Book 2.indb - The Nordic Documentation on the Liberation Struggle ...

Book 2.indb - The Nordic Documentation on the Liberation Struggle ... Book 2.indb - The Nordic Documentation on the Liberation Struggle ...

liberationafrica.se
from liberationafrica.se More from this publisher
19.06.2013 Views

38 Tor Sellström tal é possível, dir-se-ia que os seus relatos são ainda mais vivos, documentando a chegada ao Congo dos feridos e das vítimas famintas da contra-ofensiva dos militares portugueses no norte de Angola. 101 Antes de se deslocar ao Congo, Öste e Ehnmark estabeleceram contactos com o MPLA, tendo ambos tido experiência com um dos principais indicadores de um hiato trágico e, como depois se viria a confirmar, irreconciliável entre a UPA e o MPLA, nomeadamente aquele que viria depois a ser chamado o ”caso Ferreira”, 102 que influenciou fortemente as opiniões a nível internacional contra a UPA e Holden Roberto. Tomás Ferreira era um jovem comandante militar do MPLA, que era responsável, desde o seu exílio em Leopoldville, pelo apoio a grupos isolados de forças nacionalistas que lutavam na zona do Nambuangongo, a nordeste de Luanda. Quando Öste, em Maio de 1961, tentou entrar em Angola a partir do Congo, foi Ferreira quem tratou da logística. Foram contudo bloqueados pelas autoridades congolesas e detidos em Matadi, onde Ferreira foi agredido e preso pela polícia local. 103 Öste acabou por conseguir tirar Ferreira da prisão e levá-lo para Leopoldville. 104 Ehnmark, que tinha travado conhecimento com o MPLA através dos seus velhos contactos com os líderes do CONCP, também estava a tentar entrar em Angola e conheceu Ferreira em Julho. Contudo, o seu plano de acompanhar o comandante do MPLA, passando a fronteira, nunca chegou a ser realizado. Alguns meses depois, Öste e Ehnmark foram informados de que Ferreira tinha sido morto. Logo se começou a ventilar a hipótese de que o assassinato fora levado a cabo não pelos portugueses, nem pelos congoleses, mas sim pela UPA e que, depois de atravessar a fronteira de Angola no início de Outubro de 1961, Ferreira e o seu pelotão de vinte homens teriam sido interceptados pela UPA e executados. De início, Holden Roberto negou veementemente a participação da UPA mas, dois anos mais tarde, confirmou que tinha dado pessoalmente as ordens, no sentido de aniquilar as colunas do MPLA que tentavam infiltrar-se em Angola. 105 Ferreira e os seus homens não foram, longe disso, os últimos quadros do MPLA a morrer desta forma. No seu trabalho de base sobre a revolução angolana, John Marcum conclui que ”sempre que apareceu uma oportunidade para eliminar fisicamente líderes do MPLA, essa oportunidade foi aproveitada por um Holden Roberto inseguro e implacável”. 106 O caso Ferreira, que aconteceu apenas meses depois das insurreições do MPLA e da UPA contra os portugueses, foi ”um dos casos mais discutidos, mais lamentados e mais difíceis de explicar numa longa cadeia de tragédias humanas que minou a revolução angolana”. 107 Entrementes, o próprio Holden Roberto não dava mostras de muita preocupação. Em conversas com Öste na altura do assassinato de Ferreira, o líder da UPA declarou que o MPLA é um grupo de intelectuais, assimilados 108 e mulatos, que pretendem formar um 101. Por exemplo, Anders Ehnmark: ”Det smygande kriget i gräset” (”A guerra rastejante no capim”), em Expressen, 29 de Julho de 1961. 102. Ver Marcum (1969) op. cit., pp. 210–214 e Davidson (1972) op. cit., pp. 211–212. 103. Öste em Expressen, 16 de Junho de 1961. No artigo, Öste refere-se a Ferreira como ”Fernando”. 104. Öste op. cit., p. 221. 105. Marcum (1969) op. cit., p. 214 e Davidson (1972) op. cit., p. 212. 106. Marcum (1978) op. cit., p. 198. 107. Marcum (1969) op. cit., p. 211. 108. De acordo com a legislação em vigor entre 1926 e 1961, os africanos eram classificados como portugueses ”assimilados” e era-lhes concedida a cidadania. Para ser reconhecida como assimilado, a pessoa tinha de ser maior de idade, saber falar e escrever português, fazer prova de se sustentar a si próprio, adoptar os valores culturais portugueses e, em geral, ”ser considerado de bom carácter”. Este estatuto estava ao alcance de muito poucos africanos. A

governo em cooperação com os donos de plantações portugueses. Querem proteger a sua própria posição. Eles são a futura burguesia. [...] Você falou de Tomás Ferreira, que conhece. Mas quem é ele? Um fala-barato; um homem sem tropas; um aldrabão, que nunca viu um combate à frente. 109 A campanha de Angola de 1961 e a visita de Galvão A tragédia humana que se verificou no norte de Angola e a situação dos refugiados no Baixo Congo era bem conhecida na Suécia quando o CONCP, em finais de Junho de 1961, abordou o Expressen com um pedido de ajuda. Sabendo que muitos dos refugiados que afluíam ao Congo tinham feridas abertas ou sofriam de pneumonia, a organização solicitou expressamente que fossem dados antibióticos. O Insurreições em Angola, reacções na Suécia Anders Ehnmark do ”Expressen” (à direita) e Bertil Stilling, na fronteira entre o Congo (Leopoldville) e Angola, Julho de 1961. (Foto: Pressens Bild) Expressen reagiu positivamente e lançou imediatamente uma campanha, no sentido de obter penicilina para a população refugiada. A campanha foi levada a cabo em colaboração com a Igreja Evangélica da Suécia, que tinha muitos missionários a trabalhar no Baixo Congo e conhecia as condições locais. Para além de obter contribuições em dinheiro do público em geral, pediu-se também às empresas farmacêuticas suecas que contribuíssem para a campanha, desafio a que respondeu, por exemplo, a AB Kemiintressen. 110 Apesar de ter sido feita durante as férias de verão na Suécia, entre Julho e Setembro, a campanha em prol de Angola foi recebida de uma forma extraordinária. Muitos dos grupos de teatro e artistas mais conhecidos da Suécia participaram na iniciativa, fazendo reverter as receitas das suas actuações para a causa angolana. 111 No final da campanha, o valor total das contribuições em dinheiro e em géneros rondava as 251.000 coroas suecas. 112 Do total de 19 toneladas de medicamentos registadas pela Cruz Vermelha Internacional para os refugiados angolanos no Congo, cerca de 4 toneladas e meia, cerca de distinção foi abolida em termos formais em 1961, altura em que Portugal, pelo menos na teoria, reconheceu direitos cívicos a todos os habitantes das ”províncias ultramarinas”. 109. Citado em Öste op. cit., p. 222–223. 110. Expressen, 26 de Dezembro de 1961. 111. Foi, por exemplo, o caso de ”A peça do castelo” (Slottsspelen) em Uppsala (Expressen, 17 e 21 de Julho de 1961), do ”Variedades chinesas” (China-varieten) de Estocolmo (Expressen, 22 e 28 de Julho de 1961) e a popular cantora Siw Malmkvist em Karlstad (Expressen, 28 de Julho de 1961). 112. Expressen, 26 de Dezembro de 1961. A campanha na Namíbia foi levada a cabo pelo Aftonbladet e pelo Arbetet entre meados de 1966 e até ao princípio de 1967 angariaram um total de 101.000 coroas suecas. 39

38<br />

Tor Sellström<br />

tal é possível, dir-se-ia que os seus relatos são ainda mais vivos, documentando a chegada<br />

ao C<strong>on</strong>go dos feridos e das vítimas famintas da c<strong>on</strong>tra-ofensiva dos militares portugueses<br />

no norte de Angola. 101<br />

Antes de se deslocar ao C<strong>on</strong>go, Öste e Ehnmark estabeleceram c<strong>on</strong>tactos com o<br />

MPLA, tendo ambos tido experiência com um dos principais indicadores de um hiato<br />

trágico e, como depois se viria a c<strong>on</strong>firmar, irrec<strong>on</strong>ciliável entre a UPA e o MPLA, nomeadamente<br />

aquele que viria depois a ser chamado o ”caso Ferreira”, 102 que influenciou<br />

fortemente as opiniões a nível internaci<strong>on</strong>al c<strong>on</strong>tra a UPA e Holden Roberto.<br />

Tomás Ferreira era um jovem comandante militar do MPLA, que era resp<strong>on</strong>sável,<br />

desde o seu exílio em Leopoldville, pelo apoio a grupos isolados de forças naci<strong>on</strong>alistas<br />

que lutavam na z<strong>on</strong>a do Nambuang<strong>on</strong>go, a nordeste de Luanda. Quando Öste, em Maio<br />

de 1961, tentou entrar em Angola a partir do C<strong>on</strong>go, foi Ferreira quem tratou da logística.<br />

Foram c<strong>on</strong>tudo bloqueados pelas autoridades c<strong>on</strong>golesas e detidos em Matadi, <strong>on</strong>de<br />

Ferreira foi agredido e preso pela polícia local. 103 Öste acabou por c<strong>on</strong>seguir tirar Ferreira<br />

da prisão e levá-lo para Leopoldville. 104 Ehnmark, que tinha travado c<strong>on</strong>hecimento com<br />

o MPLA através dos seus velhos c<strong>on</strong>tactos com os líderes do CONCP, também estava a<br />

tentar entrar em Angola e c<strong>on</strong>heceu Ferreira em Julho. C<strong>on</strong>tudo, o seu plano de acompanhar<br />

o comandante do MPLA, passando a fr<strong>on</strong>teira, nunca chegou a ser realizado.<br />

Alguns meses depois, Öste e Ehnmark foram informados de que Ferreira tinha sido<br />

morto. Logo se começou a ventilar a hipótese de que o assassinato fora levado a cabo não<br />

pelos portugueses, nem pelos c<strong>on</strong>goleses, mas sim pela UPA e que, depois de atravessar<br />

a fr<strong>on</strong>teira de Angola no início de Outubro de 1961, Ferreira e o seu pelotão de vinte<br />

homens teriam sido interceptados pela UPA e executados. De início, Holden Roberto<br />

negou veementemente a participação da UPA mas, dois anos mais tarde, c<strong>on</strong>firmou que<br />

tinha dado pessoalmente as ordens, no sentido de aniquilar as colunas do MPLA que<br />

tentavam infiltrar-se em Angola. 105 Ferreira e os seus homens não foram, l<strong>on</strong>ge disso,<br />

os últimos quadros do MPLA a morrer desta forma. No seu trabalho de base sobre a<br />

revolução angolana, John Marcum c<strong>on</strong>clui que ”sempre que apareceu uma oportunidade<br />

para eliminar fisicamente líderes do MPLA, essa oportunidade foi aproveitada por<br />

um Holden Roberto inseguro e implacável”. 106 O caso Ferreira, que ac<strong>on</strong>teceu apenas<br />

meses depois das insurreições do MPLA e da UPA c<strong>on</strong>tra os portugueses, foi ”um dos<br />

casos mais discutidos, mais lamentados e mais difíceis de explicar numa l<strong>on</strong>ga cadeia de<br />

tragédias humanas que minou a revolução angolana”. 107 Entrementes, o próprio Holden<br />

Roberto não dava mostras de muita preocupação. Em c<strong>on</strong>versas com Öste na altura do<br />

assassinato de Ferreira, o líder da UPA declarou que<br />

o MPLA é um grupo de intelectuais, assimilados 108 e mulatos, que pretendem formar um<br />

101. Por exemplo, Anders Ehnmark: ”Det smygande kriget i gräset” (”A guerra rastejante no capim”), em Expressen,<br />

29 de Julho de 1961.<br />

102. Ver Marcum (1969) op. cit., pp. 210–214 e Davids<strong>on</strong> (1972) op. cit., pp. 211–212.<br />

103. Öste em Expressen, 16 de Junho de 1961. No artigo, Öste refere-se a Ferreira como ”Fernando”.<br />

104. Öste op. cit., p. 221.<br />

105. Marcum (1969) op. cit., p. 214 e Davids<strong>on</strong> (1972) op. cit., p. 212.<br />

106. Marcum (1978) op. cit., p. 198.<br />

107. Marcum (1969) op. cit., p. 211.<br />

108. De acordo com a legislação em vigor entre 1926 e 1961, os africanos eram classificados como portugueses<br />

”assimilados” e era-lhes c<strong>on</strong>cedida a cidadania. Para ser rec<strong>on</strong>hecida como assimilado, a pessoa tinha de ser maior<br />

de idade, saber falar e escrever português, fazer prova de se sustentar a si próprio, adoptar os valores culturais portugueses<br />

e, em geral, ”ser c<strong>on</strong>siderado de bom carácter”. Este estatuto estava ao alcance de muito poucos africanos. A

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!