Iracema - Repositório Institucional UFC
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nação” 511 . A comparação dos tabajaras ao gavião elucida a consciência cultural desta glória<br />
guerreira 512 . O tom bélico da sua postura, patente no registo sonoro, numa espécie de eco<br />
onomatopaico (“troa e retroa”) da pocema ou alarido coletivo, marca expressivamente a<br />
gesta épica dos heróis 513 .<br />
Na noite dos sonhos dos guerreiros, no bosque sagrado, depois da referência aos<br />
“mancebos, que ainda não ganharam nome de guerra por algum feito brilhante” 514 , o<br />
arquétipo do herói e da sua glória anima o envolvimento onírico em futuras batalhas,<br />
produzido pelo “vinho da jurema” 515 .<br />
Após o regresso de Martim, Poti é glorificado como um herói cuja “fama cresceu e<br />
ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele primeiro viu a luz” 516 . A gesta dos guerreiros<br />
brancos continuaria com a vinda de Albuquerque, nas “margens do Mearim”, castigando,<br />
com Martim e Camarão, “o feroz tupinambá” e expulsando “o branco tapuia” 517 .<br />
No entanto, os gestos de paz também são simbolizados no rito de deixar tombar e<br />
calcar no chão a arma do chefe, em nome da prudência e em contraste com o ímpeto<br />
colérico deste 518 . A guerra desperta o rejuvenescimento primaveril no corpo decrépito do<br />
guerreiro, mas quem não sabe recuar estrategicamente, abrindo caminhos de paz, também<br />
não é digno de celebrar o canto, o membi da vitória. A obstinação na cólera impede, porém,<br />
tal discernimento sensato e as acusações a quem o vislumbra chovem como uma<br />
511 Ib., cap. III, p. 18.<br />
512 “- O gavião paira nos ares. Quando o nambu levanta, ele cai das nuvens e rasga as entranhas da vítima. O<br />
guerreiro tabajara, filho da serra, é como o gavião” (Ib., cap. V, p. 21).<br />
513 “Troa e retroa a pocema da guerra.<br />
O jovem guerreiro erguera o tacape; e por sua vez o brandiu. Girando no ar, rápida e ameaçadora, a arma<br />
do chefe passou de mão em mão” (Ib. p.22).<br />
514 Ib., cap. XVI, p. 47.<br />
515 “O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates, de que sai vencedor, cheio de glória e fama” (Ib., p.<br />
48).<br />
516 Ib., cap. XXXIII, p. 87.<br />
121<br />
517 Ib.<br />
518 “O velho Andira, irmão do Pajé, a deixou tombar, e calcou no chão, com o pé ágil ainda e firme.<br />
Pasma o povo tabajara da ação desusada. Voto de paz em tão provado e impetuoso guerreiro! É o velho<br />
herói, que cresceu na sanha, crescendo nos anos, é o feroz Andira quem derrubou o tacape, núncio da próxima<br />
luta?<br />
Incertos todos e mudos escutam:<br />
- Andira, o velho Andira, bebeu mais sangue na guerra do que já beberam cauim nas festas de Tupã, todos<br />
quantos guerreiros alumia agora a luz de seus olhos. Ele viu mais combates em sua vida, do que luas lhe<br />
despiram a fronte. Quanto crânio de potiguara escalpelou sua mão implacável, antes que o tempo lhe<br />
arrancasse o primeiro cabelo? E o velho Andira nunca temeu que o inimigo pisasse a terra de seus pais; mas<br />
alegrava-se quando ele vinha, e sentia como o faro da guerra a juventude renascer no corpo decrépito, como a<br />
árvore seca renasce com o sopro do Inverno. A nação tabajara é prudente. Ela deve encostar o tacape da luta<br />
para tanger o membi da festa. Celebra, Irapuã, a vinda dos emboabas e deixa que cheguem todos aos nossos<br />
campos. Então Andira te promete o banquete da vitória” (Ib. p.22).