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O CLAUSTRO ESTÁ NA RUA! - Universidade de Coimbra

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PÁGI<strong>NA</strong> 24 O <strong>CLAUSTRO</strong><br />

Opinião<br />

Dis. Por Sara Rocha*<br />

Cidadania: fardo ou libertação?<br />

Hoje, mais do que em qualquer outra época, proliferam<br />

apelos “à cidadania” nas diferentes esferas públicas que<br />

compõem a vida em socieda<strong>de</strong> – no trabalho, na escola,<br />

nos media – e os quais são prescritos frequentemente em<br />

contornos <strong>de</strong> urgência. Surge assim a impressão <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>vemos fazer alguma coisa rapidamente: assumir uma<br />

participação activa na vida pública, adquirir responsabilida<strong>de</strong><br />

social, moral e ambiental, ser solidário e tolerante,<br />

entre outros chamamentos que invocam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contribuirmos todos para a construção <strong>de</strong> uma “socieda<strong>de</strong><br />

melhor”, em resposta à actual crise social, económica e<br />

política. Pois bem, a palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mudança também<br />

chegou à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Coimbra</strong> (UC), a qual, através<br />

da sua Missão plasmada nos seus Estatutos, implica toda a<br />

comunida<strong>de</strong> académica para o “<strong>de</strong>senvolvimento económico<br />

e social, para a <strong>de</strong>fesa do ambiente, para a promoção<br />

da justiça social e da cidadania esclarecida e responsável e<br />

para a consolidação da soberania assente no conhecimento”.<br />

Portanto, todos – estudantes, docentes, funcionários<br />

– estamos envolvidos naquele que é o crescente apelo à<br />

responsabilida<strong>de</strong> social das instituições <strong>de</strong> ensino superior,<br />

ao mesmo tempo que se preten<strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> conhecimentos científicos sustentável e <strong>de</strong> excelência.<br />

Contudo, como dar contas a estas solicitações quando a<br />

nossa agenda está cada vez mais sobrecarregada, os dias<br />

<strong>de</strong>masiado preenchidos com tarefas estipuladas, <strong>de</strong>masiadas<br />

obrigações e responsabilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>masiada informação<br />

para absorver e mudanças rápidas para gerir, <strong>de</strong>masiados<br />

planos para cumprir e sucessos para conquistar?<br />

Antes <strong>de</strong> mais, há que consi<strong>de</strong>rar que esta não é uma<br />

preocupação recente, mas que remonta à antiguida<strong>de</strong><br />

greco-romana on<strong>de</strong> a cidadania se constituía como o âmago<br />

da vida em socieda<strong>de</strong> e, portanto, da relação dilemática<br />

entre o indivíduo e a colectivida<strong>de</strong>. É um constructo<br />

moral, tendo como valores básicos a liberda<strong>de</strong> e a igualda<strong>de</strong>;<br />

político, pois resulta da ambivalente tensão histórica<br />

entre os valores colectivos e os movimentos individualistas;<br />

jurídico, estando intimamente associado à questão dos<br />

direitos - civis, políticos e sociais - reconhecidos aos indivíduos<br />

e aos diferentes grupos sociais emergentes. Neste<br />

sentido, a cidadania não <strong>de</strong>ve constituir um fardo ou um<br />

item adicional às nossas agendas, mas sim uma referência<br />

que nos aju<strong>de</strong> a reflectir e a situar-nos sobre o momento<br />

actual que a socieda<strong>de</strong> (global) atravessa. Difícil será o<br />

exercício <strong>de</strong> abrandar o actual ritmo frenético que marca<br />

*aluna do Mestrado Intervenção Social, Inovação e Empreendorismo na FPCEUC<br />

Cartoon: Quino (1995).<br />

o compasso das nossas vidas e <strong>de</strong> retomar o uso qualitativo<br />

do tempo e <strong>de</strong> valores como a <strong>de</strong>scontracção, a simplicida<strong>de</strong><br />

e a pon<strong>de</strong>ração. Também a mudança, essa precipitada<br />

panaceia que invadiu o nosso discurso, dificulta o<br />

abrandamento <strong>de</strong>sse ritmo, até porque somos constantemente<br />

solicitados a ser criativos e inovadores em novas<br />

formas <strong>de</strong> pensar e intervir, mas parece nunca haver tempo<br />

para <strong>de</strong>ixar assentar tais mudanças e acabamos por<br />

rodopiar em torno <strong>de</strong> um perpétuo movimento <strong>de</strong> renovações.<br />

Por outro lado, o actual frenesim em torno da questão da<br />

cidadania justifica-se, em gran<strong>de</strong> medida, pela relação<br />

problemática entre esta e os sistemas <strong>de</strong>mocráticos, os<br />

quais procuram novas formas <strong>de</strong> conciliação entre as<br />

igualda<strong>de</strong>s colectivas e as liberda<strong>de</strong>s individuais. Historicamente,<br />

foram já <strong>de</strong>monstrados os perigos da hipervalorização<br />

<strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas dimensões: o sufoco das liberda<strong>de</strong>s<br />

individuais e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência do<br />

“mundo comum”, respectivamente. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que<br />

hoje as socieda<strong>de</strong>s procuram um ponto <strong>de</strong> equilíbrio e<br />

este movimento reclama esten<strong>de</strong>r-se para além das fronteiras<br />

do mundo Oci<strong>de</strong>ntal, superando as teses que assumem<br />

a cidadania como uma evidência universal a priori,<br />

legitimadoras <strong>de</strong> qualquer intervenção, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

das significações nacionais, religiosas, históricas e<br />

culturais. Deste modo, é premente validar as vozes que<br />

propõem que a cidadania <strong>de</strong>ve ser pensada no marco da<br />

diversida<strong>de</strong> cultural, sustentada em novas formas <strong>de</strong> reconhecimento<br />

da dignida<strong>de</strong> do Outro e numa reconversão<br />

global dos processos <strong>de</strong> socialização e dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Aqui, a cidadania po<strong>de</strong> ser entendida<br />

como libertação, pois reclama que nos soltemos um pouco<br />

dos enquadramentos com que estamos habituados a pensar<br />

o mundo e que tenhamos abertura suficiente para procurar<br />

novas formas <strong>de</strong> entendimento com o outro social<br />

que, afinal, somos nós também.

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