
personagem central é um de seus amigos, Joaquim Sombra.<br />
633 Como e porque sou romancista/José de Alencar, adaptação ortográfica de Carlos de Aquino<br />
Pereira, Campinas, SP: Pontes, 1990.<br />
634 Ibid.<br />
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