Iracema - Repositório Institucional UFC
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Sabemos que o principal representante da temática indianista brasileira foi José de<br />
Alencar, o qual, além de publicar três romances e deixar um poema épico inacabado,<br />
discutiu e analisou o assunto em cartas públicas e ensaios. Alencar, no contexto romântico,<br />
viu no relacionamento entre o Índio e o Português a gênese do brasileiro, excluindo o negro<br />
de tal processo. É bem verdade que o autor cearense não se esquece do negro (em suas<br />
primeiras peças de teatro, por exemplo, o negro e sua condição de escravo servem-lhe<br />
inclusive para compor a realidade brasileira, a cor local); mas, ao defender uma política<br />
conservadora de determinados privilégios, não o toma nem como herói, nem como<br />
expressão do nacional.<br />
Virgilio, por sua vez, sintetizou na Eneida a origem lendária de Roma e cantou a<br />
glória do seu povo. Nesse poema, o herói, mais que elemento diferenciador, foi tomado<br />
como um mito fundacional da gênese e nobreza de uma raça ainda por vir. É da união de<br />
dois povos estrangeiros, latinos e troianos, que nasce a ínclita Roma. Nos Campos Elísios,<br />
Anquises mostra ao filho o elenco dos futuros heróis romanos, desde Sílvio, filho da<br />
velhice de Enéias, até Marcelo, sobrinho do Imperador Augusto: “Vamos! Vou descrever-te<br />
qual a glória que há-de seguir/ a Dadânia geração, quais os netos que virão da ítala gente,/<br />
almas ilustres, futuros herdeiros do nosso nome,/ e os teus própris destinos vou ensinar-te.<br />
[...] Que mocidade! Quanta força ostentam, repara,/ e como o carvalho da coroa cívica lhes<br />
ensombra as têmporas! [...] E ainda aquele que irá juntar-se como companheiro ao avô,/<br />
Rômulo, filho de Marte, a quem dará à luz a mãe Ília,/ do sangues de Assáraco. Vês como<br />
na cabeça se erguem as duas plumas,/ e o próprio pai dos deuses o assinala já com o seu<br />
emblema?” 620 .<br />
Deste modo, no desfile dos heróis romanos, a cadeia ininterrupta que deriva da<br />
geração de Enéias e Lavínia converge para “Augusto César, filho de um deus” 621 , o<br />
instaurador de uma nova idade de ouro, no novo Lácio 622 . Interpretação messiânica da<br />
instauração do principado, esta apologia do novo regime não é destituída de intenções<br />
políticas: ao mesmo tempo que visa repor a esperança no futuro de Roma, a partir do seu<br />
novo pastot, o mito hesiódico da idade do ouro religa Augusto à legitimidade das origens e<br />
do mos maiorum. O restabelecimento da paz civil, após os traumáticos confrontos dos<br />
620 A Eneida, c. VI, 756-759; 771-772; 777-779.<br />
621 “Augustus Caesar, diui genus” - Id., VI, 792.<br />
622 “aurea condet /saecula qui rursus Latio regnata” – Id., VI, 792-793.<br />
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