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78 Tor Sellström tal”, acrescentando ainda que ”Neto veio muitas vezes ter connosco, pedindo conselhos sobre vários assuntos, tanto internacionais como nacionais. Para nós, ele era tudo menos um revolucionário marxista implacável”. 208 O entendimento e respeito mútuos entre Palme e Neto foram confirmados em 1996 por várias pessoas mais próximas do falecido presidente angolano, de que são exemplo Ruth Neto, sua irmã e uma líder nacionalista proeminente, por direito próprio. 209 Paulo Jorge, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros angolano, fez nessa altura alusão a uma reunião na capital moçambicana, Maputo, na qual participaram Samora Machel e Joaquim Chissano da FRELIMO, o próprio e outros nacionalistas da África Austral, e em que se dirigiram a Palme como um ”combatente pela liberdade honorário”. 210 O diplomata angolano Alberto Ribeiro-Kabulu diria no final que Neto ”nutria um grande afecto por Olof Palme e os princípios da solidariedade social do Partido Social Democrata sueco atraíam-no bastante”. 211 Os contactos de Palme com Neto ajudaram-no a ver para além das aparências e a analisar o cerne do problema angolano. Em Fevereiro de 1976, ou seja, no pico da crise pós-independência em Angola, numa altura em que a CIA dos Estados Unidos apoiara, de forma encoberta, a incursão da FNLA a partir do Zaire, em que o exército sul-africano tinha abertamente invadido Angola a partir da Namíbia para apoiar a UNITA e em que o governo do MPLA se tinha voltado para Cuba para que lhe fosse concedida ajuda militar, Palme publicou um importante artigo no jornal liberal sueco Dagens Nyheter, em que dizia: Leio na imprensa que o MPLA é quase unanimemente descrito como ”marxista”, pró-soviético ou até, na imprensa moderada, como comunista. Trata-se de uma simplificação para fazer propaganda. O marxismo tem tido, se olharmos para a história, uma influência quase insignificante sobre o socialismo africano e o MPLA não diverge significativamente dos outros movimentos de libertação [...] Seja como for, os comunistas constituíram, até este ano, uma minoria muito reduzida no interior do MPLA. Contudo, existe de facto uma razão para esses rótulos. É mais legítimo combater ”comunistas” e ”terroristas” para apoiar os seus adversários. [...] O MPLA visitou a maioria dos países ocidentais no intuito de obter armas para a luta contra os portugueses. A resposta foi negativa. Em seguida, foram ter com a União Soviética e a resposta foi positiva. O MPLA tem recebido ultimamente um enorme apoio militar da União Soviética e de Cuba, que enviou também destacamentos militares em número assinalável para Angola, facto que criticámos, como criticamos qualquer outra intervenção estrangeira. [...] A posição sueca foi e continua a ser muito clara. Estamos contra qualquer ingerência externa nos assuntos internos de Angola. Essa ingerência tem de terminar. Angola deverá ter uma oportunidade de conseguir a independência nacional, uma posição de não-alinhamento e 208. Pierre Schori (1994) op. cit., p. 12. Cf. entrevista a Alberto Ribeiro-Kabulu, p. 26, onde recorda a forma como Palme, em 1977, durante uma conversa com Neto lhe disse ”não acredito que o senhor, com o seu passado, as suas atitudes e forma como tem liderado a luta de libertação, seja marxista”. Segundo Ribeiro, o comentário de Palme teve um profundo impacto em Neto que, pouco tempo depois, ”começou a trabalhar numa resolução independente para os conflitos em Angola e na Namíbia sem a participação de forças externas.” A iniciativa de Neto foi, contudo, deitada por terra pela doença que o atingiu e que lhe custaria a vida em Setembro de 1979. 209. Entrevista a Ruth Neto, p. 21. Ruth Neto foi, durante muitos anos, a responsável máxima pela Organização das Mulheres de Angola (OMA), alinhada com o MPLA. Essa organização, a seguir à independência, criou uma relação muito próxima com a Associação das Mulheres Suecas de Esquerda (Svenska Kvinnors Vänsterförbund) (SKV), sem filiação partidária 210. Entrevista a Paulo Jorge, p. 15. Paulo Jorge foi Director de Informação do MPLA no início da década de setenta, tendo sido também Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Popular de Angola entre 1976 e 1984. 211. Entrevista a Alberto Ribeiro-Kabulu, p. 27. Após a independência de Angola, Ribeiro-Kabulu foi, designadamente, Ministro da Indústria e da Energia.

Na via para o apoio oficial ao MPLA a oportunidade de conceber por si mesmo o seu próprio modelo de desenvolvimento interno. Estou convicto que isso concorrerá para os objectivos próprios do MPLA. [...] É importante recordar que a guerra que se trava em Angola não tem como intervenientes o ”Mundo Livre” e o ”Comunismo” e que não deve, de uma forma preconceituosa, ser vista com base nos clichés da guerra fria nem da perspectiva dos conflitos entre as super-potências. Trata-se fundamentalmente de uma continuação da longa luta de libertação em que se entrou há uma década e meia e que, na sua fase final, tem passado por momentos trágicos, provocados por clivagens internas e intervenção estrangeira. 212 Reacções suecas e portuguesas Os contactos entre o governo sueco e os movimentos de libertação nas colónias portuguesas, no final dos anos sessenta, eram vistos em geral ainda com cepticismo ou declarada reprovação pelos representantes diplomáticos da Suécia em Portugal e em alguns países importantes em África. Após uma reunião com os principais representantes das forças militares portuguesas, o embaixador da Suécia em Lisboa, Gunnar Dryselius, escreveu, por exemplo, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, em Março de 1969, dizendo que ”as reivindicações sobre as ”zonas libertadas” [...] são, em grande medida, infundadas. Os portugueses controlam completamente a situação, não só em Moçambique como em Angola, mas também na Guiné portuguesa”. 213 Obviamente impressionado pela informação fornecida pelos portugueses, 214 Dryselius concluía a carta dizendo ”Aquilo que tem vindo a ser dito, ou seja, a possibilidade de os movimentos liderados desde o exterior conseguirem averbar qualquer vitória decisiva ou mesmo essencial, seja ela militar ou política, sobre os portugueses, deve ser visto como estando totalmente dissociado da realidade”. 215 Da mesma forma, o embaixador da Suécia em Kinshasa, Olof Bjurström, que tinha, apesar de tudo, boas relações com Holden Roberto, líder da FNLA, e era favorável a que a Suécia concedesse ajuda humanitária aos refugiados angolanos no Congo, sem conotações a qualquer movimento, não deu mostras de qualquer confiança nos movimentos angolanos de libertação nem nos africanos em geral. Já estávamos em Outubro de 1970, quando Bjurström escreveu para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo dizendo: A eventual libertação de Angola dificilmente poderá ser conseguida pelos próprios angolanos. A guerrilha pode, evidentemente, constituir prova da aspiração do povo pela independência, mas duvido que esse facto, por si, possa tornar-se no factor decisivo. Não estamos aqui a falar dos argelinos nem doutro povo experiente e endurecido na guerra, mas de outros africanos, que são bastante mais primitivos e fracos. 216 Representantes oficiais da Suécia continuaram a expressar opiniões pró-portuguesas e preconceituosas por muito tempo depois da maioria parlamentar se ter expressado, por uma 212. Olof Palme: ”Kriget i Angola: Befrielsekampens fortsättning” (”A guerra em Angola: Continuação da luta de libertação”), em Dagens Nyheter, 4 de Fevereiro de 1976. 213. Carta de Gunnar Dryselius, embaixador da Suécia em Lisboa, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 6 de Março de 1969 (MFA). 214. De acordo com a informação recebida por Dryselius, as tropas portuguesas destacadas para as três colónias africanas chegavam aos 121.800 militares, 55.700 das quais em Angola, 41.100 em Moçambique e 25.000 na Guiné-Bissau (Ibid.) 215. Ibid. 216. Carta do embaixador da Suécia em Kinshasa, Olof Bjurström, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Kinshasa, 29 de Outubro de 1970 (MFA). 79

Na via para o apoio oficial ao MPLA<br />

a oportunidade de c<strong>on</strong>ceber por si mesmo o seu próprio modelo de desenvolvimento interno.<br />

Estou c<strong>on</strong>victo que isso c<strong>on</strong>correrá para os objectivos próprios do MPLA.<br />

[...] É importante recordar que a guerra que se trava em Angola não tem como intervenientes<br />

o ”Mundo Livre” e o ”Comunismo” e que não deve, de uma forma prec<strong>on</strong>ceituosa, ser vista<br />

com base nos clichés da guerra fria nem da perspectiva dos c<strong>on</strong>flitos entre as super-potências.<br />

Trata-se fundamentalmente de uma c<strong>on</strong>tinuação da l<strong>on</strong>ga luta de libertação em que se entrou<br />

há uma década e meia e que, na sua fase final, tem passado por momentos trágicos, provocados<br />

por clivagens internas e intervenção estrangeira. 212<br />

Reacções suecas e portuguesas<br />

Os c<strong>on</strong>tactos entre o governo sueco e os movimentos de libertação nas colónias portuguesas,<br />

no final dos anos sessenta, eram vistos em geral ainda com cepticismo ou declarada<br />

reprovação pelos representantes diplomáticos da Suécia em Portugal e em alguns<br />

países importantes em África. Após uma reunião com os principais representantes das<br />

forças militares portuguesas, o embaixador da Suécia em Lisboa, Gunnar Dryselius, escreveu,<br />

por exemplo, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, em Março<br />

de 1969, dizendo que ”as reivindicações sobre as ”z<strong>on</strong>as libertadas” [...] são, em grande<br />

medida, infundadas. Os portugueses c<strong>on</strong>trolam completamente a situação, não só em<br />

Moçambique como em Angola, mas também na Guiné portuguesa”. 213 Obviamente impressi<strong>on</strong>ado<br />

pela informação fornecida pelos portugueses, 214 Dryselius c<strong>on</strong>cluía a carta<br />

dizendo ”Aquilo que tem vindo a ser dito, ou seja, a possibilidade de os movimentos liderados<br />

desde o exterior c<strong>on</strong>seguirem averbar qualquer vitória decisiva ou mesmo essencial,<br />

seja ela militar ou política, sobre os portugueses, deve ser visto como estando totalmente<br />

dissociado da realidade”. 215 Da mesma forma, o embaixador da Suécia em Kinshasa,<br />

Olof Bjurström, que tinha, apesar de tudo, boas relações com Holden Roberto, líder da<br />

FNLA, e era favorável a que a Suécia c<strong>on</strong>cedesse ajuda humanitária aos refugiados angolanos<br />

no C<strong>on</strong>go, sem c<strong>on</strong>otações a qualquer movimento, não deu mostras de qualquer<br />

c<strong>on</strong>fiança nos movimentos angolanos de libertação nem nos africanos em geral. Já estávamos<br />

em Outubro de 1970, quando Bjurström escreveu para o Ministério dos Negócios<br />

Estrangeiros em Estocolmo dizendo:<br />

A eventual libertação de Angola dificilmente poderá ser c<strong>on</strong>seguida pelos próprios angolanos.<br />

A guerrilha pode, evidentemente, c<strong>on</strong>stituir prova da aspiração do povo pela independência,<br />

mas duvido que esse facto, por si, possa tornar-se no factor decisivo. Não estamos aqui a falar<br />

dos argelinos nem doutro povo experiente e endurecido na guerra, mas de outros africanos,<br />

que são bastante mais primitivos e fracos. 216<br />

Representantes oficiais da Suécia c<strong>on</strong>tinuaram a expressar opiniões pró-portuguesas e prec<strong>on</strong>ceituosas<br />

por muito tempo depois da maioria parlamentar se ter expressado, por uma<br />

212. Olof Palme: ”Kriget i Angola: Befrielsekampens fortsättning” (”A guerra em Angola: C<strong>on</strong>tinuação da luta de<br />

libertação”), em Dagens Nyheter, 4 de Fevereiro de 1976.<br />

213. Carta de Gunnar Dryselius, embaixador da Suécia em Lisboa, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa,<br />

6 de Março de 1969 (MFA).<br />

214. De acordo com a informação recebida por Dryselius, as tropas portuguesas destacadas para as três colónias<br />

africanas chegavam aos 121.800 militares, 55.700 das quais em Angola, 41.100 em Moçambique e 25.000 na<br />

Guiné-Bissau (Ibid.)<br />

215. Ibid.<br />

216. Carta do embaixador da Suécia em Kinshasa, Olof Bjurström, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Kinshasa,<br />

29 de Outubro de 1970 (MFA).<br />

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