Iracema - Repositório Institucional UFC
Iracema - Repositório Institucional UFC
Iracema - Repositório Institucional UFC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
3.15 A história e a ficção<br />
Ambas as narrativas se inspiram na recolha da tradição oral e popular, a qual<br />
concilia o fundo histórico com o mito fundacional.<br />
No capítulo I, já expusemos a trajetória literária do mito romano das origens<br />
troianas. Névio, Fábio Pictor, Ênio e Catão recolhem este mito da tradição popular, mas,<br />
desde o século V, ele já circulava em vários autores gregos, como se disse.<br />
Virgílio explora poeticamente tal filão mitológico, estabelecendo um contraste entre<br />
a narrativa da viagem até Itália, passando por Cartago (primeira héxade), e a narrativa<br />
bélica (segunda héxade). No final da primeira héxade, introduz a catábasis ao Hades, onde<br />
ocorre a prolepse ou a revelação profética sobre a glória romana dos descendentes de<br />
Enéias. Na primeira héxade, a relação amorosa entre Dido e Enéias, já esboçada em Névio,<br />
ocupa particular destaque. Assim, a rivalidade entre Cartagineses e Romanos proviria da<br />
própria profecia da rainha fenícia 580 .<br />
Alencar, fiel à fonte oral e popular que está na base da sua narrativa, de acordo com<br />
os padrões literários do Romantismo, expressa, com os motivos caros a tal escola, como o<br />
cenário noturno e lunar, que <strong>Iracema</strong> resulta de “uma história que me contaram nas lindas<br />
várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos,<br />
e a brisa rugitava nos palmares” 581 . O capítulo XXXII termina com a identificação do rio<br />
(potamônimo) onde se situava a cabana de Martim e <strong>Iracema</strong> com o topônimo Ceará: “Foi<br />
assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio…” 582 . A relação entre história e ficção surge<br />
decodificada no último capítulo, na alusão a “Albuquerque, o grande chefe dos guerreiros<br />
brancos” e à sua expedição para “as margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá e<br />
expulsar o branco tapuia” 583 .<br />
580 Cf. Aen., IV, 624-629.<br />
581 <strong>Iracema</strong>, cap. I, p. 12.<br />
582 Ir., XXXII, p. 86.<br />
583 Ib., cap. XXXIII, p. 87.<br />
136