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Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense

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<strong>Linhas</strong> <strong>Gerais</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>História</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Conimbricense</strong>. Das suas<br />

Carlos Jaca<br />

origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772.<br />

5ª Parte<br />

Da decadência <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra até ao consulado pombalino.<br />

A morte quase imprevista do Príncipe D. João, único herdeiro do Rei, em 1554, causou-lhe<br />

tal desolação que pouco veio a <strong>sobre</strong>viver a este golpe, começando, desde logo, a reflectir-<br />

se na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

Três anos depois, a 11 de Junho de 1557, falecia<br />

D. João III, numa altura em que a Instituição, a<br />

que tanto se dedicara e protegera, mais<br />

precisava do seu apoio contra as forças que se<br />

iam preparando no sentido de atingir os seus<br />

objectivos, alguns já anteriormente conseguidos,<br />

levando a “Alma Mater” conimbricense ao início<br />

de uma época de decadência que se prolongaria<br />

até à reforma pombalina.<br />

Porém, deve dizer-se que o enfraquecimento<br />

universitário também não pode deixar de ter a<br />

ver com a desestabilização do equilíbrio<br />

orçamental do País, agravado a partir dos<br />

meados do século XVI, declínio do Império<br />

Português, e que teve o seu trágico desfecho na<br />

crise dinástica de 1580. A Universi<strong>da</strong>de iria<br />

entrar, definitivamente, em período de<br />

decadência. Todo o seu regime vai ser alterado<br />

em constantes e confusas reformas de estatutos e em privilégios à Companhia de Jesus<br />

que, assim, lhe vai cerceando as suas imuni<strong>da</strong>des.<br />

1


Conflitos entre a Universi<strong>da</strong>de e os Jesuítas.<br />

Para esta situação muito contribuiu o desentendimento entre a Corte e a Universi<strong>da</strong>de, que<br />

se reflectiu logo nos primeiros diplomas régios enviados ao Reitor e Conselho após a morte<br />

de D. João III.<br />

O Cardeal D. Henrique, pelo menos aparentemente, ain<strong>da</strong> mostrou algum interesse pela<br />

Universi<strong>da</strong>de, embora tivesse criado uma escola rival, a Universi<strong>da</strong>de de Évora, que<br />

confiou à Companhia de Jesus. Porém, a Rainha D. Catarina, e <strong>sobre</strong>tudo D. Sebastião,<br />

manifestaram algum desapego pela instituição conimbricense. Como exemplo refira-se,<br />

apenas, o facto de que nenhum deles prestou o juramento de “Protector”, de acordo com<br />

os Estatutos. Este procedimento dos governantes pode filiar-se na resistência que a<br />

Academia opôs aos grandes favores concedidos à Companhia, lesando interesses e não<br />

respeitando as prerrogativas universitárias.<br />

A questão <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s do Colégio <strong>da</strong>s Artes. – A entrega do Colégio <strong>da</strong>s Artes à<br />

Companhia de Jesus, ordena<strong>da</strong> em carta de 10 de Setembro de 1555, teve uma influência<br />

altamente prejudicial <strong>sobre</strong> o regime interno e económico <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, despoletando<br />

um conflito que se arrastou durante largos anos.<br />

As situações desagradáveis, e algumas bem graves, passa<strong>da</strong>s no Colégio, ain<strong>da</strong> estavam<br />

bem frescas na memória <strong>da</strong>s pessoas, a rivali<strong>da</strong>de entre “bor<strong>da</strong>leses” e parisienses”, as<br />

prisões que se fizeram, os processos <strong>da</strong> Inquisição, as culpas assumi<strong>da</strong>s e, até, a<br />

presença de Diogo de Teive, novamente, no Colégio, poderiam ter pesado como razões<br />

que legitimassem a apetência <strong>da</strong> Instituição pelos jesuítas. Só que… as razões alega<strong>da</strong>s<br />

foram de outra natureza.<br />

A economia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de baseava-se em determina<strong>da</strong>s terras e benefícios eclesiásticos<br />

que, por iniciativa do Rei ou por outras formas, lhe foram outorga<strong>da</strong>s pelo Papa. Porém, os<br />

ordenados dos mestres do Colégio saíam <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> real, isto é, do Estado.<br />

Ora, os padres jesuítas, (também conhecidos por “Apóstolos”, devido ao facto de nos<br />

primeiros tempos de Coimbra terem habitado em casas humildes numa rua denomina<strong>da</strong><br />

Couraça dos Apóstolos) durante a sua campanha para tomarem posse do Colégio, tinham<br />

chamado a atenção para a economia que representaria para o erário régio passarem as<br />

despesas <strong>da</strong> Instituição a correr por conta deles.<br />

Assim, D. João III, forçado a economias na administração pública, deve ter ficado ciente de<br />

que cessava essa despesa, entregando o Colégio aos jesuítas e, se assim fosse, tratava-<br />

Carlos Jaca<br />

2


se de um acto de boa gestão financeira, tanto mais que o tesouro régio estava<br />

<strong>sobre</strong>carregado com a manutenção dos professores estrangeiros que leccionavam no<br />

Colégio <strong>da</strong>s Artes. Certamente, não seria que os “Apóstolos” se disponibilizassem a<br />

ensinar gratuitamente, pois os recursos para sustentar o Colégio, de que passariam a<br />

tomar conta, entendiam os padres obtê-los <strong>da</strong>s próprias ren<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

Como refere o Padre Francisco Rodrigues, S. J. na sua “<strong>História</strong> <strong>da</strong> Companhia de Jesus<br />

na Assistência em Portugal”, «os religiosos <strong>da</strong> Companhia de Jesus haviam aceitado o<br />

pesadíssimo fardo do colégio sem assinarem<br />

contrato nenhum de dotação, confiados na<br />

palavra de D. João III que prometia dotar o<br />

colégio com ren<strong>da</strong>s bastantes a sustentar os<br />

Lentes e mais oficiais, e essas ren<strong>da</strong>s as tomaria<br />

<strong>da</strong>s que tinham sido aplica<strong>da</strong>s à Universi<strong>da</strong>de».<br />

O Monarca ter-se-á convencido, de facto, que a<br />

obrigação de pagar o funcionamento <strong>da</strong><br />

Instituição bem poderia ser por conta <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de, porém, se D. João III chegou a<br />

planear o contributo <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s universitárias, o<br />

certo é que veio a falecer sem o ter decidido.<br />

Tar<strong>da</strong>ndo o acordo entre a Universi<strong>da</strong>de e a<br />

Companhia, a Rainha D. Catarina, Regente, em<br />

nome de D. Sebastião, enviou cartas, em Outubro<br />

de 1557, à Universi<strong>da</strong>de e ao Reitor, determinando que se separassem <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong><br />

universitária «os bens que já possuía antes <strong>da</strong> transferência para Coimbra, e ain<strong>da</strong> a quinta<br />

e ren<strong>da</strong> de Treixede, a quinta de Pombal, e as ren<strong>da</strong>s do Alvorge e Poiares – cujos<br />

rendimentos a Rainha avaliava em cerca de 1.400 réis anuais, mas que a Universi<strong>da</strong>de<br />

dizia atingirem 2.200 réis – haveres que seriam aplicados ao Colégio <strong>da</strong>s Artes, ficando a<br />

sua livre e completa administração à Companhia de Jesus».<br />

Embora respeitosamente, mas decidi<strong>da</strong>, a Universi<strong>da</strong>de considerou gravíssima a<br />

diminuição <strong>da</strong>s suas ren<strong>da</strong>s, pelo que apenas estava disposta a concorrer para aquele fim<br />

com 600.000 réis anuais e com a condição do Colégio ficar sujeito à sua jurisdição.<br />

Obviamente que a Companhia recusou.<br />

Poderá parecer estranho o facto de o poder real não anular, de imediato a tentativa de<br />

resistência à sua vontade, só que o direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de tinha boas bases de<br />

Carlos Jaca<br />

3


sustentação, na<strong>da</strong> menos que um princípio essencial do Direito canónico, que impedia a<br />

alienação de bens eclesiásticos e a aplicação dos respectivos frutos a outros fins que não<br />

fossem os expressamente declarados na bula apostólica.<br />

Ora, a Universi<strong>da</strong>de não podia alienar ou desviar bens outorgados pelo Papa a favor de<br />

uma instituição que não aceitava a sua jurisdição. Portanto, ou os jesuítas se sujeitavam à<br />

jurisdição universitária, o que em nenhum caso aceitariam, ou na<strong>da</strong> lhes poderia ser<br />

concedido à “sombra” <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s académicas visto que, como se disse, formalmente o<br />

impediam os diplomas papais.<br />

Havia, no entanto, uma única hipótese de ultrapassar o problema, conseguirem do Papa a<br />

autorização indispensável, o que era difícil de obter, mas acabaram por levar a “água ao<br />

seu moinho”.<br />

Nos finais de Abril de 1561, Pio IV autorizou o pagamento anual de 3.500 cruzados e,<br />

ain<strong>da</strong>, um suplemento de 500 cruzados, bem como a conceder ao Monarca a facul<strong>da</strong>de de<br />

desmembrar <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de bens que rendessem essas somas.<br />

Ain<strong>da</strong> que o Pontífice outorgasse mais do que aquilo que esperavam, os jesuítas<br />

recusaram a dádiva por via de incluir a cláusula do Colégio ficar sob protecção do<br />

Soberano, e a Companhia recear que, mais tarde ou mais cedo este man<strong>da</strong>sse visitar a<br />

Instituição, interferência do poder real a que, de modo nenhum, queriam sujeitar-se.<br />

As ordens do Rei ficaram bloquea<strong>da</strong>s perante este obstáculo e, só em 1570, D. Sebastião<br />

logrou obter um breve autorizando, não para se desmembrar o património, mas para que a<br />

administração <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> fosse confia<strong>da</strong> ao Rei e à Mesa <strong>da</strong> Consciência.<br />

A partir deste momento, a Universi<strong>da</strong>de teria de recuar, mas como ain<strong>da</strong> tivesse oferecido<br />

alguma resistência, D. Sebastião privou-a, em 1571, <strong>da</strong> administração <strong>da</strong>s suas ren<strong>da</strong>s.<br />

Porém, interessa<strong>da</strong> em reavê-la teve de submeter-se, prometendo aceitar o pagamento ao<br />

Colégio, o que aconteceu em Almeirim, a 16 de Fevereiro de 1572, onde então residia o<br />

Rei, assinando um acordo pelo qual a Universi<strong>da</strong>de garantia ao Colégio 3.000 cruzados,<br />

sem exigir a sua subordinação ao Reitor e pedindo a derrogação (revogação, anulação) <strong>da</strong><br />

bula que lhe destinava as ren<strong>da</strong>s às despesas dos Lentes <strong>da</strong> “Alma Mater “ conimbricense.<br />

Apesar de tudo a Universi<strong>da</strong>de foi resistente, pois não só conseguiu ver diminuir a<br />

contribuição que primeiro lhe fixaram, como evitou a desmembração do seu património,<br />

porquanto, entregava ao Colégio o rendimento, mas não a proprie<strong>da</strong>de ou o senhorio.<br />

Carlos Jaca<br />

4


Graus académicos concedidos pelo poder real! – Um outro conflito, não menos grave,<br />

entre a Companhia de Jesus, apoia<strong>da</strong> pelo poder régio, foi motivado pela concessão dos<br />

graus académicos.<br />

Como se sabe, só a Universi<strong>da</strong>de tinha poderes para conceder os graus de bacharel,<br />

licenciado ou doutor, precedendo provas públicas avalia<strong>da</strong>s pela própria Instituição e,<br />

mediante, uma propina. Na cerimónia solene de investidura, o novo graduado devia jurar<br />

obediência ao Reitor como seu superior em todos os assuntos que diziam respeito à<br />

Universi<strong>da</strong>de.<br />

Ora, os jesuítas, destinados por vocação a ensinar, aspiravam aos graus universitários<br />

recebendo-os aqueles cuja capaci<strong>da</strong>de lhes permitia alcançar aquela distinção. Porém, os<br />

“filhos de Santo Inácio” não estavam dispostos a cumprir as condições exigi<strong>da</strong>s, para tal.<br />

Além de exigirem a isenção de propinas, privilégio sem precedentes, recusavam-se a<br />

prestar o juramento, por norma, obrigatória na cerimónia <strong>da</strong> investidura, o que levantava<br />

uma questão igualmente inédita nos anais <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, «frequenta<strong>da</strong> por<br />

numerosíssimos religiosos que nunca tinham alegado a incompatibili<strong>da</strong>de entre o voto de<br />

obediência ao respectivo superior e o juramento de obediência ao reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de».<br />

Como a questão se arrastasse e as Constituições <strong>da</strong> Companhia não lhes consentissem<br />

prometer sujeição a superior estranho, os jesuítas recorreram a D. João III, conseguindo a<br />

promulgação de diplomas régios nomeando licenciados ou doutores, alguns, padres<br />

propostos pela Companhia.<br />

Assim, em carta de 9 de Setembro de 1556 dirigi<strong>da</strong> ao «ao reitor, lentes, deputados e<br />

conselheiros <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra», ordenou-lhes que fossem admitidos aos graus<br />

de mestres em Artes «sem fazerem acto algum dos que man<strong>da</strong>m os estatutos», os padres<br />

Marcos Jorge, Pero <strong>da</strong> Fonseca, Sebastião de Morais, Pero Gomes, Jorge Serrão,<br />

Domingos Cardoso e Inácio Martins do Colégio <strong>da</strong> Companhia de Jesus. Porém, como a<br />

Academia não obedecesse à vontade real, que considerava um atentado contra as suas<br />

prerrogativas, D. João III, por alvará de 30 de Janeiro de 1557, «havendo respeito à<br />

experiência que todos aqueles religiosos de si mostraram nos actos públicos que fizeram<br />

na Universi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Coimbra e assim no Colégio <strong>da</strong>s Artes dela, em que<br />

publicamente leram e lêem», conferiu-lhes o grau de mestre em Artes com o direito de<br />

gozarem «todos os privilégios, liber<strong>da</strong>des, honras, graças e preeminências», de que<br />

usavam os mestres em Artes, graduados na Universi<strong>da</strong>de».<br />

Falecido D. João III, D. Catarina normalizou o que até então fora expediente em vi<strong>da</strong> do<br />

marido. Em 2 de Fevereiro isentou os jesuítas que se graduassem na Universi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

Carlos Jaca<br />

5


prestação de juramento e reduziu as propinas, exigi<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong> graduação em Artes,<br />

Cânones e Teologia, a um quarto fixado pelos estatutos. To<strong>da</strong>via, como o Conselho<br />

Universitário não tivesse acatado a decisão determinou, a 2 de Janeiro de 1560, que<br />

fossem graduados, por diploma régio, os religiosos <strong>da</strong> Companhia que tivessem concluído<br />

o seu curso no Colégio <strong>da</strong>s Artes, ficando para todos os efeitos equiparados aos graduados<br />

e Lentes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

Em iguais condições, ficaram, ain<strong>da</strong>, conforme outro diploma <strong>da</strong> mesma <strong>da</strong>ta, todos os<br />

membros <strong>da</strong> Companhia graduados em Artes fora <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra pelos<br />

privilégios <strong>da</strong> Companhia, ou por qualquer outra Universi<strong>da</strong>de, que mais tarde se veio a<br />

estender aos graduados em Teologia.<br />

Finalmente, D. Sebastião, em 1573, alarga ain<strong>da</strong> mais a esfera destas concessões,<br />

equiparando aos graduados e Lentes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de todos os jesuítas designados pelo<br />

Reitor do Colégio de Jesus e aprovados nos exames do Colégio <strong>da</strong>s Artes, bem como os<br />

graduados em Artes pela Universi<strong>da</strong>de de Évora (cria<strong>da</strong> em 1559, sob a protecção do<br />

Cardeal D. Henrique, a sua jurisdição pertencia à Companhia de Jesus) ou outra, enquanto<br />

residissem no Colégio de Jesus. Quer dizer, bastava que um jesuíta graduado pelo Colégio<br />

<strong>da</strong>s Artes ou por qualquer outra Universi<strong>da</strong>de residisse em Coimbra na casa <strong>da</strong><br />

Companhia, para fazer parte do corpo <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Deste modo a Companhia de<br />

Jesus atingia plenamente os objectivos a que se propusera: isenção no todo o ou em parte<br />

do pagamento <strong>da</strong>s propinas, do juramento ao Reitor e ser dispensa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s provas exigi<strong>da</strong>s<br />

pela Universi<strong>da</strong>de.<br />

Reformas dos estatutos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra.<br />

Para este assunto, e no caso presente, considero não existir outra alternativa que não seja<br />

abordá-lo em breves referências. Mesmo elaborando uma exposição sintética, julgo que se<br />

tornaria fastidiosa e de pouco interesse, já que a sua análise abrange diversos aspectos e,<br />

quanto a mim, pouco significativos, e até algo repetitivos, para uma boa parte dos<br />

eventuais leitores: confronto de vários diplomas, organização universitária, nomea<strong>da</strong>mente,<br />

o governo, administração, plano de estudos, graus e bastará apontar como exemplo, que<br />

os Estatutos de 1559 «são extensos e pormenorizados».<br />

Sublinhe-se a frequência com que se publicaram os estatutos universitários, durante o<br />

período que decorre entre os meados do século XVI e a primeira déca<strong>da</strong> do seguinte,<br />

porquanto saíram dos prelos dez reformas, to<strong>da</strong>s elas por causas complexas, <strong>sobre</strong>tudo<br />

Carlos Jaca<br />

6


pelo antagonismo que existia entre a Universi<strong>da</strong>de e a Companhia de Jesus. As<br />

modificações introduzi<strong>da</strong>s correspondem, fun<strong>da</strong>mentalmente, às pressões e à defesa que<br />

as duas instituições procuravam fazer valer junto do Monarca: a Companhia pretendia<br />

impor os seus objectivos pe<strong>da</strong>gógicos e a Universi<strong>da</strong>de defender os seus direitos e<br />

interesses prejudicados.<br />

Carlos Jaca<br />

Eventualmente, poderei vir a fazer uma ou outra referência ao conteúdo <strong>da</strong> reforma<br />

de 1612 (reinado de Filipe I de Portugal e II de Espanha), pelo facto singular <strong>da</strong> vigência<br />

destes Estatutos se ter mantido durante 160 anos, isto é, até à reforma pombalina de 1772,<br />

tendo sido, anteriormente, confirmados por D. João IV,<br />

em 15 de Outubro de 1653.<br />

Antes de entrar propriamente nas reformas dos<br />

estatutos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, no período já<br />

referido, julgo conveniente, até para uma localização dos<br />

factos, registar a cronologia governativa desta época<br />

conturba<strong>da</strong> <strong>da</strong> Nação prestes a ser ocupa<strong>da</strong> pela<br />

Espanha: em 1557 morre D. João III tendo sido<br />

proclamado rei seu neto, D. Sebastião, que então<br />

an<strong>da</strong>va pelos três anos de i<strong>da</strong>de; assim, entre 1557 e<br />

1562, é Regente do Reino D. Catarina, viúva de D. João<br />

III; de 1562 a 1568, é Regente do Reino o Cardeal D.<br />

Henrique; em 1568, aos catorze anos de i<strong>da</strong>de, D.<br />

Sebastião toma conta do governo <strong>da</strong> Nação, sendo Rei<br />

até 1578, ano em que desaparece em Alcácer Quibir; entre 1578 a 1580, sobe ao trono o<br />

Cardeal, que morre neste último ano, pelo que foi proclamado Rei , Filipe II de Espanha e I<br />

de Portugal.<br />

Os Estatutos Manuelinos entregues à Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, quando esta ain<strong>da</strong> estava<br />

em Lisboa, embora remodelados parcialmente por legislação avulsa, continuaram a servir<br />

como diploma fun<strong>da</strong>mental. No entanto, acentuava-se a necessi<strong>da</strong>de de uma reforma, o<br />

que veio a acontecer, ou fosse por iniciativa régia, ou por sugestão e insistência <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de. Em 1556, D. João III envia a Coimbra nas funções de Visitador, ou inspector<br />

como hoje se diria, o Licenciado Baltazar de Faria, a fim de elaborar, de acordo com o<br />

Conselho Universitário, os novos estatutos.<br />

7


Baltazar de Faria permaneceu em Coimbra no desempenho <strong>da</strong> sua missão, de Fevereiro a<br />

Setembro de 1556, ouvindo professores, colhendo elementos e regressou a Lisboa. Porém,<br />

circunstâncias imprevistas, a morte de D. João III em 11 de Junho de 1557 e os obstáculos<br />

do início <strong>da</strong> regência de D. Catarina, podem explicar o adiamento desta importante medi<strong>da</strong>.<br />

Só em Novembro de 1559 se decidiu que Baltazar de Faria se apresentasse em Coimbra<br />

ao Claustro Pleno <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de com uma carta régia, entregando-lhe os novos<br />

estatutos.<br />

Com algum fun<strong>da</strong>mento, a Universi<strong>da</strong>de recebeu-os de “pé atrás”, visto que D. Catarina<br />

tanto demorara em enviá-los, levando a desconfiar que o projecto elaborado pelo Conselho<br />

Universitário teria sofrido alterações, mas acabou por não levantar objecções.<br />

Parece, de facto, que a sua elaboração não foi orienta<strong>da</strong> no sentido de favorecer os<br />

jesuítas, pois D. Catarina, por alvará de 29 de Outubro de 1559, teve a preocupação de<br />

declarar que os novos estatutos não fossem activados naquilo que respeitasse ao Colégio<br />

<strong>da</strong>s Artes, enquanto estivesse a cargo <strong>da</strong> Companhia. Esta reforma foi denomina<strong>da</strong> de<br />

“Quartos Estatutos”.<br />

A vigência destes estatutos também não foi longe, porquanto, em 1565, D. António<br />

Pinheiro, Bispo de Miran<strong>da</strong>, apresentou-se em Coimbra, na quali<strong>da</strong>de de “visitador”,<br />

procedendo a uma nova reforma. Só que desta vez, parece ter havido o desejo de<br />

favorecer a Companhia, uma vez que a Universi<strong>da</strong>de não fora autora deles e, por isso, não<br />

foram bem aceites no Conselho – Mor de 28 de Fevereiro de 1565, tendo o Reitor<br />

declarado que a alguns dos Lentes pareciam «rijos e fizeram abalo», reclamando contra<br />

eles.<br />

A Universi<strong>da</strong>de vendo-se com um corpo de estatutos para os quais não fora ouvi<strong>da</strong>,<br />

participou ao Cardeal - Regente que os man<strong>da</strong>sse suspender. O Cardeal, embora com<br />

alguma inclinação para favorecer os jesuítas, respondeu que a Universi<strong>da</strong>de «dissesse em<br />

que eram rigorosos os Estatutos e que entretanto os guar<strong>da</strong>ssem» (cumprissem). Como a<br />

Universi<strong>da</strong>de tivesse tomado a peito a revogação de alguns dos capítulos dos referidos<br />

Estatutos, em parte as suas objecções foram atendi<strong>da</strong>s.<br />

O Reitor Aires <strong>da</strong> Silva, pessoa <strong>da</strong> confiança do Cardeal, fora chamado a Lisboa, por<br />

ordem especial. Ao regressar a Coimbra apresentou ao Conselho Universitário um caderno<br />

com alterações aos Estatutos aprovados pelo Cardeal em 28 de Novembro de 1567, cuja<br />

reforma passou a ser conheci<strong>da</strong> pelos «Quintos Estatutos».<br />

Carlos Jaca<br />

8


A Universi<strong>da</strong>de de Coimbra e a crise dinástica (1580).<br />

Carlos Jaca<br />

A crise de 1580, para além de se ter alargado a muitas zonas do País, (outras, as<br />

mais remotas, nem se terão <strong>da</strong>do conta do que se estava a passar) teve profun<strong>da</strong>s<br />

repercussões em Coimbra, não deixando de afectar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

Logo que Filipe II de Espanha, I de Portugal, anexou o nosso território, a<br />

Universi<strong>da</strong>de iria defrontar-se com uma situação melindrosa. As perspectivas não eram as<br />

melhores, uma vez que a Instituição conimbricense tomara, decidi<strong>da</strong>mente, o partido <strong>da</strong><br />

independência nacional.<br />

A Academia, de facto, não se deixou “comprar”, salvo raras excepções, pelo ouro<br />

espanhol, defendendo pela palavra, pela escrita e, até, combatendo, corajosamente, pelas<br />

armas ao lado de um dos pretendentes portugueses, D. António Prior do Crato.<br />

Não era esta a primeira vez, e nem seria a última, que a Universi<strong>da</strong>de de Coimbra<br />

colaborara abnega<strong>da</strong>mente na defesa do interesse nacional, porquanto fê-lo três séculos<br />

antes ao colocar-se ao lado do Mestre de Avis e agindo do mesmo modo quando Portugal<br />

foi restaurado, em 1640, e, depois, no combate e expulsão <strong>da</strong>s tropas napoleónicas.<br />

Posição <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Aclamação popular de D. António, Prior do Crato.<br />

Desencadea<strong>da</strong> a grande crise nacional que a aventura, ou desventura, africana provocara,<br />

a Universi<strong>da</strong>de viu que, para além de outras situações preocupantes, ao ter participado na<br />

sucessão régia o seu prestígio, a prisão, o exílio e, até, a vi<strong>da</strong> de alguns dos seus mestres<br />

estava seriamente comprometi<strong>da</strong><br />

A maioria dos jurisconsultos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de manifestara abertamente opinião<br />

favorável aos direitos <strong>da</strong> Duquesa de Bragança, D. Catarina, outros pronunciaram-se a<br />

favor do Prior do Crato. Estes dois pretendentes contavam, ain<strong>da</strong>, com o apoio <strong>da</strong><br />

população <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e estu<strong>da</strong>ntes de Coimbra, manifestamente hostis às pretensões de<br />

Filipe II.<br />

Também os jesuítas, inicialmente, eram favoráveis às pretensões <strong>da</strong> Casa de<br />

Bragança, o que não é de admirar, pois fora esta família que lhes dera o principal apoio<br />

entre a aristocracia portuguesa. Além disso, eram contrários a Filipe II visto que este<br />

submeteu em Espanha, a Companhia de Jesus à Inquisição e eram contrários ao Prior do<br />

Crato, o qual era patrocinado pelo rei de França, donde os jesuítas tinham sido afastados.<br />

9


Carlos Jaca<br />

Porém, como tivessem <strong>da</strong><strong>da</strong> por perdi<strong>da</strong> a causa dos Braganças, voltaram-se para<br />

a Filipe II, chegando mesmo a enviar o Desembargador do Paço, Paulo Afonso, a Vila<br />

Viçosa, acompanhado do Provincial Jorge Serrão, a fim de persuadir a Duquesa de<br />

Bragança a desistir dos seus direitos à coroa de Portugal, uma vez que consideravam<br />

impossível lutar contra o poder militar de Filipe II, além de que o terreno estava minado<br />

pelos corruptores a mando do monarca espanhol. Assim, de facto, não é de estranhar que<br />

os jesuítas preferissem a submissão a Filipe, a fim de continuarem a exercer a sua<br />

influência em Portugal.<br />

O Cardeal – Rei morre em 1580, durante<br />

as Cortes de Almeirim que tinham sido<br />

convoca<strong>da</strong>s a fim de tratarem <strong>da</strong> sucessão ao<br />

trono, entregando, provisoriamente, o Poder a<br />

cinco governadores: o Arcebispo de Lisboa, D.<br />

Jorge de Almei<strong>da</strong>, D. João Telo, D. Francisco de<br />

Meneses, D. Diogo Lopes de Sousa e D. João<br />

de Mascarenhas. Destes cinco, só D. João Telo<br />

era contrário a Filipe II.<br />

O próprio Cardeal já havia manifestado<br />

a sua intenção de nomear o pretendente<br />

espanhol como sucessor ao trono, bem como muitas figuras <strong>da</strong> alta nobreza, algumas<br />

suborna<strong>da</strong>s pelos agentes de Filipe II, que sabia bem dos receios dos mais ricos em perder<br />

a posição privilegia<strong>da</strong> que tinham na Corte.<br />

Entretanto, a 29 de Fevereiro de 1580, sendo Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de D. Nuno de<br />

Noronha, reuniu-se o Claustro para receber o Dr. João Nogueira, Procurador <strong>da</strong>s Cortes,<br />

reuni<strong>da</strong>s em Almeirim, o qual fora enviado a Coimbra, por ordem dos governadores do<br />

Reino, a fim de pedir à Universi<strong>da</strong>de o parecer dos Lentes <strong>sobre</strong> o direito <strong>da</strong>s Cortes na<br />

causa <strong>da</strong> sucessão. Porém, os Lentes de Direito recusaram-se a tal, afirmando já terem<br />

<strong>da</strong>do a sua opinião, acrescentando, ain<strong>da</strong>, o Dr. Luís Correia, «que tinha para isso maior<br />

impedimento, pois todos sabiam que era procurador <strong>da</strong> Senhora D. Catarina». A atitude do<br />

Claustro demonstrava, claramente, a sua indisponibili<strong>da</strong>de para ser recebido<br />

favoravelmente um rei estrangeiro.<br />

10


Com alguma surpresa os acontecimentos acabaram por precipitar-se quando a ameaça de<br />

invasão pelas tropas filipinas leva os partidários de D. António, em 12 de Junho de 1580, a<br />

aclamá-lo rei em Santarém e em outras terras <strong>da</strong> sua parciali<strong>da</strong>de.<br />

Data<strong>da</strong> de 20 de Junho, a Universi<strong>da</strong>de recebe uma carta do Prior do Crato participando-<br />

lhe a aclamação o que levou, de imediato, à reunião do Claustro para ouvir ler a carta<br />

trazi<strong>da</strong> por João Rodrigues de Vasconcelos. Reconhecido como rei de Portugal, resolveu-<br />

se em acção de graças organizar uma procissão solene desde a Capela até ao Mosteiro de<br />

Santa Cruz, e nomear o Reitor D. Nuno de Noronha, acompanhado por Frei Luís de Souto<br />

Maior e Fernão Martins de Mascarenhas, para se deslocarem a Santarém a fim de<br />

cumprimentar e prestar homenagem ao novo monarca e rogar-lhe que se declarasse<br />

Protector <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

Porém a fortuna política de D. António foi efémera, visto que não dispondo de forças<br />

organiza<strong>da</strong>s, nem de recursos em dinheiro e armas, além dos traidores que comprometiam<br />

o êxito <strong>da</strong> sua causa, rápi<strong>da</strong> e facilmente, o poder caiu nas mãos de Filipe II.<br />

Regressado o Reitor do desempenho <strong>da</strong> comissão que o levara a Santarém, e reunido o<br />

Claustro a 13 de Dezembro, D. Nuno de Noronha declara, amargamente, que não tem que<br />

<strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> deputação de que havia sido encarregado «pois todos sabiam que El-Rei de<br />

Castela, D. Filipe, estava reconhecido por Rei deste Reino em todo ele», pelo que na<strong>da</strong><br />

mais havia a fazer senão eleger a Universi<strong>da</strong>de quem lhe fosse prestar obediência e<br />

oferecer-lhe a Protectoria. Votando-se, nesse sentido, assentou-se que «fosse o mesmo<br />

Reitor, e elegesse dos Lentes quais quisesse para o acompanharem…».<br />

Obediência a Filipe II. Castigo de alguns parciais de D. António. Sob o ponto de vista<br />

de digni<strong>da</strong>de, julgo não poder aceitar-se que o mesmo Reitor que se dirigiu a D. António<br />

quando este foi aclamado Rei viesse a desempenhar agora as mesmas funções em<br />

relação a Filipe II, mas como em política, e hoje, ain<strong>da</strong>, mais refinado (ou descarado), vale<br />

tudo “menos tirar olhos” !<br />

Certamente, D. Nuno de Noronha não teria sido obrigado a tal, mas, julgo poder aceitar-se,<br />

que estaria ele próprio interessado em chefiar a deputação para sau<strong>da</strong>r e prestar<br />

homenagem ao novo monarca. Não o fazendo, sem dúvi<strong>da</strong>, teria receado a reacção de<br />

Filipe II, por via de ter tomado a mesma atitude quando <strong>da</strong> aclamação popular do Prior do<br />

Crato, pois o castelhano não deixaria de ter conhecimento, estando bem a par, de todos<br />

aqueles que se destacaram no apoio e aclamação do referido pretendente ao trono.<br />

Carlos Jaca<br />

11


A homenagem presta<strong>da</strong> a Filipe II, encabeça<strong>da</strong> pelo Reitor, encontra-se, ain<strong>da</strong> hoje,<br />

regista<strong>da</strong> em documento <strong>da</strong> autoria dos dois acompanhantes, D. João de Ataíde e D.<br />

Afonso de Castelo Branco: «O Bispo D. Jorge de Ataíde, Capelão – Mor de S. Majestade,<br />

do seu Conselho de Estado, Presidente <strong>da</strong> Mesa <strong>da</strong> Consciência e Ordens, e D. Afonso de<br />

Castelo Branco, do Conselho de S. Majestade, deputado <strong>da</strong> Mesa <strong>da</strong> Consciência e<br />

Ordens etc., fazemos saber aos que esta certidão virem que, quinta-feira, 16 dias do mês<br />

de Fevereiro, deste presente ano, por comissão que para isso tínhamos <strong>da</strong> insigne<br />

Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, em nome <strong>da</strong> dita Universi<strong>da</strong>de, na ci<strong>da</strong>de de Elvas demos<br />

obediência ao potentíssimo e Católico Rei D. Filipe, primeiro deste nome N º S. e assim<br />

mais lhe demos juramento do ofício de Protector <strong>da</strong> dita Universi<strong>da</strong>de, o que Sua<br />

Majestade aceitou e jurou num Livro missal, conforme aos estatutos dela. E por ser<br />

ver<strong>da</strong>de man<strong>da</strong>mos passar a presente. Da<strong>da</strong> em Elvas sob nossos Sinais a vinte de<br />

Fevereiro de M.D.L.XXXI».<br />

O Reitor, D. Nuno de Noronha, regressou a Coimbra trazendo uma carta de Filipe II, para a<br />

Universi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de Elvas em 25 de Fevereiro de 1581, manifestando o contentamento<br />

que lhe causou a homenagem de obediência que lhe era presta<strong>da</strong>, bem como a satisfação<br />

com que se declarava seu Protector, «folguei de saber (pelo que me escrevestes e eles me<br />

referiram) a particular obrigação que tendes a meu Serviço», propondo-se, ao tomar a sua<br />

protecção «fazer mercê a essa Universi<strong>da</strong>de e a favorecê-la como o faziam os senhores<br />

Reis meus antecessores».<br />

Apesar <strong>da</strong> satisfação que lhe causou a homenagem <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de (pelo menos<br />

aparentemente,) Filipe II sabia bem que a sua posição no campo jurídico lhe tinha sido<br />

bastante contrária.<br />

Nas Cortes de Tomar (1581) não faltaram partidários do rei de Espanha, mais exaltados do<br />

que o próprio monarca, protestando contra a Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, por ter sido um dos<br />

mais fortes baluartes <strong>da</strong>s pretensões rebeldes de D. António, e mesmo <strong>da</strong> Casa de<br />

Bragança, e até de espalhar «as doutrinas revolucionárias <strong>da</strong> Soberania nacional, que por<br />

sediciosas eram um perigo para a estabili<strong>da</strong>de do trono e um gérmen de corrupção no<br />

espírito <strong>da</strong> moci<strong>da</strong>de».<br />

De facto, a Universi<strong>da</strong>de, como se acabou de referir, tanto pelo favor que as pretensões de<br />

D. Catarina e as de D. António haviam encontrado nas alegações dos seus jurisconsultos,<br />

como pela decidi<strong>da</strong> inclinação que a ci<strong>da</strong>de demonstrou ao Prior do Crato, armando<br />

Carlos Jaca<br />

12


estu<strong>da</strong>ntes e populares para o seguirem, era o alvo <strong>da</strong>s acusações dos exaltados realistas,<br />

que não cessavam de insistir pela sua extinção e transferência para Salamanca.<br />

No entanto, se a proposta existiu foi repeli<strong>da</strong> unanimemente e nenhum dos três braços<br />

(Clero, Nobreza e Povo) admitiu tal ideia, tanto mais que, pouco depois, D. Filipe<br />

confirmava à Universi<strong>da</strong>de os seus antigos privilégios perdoando, com raras excepções,<br />

aos doutores mais comprometidos «pela veemência dos opúsculos publicados contra os<br />

direitos que alegara para subir ao trono». Porém, sabe-se que não deixou de assentar a<br />

sua “mão de ferro” <strong>sobre</strong> aqueles que se manifestaram a favor de D. António.<br />

Ain<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> sua entra<strong>da</strong> em Portugal, a fim de ser jurado nas Cortes de Tomar, Filipe II<br />

fez sentir o seu ódio contra os partidários do Prior do Crato que mais se haviam distinguido<br />

na Universi<strong>da</strong>de.<br />

Assim, dois alvarás de 26 de Setembro, assinados em Ba<strong>da</strong>joz, determinavam o<br />

afastamento dos professores Frei Luís de Souto Maior e Frei Agostinho <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

suas cátedras de Escritura e de Escoto, por indignos e incapazes delas, privando-os de<br />

«to<strong>da</strong>s as honras, preeminências, liber<strong>da</strong>des, ordenados e proes (proveitos)». A<br />

determinação tinha por base o facto de Souto Maior, religioso <strong>da</strong> Ordem de São Domingos<br />

«seguir e acompanhar D. António, filho não legítimo do Senhor Infante D. Luís, meu tio que<br />

Deus tem, que tiranicamente tomou o nome de Rei de Portugal, e ocupou a ci<strong>da</strong>de de<br />

Lisboa, e as vilas de Santarém e Setúbal, aconselhando-o nas matérias de guerra, sendo<br />

tão fora <strong>da</strong> sua profissão e hábito, indo para este efeito muitas vezes ao seu arraial e<br />

fazendo outras cousas de que o povo recebeu muito escân<strong>da</strong>lo, e mau exemplo, de que a<br />

meus vassalos se seguiram muitos <strong>da</strong>nos, procedendo em tudo contra meu serviço, e<br />

contra o que convinha ao bem comum do dito reino».<br />

Frei Agostinho <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de, religioso dos Eremitas de Santo Agostinho, a acusação<br />

fun<strong>da</strong>mentava-se no facto de «seguir e acompanhar D. António…aconselhando-o nas<br />

matérias de guerra e por ter pegado em armas e an<strong>da</strong>r publicamente com elas pela ci<strong>da</strong>de<br />

de Lisboa, fazendo-se guar<strong>da</strong> <strong>da</strong>s portas e muros, e metendo-se em outras cousas muito<br />

fora de seu hábito e profissão com grande escân<strong>da</strong>lo do povo, e mau exemplo…».<br />

Frei Luís de Souto Maior foi reintegrado na sua cátedra, o que se deve ao facto de ser<br />

protegido por D. Jorge de Ataíde e D. Fernando Martins Mascarenhas, o que tem a ver com<br />

o valimento dos seus protectores junto do monarca castelhano. Frei Agostinho <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de<br />

teve de emigrar para França, onde veio a ensinar Teologia na Universi<strong>da</strong>de de Tolosa<br />

Além destes, o Lente de Código e Colegial de São Pedro, Pedro de Alpoim, foi<br />

publicamente degolado pelos mesmos motivos. Também o portador <strong>da</strong> carta de D. António<br />

Carlos Jaca<br />

13


para a Universi<strong>da</strong>de, em que participava a sua aclamação, João Rodrigues de<br />

Vasconcelos, acabou por morrer no cárcere<br />

Intervenção de Filipe II na Universi<strong>da</strong>de.<br />

Carlos Jaca<br />

O novo Rei, ao agradecer a obediência presta<strong>da</strong> pela Universi<strong>da</strong>de, demonstrou ser<br />

seu desejo fazer-lhe mercê e de a favorecer segundo os seus privilégios e estatutos.<br />

De facto, foram frequentes as intervenções do governo filipino na Universi<strong>da</strong>de de<br />

Coimbra. Logo em 1583, dois anos após a ocupação castelhana, Filipe II envia a Coimbra<br />

um Visitador-reformador a fim de proceder à revisão dos estatutos então vigentes.<br />

As várias modificações introduzi<strong>da</strong>s nos estatutos correspondiam às pressões e à<br />

defesa que a Companhia de Jesus e a Universi<strong>da</strong>de procuravam fazer prevalecer junto do<br />

monarca. A Companhia perseguia, fun<strong>da</strong>mentalmente, objectivos pe<strong>da</strong>gógicos, enquanto a<br />

Universi<strong>da</strong>de procurava defender os seus direitos e interesses prejudicados.<br />

Reforma dos Estatutos. As queixas e os agravos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra e <strong>da</strong><br />

Companhia denunciavam uma forte luta de interesses, em que a última levava vantagem, e<br />

por isso se compreendia a insistência na remodelação dos estatutos, na qual a<br />

Universi<strong>da</strong>de esperava alcançar algumas <strong>da</strong>s suas pretensões. Acrescente-se que,<br />

certamente, também o governo filipino, já a governar em Portugal, não podia desinteressar-<br />

se de uma Escola que tradicionalmente formava o funcionalismo e os “fazedores de<br />

opinião”.<br />

Deste modo, Filipe II, em 9 de Março de 1583, nomeia Manuel Quadros, Visitador e<br />

Reformador <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, acompanhado de uma comissão de Lentes de<br />

Prima e Véspera de to<strong>da</strong>s as Facul<strong>da</strong>des para proceder à elaboração dos novos Estatutos.<br />

O Visitador e os Lentes trabalharam, pelo menos, até Janeiro de 1584. Em 20 do mesmo<br />

mês participa ao Claustro que tinha sido chamado a Lisboa, prometendo voltar em breve<br />

para continuar e finalizar os Estatutos. Porém, a demora em Lisboa até Novembro desse<br />

ano de 1584, <strong>da</strong>va para perceber que um novo entrave embaraçava uma aparente<br />

autonomia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de em colaborar nos seus estatutos e, de facto, ain<strong>da</strong> no mês de<br />

Novembro de 1584, chegava a Coimbra uma carta régia proibindo que «os negócios <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de se tratassem nela, estabelecendo que tudo se tratasse em Lisboa junto do<br />

Cardeal Arquiduque Alberto (Vice-Rei), com a assistência do Arcebispo de Lisboa, do Dr.<br />

14


Paulo Afonso, do Reitor D. Nuno de Noronha, e dele Visitador Manuel Quadros». Admitia,<br />

porém, que a Universi<strong>da</strong>de enviasse um procurador com as sugestões susceptíveis de<br />

tomar em consideração. Entretanto, por provisão de 15 de Março de 1586 a preparação<br />

dos Estatutos foi a atribuí<strong>da</strong> a D. Fernando de Mascarenhas, proposto Reitor <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de e que dizem ser partidário <strong>da</strong> Companhia.<br />

O novo Reitor começou a trabalhar no projecto dos estatutos, em colaboração com o Lente<br />

de Prima António Vaz Colaço, que foi expressamente a Madrid, onde outros autores viram<br />

o projecto, que ain<strong>da</strong> sofreu alterações.<br />

Finalmente, Vaz Colaço regressou de Madrid com os estatutos aprovados e impostos à<br />

Universi<strong>da</strong>de por Filipe I de Portugal em 1592, tendo sido impressos em Coimbra por<br />

António Barreira, famoso impressor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Eram os ”Sextos Estatutos”.<br />

Acontece que o labor <strong>da</strong> re<strong>da</strong>cção dos estatutos não correspondeu à esperanças que neles<br />

se havia depositado, não vindo a ter vigência duradoura. Segundo Teófilo Braga, estes<br />

estatutos não agra<strong>da</strong>ram à Companhia, a qual terá requerido que se suspendesse a sua<br />

aplicação, «porque lhe prejudicava as isenções do Colégio <strong>da</strong>s Artes». Logo a seguir à sua<br />

Carlos Jaca<br />

aplicação os estatutos voltaram a Madrid para<br />

serem revistos por Pedro Barbosa e Rui Lopes <strong>da</strong><br />

Veiga, Lente de Prima de Leis. O Rei confirmou<br />

as emen<strong>da</strong>s e o Dr. Lopes <strong>da</strong> Veiga apresentou-<br />

os ao Claustro <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, em 23 de<br />

Fevereiro de 1598, assentando que se<br />

aplicassem. Eram os “Sétimos Estatutos”.<br />

Pode causar estranheza, ou não, o facto de, ao<br />

fim de apenas seis anos se proceder a nova<br />

mexi<strong>da</strong> nos estatutos. Certamente, alguém o<br />

pretendia. O que se sabe é que o Rei nomeou,<br />

por provisão de 20 de Março de 1604, D.<br />

Francisco de Bragança, Visitador-reformador,<br />

alegando-se que «havendo respeito ao muito<br />

tempo (!) que há que nessa Universi<strong>da</strong>de não foi<br />

visita<strong>da</strong> nem reforma<strong>da</strong>» e que o seu bom funcionamento «impunha nova remodelação».<br />

As reformas consistiram em modificar e acrescentar 162 artigos aos “Sétimos Estatutos”<br />

que foram objecto de discussão e protestos <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Esses artigos foram<br />

15


emetidos de Lisboa ao Reitor Francisco <strong>da</strong> Costa em 1611 que, depois de revistos, foram<br />

confirmados em 20 de Julho e aceites pela Universi<strong>da</strong>de. Eram os “Estatutos Velhos” ou<br />

“Oitavos Estatutos” que perduraram, como já foi referido, até à reforma pombalina dos<br />

Estudos.<br />

Breve referência à orgânica universitária. Como organismo público a Universi<strong>da</strong>de<br />

dependia, naturalmente, do Poder Central. Pelos estatutos, o Rei declarava-se Protector <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de e, como tal, prestava no início do seu reinado um juramento em que prometia<br />

apoiá-la, defendê-la e guar<strong>da</strong>r os seus estatutos, privilégios, usos e costumes.<br />

A sujeição <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de ao Protector obrigava-a a respeitar as resoluções <strong>da</strong> sua<br />

vontade, conquanto pudesse demonstrar, com moderação, a sua discordância contra o que<br />

lhe parecesse contrário aos seus privilégios, interesses ou direitos tradicionais.<br />

Ao Protector competia-lhe, exclusivamente, «fazer, tirar, acrescentar e declarar os<br />

estatutos, dispensar neles, eleger reitor, conservador, ouvidor e prorrogar-lhes o tempo,<br />

criar ofício ou cadeiras novas, confirmar as maiores leva<strong>da</strong>s por oposição (por concurso), e<br />

os ofícios abaixo declarados, apresentar nas Conesias magistrais e doutorais, jubilar os<br />

lentes, apresentar oficiais, conceder licenças para despesas excessivas, escambos <strong>da</strong><br />

fazen<strong>da</strong>, emprazamento de proprie<strong>da</strong>des ou casais, lugares ou vilas, que passem de<br />

quarenta mil réis de ren<strong>da</strong> para o inquilino, reformação ou visitação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de,<br />

nomeação <strong>da</strong>s pessoas que tratem comigo os negócios dela, assim na corte onde eu<br />

estiver como em Lisboa».<br />

Efectivamente, o Rei avocava a si largos poderes que incluíam, como se vê, o controlo <strong>da</strong><br />

fazen<strong>da</strong> e até homologar nomeações para as cadeiras mais importantes, reforçados ain<strong>da</strong><br />

pela inspecção trienal do Visitador régio e pela inspecção extraordinária do Reformador,<br />

que tinha a seu cargo a facul<strong>da</strong>de de aplicar sanções “in loco”.<br />

Porém, não eliminavam inteiramente a autonomia <strong>da</strong> corporação universitária, porquanto<br />

esta conservava o direito de eleger os seus professores e os seus oficiais (funcionários),<br />

embora necessitando <strong>da</strong> confiança régia nos casos mais importantes.<br />

O Reitor era quem superiormente governava a Universi<strong>da</strong>de, exercendo <strong>sobre</strong>tudo uma<br />

função coordenadora, porque o governo efectivo repartia-se pelo Conselho de<br />

Conselheiros (funções pe<strong>da</strong>gógicas), Conselho de Deputados (administração <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de), Claustro (reunião conjunta dos dois Conselhos, com funções<br />

respeitantes ao provimento dos ofícios <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s suas terras, e ao exame <strong>da</strong>s<br />

Carlos Jaca<br />

16


questões com o Estado ou com a Cúria) e Claustro Pleno (formado pelos Lentes <strong>da</strong>s<br />

Facul<strong>da</strong>des, pelos conselheiros, deputados, chanceler conservador e síndico), reunia<br />

quando surgiam questões de gravi<strong>da</strong>de. Os três últimos faziam parte do quadro de<br />

funcionários universitários, que incluía ain<strong>da</strong> um cancelário, funções que, desde há muito,<br />

pertenciam ao Prior do Mosteiro de Santa Cruz, um mestre de cerimónias, um escrivão <strong>da</strong><br />

fazen<strong>da</strong>, um escrivão <strong>da</strong> receita e despesa, um escrivão dos contos, um escrivão <strong>da</strong>s<br />

execuções, um ouvidor <strong>da</strong>s terras e coutos, dois almotacés, dois taxadores, um meirinho e<br />

três bedéis.<br />

Todo o pessoal <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, lentes, estu<strong>da</strong>ntes e funcionários, estava isento, julgo que<br />

desde a sua fun<strong>da</strong>ção em 1290, do direito comum, tendo o seu foro próprio, a sua cadeia, e<br />

os seus magistrados judiciais, cuja cabeça era o Conservador.<br />

O quadro dos estudos universitários distribuía-se pelas quatro Facul<strong>da</strong>des: Teologia,<br />

Cânones, Leis e Medicina, e pelas Escolas Menores. Estas últimas compreendiam uma<br />

cadeira de Matemática, uma de Música, quatro de Artes, correspondentes ao curso de<br />

filosofia de Aristóteles, uma de Hebreu, uma de Grego, cinco de Latim e duas de ler,<br />

escrever e contar.<br />

A Teologia, naturalmente, ocupava o primeiro lugar «nas precedências e na estimação <strong>da</strong>s<br />

disciplinas», incluía quatro cadeiras “maiores”, em que se lia Pedro Lombardo, S. Tomás e<br />

a Escritura, e duas cadeiras “menores”, ou “catedrilhas”, em que se lia Durando, Escrituras<br />

e S. Tomás ou Gabriel Biel. O bacharelato de Teologia exigia uma frequência de sete anos<br />

e vários exames; a licenciatura, mais dois anos e numerosas provas, devendo o candi<strong>da</strong>to<br />

ter a i<strong>da</strong>de mínima de trinta anos, ordens sacras e ser filho legítimo de pais católicos.<br />

A Facul<strong>da</strong>de de Cânones possuía cinco cátedras (duas de Decretais, Decreto, Sexto <strong>da</strong>s<br />

Decretais, Clementinas).<br />

A Facul<strong>da</strong>de de Direito Civil era constituí<strong>da</strong> por quatro cadeiras “maiores” (Esforçado,<br />

Digesto novo, Digesto velho e Código) e por quatro “catedrilhas” (duas de Código e duas<br />

de Instituta).<br />

A Facul<strong>da</strong>de de Medicina incluía quatro cadeiras “maiores”, (em que se lia Galeno,<br />

Hipócrates e Avicena) e três “catedrilhas” (sendo duas para Galeno e uma para outros<br />

autores), A Anatomia era <strong>da</strong><strong>da</strong> segundo Galeno, com demonstrações experimentais nove<br />

vezes por ano, sendo uma ou duas em cadáver humano (segundo a reforma de 1612). Os<br />

Lentes deviam diariamente visitar com os alunos o hospital <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O bacharelato exigia<br />

cinco anos de curso e um exame, mas só se podia exercer clínica após mais um ano de<br />

prática e respectivas provas.<br />

Carlos Jaca<br />

17


Revolução de 1640. Legitimação filosófica e doutrinária do<br />

acontecimento num quadro histórico – jurídico.<br />

Carlos Jaca<br />

A revolução de 1 de Dezembro de 1640, pela qual a Nação recuperou a sua<br />

autonomia política e a plena consciência do sentimento nacional, não resultou apenas <strong>da</strong><br />

substituição de uma dinastia. O levantamento que pôs termo ao domínio filipino afirmou-se,<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente, como uma revolução intelectual pelo regresso do pensamento político<br />

português às suas origens e tradições. Isto, significa que o movimento libertador <strong>da</strong><br />

opressão espanhola, foi o resultado de uma original literatura teológico – política que<br />

floresceu na Península no séc. XVI e nos princípios do XVII, «literatura que se alimentou no<br />

mais puro doutrinarismo escolástico e tomista do séc. XIII».<br />

Esta escola teológica teve como expoentes máximos, entre outros, Aspilcueta<br />

Navarro e Francisco Suarez, o “Doutor Exímio”, Mestres <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, de<br />

cujas lições vieram a aproveitar alguns<br />

ilustres discípulos.<br />

Francisco Suarez chegou a formular, durante<br />

o governo dos Filipes, uma doutrina de<br />

alienação do poder que vinha ao encontro<br />

dos interesses <strong>da</strong> Restauração: a soberania<br />

não pertencia aos reis, que apenas a<br />

exerciam graças a um “pactum subjectionis”<br />

(pacto de sujeição) em que a soberania era<br />

limita<strong>da</strong>. O poder vinha directamente de<br />

Deus para os súbditos, tendo estes o poder<br />

“in habitu” e os reis apenas o poder “in actu”.<br />

Assim, os que usavam a tirania para violar o<br />

bem <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de podiam ser depostos e<br />

julgados, o que tornava a aclamação de D. João IV um acto perfeitamente legítimo.<br />

Outros jurisconsultos de 1640, mestres <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, altos magistrados, como António<br />

Pais Viegas, D. Félix Correia, Licenciado Afonso de Lucena, Dr. Luís Correia, António Vaz<br />

Cabaço, o jesuíta Manuel de Sá, Frei Serafim de Freitas, Pedro Barbosa Homem, António<br />

de Sousa Macedo e João Pinto Ribeiro, sustentaram desassombra<strong>da</strong>mente a justificação<br />

filosófica e doutrinária do levantamento de 1º de Dezembro. Os homens <strong>da</strong> Restauração<br />

18


apoiavam-se nessas doutrinas para justificar o movimento emancipador, se as razões <strong>da</strong><br />

legitimi<strong>da</strong>de se mostrassem insuficientes.<br />

Alguns anos depois, em 1644, numa obra em que a defesa <strong>da</strong> Restauração era feita com<br />

grande número de argumentos jurídicos e citações de juristas – a “Justa Aclamação de D.<br />

João IV”, <strong>da</strong> autoria de Francisco Velasco de Gouveia, catedrático jubilado em Cânones <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de Coimbra – o assunto veio novamente à liça, mas desta vez levado a<br />

limites ain<strong>da</strong> mais ousados. Com efeito, Velasco de Gouveia, em cerra<strong>da</strong> argumentação,<br />

afirmava: 1º- «Que o poder régio dos Reis, está originalmente nos Povos e Repúblicas, e<br />

que eles o recebem imediatamente; 2º - que o poder que os Povos transferiram a principio<br />

nos Reis, para os governarem, não foi total, antes ficando-lhes habitualmente para o<br />

poderem reassumir nos casos em que precisamente lhe fosse necessário para sua<br />

conservação; 3º - que os Reinos e Povos deles têm poder para negarem a obediência aos<br />

Reis intrusos sem título, ou tiranos no governo e os privarem, submetendo-se a quem tiver<br />

direito legítimo de reinar». Finalmente, e como conclusão lógica de quanto deixara<br />

expendido, proclamava «que o Reino tinha poder legítimo para vali<strong>da</strong>mente por si só privar<br />

a El-Rei Católico de Castela, e para reconhecer por Rei ao Sereníssimo D. João IV». Assim<br />

foi, ou melhor, assim tinha sido.<br />

Adesão <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra ao Portugal restaurado. No próprio dia 1 de<br />

Dezembro começaram os governadores a comunicar às câmaras e outras instituições<br />

pedindo que «se apeli<strong>da</strong>sse ao Duque de Bragança por Rei e Senhor destes Reinos». Não<br />

deixa de ser surpreendente a rapidez com que os correios oficiais e particulares correram,<br />

desde então, todo o País, ao ponto de antes do fim do ano não haver uma ci<strong>da</strong>de ou vila<br />

que não tivesse apoiado entusiasticamente a Restauração. E mais, casos houve, em que o<br />

juramento do novo rei se fez antes <strong>da</strong> notícia ter chegado de Lisboa, bastando aquele<br />

rumor para as populações explodirem de entusiasmo.<br />

Carlos Jaca<br />

Em várias terras a aclamação foi acompanha<strong>da</strong> de manifestações festivas, sendo<br />

dignas de menção especial, pela sua duração e pela categoria <strong>da</strong>s pessoas que nela<br />

tomaram parte, aquelas que foram leva<strong>da</strong>s a cabo pela Universi<strong>da</strong>de de Coimbra. Com<br />

efeito, foi com intensa alegria e vibração que a ci<strong>da</strong>de de Coimbra, particularmente a sua<br />

Universi<strong>da</strong>de, recebeu a notícia <strong>da</strong> aclamação do Duque de Bragança.<br />

No dia 4 de Dezembro de 1640 começou a constar-se na Universi<strong>da</strong>de a notícia<br />

«incerta, vaga e duvidosa», mas no dia seguinte chegava de Lisboa a confirmação oficial<br />

por carta dos Arcebispos D. Sebastião de Mattos, de Braga, e D. Rodrigo <strong>da</strong> Cunha, de<br />

19


Lisboa, governadores do Reino, para o Reitor, que era Manuel de Sal<strong>da</strong>nha e havia sido<br />

nomeado em 11 de Setembro de 1638, por provisão de Filipe IV. Na referi<strong>da</strong> comunicação,<br />

participava-se «que sábado 1º deste mês, a nobreza e o povo desta ci<strong>da</strong>de apeli<strong>da</strong>ram por<br />

Rei destes Reinos ao Duque de Bragança, que se tem man<strong>da</strong>do chamar (o Duque<br />

encontrava-se, então, no seu Paço de Vila Viçosa) e nós desejando evitar mortes, e<br />

escân<strong>da</strong>los temos <strong>da</strong>do as ordens necessárias, para se aquietar a Ci<strong>da</strong>de…e que nessa<br />

ci<strong>da</strong>de façam o mesmo apeli<strong>da</strong>ndo ao Duque por Rei…procedendo com to<strong>da</strong> a quietação<br />

particularmente nos estu<strong>da</strong>ntes».<br />

Aclamação. Manifestações festivas. No dia seguinte, 6 de Dezembro, pela manhã, o<br />

Reitor convocou o Conselho dos Lentes, Deputados e Conselheiros para <strong>da</strong>r maior<br />

soleni<strong>da</strong>de ao acto, convidou a nobreza <strong>da</strong>s Escolas e os reitores dos Colégios para<br />

assistirem, pedindo-lhes que agradecessem a Deus a mercê de lhes <strong>da</strong>r novo rei,<br />

recomen<strong>da</strong>ndo-lhes que não houvesse desordem, se espalhassem «para isso por todo o<br />

corpo <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de que estava junto no terreiro dela: e logo os estu<strong>da</strong>ntes arrebatados<br />

de um grande ardor, deixa<strong>da</strong>s as capas, começaram com grande estrondo de vozes a<br />

dizer: Viva El-Rei D. João o Quarto, nosso Senhor: Viva o famoso Rei, que nos liberta, e<br />

com o mesmo ardor foram pelas ruas, repetindo muitas vezes estes aplausos».<br />

Continuando as manifestações, a moci<strong>da</strong>de académica dirigiu-se à Câmara, para onde<br />

tinham sido convocados os vereadores, e pediu que se aclamasse sem detença o Duque<br />

de Bragança o que, de imediato, se realizou. Dirigiram-se depois para Santa Cruz e <strong>da</strong>í<br />

para a Igreja de S. Jerónimo, onde se encontrava o Reitor com os Lentes e Doutores<br />

assistindo à festa de S. Nicolau, tradição comemorativa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Com grandes<br />

manifestações os estu<strong>da</strong>ntes vitoriaram o novo rei, «respondendo todos os Lentes e<br />

Doutores, Viva, Viva, e tomando ramos nas mãos, e o Reitor uma palma, com várias<br />

demonstrações de alegria, o acompanharam até à Capela Real, onde se cantou o “Te<br />

Deum Lau<strong>da</strong>mus”».<br />

À tarde, «subiram a cavalo muitos fi<strong>da</strong>lgos vestidos de cor, e correram muitas carreiras no<br />

terreiro <strong>da</strong>s Escolas, e muitos outros a pé fizeram o mesmo, e se não quiseram eximir os<br />

Lentes, velhos, Eclesiásticos e frades». À noite continuaram os festejos, que se repetiram<br />

por muitos dias, assistindo a eles não só os moradores de Coimbra, como também os <strong>da</strong>s<br />

terras vizinhas, não faltando, noites segui<strong>da</strong>s, fogos de artifício, luminárias nos edifícios<br />

públicos e casas particulares, cavalha<strong>da</strong>s, cortejos, festivi<strong>da</strong>des religiosas.<br />

Carlos Jaca<br />

20


As manifestações festivas, inicia<strong>da</strong>s em 6 de Dezembro, só terminaram dois meses depois,<br />

em 8 de Fevereiro de 1641, sendo este dia dedicado à recitação de poesias apropria<strong>da</strong>s às<br />

circunstâncias. Nesse dia, um discurso final do Doutor Jerónimo <strong>da</strong> Silva Azevedo encerrou<br />

o ciclo festivo, procedendo-se à entrega de prémios que a Universi<strong>da</strong>de instituíra para<br />

serem conferidos, «a quem melhor louvasse Sua Majestade em Poemas, Epigramas<br />

latinos, Canções, Sonetos, e todo o género de versos nas três línguas, Portuguesa,<br />

Espanhola e Italiana».<br />

Elogio ao Reitor. No Claustro Pleno em que o Reitor participava os avisos dos<br />

Governadores, Manuel de Sal<strong>da</strong>nha propunha a sua demissão, considerando-se despedido<br />

do cargo, uma vez que o aceitara por ordem de «El-Rei de Castela que já não conhecia por<br />

Rei deste Reino». Porém, todo o Claustro respondeu em voz alta que em nome do Rei D.<br />

João IV se mantivesse no cargo, ao que Sal<strong>da</strong>nha anuiu «enquanto não viesse ordem sua<br />

como ao diante veio…».<br />

De facto, por carta de 24 de Dezembro de 1640, D. João IV transmitia a Manuel de<br />

Sal<strong>da</strong>nha todo o seu agradecimento pela maneira como tinha decorrido a sua Aclamação<br />

e, igualmente, o confirmava no mesmo lugar: «…entendi com quantas demonstrações de<br />

alegria fui aclamado nessa ci<strong>da</strong>de por Rei e Senhor natural destes meus Reinos, a quem<br />

Deus foi servido restituir-me e quanto procurastes de Vossa parte, e posto que de tão bons<br />

e leais vassalos…Me pareceu dizer-vos que tive disso muita satisfação e que nas ocasiões<br />

que se oferecerem lhes hei-de man<strong>da</strong>r fazer a honra e mercê que houver lugar, e Vós<br />

podereis ir continuando com as obrigações desse cargo como até agora fizestes, e fio de<br />

Vós que será de modo que tenha eu muito que vos agradecer».<br />

Bem aconselhado andou o novo Rei em manter na reitoria um homem solícito, cui<strong>da</strong>doso e<br />

diligente, cuja activi<strong>da</strong>de e zelo, ao longo de vinte anos e através <strong>da</strong>s múltiplas dificul<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional, são de enaltecer. Nunca deixou de responder com presteza às<br />

solicitações <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de real, quer fosse nas obrigações inerentes ao seu cargo, quer<br />

fosse nas matérias de guerra em que deu a sua colaboração como conselheiro e, até,<br />

como combatente na vanguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de militariza<strong>da</strong>.<br />

A Universi<strong>da</strong>de de Coimbra e a defesa <strong>da</strong> Independência.<br />

Carlos Jaca<br />

Logo após a Aclamação, foram convoca<strong>da</strong>s as Cortes a fim de se tomarem as<br />

providências necessárias para fazer frente à guerra que se considerava inevitável. Porém,<br />

21


a defesa <strong>da</strong> Restauração não se decidia apenas nos campos de batalha, jogava-se<br />

também no campo diplomático.<br />

Carlos Jaca<br />

Com efeito, a defesa <strong>da</strong> Independência orientava-se em dois grandes sentidos: a<br />

protecção militar <strong>da</strong>s fronteiras e envio de embaixadores para as principais Cortes <strong>da</strong><br />

Europa onde, entre outros aspectos, Portugal procurava impor e justificar as razões do<br />

levantamento de 1640 e, igualmente, estabelecer relações de amizade e tratados de<br />

comércio com as nações inimigas <strong>da</strong> Espanha. Em ambas as situações a Universi<strong>da</strong>de de<br />

Coimbra esteve bem representa<strong>da</strong>.<br />

Participação activa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de na Guerra <strong>da</strong> Independência. Corpo académico<br />

armado marcha para o Alentejo. Durante alguns anos a guerra limitou-se a campanhas<br />

fronteiriças, sem grandes consequências para qualquer <strong>da</strong>s partes, o que permitiu a<br />

Portugal organizar a defesa, reconstruir as fortalezas, formar oficiais e reorganizar o seu<br />

armamento.<br />

Desde logo, nas Cortes convoca<strong>da</strong>s para Lisboa, em 26 Janeiro de 1641, os<br />

próprios representantes do Povo entendiam que as armas, nas actuais circunstâncias, por<br />

mais necessárias, deviam ter priori<strong>da</strong>de <strong>sobre</strong> as letras. Assim, pediam que fossem<br />

encerra<strong>da</strong>s, por cinco anos, to<strong>da</strong>s as escolas do Reino, com excepção <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />

Coimbra, e que as ren<strong>da</strong>s dispendi<strong>da</strong>s com elas se aplicassem às despesas <strong>da</strong> guerra, ao<br />

que o Rei respondeu: «Man<strong>da</strong>rei considerar o que me dizeis neste capítulo, e prover na<br />

matéria segundo o presente estado do Reino».<br />

Ain<strong>da</strong> antes <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s Cortes, já a Universi<strong>da</strong>de se preocupava com a defesa <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de, porquanto, a 4 de Janeiro, D. João IV, em carta para o Reitor, referia os avisos que<br />

lhe haviam chegado de Coimbra <strong>sobre</strong> o facto de a ci<strong>da</strong>de se encontrar com falta de<br />

prevenção e fortificação.<br />

A fim de serem remediados tais inconvenientes, o Rei encarregou D. António de<br />

Meneses, pessoa <strong>da</strong> sua confiança, para que preparasse os sol<strong>da</strong>dos, recomen<strong>da</strong>ndo que<br />

a gente <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de se «arme e adestre como convém».<br />

No ano seguinte, a 8 de Fevereiro, era distribuído ao Reitor o cargo de<br />

superintender na matéria <strong>da</strong>s armas e recrutamento de sol<strong>da</strong>dos nas terras <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de. Com efeito, em nenhum momento, Manuel de Sal<strong>da</strong>nha deixou de colaborar<br />

activamente para que a Universi<strong>da</strong>de estivesse sempre pronta a acudir onde se<br />

considerava conveniente para a defesa do País.<br />

22


Carlos Jaca<br />

A 3 de Dezembro de 1644, entendeu o Rei a necessi<strong>da</strong>de de serem alistados todos<br />

os estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e procurando armá-los, ain<strong>da</strong> que fosse com material<br />

pedido às companhias de ordenança, para lhes serem restituí<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong> esta ocasião, «e<br />

dispondo as cousas de forma que possais marchar com eles à praça de armas de<br />

Extremoz». No entanto, teriam de aguar<strong>da</strong>r, para avançar, ordens de Lisboa, que seriam<br />

envia<strong>da</strong>s consoante os avisos provenientes do Alentejo.<br />

Acontece que, nos dias 5 e 6 do mesmo ano, começa a insistir-se pela marcha em<br />

aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Elvas, por via de ter chegado o aviso de que o inimigo iria sitiar a<br />

ci<strong>da</strong>de fronteiriça.<br />

Entretanto, a 9 do referido mês de Dezembro, é recebido novo aviso a fim de<br />

suspender a marcha: «que o inimigo levantara vergonhosamente o sítio (cerco) e se<br />

recolhera a Ba<strong>da</strong>joz, com grande per<strong>da</strong>, e afronta sua, e grande glória <strong>da</strong>s minhas<br />

armas…e vos mando avisar para que o tenhais entendido, e façais <strong>sobre</strong>estar com todo o<br />

apresto que vos tinha<br />

ordenado…».<br />

O Rei mandou depois<br />

comunicar ao comum <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de e a ca<strong>da</strong> um dos<br />

Lentes, em particular, a satisfação<br />

que sentia pelo ânimo com que se<br />

dispunham a servi-lo em tão<br />

melindrosa situação…Só que, em<br />

22 e 25 de Outubro de 1645, o<br />

Reitor recebeu novamente ordem para marchar com os estu<strong>da</strong>ntes para o Alentejo, não se<br />

admitindo «escusa de pessoa alguma com pretexto de privilégio, ofício ou qualquer outro,<br />

porque nenhum tem lugar para meus vassalos deixarem de me ir servir em ocasiões tão<br />

aperta<strong>da</strong>s».<br />

Com efeito, seguiam para o Alentejo, 630 sol<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de que<br />

desempenharam tão bem a sua missão que o Rei depois lhes agradeceu efusivamente, tal<br />

como aos Lentes que participaram, merecendo o Dr. Francisco Teixeira Bahia, Lente de<br />

Leis, uma carta especial.<br />

Colaboração financeira e pareceres <strong>sobre</strong> a política internacional. Para além do<br />

aspecto militar que, como se viu, levou a Universi<strong>da</strong>de a colaborar nas campanhas <strong>da</strong><br />

23


Restauração, a Instituição conimbricense teve um papel, igualmente, relevante no que diz<br />

respeito à sua contribuição para as despesas que a situação do País exigia.<br />

Carlos Jaca<br />

Como não podia deixar de ser, D. João IV recorreu aos vastos meios financeiros <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de. Durante largos anos exigiu a décima dos rendimentos <strong>da</strong>s terras e coutos<br />

universitários e nomeou, inclusivamente, um representante do corpo académico a fim de<br />

fazer parte <strong>da</strong> Junta para o subsídio de guerra. Também <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des pertencentes à<br />

Universi<strong>da</strong>de, D. João IV requereu permissão para o fornecimento dos materiais de que<br />

necessitava para os galeões <strong>da</strong> arma<strong>da</strong> nacional, como aconteceu no ano de 1651, quando<br />

saíram dos pinhais do Louriçal grandes quanti<strong>da</strong>des de madeira para o apresto dos navios<br />

de socorro às províncias ultramarinas, que eram ataca<strong>da</strong>s pelos inimigos <strong>da</strong> Espanha, com<br />

o pretexto de a ela termos estado ligados.<br />

Efectivamente, a união dinástica arrastou Portugal para o contencioso europeu,<br />

uma vez que a Europa estava dividi<strong>da</strong> em dois blocos políticos, inimigos e rivais: a Casa de<br />

França e a Casa de Áustria. Ora, em 1580 o nosso País passou a ser considerado um dos<br />

Estados <strong>da</strong> Casa de Áustria. Porém, a partir de Dezembro de 1640 a diplomacia<br />

portuguesa tinha por grande objectivo a nossa entra<strong>da</strong> no bloco oposto, o que não era<br />

tarefa fácil, porquanto, estes países tinham mais interesse em nos ter como inimigos do<br />

que como aliados.<br />

Esta posição pode explicar-se pelo facto de, no momento, a nossa aju<strong>da</strong> na Europa<br />

não ter peso e, fun<strong>da</strong>mentalmente, porque éramos senhores de vastos territórios<br />

ultramarinos então muito disputados e algumas parcelas estavam já mesmo ocupa<strong>da</strong>s por<br />

países europeus, tendo, assim, mais a ganhar em nos ter como inimigos do que como<br />

aliados.<br />

Nas condições referi<strong>da</strong>s, D. João IV não tinha outra alternativa senão organizar um<br />

corpo diplomático capaz de desempenhar uma missão que, embora espinhosa, tivesse o<br />

sucesso possível, pois, Portugal não estava em situação de impor condições.<br />

Assim, D. João IV, procurando evitar males maiores, apostou forte na via<br />

diplomática, recorrendo, com frequência, à Universi<strong>da</strong>de de Coimbra. Logo que se pensou<br />

enviar a França primeira embaixa<strong>da</strong> portuguesa, foi indicado para seu secretário o Lente de<br />

Código, Jerónimo <strong>da</strong> Silva: «…envio ao Doutor Jerónimo <strong>da</strong> Silva, Lente <strong>da</strong> cadeira de<br />

Código, por secretário <strong>da</strong> embaixa<strong>da</strong> de França, e porque não é rico, e tem obrigações de<br />

mulher e filhos, vos encarrego muito, que enquanto estiver ocupado no dito serviço,<br />

ordeneis lhe vá em folha, e se pague a sua mulher o ordenado <strong>da</strong> dita cadeira de<br />

24


Código…». Efectivamente, era na ci<strong>da</strong>de do Mondego, ou de lá provenientes, que se<br />

encontravam os juristas e canonistas <strong>da</strong> mais eleva<strong>da</strong> craveira, <strong>da</strong>ndo pareceres fun<strong>da</strong>dos<br />

em sóli<strong>da</strong>s bases só que, por vezes, não eram aceites, embora justos, pelo facto de não<br />

serem <strong>da</strong> conveniência <strong>da</strong>queles países de maior poder político e militar.<br />

Carlos Jaca<br />

Mesmo com a Santa Sé as negociações foram morosas. Apesar de D. João IV, em<br />

Junho de 1645, ter pedido o parecer do Claustro universitário <strong>sobre</strong> os negócios com a<br />

Cúria romana, e invocando com insistência a velha fideli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Coroa portuguesa ao<br />

Santo Padre, só depois <strong>da</strong> paz com a Espanha em 1668, e no ano seguinte, nos foi<br />

reconheci<strong>da</strong> a independência. A atitude de Roma baseava-se no facto de o Rei de<br />

Espanha, chefe do bloco <strong>da</strong> Casa de Áustria, ser o suporte político <strong>da</strong> causa católica, então<br />

em luta com os protestantes. Aqui terá prevalecido a sensata visão política de D. João IV,<br />

D. Luísa de Gusmão, como Regente, e do Ministro Castelo Melhor, em evitar o rompimento<br />

diplomático, o que causaria inevitáveis consequências de ordem espiritual.<br />

As missões diplomáticas foram muito difíceis e altamente lesivas dos interesses<br />

nacionais, em dinheiro e posições ultramarinas, podendo dizer-se que apenas os apoios <strong>da</strong><br />

Suécia e <strong>da</strong> Dinamarca foram positivos.<br />

De qualquer modo, será sempre de destacar o facto de D. João IV ter sabido<br />

procurar a opinião autoriza<strong>da</strong> dos grandes mestres do Reino, bem como procurando a<br />

colaboração <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, quer no aspecto puramente doutrinal pelo que dizia respeito<br />

à salvaguar<strong>da</strong> dos direitos e interesses do nosso País, quer no aspecto financeiro<br />

necessário ao estabelecimento dos acordos.<br />

A Universi<strong>da</strong>de. De meados do séc. XVII até meados do séc. XVIII.<br />

Facilmente se constatará que as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> defesa do território nacional não<br />

deixariam de ter uma forte influência negativa na activi<strong>da</strong>de intelectual <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e,<br />

obviamente, noutras instituições académicas.<br />

De facto, é mais que evidente, quando se fala na decadência dos estudos nesta<br />

época, ser obrigatório levar em conta, e como fun<strong>da</strong>mental, a alteração <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública<br />

durante muitos anos, (1640 – 1668) o desgaste <strong>da</strong> guerra na metrópole e no ultramar, bem<br />

como o esgotamento <strong>da</strong>s reservas nacionais que eram necessárias ao sustento <strong>da</strong>s<br />

activi<strong>da</strong>des.<br />

Quando o próprio corpo académico se converte em milícia guerreira, e boa parte<br />

dos rendimentos universitários são canalizados para defender a integri<strong>da</strong>de do País, está<br />

25


explica<strong>da</strong>, em grande parte, a situação pela qual entrou em declínio o funcionamento<br />

normal <strong>da</strong> “Alma Mater” conimbricense.<br />

Carlos Jaca<br />

No entanto, sublinhe-se que alguns dos males existentes na instituição académica<br />

já vinham de longe, agudizando-se por via <strong>da</strong> conjuntura política desencadea<strong>da</strong> em 1580,<br />

Situação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de após a Restauração: a disciplina escolar e a activi<strong>da</strong>de<br />

discente. Durante o dilatado espaço de cem anos, pode dizer-se que não houve<br />

modificações de relevo na orientação dos estudos superiores no nosso País, porquanto, as<br />

instituições universitárias persistiram as mesmas.<br />

No que respeita à universi<strong>da</strong>de de Coimbra, a instituição desviara-se do seu “trilho”<br />

normal, permitindo, e com frequência, certos abusos prejudiciais às boas normas do ensino<br />

e à activi<strong>da</strong>de docente. A Universi<strong>da</strong>de caiu num estado de abatimento geral que punha a<br />

descoberto uma organização puramente teórica, sem curiosi<strong>da</strong>de investigadora,<br />

interessando-se, isso sim, pela representação exterior, participação frequente nas festas e<br />

cortejos universitários e citadinos e «trocando os labores <strong>da</strong> ciência pelas funções bem<br />

remunera<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública».<br />

D. João IV, no sentido de modificar algumas destas situações, chegou a tomar<br />

providências, certamente não cumpri<strong>da</strong>s, acerca do provimento dos lugares na<br />

Universi<strong>da</strong>de, e também com a intenção de cortar os abusos que os Lentes praticavam de<br />

se ausentarem, e por muito tempo, para se divertirem ou para tratarem <strong>da</strong>s suas<br />

conveniências. Porém, eram medi<strong>da</strong>s de acaso, e sem resultados práticos, males que só<br />

seriam debelados através de uma reforma profun<strong>da</strong>.<br />

A Universi<strong>da</strong>de tinha por este tempo um avultado número de estu<strong>da</strong>ntes, em que a<br />

maioria deles só o era de nome, interessando-se mais pelas questões extra escolares,<br />

abandonando, quase por completo, as aulas.<br />

Os alunos limitavam-se a escrever as ”postilas” (explicação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo professor)<br />

dita<strong>da</strong>s e rubrica<strong>da</strong>s pelo mestre, de modo a provar a sua frequência, só que esta<br />

formali<strong>da</strong>de era, vastas vezes, ludibria<strong>da</strong>, adquirindo as “postilas” e testemunho de<br />

assidui<strong>da</strong>de “comprovado” por dois condiscípulos. A assistência às aulas diminuiu a tal<br />

ponto que, no primeiro quartel do séc. XVIII, se deixara, praticamente, de ler nas escolas,<br />

levando os estu<strong>da</strong>ntes teólogos a preferir as lições dos seus colégios à <strong>da</strong> própria<br />

Universi<strong>da</strong>de.<br />

26


Carlos Jaca<br />

A maior parte dos estu<strong>da</strong>ntes só vinha a Coimbra para se matricular, habituados<br />

que estavam a provar os seus cursos «os mais deles sem residir nem cursar». O mal já<br />

tinha profun<strong>da</strong>s raízes. Em Novembro de 1640, Filipe IV de Espanha, (III de Portugal) em<br />

carta dirigi<strong>da</strong> ao Reitor Manuel de Sal<strong>da</strong>nha, considerava que «a causa principal dos<br />

estu<strong>da</strong>ntes serem menos curiosos procede <strong>da</strong> falta que os Lentes proprietários fazem na<br />

lição <strong>da</strong>s suas cadeiras».<br />

Pelo facto de só haver exames nos últimos anos do curso, e a matéria <strong>sobre</strong> que<br />

versavam ser muitas vezes conheci<strong>da</strong> antecipa<strong>da</strong>mente, os estu<strong>da</strong>ntes, para esse efeito,<br />

procuravam ser leccionados por um graduado, geralmente um doutor. Assim, «qualquer<br />

estu<strong>da</strong>nte, por mais ignorante que fosse, podia aspirar ao doutoramento».<br />

A propósito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e disciplinas académicas, um autor anónimo, de meados do<br />

séc. XVII, num livro interessante e curioso de crítica social, “A Arte de furtar”, cap. XXXII,<br />

deixou-nos o seguinte passo: «Como há-de haver no mundo que se tolere e se permita<br />

provarem cursos em Coimbra mais de um cento de estu<strong>da</strong>ntes, todos os anos sem porem<br />

o pé na Universi<strong>da</strong>de? An<strong>da</strong>m na sua terra matando cães, e escrevem, a seu tempo, ao<br />

amigo, que os aprovem lá na matrícula, representando suas figuras e nomes; e <strong>da</strong>qui<br />

resultam as sentenças lastimosas que ca<strong>da</strong> dia vemos <strong>da</strong>r a julgadores, que não sabem<br />

qual é a sua mão direita, mais que para embolsarem com ela espórtulas e ordenados,<br />

como se fossem Bártolos (Bártolo de Sassoferrato, séc. XIV, considerado o maior jurista <strong>da</strong><br />

I<strong>da</strong>de Média) e Covas – Rubias (?). Daqui, matarem os médicos milhares de homens, e<br />

pagarem-se como se fossem Avicenas e Galenos. E a graça, ou maior desgraça, é que<br />

nem o diabo, que lhes ensinou estes enredos, lhes saberá <strong>da</strong>r remédio, salvo se for<br />

levando-os a todos, que é o que pretende».<br />

A Universi<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> tomou algumas medi<strong>da</strong>s no sentido de prevenir a falta de<br />

residência dos seus alunos, ordenando que se estabelecessem duas “matrículas incertas”<br />

e mais tarde determinou-se que houvesse apenas uma, visto que <strong>da</strong> primeira medi<strong>da</strong> não<br />

resultou «aquela utili<strong>da</strong>de que constituía a causa final <strong>da</strong>s ditas disposições, mas antes tem<br />

mostrado a experiência que na prática delas se encontram inconvenientes e prejuízos<br />

particulares dos estu<strong>da</strong>ntes, sem que pelo meio deles se conhecesse maior adiantamento<br />

nos estudos públicos…». O caso é que os estu<strong>da</strong>ntes tomavam sempre conhecimento do<br />

primeiro dia de chama<strong>da</strong> de tais matrículas e, prevenidos através de diligentes “correios “<br />

pagos, apresentavam-se no momento oportuno.<br />

27


Carlos Jaca<br />

Estabeleceu-se também, desde longos tempos, o mau costume de conceder “anos<br />

de mercê», dois perdões de acto, (exame) que eram, na generali<strong>da</strong>de, a esperança dos<br />

inaptos e dos cábulas. O último destes benefícios, concedido antes <strong>da</strong> reforma pombalina,<br />

foi em 3 de Fevereiro de 1756, a pedido dos estu<strong>da</strong>ntes naturais de Lisboa, Algarve e<br />

Brasil, após o Terramoto de 1755, porque necessitavam de «refrigerar os ânimos e buscar<br />

as casas de seus pais, parentes e pessoas que lhes assistiam com as mesa<strong>da</strong>s».<br />

Agitação e turbulência no meio estu<strong>da</strong>ntil. O testemunho de Ribeiro Sanches. A<br />

irregulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> frequência escolar era também acompanha<strong>da</strong> por desacatos provocados<br />

pelos estu<strong>da</strong>ntes na ci<strong>da</strong>de, os quais se organizavam em grupos para cometer os maiores<br />

excessos, pelo que houve necessi<strong>da</strong>de de recorrer a uma repressão violenta e persistente.<br />

Em 1648, 1656 e 1671, foram várias as provisões para pôr cobro aos escân<strong>da</strong>los<br />

provocados pela vi<strong>da</strong> ociosa e libertina dos estu<strong>da</strong>ntes, que continuavam ain<strong>da</strong> na primeira<br />

metade do século XVIII, em an<strong>da</strong>r «de dia e de noite com capotes por to<strong>da</strong> a parte, com<br />

espa<strong>da</strong>s e outras armas debaixo do braço, e muitos embuçados, e outros afetando<br />

(alterando) assim com cabeleiras trazer a cara descoberta, obrando solturas (atrevimento,<br />

licenciosi<strong>da</strong>de) e intimi<strong>da</strong>ndo to<strong>da</strong> a pessoa como é notório».<br />

As vítimas eram pessoas pacíficas e indefesas, mas também <strong>sobre</strong> os estu<strong>da</strong>ntes<br />

novatos (“caloiros”) se exerciam troças e brutali<strong>da</strong>des que, por vezes, causavam mortes, ou<br />

os levavam ao afastamento <strong>da</strong> convivência escolar. Tais comportamentos levaram a impor,<br />

algumas vezes, a derrogação<br />

(abolição) do foro académico,<br />

como aconteceu em 7 de Junho<br />

de 1727, quando D. João V,<br />

depois de ouvido o Tribunal <strong>da</strong><br />

Consciência e Ordens, mandou<br />

«que todo e qualquer estu<strong>da</strong>nte<br />

que por obra ou palavra ofender<br />

a outro com o pretexto de<br />

novato, ain<strong>da</strong> que seja<br />

levemente, lhe sejam riscados os<br />

cursos e fique o conservador <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de obrigado a tomar<br />

em segredo as denunciações que a este respeito se lhe fizerem, o qual fará sumário delas,<br />

e o entregará ao reitor que for <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de para este o sentenciar, <strong>da</strong>s quais sentenças<br />

28


não haverá apelação nem agravo para o dito Tribunal, como se pratica com os que são<br />

compreendidos em matrículas falsas».<br />

Carlos Jaca<br />

António Nunes Ribeiro Sanches, considerado, por muitos, um ver<strong>da</strong>deiro<br />

enciclopedista, médico na Corte russa e depois residente em França, frequentou a<br />

Universi<strong>da</strong>de de Coimbra. Insatisfeito com «os horrores e a vi<strong>da</strong> estraga<strong>da</strong>» que<br />

experimentou, transferiu-se para Salamanca onde recebeu o título de Doutor em Medicina,<br />

no ano de 1724.<br />

Da sua passagem por Coimbra, deixou, o famoso médico e pe<strong>da</strong>gogo, no seu<br />

“Método para aprender a estu<strong>da</strong>r a Medicina”, um depoimento, preciso e real, <strong>da</strong>s<br />

anormali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> funcional <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de: «O curso académico de Coimbra,<br />

começando pelo S. Lucas, e acabando a 15 de Maio, não contém mais que cento e nove<br />

dias lectivos; e por causa dos dias de festa <strong>da</strong> Igreja, dos Préstitos, e outras funções<br />

académicas, que todo o curso lectivo de sete meses se reduz a quase noventa dias<br />

lectivos, ou três meses.<br />

Se contarmos os estu<strong>da</strong>ntes que voltam para suas casas tanto que se matricularam<br />

na Universi<strong>da</strong>de três vezes por ano, o Curso académico para estes não foi de vinte dias<br />

lectivos…<br />

Ca<strong>da</strong> estu<strong>da</strong>nte era o senhor de alugar casa onde achava mais <strong>da</strong> sua<br />

conveniência, uns na ci<strong>da</strong>de e arrabaldes, outros perto <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de: conheci muitos<br />

que se levantavam somente <strong>da</strong> cama para jantar, estando com boa saúde; outros<br />

passando o dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas, e fazer versos. Quase<br />

todos matriculados em Cânones, nunca estu<strong>da</strong>ram nos primeiros quatro anos: o primeiro<br />

estudo era “apostilla” pela qual deviam defender conclusões no quinto ano. Não havia noite<br />

de Inverno sem “Oiteiros” (concursos poéticos de apaixonados propostos pelas freiras,<br />

junto dos conventos) mesmo diante dos Colégios de S. Pedro e S. Paulo: ron<strong>da</strong>vam<br />

armados de noite, como se a Universi<strong>da</strong>de estivesse sitia<strong>da</strong> pelo inimigo: muitos tinham<br />

seu cão de fila, que era a sua companhia de noite. Nas aulas nunca ouvi que tivessem<br />

Inspectores, ou Reformadores quotidianos. Os proprietários <strong>da</strong>s casas não tinham<br />

obrigação de <strong>da</strong>rem parte ao Conselho Académico do procedimento dos estu<strong>da</strong>ntes que<br />

alojavam. Semelhantes homens e estu<strong>da</strong>ntes deviam ser expulsos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de; o<br />

Estado faz tantos gastos na sua conservação para tirar dela súbditos que o sirvam;<br />

semelhantes ânimos devem ser castigados com a ignominia que merecem…».<br />

29


Carlos Jaca<br />

Mesmo no interior <strong>da</strong>s próprias instalações universitárias terão acontecido situações<br />

de indisciplina bem complica<strong>da</strong>s e, até, altamente reprováveis.<br />

Por Carta régia de 17 de Janeiro de 1746, D. João IV determinava que «todos os<br />

Lentes e estu<strong>da</strong>ntes quando tomassem qualquer grau, jurassem defender que a Virgem<br />

Nossa Senhora fora concebi<strong>da</strong> em graça, sem mácula de pecado».<br />

Aconteceu que nos inícios do séc. XVIII, em 1709, o nome <strong>da</strong> Imacula<strong>da</strong> Conceição<br />

apareceu riscado no livro de juramento dos bacharéis. Este caso, que um noticiarista <strong>da</strong><br />

“Gazeta em Forma de Carta” classificou de «abominável sacrilégio, ímpio, execrando e<br />

herético», deu origem a investigações que acabaram por não levar ao apuramento do<br />

responsável, ou irresponsável.<br />

Por vezes, também acontecia, simultaneamente, ou não, serem civis a provocar<br />

agitações sociais na ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ndo origem a «graves e atrocíssimos crimes», cujos autores<br />

procuravam escapar-se ao rigor <strong>da</strong> lei utilizando a vestimenta própria dos estu<strong>da</strong>ntes,<br />

cobrindo-se com capas, a fim de que às autori<strong>da</strong>des não fosse possível reconhecê-los na<br />

fuga.<br />

Uma dessas agitações, 1674, foi de tal modo grave que a Coroa não pôde deixar de<br />

agir com mão pesa<strong>da</strong>. Assim, por Lei de 25 de Abril de 1674, proibiu as pessoas de<br />

qualquer estado ou quali<strong>da</strong>de, estu<strong>da</strong>ntes ou não, de trazerem barrete ou a capa pela<br />

cabeça. As penas variavam: sendo nobre, teria cinco anos de degredo no Brasil, e sendo<br />

mester, (tendo ofício) igual tempo em Angola. No caso dos prevaricadores serem<br />

estu<strong>da</strong>ntes, e já foi em parte referido, a matrícula era considera<strong>da</strong> sem efeito e os cursos<br />

riscados, aplicando uma pena grave aos ministros <strong>da</strong> Justiça que tentassem beneficiar os<br />

réus.<br />

Tentativas de reforma.<br />

Durante a regência do futuro D. Pedro II, que veio a substituir o irmão, D. Afonso VI,<br />

por incapaci<strong>da</strong>de deste, a Universi<strong>da</strong>de de Coimbra tornou-se ca<strong>da</strong> vez mais dependente<br />

do poder real. Para tal situação terá contribuído o apoio militar e ideológico que mestres e<br />

alunos tinham <strong>da</strong>do à causa <strong>da</strong> Restauração.<br />

Porém, o ensino mantinha-se fiel ao ideal <strong>da</strong> “especulação” e <strong>da</strong> “controvérsia”,<br />

mais voltado para a ciência livresca do que para a ciência experimental.<br />

Glosar as autori<strong>da</strong>des, como determinavam os próprios Estatutos, era a função dos<br />

docentes, enquanto a dos alunos se limitava ao registo <strong>da</strong>s “postilas”. Como refere, em<br />

30


1720, o Padre Rafael Bluteau, <strong>da</strong> Congregação do Oratório, «hoje nas Universi<strong>da</strong>des<br />

“Postilla” é a lição que dão os lentes, fazendo as pausas e intervalos que se costumam,<br />

quando se dita […] Tomar “postilha”, às vezes vale o mesmo que estu<strong>da</strong>r».<br />

Carlos Jaca<br />

A Sagra<strong>da</strong> Escritura, São Tomás, Pedro Lombardo, o Decreto, as Decretais,<br />

Galeno e Hipócrates eram a base de trabalho. O interesse pelas línguas antigas, a não ser<br />

o Latim, pela Matemática ou pela Anatomia perdera-se ou ignorava-se.<br />

Em 1739 o Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de chama a atenção para inexistência de práticas<br />

anatómicas na Facul<strong>da</strong>de de Medicina mas, talvez contando já com alguma abertura de D.<br />

João V, recomen<strong>da</strong> ao novo Lente de Anatomia que se oriente pelos autores modernos que<br />

melhor entender, mesmo que as suas ver<strong>da</strong>des sejam contrárias às de Galeno, a que o<br />

Estatuto obrigava.<br />

O Reitor acima referido é Francisco Carneiro de Figueiroa, Doutor em Direito Civil,<br />

que durante vinte e dois anos (1822 – 1844) governou a Universi<strong>da</strong>de com grande<br />

merecimento. Durante o seu longo reitorado foram publica<strong>da</strong>s muitas determinações<br />

tendentes a melhorar as condições respeitantes à vi<strong>da</strong> e disciplina académica e que,<br />

devido à sua compreensão e bon<strong>da</strong>de natural, conseguiu, por algum tempo, levar a bom<br />

porto os seus intentos.<br />

Carneiro de Figueiroa prestou grandes serviços à Universi<strong>da</strong>de, sendo de destacar<br />

a organização, a pedido <strong>da</strong> Academia Real <strong>da</strong> <strong>História</strong>, <strong>da</strong>s “Memórias <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />

Coimbra”, com a documentação do arquivo universitário, um trabalho penoso e<br />

desinteressado.<br />

Dos monarcas que governaram Portugal, D. João V pode considerar-se um dos<br />

maiores protectores <strong>da</strong> cultura. A Corte de D. João V não foi refractária à inovação,<br />

consentindo, e até incentivando, algumas aberturas na área cultural, chegando a planear-<br />

se uma reforma profun<strong>da</strong> dos estudos. Tratava-se de uma reforma não só de acordo com<br />

as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> disciplina, mas também de harmonia com as novas concepções<br />

científicas que dominavam lá fora e iam cativando os espíritos portugueses mais<br />

desempoeirados, nomea<strong>da</strong>mente os denominados “estrangeirados” que viviam, exilados ou<br />

não, fora do País, e muita influência vieram a ter no desenvolvimento cultural <strong>da</strong> Nação: D.<br />

Luís <strong>da</strong> Cunha, Alexandre de Gusmão, Jacob de Castro Sarmento, Ribeiro Sanches, Luís<br />

António Verney, etc.<br />

Este último (1713 – 1792), natural de Lisboa, mas de origem francesa, saiu de<br />

Portugal com vinte e três anos de i<strong>da</strong>de, em direcção a Roma a fim de aí estu<strong>da</strong>r Teologia<br />

31


e Direito Canónico. Já chegou a aventar-se a hipótese de Verney ter saído de Portugal sob<br />

a protecção de D. João V, a fim de tomar contacto com a vi<strong>da</strong> mental estrangeira<br />

recolhendo ideias de que o nosso País viesse a beneficiar. Certo, certo, é que este<br />

“estrangeirado” pode considerar-se o principal representante do movimento de renovação<br />

pe<strong>da</strong>gógica, embora a sua projecção cultural esteja mais liga<strong>da</strong> ao reinado de D. José, por<br />

via <strong>da</strong> reforma pombalina.<br />

Carlos Jaca<br />

“O Ver<strong>da</strong>deiro Método de Estu<strong>da</strong>r”, o mais importante dos seus livros, apresenta-<br />

nos as bases orientadoras de uma profun<strong>da</strong> reforma dos estudos, em todos os campos <strong>da</strong><br />

ciência, abandonando totalmente a autori<strong>da</strong>de dos filósofos antigos: «se eu falar a um<br />

homem em matéria, forma, privação, actos primeiros, actos segundos, acções educativas,<br />

etc., isto é uma sala<strong>da</strong> tal que estou certo que não entenderá palavra; pelo contrário, se lhe<br />

mostro as experiências que se fizeram nesta ou naquela matéria e lhe explico as<br />

consequências que <strong>da</strong>qui se tiram, cuido que me há-de entender».<br />

Esta obra foi uma <strong>da</strong>s mais revolucionárias <strong>da</strong> literatura de ideias e foram as teorias<br />

e as críticas nela desenvolvi<strong>da</strong>s, que a reforma pombalina pretendeu, pelo menos em<br />

parte, implantar nas instituições universitárias.<br />

A política oficial, em relação à cultura, não deixou de ser sensível às novas ideias e,<br />

embora não tenha chegado às grandes reformas, fomentou-se o conhecimento e o estudo<br />

público <strong>da</strong>s modernas doutrinas filosóficas, lutando contra o “estabelecido” e criando uma<br />

dinâmica activi<strong>da</strong>de científica e pe<strong>da</strong>gógica. Refira-se, neste caso, a Congregação do<br />

Oratório que representou na época a pe<strong>da</strong>gogia moderna e manteve um centro de ensino<br />

no Convento <strong>da</strong>s Necessi<strong>da</strong>des, onde D. João V mandou instalar um excelente Gabinete<br />

de Física Experimental, beneficiando ain<strong>da</strong> os oratorianos com uma livraria de trinta mil<br />

volumes e uma ren<strong>da</strong> anual de 12.000 cruzados, «com obrigação de ensinarem<br />

publicamente Primeiras Letras, Gramática Latina, Retórica, Filosofia e Teologia Natural».<br />

Convém dizer que o desejo de acompanhar a evolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de europeia,<br />

além Pirinéus, não foi apenas por uma toma<strong>da</strong> de consciência do valor próprio dessa<br />

evolução, «mas pelo que nela havia de espectacular, muito do agrado do seu<br />

temperamento, dispôs D. João V a prestar auxílios magnânimos a to<strong>da</strong>s as formas<br />

concretas promotoras desse espectáculo».<br />

Como quer que fosse, não interessará muito, julgo, o espírito com que agiu, mas<br />

sim o que, de facto, proporcionou à cultura portuguesa no campo <strong>da</strong>s novi<strong>da</strong>des científicas,<br />

apesar de alguma resistência <strong>da</strong> Companhia de Jesus à modernização do ensino e <strong>da</strong><br />

Inquisição à circulação de novas ideias, embora já houvesse elementos pertencentes a<br />

32


estas instituições atentos e curiosos ao que se passava, tomando consciência dos novos<br />

caminhos abertos ao entendimento humano. Luís António Verney, talvez o mais notável<br />

dos “iluministas” portugueses, frequentou durante sete anos o Colégio de Santo Antão, em<br />

Lisboa, pertencente à Companhia de Jesus.<br />

Carlos Jaca<br />

A movimentação cultural foi de tal modo evidente, nesta primeira metade do séc.<br />

XVIII, que não se poderá rejeitar o facto de considerarmos mais razoável situar no reinado<br />

de D. João V a abertura de Portugal a uma actualização cultural europeia, do que situá-la,<br />

como é corrente, à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>s reformas pombalinas.<br />

Efectivamente, parece não ser difícil constatar que D. João V terá “adubado” o<br />

terreno que, alguns anos depois, Carvalho e Melo explorou, <strong>da</strong>ndo à Universi<strong>da</strong>de a melhor<br />

reforma que se fizera até então.<br />

Enriquecimento do conjunto monumental.<br />

Relativamente ao presente estudo, e no que diz respeito a melhoramentos<br />

materiais, a Universi<strong>da</strong>de foi enriqueci<strong>da</strong> com iniciativas de grande vulto, constituindo um<br />

espaço de riquíssimo valor histórico, patrimonial e artístico, reconhecido nacional e<br />

internacionalmente, pelo que, durante o ano, recebe milhares de pessoas dos quatro<br />

cantos do mundo.<br />

No segundo quartel do séc. XVII (1634) foi construí<strong>da</strong> a Porta Férrea, entra<strong>da</strong> nobre<br />

do edifício principal <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, projecta<strong>da</strong> pelo arquitecto António Tavares e<br />

executa<strong>da</strong> por Isidro Manuel.<br />

Concebi<strong>da</strong> como um arco triunfal consagrado a Minerva, «representação simbólica<br />

do princípio e fim de cursos», integra um grupo escultórico, alegorias que se referem às<br />

diversas facul<strong>da</strong>des: Medicina e Leis no exterior e Teologia e Cânones no interior, e<br />

estátuas dos reis que as estabeleceram, D. Dinis e D. João III e, ain<strong>da</strong> uma figura <strong>da</strong><br />

Sapiência a coroar todo o conjunto. D. João V deu-lhe um novo arco, obra de mestre<br />

Gaspar Ferreira.<br />

A Porta Férrea leva-nos ao Pátio <strong>da</strong>s Escolas. À direita levanta-se uma elegante<br />

colunata setecentista denomina<strong>da</strong> por Via Latina. Tem dois lanços de esca<strong>da</strong>s laterais e<br />

uma esca<strong>da</strong>ria central que dá acesso a um harmonioso e alto pórtico rematado por um<br />

frontão triangular. No espaço <strong>da</strong> Via Latina destaca-se ain<strong>da</strong> um retábulo escultórico em<br />

pedra, obra do escultor francês Claude Laprade, feito nos primeiros anos do séc. XVIII.<br />

33


Carlos Jaca<br />

Da Via Latina pode chegar-se à Sala Grande dos Actos, também conheci<strong>da</strong> por<br />

Sala dos Capelos, onde decorrem as cerimónias mais significativas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> académica,<br />

nomea<strong>da</strong>mente os doutoramentos. No tempo do Reitor Manuel de Sal<strong>da</strong>nha, e entre 1654-<br />

1656, o arquitecto António Tavares reformulou-a completamente, podendo admirar-se o<br />

tecto de madeira, com motivos de grande efeito, apainelado e pintado por Jacinto Pereira<br />

<strong>da</strong> Costa, em 1655. Na galeria superior, e em to<strong>da</strong> a volta <strong>da</strong> Sala encontram-se grandes<br />

telas com os retratos de todos os reis de Portugal.<br />

Ao fundo <strong>da</strong> Via Latina está a porta que dá acesso aos <strong>Gerais</strong>, a área <strong>da</strong>s antigas<br />

salas de aula, hoje Facul<strong>da</strong>de de Direito, dispostas em torno de um claustro de dois pisos.<br />

Os <strong>Gerais</strong> foram objecto de remodelação entre 1695 e 1702, e, <strong>sobre</strong>tudo, «se fizeram de<br />

novo os <strong>Gerais</strong> de Teologia e de Instituta…e por cima <strong>da</strong>s portas de ca<strong>da</strong> um dos <strong>Gerais</strong><br />

se puseram epigramas muito bem feitos e apropriados às ciências que neles se ensinam».<br />

A Torre, “ex-libris” <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> própria ci<strong>da</strong>de de Coimbra, situa-se no<br />

Pátio <strong>da</strong>s Escolas, ocupando o ângulo dos edifícios. A sua história (ou proto-história)<br />

remonta a 1537.<br />

Ao ser transferi<strong>da</strong> para Coimbra, no<br />

referido ano, a Universi<strong>da</strong>de justificou «não<br />

haver boa ordem sem relógio». A Torre actual,<br />

ocupando sensivelmente o mesmo local, viria a<br />

ser construí<strong>da</strong> entre 1728 e 1733, no reinado<br />

de D. João V, sendo Reitor Francisco Carneiro<br />

de Figueiroa.<br />

Esta elegante Torre, de 33,5 metros de<br />

altura, e do Barroco Joanino, aloja, além dos<br />

relógios, os sinos, sendo um deles a célebre<br />

“Cabra” que marca as horas do despertar e do<br />

recolher dos estu<strong>da</strong>ntes. Do seu alto, pode<br />

desfrutar-se uma panorâmica impar <strong>sobre</strong> a<br />

ci<strong>da</strong>de e vale do Mondego.<br />

de S. Miguel, também conheci<strong>da</strong> por Capela <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.<br />

No seguimento <strong>da</strong> Torre, e no corpo<br />

fronteiro à entra<strong>da</strong> do Pátio, situa-se a Capela<br />

Apresenta-se com um belo portal de estilo manuelino, man<strong>da</strong>do construir entre<br />

1519 e 1522, e que é <strong>da</strong> autoria de Marcos Pires e Diogo de Castilho. O interior <strong>da</strong> Capela<br />

34


é sumptuoso, pelas paredes forra<strong>da</strong>s por policromos azulejos seiscentistas, um excelente<br />

órgão barroco, decorado de talhas doura<strong>da</strong>s e motivos chineses, <strong>da</strong>tado de 1733, sendo,<br />

ain<strong>da</strong> hoje, utilizado em concertos e outras festivi<strong>da</strong>des.<br />

Carlos Jaca<br />

Na Capela-Mor destaca-se um imponente retábulo maneirista (transição do<br />

renascentismo para a arte barroca) com tábuas alusivas à vi<strong>da</strong> de Cristo, atribuí<strong>da</strong>s a<br />

Simão Rodrigues e Domingos Serrão.<br />

Suspenso do arco cruzeiro está um lampadário de prata, obra-prima <strong>da</strong> ourivesaria<br />

dos finais do séc. XVI; <strong>sobre</strong> o coro alto foi edifica<strong>da</strong>, durante o último quartel do séc. XVIII<br />

uma tribuna real.<br />

Em dependências anexas encontra-se instalado o Museu de Arte Sacra, composto,<br />

principalmente, por obras de escultura barroca, ourivesaria, paramentos, mobiliário, pintura,<br />

livros e diversas alfaias do culto, com que foi dotado ao longo do tempo.<br />

Na Capela existe, ain<strong>da</strong>, uma bela escultura de Santa Catarina, padroeira dos<br />

estu<strong>da</strong>ntes, de estilo barroco, executa<strong>da</strong> pelo monge beneditino, Frei Cipriano <strong>da</strong> Cruz.<br />

A propósito deste monge-artista registe-se a sua influência na escultura beneditina<br />

do Minho, referindo-se, apenas, as imagens do retábulo primitivo de Tibães, a decoração<br />

<strong>da</strong> sua sacristia, as imagens <strong>da</strong>s capelas, as figuras <strong>da</strong>s facha<strong>da</strong>s e duas imagens em<br />

pedra.<br />

D. João V, no prosseguimento <strong>da</strong>s suas grandes realizações materiais, iria legar à<br />

Universi<strong>da</strong>de de Coimbra o imponente edifício <strong>da</strong> sua Biblioteca, em atenção às instâncias<br />

e esforços do Reitor Nuno <strong>da</strong> Silva Teles, sobrinho de um anterior reitor do mesmo nome.<br />

Inicia<strong>da</strong> a construção no ano de 1717, foi concluí<strong>da</strong> em 1728.<br />

Na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Capela de S. Miguel, a Biblioteca Joanina, também chama<strong>da</strong><br />

Casa <strong>da</strong> Livraria, é considera<strong>da</strong> «a obra-prima do ciclo joanino <strong>da</strong> arquitectura coimbrã» e<br />

uma <strong>da</strong>s mais belas do mundo, sendo, também, reconheci<strong>da</strong> como uma <strong>da</strong>s mais originais<br />

e espectaculares bibliotecas barrocas europeias.<br />

O portal nobre, de estilo barroco, é encimado por um grande escudo nacional. O<br />

interior é formado por três salas quadrangulares que comunicam entre si por arcos<br />

decorados, com estrutura idêntica à do portal, onde se inserem emblemas universitários em<br />

talha doura<strong>da</strong>, <strong>sobre</strong>pujados por coroa real de D. João V.<br />

As paredes <strong>da</strong>s três salas, verde, vermelha e preta, são revesti<strong>da</strong>s por magnificas<br />

estantes de dois an<strong>da</strong>res, em madeiras exóticas, doura<strong>da</strong>s e policroma<strong>da</strong>s, decora<strong>da</strong>s por<br />

talhas e delica<strong>da</strong> “chinoiserie” (imitação do estilo chinês à arte ocidental, particularmente do<br />

séc. XVIII) de motivos exóticos dourados, obra pictórica executa<strong>da</strong> por Manuel <strong>da</strong> Silva. A<br />

35


parede <strong>da</strong> última sala tem, ao fundo, uma rica moldura com um grande retrato do Rei<br />

“Magnânimo”, provavelmente pinta<strong>da</strong> pelo italiano Domenico Duprà.<br />

Carlos Jaca<br />

O edifício tem três an<strong>da</strong>res, havendo no piso nobre (aquele que se visita) cerca de<br />

40.000 volumes. Para além <strong>da</strong> riqueza dos materiais e <strong>da</strong> beleza artística <strong>da</strong> decoração<br />

barroca, a Biblioteca Joanina possui alguns dos mais raros e importantes livros existentes<br />

em fundos bibliográficos nacionais.<br />

Todos estes exemplares bibliográficos (cerca de 200.000) estão em boas<br />

condições, visto que o edifício foi preparado para garantir um ambiente perfeitamente<br />

estável ao longo de todo o ano. De facto, a construção foi congemina<strong>da</strong> para ser uma “casa<br />

de livros”, tendo a protegê-la paredes exteriores de 2,11 metros de espessura, sendo a<br />

porta feita de madeira de teca, o que permite manter uma temperatura de 18 a 20 o C. Além<br />

de local de pesquisa, o espaço é ain<strong>da</strong><br />

frequentemente utilizado para concertos,<br />

exposições e outras manifestações culturais.<br />

Sobre o que ficou dito acerca dos<br />

estudos universitários nesta época, e em<br />

particular do que se passava na Universi<strong>da</strong>de<br />

de Coimbra, pode concluir-se que esta<br />

Instituição havia entrado numa lenta agonia,<br />

mostrando-se impermeável e atrasa<strong>da</strong> em<br />

relação ao que se passava na Europa. Verney e<br />

Ribeiro Sanches não se cansaram de o afirmar.<br />

O País tinha consciência <strong>da</strong> fraqueza<br />

<strong>da</strong>s condições práticas do seu ensino e, assim, como se tornara urgente levar a cabo a<br />

reforma <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, de modo que esta pudesse ter na sua organização<br />

os meios de desenvolver as ciências exactas e <strong>da</strong> natureza, era necessário alguém com<br />

larga visão e clarividência de espírito a quem o Rei concedesse poderes ilimitados, pois,<br />

mesmo assim, como se veio a verificar, não seria tarefa fácil para quem ousasse tentar<br />

modificar mentali<strong>da</strong>des e instituições. Ousou-o Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro<br />

Marquês de Pombal, homem que na prática personificava o poder do Estado, com pulso<br />

mais que suficiente, e rodeando-se <strong>da</strong>s pessoas certas, para resolver a situação em que se<br />

encontrava a educação em Portugal.<br />

36


Bibliografia Consulta<strong>da</strong>.<br />

Nota: A presente bibliografia serviu de apoio aos trabalhos publicados no Suplemento “Cultura”, sob o título<br />

«<strong>Linhas</strong> <strong>Gerais</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>História</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Conimbricense</strong>”. Das suas origens à Reforma Universitária<br />

Pombalina de 1772, em 20 e 27 de Janeiro e 3 de Fevereiro, 9, 16 e 23 de Junho de 2010, 2, 9 e 16 de<br />

Fevereiro de 2011 e<br />

Bibliografia.<br />

Almei<strong>da</strong>, Manuel Lopes de – “Notícias <strong>da</strong> aclamação e de outros sucessos”. Coimbra, 1940.<br />

“Arte de furtar” – Anónimo do séc. XVII. Edições Afrodite. Lisboa, 1970.<br />

Borges, Nelson Correia – “Coimbra e sua Região”. Editorial Presença, 1987.<br />

Braga, Teófilo – “<strong>História</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra”. Lisboa, 1892.<br />

Brandão, Mário e Almei<strong>da</strong>, M. Lopes – “A Universi<strong>da</strong>de de Coimbra”. Esboço <strong>da</strong> sua<br />

história. Por ordem <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de. Coimbra, 1937<br />

Brandão, Mário – “O Colégio <strong>da</strong>s Artes”. Coimbra, 1948.<br />

Brandão, Mário – “A Inquisição e os professores do Colégio <strong>da</strong>s Artes”. Coimbra,<br />

1953.<br />

Carvalho, Rómulo de – “<strong>História</strong> do Ensino em Portugal”Fun<strong>da</strong>ção Calouste Cruz,<br />

Gulbenkian, 1956.<br />

Cruz, Guilherme Braga <strong>da</strong> – “Origem e evolução <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de”. Lição proferi<strong>da</strong> no<br />

Congresso Nacional <strong>da</strong> J. U. C. (Lisboa 1953). Coimbra, 1954.<br />

Dias, José Sebastião <strong>da</strong> Silva – “Portugal e Cultura Europeia” (sécs. XVI a XVIII).<br />

Coimbra, MCMLIII.<br />

Dias, José Sebastião <strong>da</strong> Silva – “A Política Cultural de D: João III. Universi<strong>da</strong>de de<br />

Coimbra, 1969.<br />

Dicionário de <strong>História</strong> de Portugal – Direcção de Joel Serrão. Iniciativas editoriais.<br />

Gonçalves, Júlio – “O Infante D. Pedro, As Sete Parti<strong>da</strong>s e a génese dos Descobrimentos”. Agência Geral do<br />

Ultramar. Divisão de Publicações e Biblioteca, 1955.<br />

“<strong>História</strong> de Portugal”. – Direcção de José Matoso. Circulo de Leitores, 1993.<br />

“<strong>História</strong> de Portugal” – Dirigi<strong>da</strong> por José Hermano Saraiva. Publicações Alfa.<br />

“Livro Verde <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra”. Transcrição. Apresentação de Manuel. Augusto Rodrigues.<br />

Transcrição de Maria Teresa Nobre Veloso. Arquivo <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, 1992<br />

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Filhos de D. João I”. Guimarães & C. a Editores. Lisboa, 1958.<br />

“Memórias <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra”, ordena<strong>da</strong>s por Francisco Carneiro de Figueiroa – Reitor e<br />

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Peres, Damião – “<strong>História</strong> de Portugal”. Edição Barcelos. MCXXVIII.<br />

Ribeiro, José Silvestre – “Estabelecimentos Scientíficos, Literários e Artísticos de Portugal”. Tomo I. Lisboa,<br />

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Rodrigues, Francisco S. J. – “<strong>História</strong> <strong>da</strong> Companhia de Jesus na Assistência em Portugal”. Tomo I. Vol. II.<br />

Porto, 1931.<br />

Carlos Jaca<br />

37


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<strong>História</strong>”. Arquivo <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra – 1991.<br />

Sá, Artur Moreira de – “A Carta de Bruges” do Infante D. Pedro. Separata de “Biblos”,<br />

Vol. XXVIII. Coimbra, MCMLII<br />

Sá, Artur Moreira de – “O Infante D. Henrique e a Universi<strong>da</strong>de”. Comissão Executiva <strong>da</strong>s comemorações do<br />

quinto centenário <strong>da</strong> morte do Infante D. Henrique. Lisboa, 1960.<br />

Sá, A. Moreira de – “Dúvi<strong>da</strong>s e Problemas <strong>sobre</strong> a Universi<strong>da</strong>de Medieval Portuguesa.<br />

Lisboa, 1965.<br />

Saraiva, António José – “O Crepúsculo <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média em Portugal”. Gradiva. 1988<br />

Serrão, Joaquim Veríssimo – “<strong>História</strong> de Portugal». Editorial Verbo, 1982.<br />

Carlos Jaca<br />

38

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