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270 Tor Sellström um terreno de entendimento mútuo à volta de ideias básicas e partilhadas sobre direitos humanos e ordem mundial. Em termos de política externa, todos os estados se esforçam por promover e apoiar valores e normas fundamentais próprios. A Suécia após a Segunda Guerra Mundial com um governo do Partido Social Democrata e desfrutando de uma grande base de apoio fora dos círculos do próprio partido22 , construía os alicerces para a criação de uma sociedade paritária baseada na segurança social e na solidariedade e, por isso, o apartheid e o colonialismo constituíam verdadeiras afrontas. A Suécia tinha conseguido ficar de fora da guerra, mas os seus horrores, nomeadamente o racismo e a ocupação estrangeira tinham acontecido há suficientemente pouco tempo para que todos deles se lembrassem. 23 Os regimes brancos da África Austral eram vistos na Suécia como autores de atentados, não apenas contra os direitos humanos mais fundamentais, mas também contra as liberdades liberais e a igualdade entre as nações, em que o mundo do pós-guerra deveria assentar. O apartheid e a opressão colonial não eram vistos como questões internas desses países mas, de uma forma geral, como crimes contra a humanidade. Em 1995, o antigo ministro sul africano dos Negócios Estrangeiros, Roelof ”Pik” Botha, que exerceu funções na Embaixada da África do Sul em Estocolmo entre 1956 e 1960, recordou que a Suécia tinha uma obsessão no sentido de nunca mais voltar a haver racismo, sabendo o que ele tinha feito ao mundo. [...] Prevaleceu uma filosofia de base, assente na justiça e na equidade. A descriminação racial, autorgação de direitos e deveres com base na pertença a um grupo, classe, raça ou religião constituía um anátema. [...] A comunicação social mais alerta para estas questões e outros orgãos viram sempre este assunto como se de uma cruzada se tratasse, como algo por que tinham de lutar. Independentemente de onde se verificasse, eles estavam contra. Daí que se tivessem colocado ao lado das organizações no terreno e professassem que estavam a representar a maioria do povo, que buscava a liberdade. [...] Tratava-se de um assédio muito forte e emotivo, mas mesmo assim de cariz intelectual. 24 Como um estado que não assina alianças, externo aos dois blocos em confrontação, o direito à autodeterminação fazia parte do sistema nacional de valores ideológicos e era de importância vital para a Suécia do ponto de vista da segurança. A posição do governo neste aspecto colocá-lo-ia, em primeira instância, em oposição com as potências coloniais europeias e com a África do Sul. Em Dezembro de 1959, a Suécia tornou-se no primeiro país ocidental a votar, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a favor do direito da Argélia à autodeterminação e, no ano seguinte, contava-se entre os países que apoiaram a Declaração de Descolonização, enquanto a Grã-Bretanha, a França, Portugal, a África do Sul e os Estados Unidos se abstiveram. Em 1960, o partido no poder aprovou também um manifesto em que figuravam de forma destacada os conceitos de libertação nacional e de solidariedade internacional: ”O Partido Social Democrata saúda a emancipação dos povos oprimidos com satisfação e compreensão. [...] Nas relações entre países ricos e pobres, a social democracia deve salvaguardar os ideais da igualdade e da solidariedade, que sempre nortearam a sua luta nos países desenvolvidos”. Na perspectiva da Suécia, a descolonização e a autodeterminação eram, não apenas um direito universal, mas também uma importante alavanca no sentido de romper a di- 22. O Partido do Centro (na altura designado Liga dos Agricultores) integrou o governo da Suécia entre 1951 e 1957. 23. Houve quem dissesse que a posição da Suécia durante a guerra gerou muito peso nas consciências e sentimentos de culpa. Ver, por exemplo, a entrevista com Carl Tham, p. 340. 24. Entrevista com Roelof ”Pik” Botha, p. 111.

Nota final visão provocada pela guerra fria entre os blocos das duas potências e alargar o campo dos não-alinhados, visto como uma força para o desanuviamento e para a paz. Com base na suposição de que as nações emergentes enveredariam por uma via sem alianças, havia um importante elemento de interesse estratégico próprio na promoção da libertação nacional (e na concessão de ajuda para o desenvolvimento a estados recentemente independentes). O Decreto-Lei 100: 1962, redigido por um grupo de trabalho liderado por Olof Palme e a que se chamou ”a Bíblia da ajuda sueca para o desenvolvimento”, era muito claro neste aspecto, definindo que entre os povos da Ásia e de África que conquistaram recentemente ou vão conquistar em breve a independência total há uma forte ambição de se manterem afastados da influência das grandes potências e de levar a cabo aquilo que esses próprios países chamam amiúde de política de neutralidade. A política desses países e a linha de conduta da Suécia divergem em larga medida, tendo em consideração a origem e a forma. Contudo, muitas vezes, essas políticas têm também muito em comum na medida em que existe um interesse e uma disponibilidade comuns no sentido de cooperar para se desenvolverem. [...] Daí que os esforços para manter e consolidar um entendimento com a Suécia, enquanto país neutro e progressista que é, tenha que ser considerado como um interesse relevante da Suécia. Esse, como se lhe chama no Decreto-Lei, ”paralelismo de interesses” explica em grande medida os motivos que estiveram na base do envolvimento da Suécia com os movimentos de libertação nacional da África Austral. Os povos que acabariam por conseguir a independência nacional deviam, em conjunto com a Suécia, seguir uma via como não-alinhados, distantes dos blocos de potências que se opunham um ao outro. Da perspectiva dos movimentos de libertação também existiam interesses comuns. No caso da FRELIMO de Moçambique era, por exemplo, importante ”romper com a dicotomia mau–bom, Ocidente–Leste”. 25 O presidente Joaquim Chissano viria a declarar que ”era claramente do nosso interesse dispor do apoio da Suécia, pois confirmava a nossa política em termos de relações internacionais. [...] Queríamos ser tão independentes quanto possível”. 26 Alinhando pelo mesmo diapasão, Thabo Mbeki do ANC, primeiro vice presidente da África do Sul, declarou em 1995 que a posição da Suécia criou mais espaço do que a posição africana ou a não-alinhada. Criou espaço para que o ANC pudesse lidar com o resto do mundo ocidental, e não apenas com este mas, mesmo relativamente ao mundo de Leste e às relações do ANC com esses países. 27 Para além disso, a filiação activa das Nações Unidas evoluiu, no período do pós-guerra, no sentido de constituir parte integrante do quadro ideológico nacional de política externa. A Suécia tornou-se num membro ”adepto” das Nações Unidas. 28 Como tal, durante a década de sessenta viria simultaneamente a manter de forma firme os princípios definidos na Carta das Nações Unidas relativamente a sanções económicas, opondo-se às exigências do movimento de solidariedade no sentido de se proceder a acções unilaterais, e seguindo as recomendações da organização mundial quanto à ajuda aos oprimidos na África Austral. Foi fazendo referência às Nações Unidas que o parlamento sueco aprovou, em Maio de 1969, uma política de apoio directo aos movimentos de libertação. Adepta fervorosa da procura de soluções pacíficas, a Suécia limitaria de forma rigorosa o seu 25. Entrevista com Jorge Rebelo, p. 45. 26. Entrevista com Joaquim Chissano, p. 38. 27. Entrevista com Thabo Mbeki, p. 153. 28. Möllander op. cit., p. 7. 271

Nota final<br />

visão provocada pela guerra fria entre os blocos das duas potências e alargar o campo dos<br />

não-alinhados, visto como uma força para o desanuviamento e para a paz. Com base na<br />

suposição de que as nações emergentes enveredariam por uma via sem alianças, havia um<br />

importante elemento de interesse estratégico próprio na promoção da libertação naci<strong>on</strong>al<br />

(e na c<strong>on</strong>cessão de ajuda para o desenvolvimento a estados recentemente independentes).<br />

O Decreto-Lei 100: 1962, redigido por um grupo de trabalho liderado por Olof Palme e<br />

a que se chamou ”a Bíblia da ajuda sueca para o desenvolvimento”, era muito claro neste<br />

aspecto, definindo que<br />

entre os povos da Ásia e de África que c<strong>on</strong>quistaram recentemente ou vão c<strong>on</strong>quistar em breve<br />

a independência total há uma forte ambição de se manterem afastados da influência das grandes<br />

potências e de levar a cabo aquilo que esses próprios países chamam amiúde de política<br />

de neutralidade. A política desses países e a linha de c<strong>on</strong>duta da Suécia divergem em larga<br />

medida, tendo em c<strong>on</strong>sideração a origem e a forma. C<strong>on</strong>tudo, muitas vezes, essas políticas<br />

têm também muito em comum na medida em que existe um interesse e uma disp<strong>on</strong>ibilidade<br />

comuns no sentido de cooperar para se desenvolverem. [...] Daí que os esforços para manter e<br />

c<strong>on</strong>solidar um entendimento com a Suécia, enquanto país neutro e progressista que é, tenha<br />

que ser c<strong>on</strong>siderado como um interesse relevante da Suécia.<br />

Esse, como se lhe chama no Decreto-Lei, ”paralelismo de interesses” explica em grande<br />

medida os motivos que estiveram na base do envolvimento da Suécia com os movimentos<br />

de libertação naci<strong>on</strong>al da África Austral. Os povos que acabariam por c<strong>on</strong>seguir a independência<br />

naci<strong>on</strong>al deviam, em c<strong>on</strong>junto com a Suécia, seguir uma via como não-alinhados,<br />

distantes dos blocos de potências que se opunham um ao outro. Da perspectiva dos<br />

movimentos de libertação também existiam interesses comuns. No caso da FRELIMO<br />

de Moçambique era, por exemplo, importante ”romper com a dicotomia mau–bom,<br />

Ocidente–Leste”. 25 O presidente Joaquim Chissano viria a declarar que ”era claramente<br />

do nosso interesse dispor do apoio da Suécia, pois c<strong>on</strong>firmava a nossa política em termos<br />

de relações internaci<strong>on</strong>ais. [...] Queríamos ser tão independentes quanto possível”. 26 Alinhando<br />

pelo mesmo diapasão, Thabo Mbeki do ANC, primeiro vice presidente da África<br />

do Sul, declarou em 1995 que<br />

a posição da Suécia criou mais espaço do que a posição africana ou a não-alinhada. Criou<br />

espaço para que o ANC pudesse lidar com o resto do mundo ocidental, e não apenas com este<br />

mas, mesmo relativamente ao mundo de Leste e às relações do ANC com esses países. 27<br />

Para além disso, a filiação activa das Nações Unidas evoluiu, no período do pós-guerra,<br />

no sentido de c<strong>on</strong>stituir parte integrante do quadro ideológico naci<strong>on</strong>al de política externa.<br />

A Suécia tornou-se num membro ”adepto” das Nações Unidas. 28 Como tal, durante<br />

a década de sessenta viria simultaneamente a manter de forma firme os princípios<br />

definidos na Carta das Nações Unidas relativamente a sanções ec<strong>on</strong>ómicas, op<strong>on</strong>do-se às<br />

exigências do movimento de solidariedade no sentido de se proceder a acções unilaterais,<br />

e seguindo as recomendações da organização mundial quanto à ajuda aos oprimidos na<br />

África Austral. Foi fazendo referência às Nações Unidas que o parlamento sueco aprovou,<br />

em Maio de 1969, uma política de apoio directo aos movimentos de libertação. Adepta<br />

fervorosa da procura de soluções pacíficas, a Suécia limitaria de forma rigorosa o seu<br />

25. Entrevista com Jorge Rebelo, p. 45.<br />

26. Entrevista com Joaquim Chissano, p. 38.<br />

27. Entrevista com Thabo Mbeki, p. 153.<br />

28. Möllander op. cit., p. 7.<br />

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