Iracema - Repositório Institucional UFC

dos reinos vegetal e animal: a ele compete conduzir, sem atraiçoar nem dominar, o universo
natural, com a consciência de pertença e integração. O cenário de prados floridos, com
animais a pastar, a variedade de plantas nativa polvilhando a paisagem rural, o quadro
pictórico de flores e ervas odoríferas inserem o leitor mais saturado da vida social e política
num ambiente idílico e fantástico. A idealização deste cenário, feita de recortes colhidos na
diversidade das paisagens itálicas, desde o Pó à Sicília e à mítica Arcádia grega, combina o
contraste entre a planície e a montanha; o rio, com os seus canaviais; e o mar, com as suas
penedias. Os pastores, nostálgicos, melancólicos e apaixonados, cantam, tocam flauta,
entram em competições poéticas, mas também se inserem num clima popular de trabalhos
agrícolas, festas e divindades rústicas.
Nas Geórgicas, Virgílio reparte pelo mundo da agricultura, da silvicultura, da
pecuária e da apicultura a atenção épico-didática que merece ao homem o mundo do
trabalho, sem descurar o merecido otium, ou repouso. A própria Itália é hiperbolicamente
convertida num jardim edênico, superior à Média, ao Ganges, ao Hermo, à Báctria e à
Pancaia 603 , um locus amoenus de eterna Primavera, numa fertilidade de duas culturas
anuais 604 .
Os sinais do locus amoenus abundam na descrição dos Campos Elísios, na Eneida:
“lugares alegres”, “amena verdura”, “mansão bem-aventurada dos bosques afortunados” 605 .
O “ar mais generoso” e a “luz purpúrea”, oriundos de um Sol e estrelas específicos 606 ,
demarcam a diferença qualitativa em relação ao mundo terrestre. O “bosque, perfumado de
loureiros, de onde brota para o alto, / em toda a sua força, o rio Erídano, através da
floresta” 607 , os “densos bosques, / as arribas das margens e os prados pelos regatos
refrescados” 608 assinalam os “campos luminosos” 609 da morada dos justos, heróis guerreiros,
artistas e cientistas virtuosos 610 .
603 Cf. II, 134-139.
604 “ Aqui a Primavera é eterna e o Verão estende-se aos outros meses: o gado dá crias e as árvores dão frutos
duas vezes por ano ( II, 149-150).
605 “locos laetos” (lugares alegres), “amoena uirecta” (amena verdura), “fortunatorum nemorum sedesque
beatas” (mansão bem-aventurada dos bosques afortunados) - Aen.VI, 638.639.
606 “Aí um ar mais generoso reveste os campos de uma luz / purpúrea, têm o seu Sol, as suas estrelas) (Aen.
VI, 640-64)1.
607 “num bosque perfumado de loureiros, de onde brota para o alto, / em toda a sua força, o rio Erídano,
através da floresta (VI, 658-659).
608 “lucis habitamus opacis, / riparumque toros et prata recentia riuis / incolimus” (VI, 673-675).
609 “habitamos em densos bosques, / as arribas das margens e os prados pelos regatos refrescados; / é onde
moramos (Aen., VI, 673-675).
610 Cf. VI, 660-664.
141