Iracema - Repositório Institucional UFC
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O romance fundacional de Alencar, escrito quase nos primórdios do ato da<br />
independência do novo país da América do Sul, também colige “uma história que me<br />
contaram nas lindas várzeas onde nasci” 419 , a história do nascimento do povo cearense,<br />
simbólica do povo brasileiro. Trata-se, de fato, da coleção de uma tradição popular ligada a<br />
um ato fundacional. Trata-se, também, da evocação nostálgica de uma espécie de “idade de<br />
ouro”, tão querida do movimento romântico, no momento não da restauração de uma nova<br />
ordem social e política, como na Roma de Virgílio, mas no momento da própria<br />
necessidade de consolidação do ato da independência nacional. Na simplicidade quase<br />
bucólica do cenário cearense dos tabajaras e pitiguaras perpassa, efetivamente, todo o clima<br />
mítico da evocação nostálgica de uma primigênia idade de ouro, como no poema virgiliano,<br />
carregada agora da atmosfera noturna do ambiente romântico: “à calada da noite, quando a<br />
lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares” 420 .<br />
No entanto, <strong>Iracema</strong> não é geralmente considerado como uma obra épica, ao<br />
contrário de O Guarani e Ubirajara.<br />
Vejamos, então, na comparação entre <strong>Iracema</strong> e a Eneida, qual o pendor épico desta<br />
obra de Alencar.<br />
3.3 O objetivo épico<br />
O sintagma arma uirumque cano 421 , expresso na proposição da Eneida, marca, como<br />
uma espécie de selo branco a autenticar um documento oficial, o objetivo épico da obra-<br />
prima virgiliana. Tal como Homero e Apolônio de Rodes, tal como Névio e Ênio, o vate da<br />
época augustana ergue a sua voz sublime para glorificar a gesta do protótipo do ciuis<br />
romanus. Palavra primordial como a voz demiúrgica de um deus, o canto épico cria uma<br />
nova ordem, um novo espaço territorial, pronto a habitar, para um novo povo. O varão<br />
estrangeiro, trazendo as cinzas dos manes, da sua Tróia destruída, atravessa os mares, com<br />
Índios / dilatará o império” (Aen., VI, 789-795).<br />
419 <strong>Iracema</strong>, cap. I, p. 12.<br />
420 Ib.<br />
421 Aen., I, 1.<br />
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